Episódio Local – O Homem Que Não Chora (Parte 1)
Tradutor: PH
Poderia se dizer que o desenvolvimento da América como uma nação ocorreu lado a lado com o desenvolvimento de tecnologias de transporte e comunicação.
Os pioneiros – ou para alguns, invasores – que abriram caminho para a expansão do oeste Americano foram os mais beneficiados com o desenvolvimento dos trilhos e a finalização da ferrovia transcontinental.
Os trilhos continuaram a evoluir muito após o término da era dos pioneiros. Seu crescimento não conhecia qualquer tipo de obstáculo, tornando até mesmo a Grande Depressão obsoleta em seu pico, em 1930.
Os desempregados eram mais de oito milhões em 1931, e a Marcha da Fome encaminhou-se até a Casa Branca, tendo sua comida e bebida toda transportada por trem. A era dourada das ferrovias iria continuar até a súbita explosão de popularidade dos carros e aviões tomar seu lugar décadas depois.
Todos os caminhos eram conectados por trilhos. As incontáveis e permanentes barras de aço estabelecidas pelas esperanças dos pioneiros ainda continuavam a carregar o Sonho Americano em seus ombros.
Ao menos, isso era o que os ricos acreditavam.
O Flying Pussyfoot era intrigante, um trem criado por uma companhia afortunada que conseguiu se recuperar da crise.
Seu design foi baseado nos trens usados pela realeza britânica. O interior dos trens de Primeira Classe eram inteiramente decorados com mármore e afins, e trens de Segunda Classe não eram desleixados, também.
A maioria dos trens tinha cabines da Primeira, Segunda e Terceira Classe em todo vagão, com cada um deles estruturado de maneira que as cabines de Terceira Classe estivessem diretamente em cima das áreas mal amortecidas, logo acima das rodas.
O Flying Pussyfoot, porém, dividia seus vagões entre as Classes. Na frente estava a locomotiva, seguida de três vagões de Primeira Classe, um de jantar, três de Segunda Classe, um único para a Terceira Classe, três vagões de carga comum e um para carga excedente, e outro para a frenagem.
Com exceção do vagão de jantar, o corredor sempre estava no lado esquerdo. Passageiros iriam notar os números de cabine em cada porta e entrar em seus quartos designados. Ao invés de ter vagões de carga especializados para cada tipo de mercada, como os da maiorias dos trens, o Flying Pussyfoot tinha três vagões adaptados para armazenar mais de uma mercadoria, esses que também tinham os corredores do lado esquerdo.
Preferindo design e formato à praticidade, era um trem para os exuberantes novos ricos; A Terceira Classe, que estava lá apenas por formalidade, era quase triste de se ver.
De cada lado dos vagões haviam ornamentos que pareciam como estátuas achatadas, cada uma apenas compunha a barata sombra de grandiosidade que era incorporada pelo Flying Pussyfoot.
A coisa mais estranha sobre esse trem era o fato de que ele trabalhava separadamente das operações normais das companhias ferroviárias. Ele operava na condição de reservar o espaço dos trilhos, como um trem da realeza moderna.
E no dia 30 de Dezembro de 1931, as cortinas revelariam a tragédia que ocorreu nesse trem.
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Já haviam passado algumas horas desde a partida. O céu do lado de fora havia começado a escurecer.
“O que você acha, rapaz? Já está acostumado com esse trabalho?” O condutor de meia idade perguntou, em pé com suas costas viradas para a janela.
“Ah… Sim. Mais ou menos.” O jovem condutor elevou sua cabeça, respondendo vagamente.
Agora eles estavam na metade do caminho dessa longa viagem, mas essa era a primeira vez que o homem mais velho disse algo para ele. O jovem calmamente encarava seu companheiro, surpreso pela pergunta súbita.
Agora que eu paro para pensar, eu nunca havia olhado direito para o rosto dele antes.
O rapaz estava surpreso pelo seu próprio desinteresse. O rosto refletido em seus olhos, porém, sorria quase mecanicamente. Era como se o velho condutor estivesse forçando seu sorriso, fazendo as rugas em seu rosto aprofundarem-se cada vez mais.
“Entendo… Isso é bom de se ouvir. Veja, algumas vezes quando eu olho para o mundo exterior daqui, crescendo cada vez mais distante, eu me encontro sentindo solidão… E medo.”
“Haha! Eu acho que entendo o que você está falando.”
“Todo tipo de medo espreita no interior da ansiedade. Ainda mais quando você está no meio de um túnel escuro.”
“Sim! É exatamente isso! Todos os outros ficam me contando histórias de terror; Algumas vezes eu fico assustado quando estou sozinho de noite!” O condutor mais novo concordou, adicionando suas próprias experiências. “Não é muito bom, sabe? Atormentar um novato com histórias assustadoras sobre um homem feito de abelhas com um gancho no lugar da mão, ou rumores sobre sinos que tocam em cabines desertas.
Para alguém que supostamente não era um fã de histórias assustadoras, os olhos do jovem positivamente brilhavam com ânimo. Era fácil dizer que ele realmente havia se assustado em algumas das ocasiões.
“E aquela outra história, sobre o Espreitador de Trilhos.”
“?”
O mais velho havia trabalhado nos trilhos por vários anos, mas essa era a primeira vez que havia escutado algo assim.
“Oh, você não ouviu sobre o Espreitador de Trilhos?”
Ele não estava interessado, mas já era quase a hora designada. Ele não via mal em escutar seu companheiro. Sorriu astutamente, porém com certa pena, decidindo animar o jovem condutor.
“É uma história simples. Eles dizem que há um monstro que persegue trens na calada da noite.”
“Um monstro?”
“Isso. Ele se torna um com as sombras, se transformando em todo tipo de forma enquanto lentamente chega mais perto do trem. Algumas vezes parece um lobo, ou a neblina, ou até mesmo com um trem igual aquele em que você está. Outras vezes é um gigante sem olhos, ou milhares de olhos amontoados… De qualquer forma, ele assume várias formas enquanto segue os trilhos.”
“E o que acontece quando você é pego?”
“O negócio é: No começo ninguém percebe ele chegando. Mas as pessoas percebem que algo está estranho.”
“Como?”
“Pessoas começam a desaparecer, uma por uma, começando da traseira do trem. No fim, todos desaparecem, e é como se o trem nunca tivesse existido desde o começo.”
O mais velho fez uma pergunta razoável:
“Então como a história é passada?”
Apesar de ter se encontrado com o tipo de pergunta que normalmente era um tabu entre as lendas urbanas como essa, o jovem não foi nem um pouco surpreendido.
“Claro, é porque alguns trens conseguem sobreviver.”
“Como?”
“Haha! Não me apresse. Ainda há mais um pouco da história.” Ele sorriu prazerosamente, e logo foi para o que importava. “Veja, eles dizem que mencionar seu nome o invoca; O Espreitador de Trilhos, quero dizer.”
O homem estava desapontado, de certa forma.
Então é apenas uma lenda urbana. Tenho certeza que eu consigo adivinhar o que ele vai dizer agora.
O jovem continuou justamente como o seu companheiro mais velho esperava.
“Mas veja, há uma maneira de pará-lo!”
“Espere um pouco, está na hora.”
Era a hora de seu relatório regular, então o velho condutor apertou o interruptor e ligou a lâmpada que sinalizava que tudo estava certo.
Uma luz brilhante invadiu o interior da cabine do condutor, vindo da cada um dos lados das paredes externas. As lâmpadas traseiras que estavam fixas ao último vagão do trem eram usadas para sinalizar a passagem do trem para as pessoas em cada lado dos trilhos.
O Flying Pussyfoot, porém, também tinha uma lâmpada maior abaixo das lâmpadas traseiras tradicionais.
As regulações de operação desse trem ditavam que o vagão do condutor teria que manter contato regular com a locomotiva. Isso era para certificar de que os engenheiros na locomotiva iriam saber rapidamente se os outros vagões deveriam ser desengatados.
Era um sistema antiquado e desnecessário, mas era parte do pacote de ostentação do Flying Pussyfoot. Os condutores não reclamaram do sistema, fielmente acendendo as lâmpadas na hora designada.
Mas para o condutor mais velho, o sinal tinha um segundo propósito.
O mais jovem esperou o seu companheiro desligar a lâmpada e animadamente continuou a contar sua história.
“Onde eu estava… Ah, certo! Então, há uma maneira de pará-lo-”
“Espere. Por que você não guarda a surpresa para mais tarde? Eu sei uma história similar, então me escute primeiro.”
O rapaz assentiu afirmativamente. “Trocando táticas de sobrevivência, uh? Isso parece interessante.”
O outro condutor olhou para o seu companheiro animado com uma mistura de pena e condescendência, assim começando sua história; A história sobre sua própria identidade.
“É uma história bem simples e comum. É uma história sobre os Lemures, fantasmas que temiam tanto a morte que tornaram-se fantasmas vivos.”
“…? Oh.”
“Veja, os fantasmas tinham um líder. O líder tentou trazer eles de volta à vida tingindo tudo que eles temiam com sua própria cor. Mas os federais desgraçados têm medo dessa ressurreição! E esses tolos imprudentes estão tentando sepultar o líder dos fantasmas!”
O garoto não entendia muito bem o que seu companheiro estava falando, mas ele podia sentir que a voz daquele velho homem estava preenchida por raiva, o fazendo sentir um arrepio percorrer a sua espinha.
“Hm, senhor?”
“Então é por isso que os outros fantasmas tiveram um plano. Eles iriam fazer centenas de pessoas de refém, incluindo a família do Senador, e demandariam a liberdade de seu líder. Os federais nunca aceitariam nossas condições se a tomada de reféns viesse ao público. Então é por isso que as negociações devem ser feitas em segredo. Nós não daremos tempo para eles fazerem uma decisão racional. Eles apenas têm até esse trem chegar à Nova York!”
“Um Senador… Você está falando do Senador Beriam? Está falando desse trem? O que está acontecendo aqui, senhor? Por favor explique!”
O jovem condutor finalmente pareceu entender a posição em que estava, então começou a afastar-se de seu companheiro.
“‘Explicar’? Isso é exatamente o que estou fazendo. Sendo sincero, eu nunca imaginei que virar um maquinista seria tão útil. Mas de qualquer forma, esse trem agora é o quartel-general móvel dos Lemures! E com os reféns sendo nossos escudos humanos, nós desapareceremos em algum lugar em meio aos trilhos. Afinal, nem mesmo a polícia consegue monitorar toda a extensão dessa ferrovia.”
“E-e quanto ao líder?” O rapaz perguntou, afastando-se mais. Porém, suas costas se chocaram com a parede; A cabine do maquinista não era tão grande assim.
“Nosso líder, Mestre Huey, será questionado pelo Departamento de Justiça amanhã em Nova York. É por isso que escolhemos esse trem para ser nosso sacrifício!”
O trem chegaria em Nova York amanhã de tarde. Se as negociações dessem certo, eles provavelmente iriam colocar seu líder no trem e escapar com os reféns.
O rapaz agora sabia o que seu companheiro estava planejando. Ele encarou o homem nos olhos e fez uma pergunta óbvia.
“Então… Por que você está me contando tudo isso…?”
A resposta era simples demais para adivinhar.
“Mestre Huey é um homem piedoso. Eu meramente estou seguindo seu exemplo. Você é um homem feliz, sabe, vendo que você irá morrer sabendo que eu irei matar você.”
O condutor de meia idade sacou uma arma.
“Agora, sobre como escapar desse desastre… A coisa é, não há como escapar. Não há como ser poupado!”
Apontando a arma para o rosto do seu companheiro, o homem terminou a sua história e puxou o gatilho.
Um tiro.
Os trilhos carregaram o som agudo enquanto ecoava por toda a cabine.
Eles carregaram o som pela noite escura e interminável.
E o monstro foi despertado.
Seu nome–
‘Espreitador de Trilhos’.
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Um tempo antes.
O sol se pôs durante aquela viagem de trem, ainda sem eventos, enquanto todo tipo de passageiros reuniam-se para a janta no vagão de jantar.
O design do salão também havia sido baseado nos trens da realeza. As cores simples dos acabamentos de madeira e os extravagantes ornamentos de ouro uniam-se para criar uma atmosfera elegante.
Qualquer passageiro, não importava sua classe, tinha a permissão de ir ao local. Até aqueles na Terceira Classe podiam comer como reis, sendo essa uma das razões por que esse trem era tão popular.
Metade do vagão era ocupado por um salão com mesas, e a outra metade exibia uma cozinha e uma linha de bancos juntos de um balcão. Diversos cozinheiros apressadamente moviam-se pela cozinha apertada, usando o pequeno espaço que tinham com eficiência para criar seus agradáveis odores e sabores. Sobre as mesas de jantar haviam de tudo, desde culinária francesa até comida chinesa, e até mesmo Jambalaya.
(NT: Prato típica de Nova Orleans, nos Estados Unidos. Consiste em arroz, frango, camarão e diversos vegetais.)
Porém, havia um certo grupo de homens que não estava tão focado em sua comida como o restante das pessoas presentes.
“Eu já te disse, nós não podemos discutir isso agora, Jacuzzi. Os outros passageiros podem estar escutando.”
“Entendeu, Jacuzzi? Pois deveria.”
Jacuzzi estava sentado em um banco no balcão, sendo repreendido por dois homens. Ambos estavam do outro lado do balcão; Um deles estava vestido como um cozinheiro, e o outro como um barman.
O cozinheiro era do Leste Asiático, e o barman era irlandês. Os dois eram amigos de Jacuzzi, assim como funcionários que tornaram o plano de roubo possível.
“Não, bem, hm… Eu sei, eu sei. Fang, John, vocês estão certos.” Uma dupla de imigrantes formada por um sino-americano e um irlandês era bastante incomum nessa época, mas os dois haviam sido expulsos de suas respectivas comunidades após causar alguns problemas.
Jacuzzi aceitava pessoas como eles em sua gangue sem preconceito, eventualmente tornando-se o pilar central da gangue de delinquentes. Ele particularmente nunca quis ser o líder, mas os outros membros, como Fang e John, nunca foram contra sua liderança. Claro, isso não significava que eles o respeitavam sempre.
“Nós não podemos fazer nada, sabe? Ainda temos clientes para servir. E tem essas pessoas que continuam pedindo nada além de comida chinesa. O chefe vai me matar se eu sair agora.” Fang suspirou.
John suspirou de volta. “E eu sou o único barman aqui. Tenho que ficar aqui até que não tenham mais pessoas no balcão. Desculpa. Jacuzzi.”
“Aah… A companhia ferroviária está ignorando a Lei Seca?”
“Normalmente sim. Mas hoje estamos completamente livres de álcool. Estão sendo muito estritos com as regras hoje.”
“Isso não significa que você não precisa estar aqui?”
John balançou sua cabeça. “Aqueles dois ali não estão pedindo mais nada além de chá verde com mel esse tempo inteiro. E eles só estão pedindo por coisas sem álcool… Eu acho que é melhor você desistir.”
“Sim, são eles mesmo. Aqueles que estão sentados ali desde a partida pedindo comida chinesa.”
Fang gesticulou na direção da ponta do balcão.
Jacuzzi virou-se, agora conseguindo ver o casal estranho.
O homem era, falando de forma simples, um pistoleiro vindo direto do Velho Oeste. Ele vestia uma camisa esfarrapada e um colete, e haviam múltiplos coldres em sua cintura e torso. Claro, ele não tinha nenhuma arma. O laço que carregava em seu ombro tornava difícil dizer se ele estava tentando ser um pistoleiro ou um caubói. Além disso, por alguma razão inexplicável, ele também tinha três distintivos de xerife em sua lapela.
A mulher estava combinando com seu companheiro; Ela parecia uma dançarina de um bar do século passado. Ela tinha um cabelo longo, e vestia um vestido vermelho de estilo espanhol. Também estava usando um chapéu vermelho de aba larga.
Seu visual combinava com o local, mas estava temporalmente errado. O casal havia criado um mundo próprio em seus assentos no canto do balcão.
“Você poderia tentar pedir para eles saírem, Jacuzzi.”
“M-mas eu estou assustado… E se eles foram pessoas más?”
“Disse o cara com uma tatuagem na cara.” John retrucou.
“M-mas…”
Jacuzzi fez uma expressão que o fazia parecer que estava prestes a chorar, então Nice entrou na conversa.
“Ficará tudo bem, Jacuzzi. Por que você não vai lá e fala com eles? Aposto que seria bem interessante.”
“N-Nice… Você realmente acha?”
“O jeito que eles se vestem, eu acho que eles podem ser atores!”
Jacuzzi olhou para o casal mais uma vez.
“Talvez você esteja certa.”
“Viu? Não seria muito legal ser amigo desse casal de atores?”
Jacuzzi caiu na conversa e lentamente começou a caminhar na direção do casal.
“Talvez você esteja sendo um pouco rigorosa demais com ele, Nice.” John sussurrou, observando Jacuzzi ir embora.
O tom de voz de Nice enquanto ela falava com John era completamente diferente de quando ela estava falando com Jacuzzi anteriormente.
“Eu não acho, John. Apenas quero ver o Jacuzzi sendo um pouco mais extrovertido.”
“Formal como sempre… Você não mudou nada, Nice.”
“Suponho que não combine muito com meu visual, não é?” Nice timidamente curvou sua cabeça, cutucando seu tapa-olho decorado com fios de ouro.
“B-bem, não necessariamente.”
“Sendo franco, realmente não combina com sua aparência. Mas isso ainda é uma virtude, sabe? Na verdade, eu estou quase preocupado com o fato de você não falar com Jacuzzi como você fala com o resto de nós.”
“Ele insiste que eu fale com ele informalmente. É muito teimoso algumas vezes.” Nice riu, e virou-se para olhar Jacuzzi, que havia acabado de chegar no casal.
John e Fang a acompanharam, lentamente processando o que Nice havia dito.
“Teimoso, uh…”
Subitamente, eles notaram que Jacuzzi estava olhando em sua direção com os olhos cheios de lágrimas, tentando dizer algo.
“Talvez ela queria dizer que mima ele demais.”
Jacuzzi sentou-se ao lado do casal, timidamente gaguejando um cumprimento.
“Uh, hm… Uh… Vocês já comeram- Digo… Boa noite…? B-bem… Eu estou… Desculpaporfavorcomlicença-”
Jacuzzi divagava, confundindo suas palavras. O homem finalmente pareceu notar ele, colocando seus talheres na mesa e olhando em sua direção.
Ele encarava o rosto de Jacuzzi enquanto mastigava. Começou a falar assim que engoliu a comida.
“O que nós fazemos, Miria? Esse desconhecido aqui subitamente começou a se desculpar para nós!”
“Então acho que quer dizer que ganhamos!” Uma voz feminina animada exclamou atrás dele.
“Uma vitória, é? Ótimo! Eu não entendi muito bem o que aconteceu aqui, mas… Que batalha magnífica! Obrigado!”
Sem aviso, o homem segurou a mão de Jacuzzi em um aperto de mãos firme.
Essa pessoa é muito estranha. Jacuzzi pensou. Ele olhou na direção de Nice e John com os olhos cheios de lágrimas pedindo ajuda, mas Nice apenas acenou despreocupadamente. John e Fang foram chamados de volta ao trabalho por uma voz raivosa gritando da cozinha. “Parem de bobear, vocês dois!”.
“Uh… Hm…”
“Enfim, essa tatuagem aí é maneira! Eu nunca tinha visto alguém com uma no rosto!”
“Choque de cultura!”
“Por acaso você é um ator?”
“Você é incrível!”
Isso era o completo oposto do que Jacuzzi havia esperado. Sua ansiedade rapidamente começou a tomar conta de seus sentidos.
“N-não, e-eu n-não sou um a-ator ou algo assim. Eu apenas trafico álco- D-digo! Não! Não, euestavabrincandoagora… Sou só um delinquente, hm… Eu sou uma pessoa muito normal! Me desculpem! Me desculpem!”
Jacuzzi caía em lágrimas enquanto desculpava-se sem razão alguma.
“Ei, Miria. Ele está pedindo desculpas novamente.”
“São duas vitórias seguidas!”
“Entendo… Então você nos deixou ganhar duas vezes! Você é uma pessoa muito boa!”
“Sniff… Huh?”
“Você é um cara legal!”
“Calminho, calminho, pare de chorar. Ver um cara legal chorando faz nós querermos chorar também.”
“Iremos chorar com você!”
Jacuzzi olhou para cima. O casal diante dele o observava, com os olhos lacrimejando. Ele pegou um guardanapo que foi dado para si e percebeu que as coisas estavam um pouco estranhas.
“Isso, isso. Enxugue essas lágrimas e venha comer comida chinesa com a gente.”
“É tudo o que você pode comer!”
“Não é não!” Fang gritou da cozinha. Jacuzzi estava um pouco perplexo, e então comida entrou em sua boca.
“Mph…!”
Jacuzzi encontrou-se engolindo a porção inteira sem nem perceber.
O gosto do frango cozido à vapor espalhou-se por sua boca. Agora que ele parava para pensar, essa havia sido a primeira vez que Jacuzzi provou a comida de Fang.
“É delicioso…”
No momento que Jacuzzi recobrou seus sentidos, suas lágrimas já haviam sumido.
“–Então foi aí que eu segui meus instintos e disse ‘Mas que droga’!”
“Uau! Você é incrível, Isaac!”
“Ahahahaha!”
“Uau! Faz um tempo desde que eu escutei Jacuzzi rindo tão alto assim!”
Os assentos no balcão do vagão de jantar haviam praticamente se tornado um salão de festas em miniatura.
Nice havia se juntado a eles em algum momento, animando a conversa.
Ficava cada vez mais tarde, porém o lugar continuava lotado. Mas, a orquestra e os homens de branco ainda tinham que entrar naquele vagão
“Pare para pensar , Isaac. Você não está pedindo nada além de carne por um tempo.” Jacuzzi comentou, com uma voz surpreendentemente calma.
Essa era a primeira vez que Nice via Jacuzzi falando com um desconhecido com tanta facilidade. Deveria significar que Jacuzzi já estava apegado com o casal. Sua falta de medo era por conta de sua confiança neles.
Eu não consigo acreditar que eles conseguiram fazer Jacuzzi se apegar tão facilmente. Quem são eles?
Nice estava um pouco enciumada, mas acima de tudo, também estava muito apegada ao casal.
“Oh? Não se preocupe, Jacuzzi. Isso é carne bovina.”
“Carne bovina 100% americana!”
“O que você quer dizer com isso?”
“Vacas comem grama, certo? Então se você come carne bovina, significa que você está consumindo tanto carne quanto vegetais!”
“Uau! Você é tão inteligente, Isaac!”
“Isso é sério…?” Jacuzzi inclinou a cabeça. Isaac e Miria ignoraram a confusão do rapaz, perdendo-se em seu próprio mundinho.
“Isso, isso! Por isso que comer algo que comeu outra coisa significa que você comeu seja lá o que ele comeu no passado. E não se aplica apenas para comida, também vale para coisas que pertencem a outras pessoas! Por exemplo, caso você encontre uma bolsa que, por coincidência, esteja cheia de dinheiro, ambos serão seus!”
“Haha! Nós estamos ricos!”
“Sim! Até existe um ditado– Hm… ‘Achado’…”
“‘Não é roubado’!”
“‘Achado não é roubado’, uh… Entendo.”
“Bom pra você, Jacuzzi! Você aprendeu algo novo hoje.”
Jacuzzi animadamente guardou esse falso conhecimento em sua memória e deu mais uma mordida em sua comida.
Subitamente, algo chocou-se contra suas costas.
“Ugh?!”
Jacuzzi foi forçado a engolir um pedaço de carne sem mastigar. Ele rapidamente bebeu bastante água.
Uma voz familiar o chamou por trás.
“Ah! De novo não… Desculpe-me, senhor!”
Jacuzzi virou-se enquanto tinha um ataque de tosse, vendo o garoto que havia esbarrado consigo na plataforma antes do embarque. Porém, uma coisa estava diferente– O garoto estava acompanhado de uma garota com a mesma idade dele.
“N-não tem problema. Estou bem. Está tudo bem com você?”
O garoto assentiu e sorriu, assim como havia feito antes, enquanto a garota escondeu-se atrás dele e encarou a tatuagem de Jacuzzi e o tapa-olho de Nice, nervosa.
“Ahaha, fico feliz que esteja bem. Essa é sua irmã…?”
Sua garganta ainda estava doendo, mas Jacuzzi forçou um sorriso. O garoto pareceu perceber isso e desculpou-se novamente, respondendo após isso:
“Não, ela não é minha irmã. Estamos na mesma cabine, então viramos amigos!”
A garota concordou em silêncio. Seus olhos ainda estava fixos na tatuagem de Jacuzzi. Parecia que sua aparência era um pouco assustadora para as crianças que olhassem.
Subitamente, uma mulher aproximou-se de trás deles.
“Perdoem-me. Minha filha pode ser difícil de se lidar às vezes. Espero que aceitem minhas desculpas.”
Ela tinha por volta de trinta anos. A mulher estava trajando vestes caras, porém agradáveis. Não havia condescendência ou hesitação em seu tom– Ela simplesmente expressou seus sentimentos com serenidade.
“Mary, é rude encarar pessoas dessa maneira.” Ela repreendeu sua filha.
“H-heh… Isso é bem direto de sua parte, madame.” Jacuzzi não conseguia ficar brabo ou chorar com o tom gentil da mulher. Ele sorriu, desculpando-se.
“Desculpe-me. Eu deveria ter sido mais cuidadosa…”
“N-não, nem pensar! Eu quem deveria estar me desculpando!”
“Por quê?” John e Fang perguntaram para Jacuzzi simultaneamente, mas apenas foram ignorados pelo rapaz que retornou ao ‘modo bebê chorão’.
“Miria! Ambos estão se desculpando. O que devemos fazer?”
“Nós temos que julgá-los!”
“Entendo! Então nós somos aqueles com poder sobre essa batalha!”
“É uma grande responsabilidade!”
Enquanto Isaac e Miria chegavam às suas conclusões, Nice decidiu intrometer-se para auxiliar Jacuzzi, mudando o assunto.
“Vocês estão em férias de família?”
“Sim. Minha filha e eu estamos a caminho para ver meu marido. Viemos jantar com o garoto na nossa cabine, mas não parece que haja um quarto para nós no momento.” A mulher respondeu, nem um pouco intimidada ou desconfiada da aparência de Nice.
“Então esse garoto está sozinho?” Nice perguntou, curiosa.
“Sim. Ele se chama- Oh, Nossa Senhora! Onde estão minhas maneiras? Eu nem mesmo o perguntei.”
“Meu nome é Czeslaw Meyer-” O garoto disse timidamente. Era um nove difícil de se pronunciar– O garoto rapidamente calou-se, então continuou após um momento de silêncio. “Podem me chamar de Czes. Estou a caminho de Nova York para ver minha família.”
A mulher e sua filha seguiram introduzindo-se.
“Meu nome é Natalie Beriam. E essa é minha filha… Se introduza, Mary.”
A garota timidamente caminhou para frente com o comando de sua mãe. “Meu nome é Mary Beriam.”
Ela ocasionalmente continuou a encarar Jacuzzi e Nice, ainda intimidada. Não parecia nem um pouco curiosa com o pistoleiro à moda antiga no balcão.
Jacuzzi, Isaac e o restante também se introduziram. O grupo no salão tornou-se um pouco maior que antes.
“Czes esbarrou em Jacuzzi mais cedo, também.” Nice disse, bagunçando o cabelo de Czes. Seu único olho estava preenchido com ânimo.
“Eu sinto muitíssimo por isso.”
“Não, está tudo bem. Não foi culpa sua nem nada.”
Enquanto falava com Czes, Jacuzzi parecia mais tranquilo. Claro, era algo tolo por si só o fato dele não conseguir sentir-se tranquilo ao falar com uma criança.
Subitamente, Isaac e Miria começaram a falar mais alto.
“Isso mesmo! Afinal, o Espreitador de Trilhos teria o devorado logo se você fosse um garoto mau!”
“Bem isso!”
“Isso que o meu pai costumava dizer para me assustar quando eu era mais novo!”
“Assustador!”
“Uh? O-o que é o Espreitador de Trilhos?” Jacuzzi instintivamente percebeu que deveria ser algo assustador, então seus olhos começaram a encherem-se de lágrimas novamente.
“Você não conhece, Jacuzzi? O Espreitador de Trilhos é…”
“… E é por isso que se você contar essa história no trem… Acaba invocando o monstro… O Espreitador de Trilhos!”
“Aaaaah!” Miria berrou de uma maneira obviamente falsa.
“–!!!!!”
Jacuzzi era o único que estava perdendo-se em um grito silencioso. Todos os outros pareciam ter considerado a história apenas uma lenda urbana comum.
“I-isso é terrível! Nós vamos desaparecer! O-o que nós vamos fazer?!” Jacuzzi estava preocupado, levando a história muito seriamente.
“Não se preocupe, Jacuzzi. Na verdade, há uma maneira de parar o Espreitador de Trilhos!” Isaac disse, tentando acalmar Jacuzzi.
“Apenas uma maneira!”
O rosto de Jacuzzi ficou esperançoso. “S-sério? En-então me conta! Por favor, você precisa ser rápido!”
“Certo! Escute. A única maneira de sobreviver é… É… Uh… Bem…”
As esperanças de Jacuzzi começaram a misturar-se com dúvida.
“A única maneira de sobreviver… Era… O que era mesmo, Miria?”
“Eu nunca ouvi falar sobre.”
Nice e os outros perguntaram-se o porquê de Miria ter animadamente concordado com Isaac apesar de sua ignorância.
Claro, Jacuzzi não tinha a sanidade para ser capaz de preocupar-se com algo assim.
“A-ah não! Isso é ruim! Isso é terrível! Rápido! Você tem que se lembrar, ou todosnósvamosmorreredesaparecer!” Jacuzzi gritou, e seus dentes começaram a tremer.
“Eu já ouvi essa história antes.” John disse calmamente.
“S-sério? C-como que paramos ele?!”
“Bem, eu acabei me esquecendo também.”
“Ah! Como pode, John?!”
“Acalme-se, Jacuzzi. Eu ouvi a história do condutor mais jovem. Por que não vai perguntar para ele?”
Jacuzzi rapidamente levantou-se e saiu dali logo que John terminou sua frase. Ele olhou para trás quando chegou na metade do vagão de jantar, forçou um sorriso, e gritou na direção de Isaac e dos outros.
“N-não se preocupe, Isaac! Estarei de volta assim que perguntar ao condutor! D-deixa comigo!”
A intenção de Jacuzzi poderia ser honrosa, mas seus olhos cheios de lágrima não enganavam ninguém. Claro, além dos únicos entre o grupo que acreditavam na história do Espreitador de Trilhos, nesse caso, Isaac, Miria e Mary.
Jacuzzi passou entre as mesas e dirigiu-se até a traseira do vagão.
“Desculpem por isso. Jacuzzi não é uma má pessoa… Ele só é um pouco assustado com as coisas.” Nice disse, levantando-se e correndo até Jacuzzi.
“Eu sei. Posso dizer que o senhor Jacuzzi é uma pessoa muito querida.” A senhorita Beriam respondeu com um sorriso. Ela percebeu que o rapaz estava realmente assustado com o Espreitador de Trilhos, mas não culpou Isaac pelo mal-entendido.
Isaac e o restante também entenderam isso.
“Diga, Miria. Jacuzzi é uma cara muito legal, não é?”
“Ele é tão querido!”
“Temos que deixar ele ganhar na próxima vez, isso é uma certeza!”
“Claro!”
“Então na próxima vez, eu vou me desculpar para ele como se não houvesse amanhã! … Umas duas vezes!”
“Então eu vou me desculpar uma vez!”
Isaac riu.
“Entendo! Então Jacuzzi irá ganhar três vezes!”
“Ele é o campeão!”
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“Uou. Jacuzzi apressado?”
Jacuzzi passou por Donny e pelos outros fora do vagão de jantar, assim que eles iriam entrar. Atrás da figura gigante de Donny haviam dois membros que Nice escolheu para trazer à missão.
“É-é terrível! O trem vai desaparecer! Então eu vou ver o condutor!”
“Uh?”
Jacuzzi nem mesmo se explicou antes de desaparecer, correndo até a traseira do trem.
Nice apareceu não muito tempo depois.
“Ótimo momento! Donny e Jack, sigam-me. Nick, tome conta do vagão de jantar!”
Donny e o homem chamado Jack seguiram Nice, apesar de estarem confusos.
Enquanto isso, o homem chamado Nick estava completamente perdido.
“Então… O que a Nice quer que eu faça lá?”
Nice quis dizer: “Observe a situação no vagão”, mas Nick era um assaltante experiente; Como resultado, ele chegou a uma conclusão totalmente diferente;
“Então, o que ela quis dizer… Eu tenho que manter as pessoas no vagão quietas enquanto eles fazem o trabalho… Parece certo. Não posso deixar ninguém descobrir sobre nós e parar o trem no meio do caminho.”
Enquanto Nick pensava do lado de fora do vagão, um homem vestindo um terno branco passou por ele e entrou pela porta. Quanto mais tempo Nick gastava ali, mais pessoas poderiam acabar entrando no salão. Ele, simplesmente preocupado com o número de pessoas que conseguia vigiar, pegou sua faca favorita, e encaminhou-se cuidadosamente até o interior do vagão.
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“Certo! Certo! Irá começar logo! Nosso pequeno show está para começar! E as vidas deles começarão a acabar logo!”
Ladd rolava pela cabine de Segunda Classe, abraçando um travesseiro.
“Oh! Já é a hora? Estou tão empolgado que não consigo aguentar! Estou tão feliz que acho que não vou conseguir dormir hoje!”
Lua observava ele friamente, enquanto o restante dos homens ria de Ladd rolando pela cabine pequena.
“Se está tão empolgado, por que não vai por conta própria?” Lua perguntou, murmurando.
“Mas eu não possoooooooo! Eu perdi nos palitos! Que droga! Vicky, seu sortudo de merda! Estou com tanta inveja que acho que vou morrer!”
A primeira ação da gangue de Ladd iria ser subjugar os passageiros no vagão de jantar. Eles haviam tirado palitos para decidir quem seria o vencedor sortudo, e como resultado, o homem chamado Vicky havia saído para agir primeiro.
“Oh, não há Deus nesse mundo cruel! Vicky deve ter matado todos eles agora!” Ladd reclamava, plantando bananeira, apesar de seu traje formal.
“Se você está tão preocupado, por que não vai dar uma olhada…?” Lua murmurou novamente.
“É isso!”
Ladd pôs-se de pé novamente, virou-se, e começou a estapear o rosto de Lua.
“Você está certa, lua! Eu posso dar uma olhada! Sou tão idiota. Não há razão para eu ficar aqui parado e esperando! Eu pensei que apenas deveria calar a boca e recuar pois perdi nos palitos! Okay! Logo estarei de volta, docinho!” Ladd exclamou, e avançou até o corredor.
Ele então esbarrou em alguém.
“Ei, olha pra onde anda, seu…”
Ladd diminuiu o tom no meio da reclamação.
“M-m-m-m-me desculpa, senhor! Peço desculpas! Mas o trem está em perigo! E-então e-eu tenho que ir ao vagão do condutor rapidamente…! Eu… Eu sinto muito…!”
O rapaz correu para a traseira do trem.
“Esse garoto…”
Não tinha como se enganar com a tatuagem no rosto dele. Ele era o delinquente no cartaz de procurado que seu tio havia lhe dado alguns dias atrás.
“Hm? Imagino o que esteja acontecendo aqui… Ei, Lua!”
Ladd colocou a cabeça para dentro da cabine e fez um pedido simples para sua namorada.
“Pegue alguém e vá checar a cabine do condutor para mim, tá bom? E se você encontrar uma criança com uma tatuagem no rosto, certifique-se de pegá-lo, entendeu?”
Lua assentiu silenciosamente e dirigiu-se até a traseira do trem com um dos amigos de Ladd.
“Hm…? As coisas estão ficando interessantes. Espero que fique ainda melhor… Espere! Eu posso deixar isso bem mais interessante!”
Ladd sorriu maliciosamente e correu até o vagão de jantar, armado com nada além de seus dois punhos. Uma mulher usando um tapa-olho e um gigante de 2 metros passaram por ele no meio do caminho; Eles estavam correndo rapidamente, ansiosos, e ultrapassaram Lua em um instante.
“O suspense está me matando! Imagino o que o perigo que aquele garoto falou era. Isso não é bom, estou ficando animado… É melhor eu ir logo, ou irei perder…!”
Ladd cantarolou uma canção familiar enquanto lentamente caminhava na direção do vagão de jantar, que agora estava sem dúvidas tomado pelo caos.
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“As preparações estão completas, Goose. Os Beriam estão no vagão de jantar.”
Goose estava na cabine de Terceira Classe, escutando os relatórios de seus subordinados. No momento, eles tinham três membros posicionados na Segunda Classe, Terceira Classe, e vagão de carga. Todo o resto estava reunido lá.
“Tudo está pronto. Bom. Comecem a missão em trios. Estarei no aguardo aqui, então não esqueçam de manter contato regular. Qualquer um que esquecer de fazer seu relatório regular será considerado morto.” Goose ordenava roboticamente. Era quase como se o seu rosto estivesse usando o mínimo de músculos possíveis necessários para falar.
“É hora. O ‘condutor’ deve ter começado sua missão por agora. O trem agora continuará a mover-se, não importa o que aconteça nos vagões de trás. Spike, envie uma mensagem para a Segunda e Terceira Classe. Nossa prioridade é tomar controle de todos os passageiros e vagões. Terminaremos a missão tomando controle da locomotiva. Devemos terminar tudo antes dos trens serem trocados.”
Locomotivas a vapor foram legalmente proibidas no território da Estação de Pensilvânia. Era por isso que o Flying Pussyfoot tinha que trocar para uma locomotiva elétrica logo antes da estação. O ponto de troca era onde pegariam Huey Laforet, e onde metade dos reféns perderiam suas vidas. Eles precisavam manter a outra metade viva para garantir uma fuga segura.
“Homens, agora devemos começar a operação para resgatar o mestre Huey Laforet.”
A orquestra de preto pisou com seus calcanhares no chão como resposta. O som dos passos tornou-se um trabalho de arte distorcido, ecoando pela cabine de Primeira Classe.
“Isso é um ritual; Um ritual para trazer o Mestre Huey para nós novamente. Não esqueçam que esse trem é o altar, e seus passageiros o sacrifício.”
Goose permaneceu sem esboçar nenhuma expressão até o fim, anunciando o avanço dos Lemures.
“O pandemônio está para começar. Conceitos como justiça e mal não são mais relevantes. Nós somos aqueles com poder. Uma vez que resgatarmos mestre Huey, esse poder finalmente irá tornar-se justiça; É por isso que estamos lutando. Agora, avancem! Nós devemos devorar os passageiros, esse trem, e a nação inteira!”
Os homens de preto tornaram-se uma sombra coletiva, espalhando-se por cada vagão do trem.
As sombras avançaram, armadas com submetralhadoras. Três deles dirigiam-se até um certo vagão.
Uma luz particularmente brilhante saía de um vagão preenchido pelas vozes dos passageiros. As sombras corriam, com a intenção de banhar o brilho em sangue. Seu alvo: O vagão de jantar, onde a senhorita Beriam estava. A porta agora estava logo em frente a eles.
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Vicky estava animado.
Ele encheria o salão de jantar com gritos.
Ele nunca havia imaginado que a honra de iniciar a comoção seria sua.
Vestido em branco, Vicky calma e agradecidamente aceitar a onda de boa sorte que havia caído sobre si.
Talvez ele devesse matar alguém para recompensar a si mesmo e fazer um show com o que estaria por vir. O casal com roupas do Velho Oeste, ou as crianças ao lado deles, talvez? Ou a maravilhosa mulher sentada próxima deles; Ele então lembrou que Ladd tinha um pouco de apego pela mulher e a filha. Mas talvez Ladd não se importaria muito caso ele matasse a menina. Seria rápido e silencioso; Vicky tinha certeza que Ladd não iria se importar.
Ele observava o lugar inteiro, perdido em suas fantasias. Diversas pessoas, curiosas com seu terno branco, o encaravam, mas parecia como se ele estivesse sendo tratado como uma pessoa normal em comparação a Isaac e Miria. Eles logo retornaram a comer como se nada estivesse errado.
Falando de pessoas estranhas, Vicky lembrou-se do mágico que viram antes; Sua absência provavelmente significava que ele era alguém das cabines de Terceira Classe.
Porém, havia uma pessoa que preocupava Vicky. Era a mulher de farda que estava sentada próxima a janela.
Ela não é uma amadora.
Não havia nenhum traço de fraqueza em sua expressão. Quando ele encarou-a por um momento, o olhar de cautela em seus olhos visivelmente intensificou-se. Na realidade, a mulher estava olhando atentamente para todos no vagão, não apenas ele. No momento que seus olhos se encontraram, Vicky sentiu como se o seu olhar o atravessasse.
Quem é essa garota? Ela está sendo bem cautelosa com algo…
Apesar de Vicky ter se preocupado inicialmente, ele certificou-se de que a cautela da mulher não tinha nada a ver com eles.
Claro, ela logo estaria envolvida no caos, gostando ou não.
Perdendo interesse, Vicky encaminhou-se até o centro do vagão.
Vamos começar.
Ele silenciosamente sacou uma arma do bolso de seu jaleco.
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“Certo. Vamos começar.”
Os homens de preto abriram a porta, com as armas preparadas.
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“Vamos fazer isso!”
Nick tirou a faca de seu bolso e abriu a porta do vagão de jantar.
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Três conjuntos de vozes soaram em um tom alto pelo vagão de jantar. Não havia como não entender.
“Todos vocês, no chão, agora!” Os homens de preto que entraram pela porta da frente gritaram. Todos eles estavam armados com submetralhadoras.
“Mãos ao alto, agora!” Gritou o homem de branco, que estava de pé no meio do salão. Segurava em sua mão direita uma pistola de cor bronze.
“Todos, parados!” Gritou o homem com roupas em trapos que havia entrado pela porta dos fundos. Ele estava segurando uma única faca de frutas.
“O-o que devemos fazer…?” Um dos passageiros perguntou, coberto em suor frio.
Surpreendentemente, os primeiros a reagir foram Isaac e Miria.
Eles fizeram as crianças ao seu lado deitarem, então se jogaram no chão com as mãos no ar, e ficaram parados.
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Enquanto Ladd caminhava pelos corredores, ele escutou tiros vindo do vagão de jantar.
“Eles já começaram sem mim! Ahaha! Eu escuto tiros, isso é ótimo! Mal posso esperar!”
Ladd estava tão entusiasmado que ele começou a saltitar na direção do seu destino. Subitamente, ele parou onde estava.
Ouviu uma série de tiros curtos e individuais, seguidos de uma rajada de tiros.
“Hm? Submetralhadoras?”
A expressão de Ladd ficou séria por um momento, mas logo ele sorriu e começou a saltitar novamente. Ele parecia ainda mais animado que antes, com seus movimentos praticamente transbordando com antecipação.
“Isso parece ainda melhor!”
Quando chegou no vagão anterior ao de jantar, um jovem vestido em roupas esfarrapadas correu por si. Ele olhou de volta para o vagão diversas vezes, antes de correr por Ladd sem nem mesmo olhá-lo.
“Que merda aconteceu lá?! Nice! Você nunca disse que as coisas terminariam assim!” O homem gritou, desaparecendo pelo corredor.
“É perigoso? Perigoso… É perigoso! O que está acontecendo no vagão de jantar? Eu irei matar pessoas? Pessoas estão morrendo?! Qual deles será? Ei, estou ficando animado! Simsimsimsimsim!”
Ladd estava tão entusiasmado que corria para frente sem nem pensar.
Quanto mais perto que aproximava-se de seu objetivo, mais alto os barulhos de choro e gritos ficavam. Era o paraíso ou o inferno que o aguardavam atrás daquela porta?
Ele apressadamente abriu a porta deslizante. A maioria das pessoas no salão naturalmente focaram sua atenção nele. Alguns olhavam-no com medo, outros com esperança, e ainda haviam aqueles que estavam com os olhos cheios de desespero.
No meio da sala estava Vicky, deitado com o rosto no chão. Seu terno branco estava tingido de vermelho pelo seu próprio sangue.
Do outro lado estavam três homens segurando submetralhadoras. Suas vestes sugeriam para Ladd que eles eram membros da orquestra.
Parecia que um deles havia sido atingido por Vicky; Ele estava agachado no chão, segurando seu ombro. Os outros dois estavam balançando suas armas, assustando os passageiros que gritavam, impedindo-os de tentar escapar.
O trio voltou sua atenção ao homem de branco que havia acabado de entrar no local.
Parecia que a porta tinha levado Ladd para o inferno.
Mas por alguma razão, ele sorriu.
“Parece que não tenho escolha.”
Ladd avançou até o interior do salão.
“Irei transformar isso no paraíso em um segundo…” Ele murmurou, e em seguida ergueu seus braços. “Esperem um pouco! Como podem ver, estou completamente desarmado! Não sou seu inimigo!”
Claro, os homens de preto não abaixaram sua guarda. Julgando por sua roupa, o recém-chegado era um amigo do corpo no meio do salão.
Era por isso que Ladd tinha uma chance.
Um dos homens de preto aproximou-se dele, apontando a arma em sua direção.
“Quem é você?… Quem são vocês?”
“Não nego ser suspeito, companheiro. Mas nós não somos inimigos.”
Outro dos homens de preto aproximou-se de Ladd. Ele provavelmente estava planejando subjugá-lo enquanto o outro homem ficava com Ladd na mira.
O único do outro lado do salão era aquele que foi ferido. Ele segurava seu ombro enquanto cuidadosamente vigiava os passageiros, segurando sua arma com uma mão.
No momento que os dois homens alinharam-se em sua frente, Ladd aumentou seu tom de voz para reclamar.
“Quantas vezes eu tenho que dizer pra vocês? Eu não sou um inimigo!”
No momento que havia terminado sua frase, a submetralhadora do homem de preto havia sido chutada para o ar, com o cano voltado para cima.
“O qu-”
O chute de Ladd pegou o primeiro homem completamente de surpresa, nem mesmo dando-o tempo para puxar o gatilho. Ladd facilmente conseguiu segurar o cano da submetralhadora, para então empurrar ela até o ombro do homem de preto em sua frente; Mirando-a na direção do seu companheiro, que estava logo atrás.
Naturalmente, o homem de preto resistiu; Mas a arma era empurrada em sua direção independente de seu esforço. O fino cano era pressionado fortemente contra seu ombro.
Com sua mão livre, Ladd segurou a coronha, usando o ombro do homem como um ponto de apoio para puxá-la em sua direção em um instante.
“Mas quê?!”
O dedo dele saiu do gatilho. O lugar logo foi preenchido pelo dedo de Ladd, que estava segurando a coronha até o momento.
Houve um barulho de romper os ouvidos assim que a arma de ponta-cabeça começou a disparar.
Os tiros atingiram o segundo homem de preto. Sua garganta, pulmão, coração e torso inteiro tingiram-se de preto pela fonte de sangue, enquanto seu corpo colapsava no chão. Ao mesmo tempo, o volume dos gritos no salão de jantar intensificava-se exponencialmente.
“Seu desgraçado!”
O homem ferido segurava sua arma, mas seu aliado estava entre ele e Ladd. Não apenas isso, Ladd estava segurando o seu companheiro pela garganta. Os seus pés saíam do chão aos poucos. Seu rosto começou a ficar vermelho, seu pescoço estava sendo apertado por um tipo de força que não podia logicamente vir de alguém com o físico de Ladd.
Ele chutou e tentou livrar-se, mas não tinha conhecimento sobre técnicas que o auxiliassem nessa situação. Também tentou atingir os olhos de Ladd com sua mão livre, mas ele percebeu isso rapidamente e contra-atacou com seus dentes.
Ladd cuspiu pedaços de carne e sangue, e então falou com o homem ferido no canto.
“O que você vai fazer agora? Correr? Ser baleado junto do seu amiguinho aqui? Se matar? Ou quer bater um papinho? Que tal um cházinho? Uma janta? Como a economia vai? Creio que não tão bem assim, uh? Então o quê? Reformas? Quer concorrer às eleições? Que tal uma guerra? Matar e ser morto? Você está assustado? Você está nervoso? Ou você está com raiva?” Ladd fazia perguntas sem sentido, e então ria. Ele subitamente parou, e mirou a arma de trás do homem que ele segurava como um escudo humano.
“Ao menos tente responder uma!”
Ao invés de responder, o homem ferido virou-se, saindo do vagão de jantar. Ladd não o perseguiu, apenas jogou seu escudo humano no chão.
“Bem, isso está ficando divertido!”
O último dos homens que restou tentava se recuperar e tossia, então encarava Ladd.
“Você foi tolo ao deixar meu amigo escapar. Eu não sei quem vocês são, mas vocês não irão se safar voltando-se contra nós!”
“Sabe de uma coisa? Os mafiosos que eu matei sempre diziam a mesma coisa. Claro, nada disso importa.”
Ladd jogou a submetralhadora no chão, sem se importar. Os passageiros próximos gritavam.
“Não seja tão convencido!” O homem de preto ficou de pé, pegando uma faca escondida em sua bota e cortando horizontalmente. Ele esperava matar o seu adversário com aquele único golpe, mas as coisas não foram tão fáceis.
“O quê…?”
A cabeça de Ladd não estava mais onde estava antes do ataque.
No momento em que ele percebeu que o cabelo de Ladd estava logo abaixo de seu campo de visão, era tarde demais. Um poderoso impacto o atingiu no abdômen.
“Você nem mesmo consegue um prêmio de consolação!”
A dor aguda espalhava-se por seu estômago enquanto náusea tomava conta de seus sentidos.
Ladd ria malicosamente, tendo acertado um gancho na lateral do seu adversário. Em contraste, o homem de preto estava suando e gemendo.
“D-desgraçado… Isso foi… Um golpe de… Boxe…”
No momento que ele estava para cair no chão, porém, um punho levemente cerrado o propulsionou para cima novamente.
“Argh!”
“Hm? Não há nada com que se preocupar. Eu não sou tão forte quanto Pete Herman!”
Assim que o homem de preto iria cair para trás, Ladd agarrou-o pelo colarinho e o forçou a ficar de pé.
“Eu não sou nenhum Jack Johnson, e não consigo dar socos como Jack Dempsey e nem tenho a mesma técnica que ele!”
Um gancho de direita. O incomum som de ossos se quebrando ecoou pelo salão de jantar.
“Talvez Jack seja um bom nome para boxeadores, não acha?! É?!”
Diversos socos leves foram dados em uma só direção.
“Eu mencionei Herman e Dempsey, mas você sequer sabe quem essas pessoas de que falei são?! Qualquer um que se considera um americano deveria saber, não é mesmo?!”
Pow.
“Eu duvido você me falar que não conhece! Eu vou te matar!”
Pow.
“Você!” Pow. “Não!” Pow. “Vai!” Pow. “Se!” Pow. “Safar!” Pow. “Com!” Pow. “Isso!” Pow. “E!” Pow. “Mesmo!” Pow. “Se!” Pow. “Você!” Pow. “Conseguir!” Pow. “Eu!” Pow. “Ainda!” Pow. “Mataria!” Pow. “Você!”.
Ladd terminou a sua sequência de socos com um uppercut, derrubando o seu oponente para trás. Apesar de que o homem de preto já deveria ter caído há muito tempo, Ladd propositalmente havia o batido de forma que o mantivesse de pé.
O cabeça do coitado pendeu para trás e acertou a parede. Logo ao seu lado estava a porta. Os golpes contínuos haviam o levado até o fim do vagão.
“Ufa! Finalmente fiz ele largar aquela faca. Não foi gentil da sua parte, puxar uma arma contra mim desse jeito! Fiquei tão assustado que acabei te dando uma bela surra!”
O seu oponente já havia largado a faca no primeiro soco que recebeu, mas Ladd fez gestos exagerados e fingiu ser inocente.
“Ugh…”
“Ah?! Você ainda está consciente? Parece que eu realmente preciso praticar mais. Que loucura! O que foi agora? Ei! Tenha responsabilidade!”
Ladd agarrou-o pelo pescoço e colocou-o contra a parede.
“Eu sabia que você não iria atirar em mim logo de cara. Você queria saber o que nós de terno branco queríamos, não é? Por isso que você tentou me capturar, certo?”
Ele então abraçou o homem de preto com toda sua vontade.
“Obrigado! Eu te amo, amiguinho! Você fez exatamente o que eu esperava que fizesse!”
Ele esfregou sua bochecha no rosto dele e o agradeceu, com os olhos cheios de lágrimas.
“Vocês são tão legais, sabia? Por isso que eu te disse, não sou seu inimigo! Eu não ligo para aliados ou inimigos nem nada do tipo, o que importa é o amor! Vê? Nós estamos do mesmo lado! Mas agora morra!”
Ladd chocou-o contra a parede.
O homem de preto, sangrando intensamente pela sua boca e nariz, ainda estava consciente.
“Seu… Filho da puta… Estúpido… Voltando-se… Contra… NósArgh!”
Um punho golpeou sua boca. Ele poderia sentir algo sob sua pele, provavelmente seu dente, partindo-se.
“Você continua falando negócios sobre ‘nós’. Para com essa porra, seu merda! Eu vou te matar!”
“Seus bárbaros… Vocês acham… Que podem parar… O mestre Huey…”
Um punho acertou seu olho direito, e então seu esquerdo. Seus olhos, que já haviam revirado-se antes dos socos, nunca mais veriam a luz do dia novamente. Claro, ele nem mesmo teria a chance de confirmar o estado de seus próprios olhos, a menos que conseguisse sair dessa vivo.
Ladd subitamente adotou uma expressão muito calma, então sussurrou algo no ouvido do homem de preto.
“Eu não sei nada sobre vocês ou esse tal de Huey, e eu estou pouco me fodendo para isso.”
Enquanto o homem perdia a consciência aos poucos, Ladd acentuou suas palavras com um soco em seu estômago.
“Mas tem algumas coisas que eu sei. Primeiro, a orquestra de preto é nossa inimiga. Segundo, eles têm um monte de arminhas assustadoras.”
Os punhos de Ladd golpeavam ritmicamente. A força usada nos punhos aumentava de acordo com seu tom de voz. O alvo de seus socos lentamente subiam, indo do estômago para o peito, e do peito para o rosto.
“E por último! Aposto que vocês estejam pensando: ‘Enquanto estivermos armados até os dentes, ninguém pode nos derrotar! Nós somos imparáveis e invencíveis!’, Vocês acham que estão seguros!”
A vida e consciência do homem de preto desapareceram enquanto ele ouvia a voz de Ladd ecoar pelo salão de jantar.
Os punhos de Ladd, mesmo ele sabendo ou não que a vítima estava morta, não paravam.
“Bem?! Não é engraçado?! Matar pessoas! Ferrar com o interior delas! E APERTAR TODAS ELAS ATÉ FAZEREM BARULHOS GOSMENTOS E ESTOURAREM COMO FODENDO SALSICHAS!”
Os punhos de Ladd que estavam fazendo os ‘barulhos gosmentos’. Seu socos, que se tornavam cada vez mais fortes, esmagavam o rosto do corpo.
O rosto de Ladd, enquanto banhava-se em sangue, brilhava como o de um homem que havia completado uma tarefa incrível. Para uma pessoa normal, porém, era apenas um homicida lunático gargalhando insanamente. Ambos eram verdade.
Ladd virou-se com um sorriso revigorante. O salão inteiro prestou atenção nele. Ele estava certo de que já teriam escapado, mas uma rápida olhada na entrada lado oposto revelou o porquê deles terem ficado.
Seus amigos, os homens de branco, estavam na porta, armados com armas de fogo e vigiando os passageiros.
“Ladd? O que está acontecendo?”
“Nós viemos porque ouvimos submetralhadoras. Então, qual é o problema?”
Não havia nenhum resquício de seriedade nas vozes dos homens. Ladd acenou para seus amigos e confiantemente marchou até o meio do salão. Enquanto passava pelo balcão, notou uma mulher que estava agachada no chão com seus braços envolvendo um par de crianças.
“Então você é a senhorita Beriam?” Ladd perguntou.
A mulher encarou-o com um olhar desafiador, e lentamente assentiu.
O rosto dele tornou-se uma atrocidade sorridente.
“Isso é ótimo de se ouvir, mas a coisa é, os nossos planos ficaram um pouco bagunçados. Iremos tomar conta da orquestra primeiro. Então será sua vez. Até mais.”
Ladd voltou aos seus amigos, não esquecendo de pegar as armas largadas por Vicky e os homens de preto.
“Vamos.”
“E eles?” Um de seus amigos perguntou, gesticulando na direção dos passageiros.
“Deixe-os. Nós temos coisas mais importantes sobre o que discutir. Vamos nos reunir na cabine primeiro.”
“Se você diz, Ladd. Mas e a sua mão? Tá tudo bem?”
Sangue escorria da mão de Ladd até o chão. Os passageiros achavam que ele vinha do homem de preto, mas a pele nas falanges de Ladd estava rasgada. Era natural, considerando a quantidade de socos que ele deu sem nenhuma proteção. Era praticamente um milagre que ele havia conseguido sair com ferimentos tão leves.
“Hm? Sem problemas. Alguns ossos deslocados, mas nada quebrado. Ainda estou bem por enquanto. Eu sinto que posso espancar pelo menos mais cinco deles com minhas mãos vazias.”
“Apenas certifique-se de colocar alguma proteção nelas, tá bom?”
Ladd e seus amigos lentamente saíram do vagão de jantar como se nada tivesse acontecido, nem mesmo limpando o sangue que continuava saindo das mãos de Ladd.
O silêncio reinou no salão. Até mesmo os sons de choro e gritos pararam, a quietude era quebrada apenas por um par de vozes absortas.
“Quanto tempo você acha que devemos ficar assim, Miria? Todos esses tiros que eu escutei estão me assustando!”
“É um show de horrores!”
“E sabe, estou ficando um pouco cansado tendo que ficar parado assim.”
“Sinceramente, é bem cansativo!”
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Inicialmente, os passageiros restantes estavam em silêncio. Porém, após começarem a compreender a situação, eles começaram a murmurar coisas entre si aos poucos. Ninguém havia saído do vagão ainda, já que não tinham ideia se os homens de preto ou de branco estavam vigiando as portas de saída.
Sua ansiedade intensificou-se, e os passageiros começaram a dirigir seu medo ao cozinheiro e bartender, que eram empregados da companhia ferroviária.
“O que está acontecendo?” “Isso é pra ser uma piada doentia?” “Onde está o condutor?!” “Nos deixe sair!” “Pare o trem!”
Fang e John, incapazes de lidarem com os passageiros, trancaram-se na cozinha. Eles sabiam que, como imigrantes, seria pior se eles tentassem se defender e responder.
Mas teve uma pessoa que teimosamente persistiu em fazer demandas irracionais.
“Quem está em cargo desse vagão?! Como esse macaco amarelo e irlandês sujo ousam trancarem-se na cozinha?!”
Um dos homens, aparentemente sem ter com o que reclamar, começou a dirigir seus ataques verbais a John e Fang. Ele era um homem gordo e com um mustache que era vulgar demais até mesmo para ser bajulado como “grande” ou “cheio”.
“Eu paguei muito dinheiro para estar nesse trem! O que tudo isso significa?! Eu demando reembolso!” O homem gritou com o infeliz jovem cozinheiro. Ele bateu seu punho contra o balcão.
Subitamente, algo foi colocado em cima de seu punho. Era um punhado de dinheiro, totalizando cem dólares.
“O quê…?”
“Isso é bom o suficiente para você, seu… Seu malvado?!”
“Você é terrível!”
O homem de mustache olhou na direção das vozes. O caubói e a dançarina estavam encarando-o seriamente.
“Qu-quem são vocês, estranhos?”
“Se você quer um reembolso, eu vou te dar um reembolso! Então nem se considere mais um cliente! Não é mesmo, Miria?”
“Agora é como se você estivesse aqui sem pagar!”
Isaac e Miria reclamavam do homem de mustache com todas as suas forças. John e Fang, de certa forma surpresos com o ataque deles, colocaram suas cabeças para fora da cozinha.
“O que vocês sem vida acham que eu sou-”
O homem de mustache continuou a reclamar enquanto pegava o punhado de dinheiro.
“Fica quieto! Você é quem estava falando de macacos e sujeira em um salão de jantar, onde todo mundo está tentando aproveitar suas refeições! Aposto que você estava tentando tirar uma refeição de graça dessas pessoas!”
“Você é o pior!”
“Cego por dinheiro!”
“E se você está cego, deveria ver um médico!”
O casal persistiu com uma teimosia que rivalizava a do homem de mustache, jogando outro punhado de dinheiro no rosto dele.
“Apenas desapareça! Se não quiser, minhas centenas… Não, minhas bilhões de armas vão atirar de uma vez só!”
“Você vai virar uma colmeia!”
Subitamente, uma voz veio de um canto da cozinha que era um ponto cego para todos os passageiros do lado de fora. Era um voz grossa e poderosa, lembrava um urso gigante.
“John! Fang! Vocês escutaram? Esse suíno não é mais um passageiro ou cliente! Tirem ele daqui!”
A vaidade do homem de mustache evaporou no momento que ele escutou a voz bestial vinda da cozinha.
“Certo, chefe.”
“Que saco…”
Apesar de suas reclamações, John auxiliou Fang, levantando o homem pelos braços e rapidamente desaparecendo através da porta da frente do vagão.
Então, a voz bestial mudou para uma de um cavalheiro, fazendo um anúncio para os passageiros.
“Eu peço mil perdões pelo inconveniente que ocorreu nesse vagão! O escritório principal não apenas irá reembolsá-los pelo valor dos ingressos, como também pagará o dobro. Eu entendo que isso possa não ser o suficiente, mas…”
A voz logo revelou o ponto mais importante.
“Enquanto nós estamos sem contato com o compartimento do condutor, recomendo que vocês cuidem de si mesmos até o trem chegar em Nova York. Isso é tudo!”
A última frase do chefe de cozinha foi muito irresponsável, mas ninguém era corajoso o suficiente para reclamar. Silêncio retornou ao vagão de jantar.
“Seus imigrantes sujos! Soltem-me! Vocês vão manchar minhas roupas com sua sujeira!” O homem de mustache gritava enquanto era puxado até o corredor.
Antes de deixar o homem, John agachou-se e encarou-o. Em algum momento ele havia pego um pegador de gelo, que agora estava em sua mão direita.
Aquele único olhar foi o suficiente para silenciar o homem condescendente. John já havia vivido nos lugares mais obscuros da sociedade de Chicago; Ele não era tão facilmente intimidado.
“Escuta aqui, seu porco de mustache. Metade desses trilhos foram feitos por nós Irlandeses, trabalhando como escravos- Nós praticamente éramos escravos. Sabia disso?”
“E a outra metade foi feita por nós chineses.”
“Em outras palavras, metade de tudo que passa por esses trilhos pertence a nós irlandeses.”
“Acrescente os chineses, e isso faz com que tudo seja nosso.”
A lógica de John era ainda mais infundada que a do homem de mustache. Afinal, não foi ele quem colocou os trilhos ali, mas sim os seus compatriotas que expulsaram-no, o fazendo juntar-se à gangue de Jacuzzi.
“Então escuta bem, seu suíno. Enquanto você estiver aqui, sua vida estará em nossas mãos.”
A dupla estapeou o rosto do homem e então viraram-se e retornaram ao vagão de jantar. O homem de mustache, nervoso, pateticamente tentou implorar para John.
“E-e-e-e-e-espera! Pare! Os homens de branco vão voltar para cá! Por favor! Me deixa voltar!”
“Eu não acho que você vai ficar tão mal assim. Afinal, nenhum deles é um macaco sujo. Mas tente entrar novamente, e você morrerá.”
A porta fechou-se sem piedade.
Quando John e Fang retornaram, o salão já havia voltado a ter uma atmosfera mais calma. Os três corpos não estavam mais lá, provavelmente movidos para outro lugar pelos cozinheiros. Eles agora estavam trabalhando duro limpando as manchas de sangue do chão e paredes.
Ao retornar para o balcão, os olhos de John encontraram-se com os de Isaac e Miria.
“Obrigado.” Ele disse silenciosamente, mas o casal não pareceu ter escutado ele.
“Ah! Bem-vindo de volta! Enfim, aposto que o chefe de cozinha aqui é muito forte!”
“Uma lenda entre as lendas!”
Isaac e Miria começaram a inflar a imagem do chefe.
Ele priorizava cozinhar acima de tudo, então recusou sair do seu posto enquanto ainda cozinhava. Há um rumor de que ele uma vez continuou em frente ao forno vigiando a comida após uma explosão de gás ter acontecido logo ao seu lado. Claro, o tiroteio que ocorreu anteriormente não era nem perto do suficiente para tirar sua atenção da comida.
“Enfim, aquele homem de agora pouco era terrível! Como ele pode ofender pessoas daquela maneira?!”
“Ele era horroroso!”
“Esse lugar não é nem um pouco sujo, e eu não vejo nenhum macaco por aqui! Como ele pôde ser tão ofensivo?”
“Ele não deveria insultar nossa inteligência desse jeito!”
John tinha um pensamento: Será que o casal não estava defendendo ele, mas na verdade simplesmente não entenderam as gírias usadas pelo homem de mustache?
John começou a suar e decidiu esquecer que ele havia considerado essa possibilidade.
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“Quem são esses homens de branco?” Goose contorceu sua face em uma careta.
Ele já havia escutado anteriormente que um grupo de homens vestindo ternos brancos estavam nas cabines de Segunda Classe, mas nunca esperava que seus homens, armados com submetralhadoras, iriam perder. Tudo que ele sabia sobre os homens de branco era que eles eram um grupo perigoso.
“Chame qualquer um que não esteja ocupado atualmente.”
Com a ordem de Goose, diversos homens saíram da cabine, e outro ligou o telégrafo para tentar contatar os vagões anteriores.
“Droga. Primeiro o Neider, e agora isso; Sera que é algum tipo de teste?”
“Eu não acho que essa missão será tão fácil, Goose.” Spike comentou.
Goose voltou seu olhar para um dos cantos da cabine, onde Chane estava sentada em silêncio e com seus braços cruzados, então disse: “Você está certo. Nós não podemos chegar ao mesmo nível que o mestre Huey de forma alguma, afinal.”
Goose virou-se de costas para Chane e sorriu.
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“Então Ladd, quem são esses caras da orquestra?” Um dos homens de branco perguntou para Ladd.
“Um banquete. Isso é tudo o que sei, e tudo o que importa. Não estou certo?” Ladd respondeu, com sua expressão transbordando com seu sentimento de ânimo. Seu amigos ficaram confusos com sua frase.
“Enfim, só matem qualquer um que vocês verem que estejam com a orquestra.”
Murmúrios animados espalharam-se pela multidão de amigos. Agora que Vicky estava morto, sobravam apenas dez deles. A cabine de Segunda Classe, que era consideravelmente grande, estava quase transbordando de gente.
Em termos de números, eles claramente eram superados. Mas a diferença não importava para eles.
“Certo! Agora nós podemos matar dois ou três cada! Todos eles são fodidos que seriamente acham que estão com a vantagem!”
O ânimo logo tornou-se uma celebração, enchendo a cabine com uma energia incansável.
“Mas isso não é uma piada. Diferentemente do vagão de jantar, os únicos na Segunda Classe são nós e os homens de preto.”
Dentro da cabine, próximos a Ladd, haviam três corpos. Os seus amigos haviam tomado conta deles enquanto estava fora.
Os três homens de preto eram Lemures que tinham ido para os vagões da Segunda Classe. Todos eles foram mortos de maneiras diferentes, sendo a única semelhança entre suas mortes o fato de que nenhum foi morto instantaneamente.
“De qualquer forma, é perigoso nos reunirmos assim. Vamos nos dividir. Contarei o plano inteiro para Lua.”
Ladd abriu a porta com força, armado apenas com um único rifle.
“Voltem para cá assim que terminarem! Voltem assim que sentirem que estão satisfeitos!”
Não houve discordância. Os homens de branco espalharam-se por todo o trem, planejando destruir as sombras negras e “comer um banquete” no trem.
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Goose e Ladd ainda tinham que perceber o fato de que um monstro que superava todos eles estava a bordo do trem.
E o único que sabia disso era o homem mais covarde no trem.
“O que… É isso…?”
O rosto de Jacuzzi estava branco como uma folha de papel. Ele manteve-se fixo no chão, incapaz de fazer algo mais além de estremecer.
Ele havia corrido até o compartimento do condutor, ficando sem fôlego. E lá, ele foi recebido por uma visão horrorosa.
“Não! Não! Não pode ser! Eles estão… Mortos? Uh? Por favor, acorde! Por favor, que isso seja uma piada terrível! Por favor, senhor condutor! Você precisa acordar!”
O último vagão havia sido tingido de vermelho por sangue.
Diante de Jacuzzi jazia o corpo mutilado de um condutor.
E havia um segundo corpo próximo ao primeiro.
Um dos condutores simplesmente tinha sido assassinado.
A outra vítima havia sido destroçada terrivelmente. Seu pescoço foi entortado em um ângulo incomum, e seu rosto e braço direito haviam sumido completamente.
Talvez eles tivessem sido esmagados ou arrancados por uma mordida. Não importava o que tinha sido, a bagunça deixada para trás confirmava para Jacuzzi que aquilo não era o trabalho de uma arma laminada. Se foi uma lâmina, não poderia ter sido nada além de uma serra.
A luz incandescente deixava aquela cena grotesca com um brilho estranho. Jacuzzi encarou a poça de sangue no canto da cabine.
“Ele está aqui. Eu estou atrasado. Ele já nos alcançou…!” Jacuzzi murmurava para si mesmo. Não havia lamento em sua voz; Era o desespero consumindo-o? Ou era a derrota?
O nauseante sangue limpo brilhava com a luz, parecendo quase como vinho.
Jacuzzi então murmurou o nome do monstro-
“O Espreitador de Trilhos…”