Spice and Wolf - Volume 5 - Capítulo 3.1 - Anime Center BR

Spice and Wolf – Volume 5 – Capítulo 3.1

Volume 5

Capítulo 3.1

Depois de dormir, Lawrence se viu um pouco mais calmo.

Embora ele já esperasse isso ao se arrastar para a cama, as palavras de Eve e Arold não incentivavam o sono.

“Deixe-nos saber amanhã à noite se você topa ou não.” As palavras ecoaram em sua cabeça inúmeras vezes.

Em troca de Holo, que eles alegariam ser a única filha do clã Bolan, eles receberiam duas mil, talvez 2.500 peças de prata trenni, com as quais comprariam peles para despacharem pelo rio Roam bem à frente de qualquer outra pessoa.

Levando em conta que era a pele de alta qualidade de Lenos, mesmo considerando as tarifas, Eve alegou que conseguiria triplicar o investimento.

 

 

Apesar de achar que isso era muito otimista, Lawrence não pôde deixar de fazer uma estimativa similar em sua cabeça.

Supondo que eles pudessem comprar duas mil peças de peles em prata e triplicar seu dinheiro, isso resultaria em quatro mil peças como lucro. Eve, junto com Arold, exigiam 80% disso. Haviam alguns preparativos necessários, juntamente com as taxas de informação e o prédio da estalagem que Arold estava colocando como garantia — que seria entregue a Lawrence imediatamente.

Mas o prédio, por si só, valia talvez 1.500 pratas, então imediatamente após protestar que 80% era  muito,  ele  ficou  em silêncio.

Além do prédio em si, se tudo desse certo, Arold também passaria os direitos de administração da estalagem para Lawrence.

Não havia mercador no mundo que não entendesse o valor disso.

Em uma estalagem, desde que a pessoa tivesse o prédio, ele poderia abrir uma loja e prever uma fonte de renda estável — o que significa que as estalagens existentes tinham um grande interesse em resistir à abertura de novas e o faziam com veemência. Não havia como dizer quanto custaria para alguém de fora comprar os direitos de administração de uma estalagem.

E se Lawrence fosse abrir uma estalagem em Lenos, a cidade das fontes termais, Nyohhira, não estava muito longe, e seria um bom ponto de partida para procurar Yoitsu.

Diante de tudo isso, seria estranho se Lawrence pudesse manter a calma e pensar racionalmente sobre a situação.

Mas algo nas explicações de Eve soavam boas demais. À primeira vista, parecia que o plano funcionaria, mas Lawrence não pôde deixar de pensar que algo era estranho.

Ele também se perguntava se a enorme quantidade de dinheiro o estava fazendo pensar demais sobre a situação.

 

 

Ou talvez fosse o fato do plano depender de Lawrence levantar o dinheiro e, para fazer isso, ele teria que vender Holo — mesmo que fosse apenas temporário.

Holo se deixou capturar no lugar de Lawrence uma vez, lá na cidade portuária de Pazzio.

Mas, naquela época, foi ela que propôs isso como o melhor curso de ação.

Dessa vez, Lawrence venderia Holo para seu próprio ganho.

De repente, ele entendia por que a Igreja insultava e perseguia sua ocupação.

Lá     no     escuro,     Lawrence    imaginava    se     ele     estava realmente disposto a deixar Holo fingir que ela era da nobreza.

Exatamente quando ele se seu sono profundo terminaria que a voz de Holo o puxou dos sonhos.

“Venha.”

Lawrence abriu os olhos ao som da voz de Holo.

“…Ugh… é de manhã?”

Parecia   que   a   noite   sem   fim   tinha   sido   um   sonho. Quando Lawrence abriu os olhos, foi recebido pela luz que entrava pela janela, junto com os sons de uma cidade já movimentada com os negócios da manhã.

Evidentemente, em algum momento de seus cálculos mentais agitados, ele conseguiu adormecer.

Ele olhou para Holo, que estava ao lado da cama e, quando se sentou, Lawrence percebeu que estava coberto de um suor terrível.

Isso o fez pensar na primeira vez em que teve a oportunidade de obter um lucro enorme, logo após partir sozinho. Ele acordou tão ensopado de suor que teve medo de molhar a cama. E, claro, o lucro acabou sendo uma farsa.

“O que você estava fazendo ontem à noite?” Holo pressionou.

 

 

Ela parecia vagamente descontente, mas não havia provocação em sua voz. Talvez ela estivesse genuinamente preocupada com ele. Lawrence esfregou o suor escorregadio na parte de trás do pescoço. Se Holo começasse a suar assim, ele sabia que ficaria preocupado com ela.

“Foi uma conversa muito… intensa.”

Depois que ele emergiu de debaixo do cobertor, o ar frio da manhã pareceu congelar o suor assim que entrou em contato com seu corpo.

Holo sentou na própria cama e jogou um pano para ele,   que Lawrence aceitou com gratidão antes de hesitar em usar.

“Eu, uh… eu aprecio o gesto.”

“Eu preciso deixar meu cheiro em você.”

Holo parecia ter usado o pano enquanto ajeitava seu pelo; afinal, ele estava coberto de pelos.

Se ele tentasse se secar com isso, Lawrence duvidava que desse certo.

“Estou preocupada com você,” disse Holo.

“Desculpa.”

Quando Lawrence estava preocupado, ela não o poupava de provocações, mas aparentemente ela não podia suportar a situação inversa.

“Como você deve ter adivinhado, estão falando sobre uma grande oportunidade de negócios.”

“Aquela raposa?”

Lawrence teria associado Eve a um lobo, mas Holo, que era uma loba de verdade, parecia ver Eve como uma raposa.

“Sim. Ou, mais apropriadamente, de Eva, aquela mulher mercante, e Arold, o mestre desta estalagem.”

 

 

“Hnn.”

“Oh, é mesmo?” Parecia ser a resposta de Holo, embora estivesse longe de estar indiferente.

Sua cauda estava levemente arrepiada.

“Tendo ouvido apenas o que eles tinham a dizer, ainda não descobri tudo, e é claro, não lhes dei uma resposta. Mas…”

Holo alisou o pelo de sua cauda felpuda, respondendo com os olhos estreitos, “Mas?”

“O lucro é —”

“Mais forte que eu?” Holo interrompeu.

Lawrence fechou a boca, começou a falar novamente e depois parou.

Sem dúvida, Holo estava tentando dizer que antes que junto com um grande lucro vinha um grande perigo.

Um cachorro que se queima na lareira nunca mais se aproximará.

Somente os humanos eram tolos o suficiente para se queimarem tentando arrebatar uma castanha do fogo repetidas vezes.

Mas as castanhas assadas eram realmente doces, então Lawrence alcançava as chamas ardentes.

“É enorme.”

Holo lentamente estreitou os olhos vermelhos. Ela parou de cuidar da  cauda  e  coçou  barulhentamente  a  base  das  orelhas. Mas, mesmo assim, Lawrence não podia desistir da proposta de Eve. Ele pensou na primeira vez que discutiu com seu antigo mestre.

“O lucro é esta estalagem em si — ou até mais.”

Holo não podia deixar de entender o que isso significava.

Lawrence antecipou isso, por isso falou de maneira simples e clara.

 

 

Houve silêncio por um tempo.

Tudo o que o impedia de ser insuportável para Lawrence eram os olhos vermelhos de Holo, que agora eram quase tão redondos quanto a lua cheia.

“Isso seria… bem perto de realizar seu sonho, não seria?”

“Seria,” respondeu Lawrence sinceramente. O humor afiado de Holo desapareceu como se nunca tivesse estado lá, e ela jogou a orelha direita para trás por um momento.

“Então, o que há para se hesitar?” Ela finalmente falou. “Eu me lembro que possuir uma loja é o seu sonho e, se é assim, não tenho razões para impedi-lo.”

Holo pegou a cauda entre as mãos e começou a arrumar. De alguma forma, ela parecia pasma com ele.

Incapaz de lidar com sua reação inesperada,  Lawrence  ficou enraizado no mesmo local.

Ele se preparou para ela recusar categoricamente — ou se ela tivesse pelo menos dito que o esquema era muito perigoso, isso teria sido uma informação útil para determinar a verdade por trás das palavras de Eve.

É claro que o acordo poderia ser a chance de uma vida, mas se parecesse que o perigo superava o ganho, ele poderia deixar passar.

Ele sempre poderia ganhar dinheiro novamente. Mas ele nunca encontraria outra Holo.

“O que te aflige? Você parece um cão negligenciado,” ela disse.

Lawrence estava acariciando reflexivamente sua barba, e sentiu como se ela tivesse atingido o alvo.

“Você estava tão feliz sendo contestado por mim?”

A cauda de Holo era marrom, mas a parte de baixo era branca como a neve.

 

 

Ela a penteava com os dedos, formando uma bola branca de pelo.

“Eu presumi que você recusaria, então eu poderia simplesmente recusar a proposta,” disse Lawrence honestamente, e Holo deu um sorriso exasperado com isso.

“Então você esperava que eu esclarecesse algumas coisas com minha inteligência de sempre.”

“Em parte, sim.” “E o resto?”

Não havia sentido em esconder o que sentia. Se ele o fizesse, ela simplesmente os desenterraria e zombaria dele.

“Bem, você vinha fazendo essa cara irritada —” ele começou. Holo riu secamente. “Seu tolo,” ela disse brevemente.

“— então eu fiquei me perguntando: por que a mudança repentina? Você odiava a ideia de me envolver nos negócios daqui.”

“Hmph,” Holo fungou, mas a causa era poeira em seu nariz ou suas palavras?

Provavelmente o último, ele decidiu, mas ela não parecia muito chateada.

“Você realmente é… ah, não vale a pena dizer. Eu sei bem como você é um tolo. E isso é um fardo para mim, ter que te dar ordens o tempo todo.”

Você não pode estar falando sério, pensou Lawrence — e, talvez sentindo isso, ela o lançou um olhar ameaçador, como se fosse realmente rasgá-lo em pedaços.

“Honestamente…” continuou Holo. “No final, falei e agi apenas pelo meu próprio interesse. Por exemplo, sinto que  simplesmente poder vagar por aí com você é a melhor coisa para mim. Todas as vezes que eu agi como se estivesse te ensinando alguma grande verdade do mundo, era apenas para continuar viajando com você. Na verdade, foi cansativo.”

 

 

Ela pegou a bola branca de pelo e soprou no ar, depois voltou a atenção para a cauda.

Moderadamente emburrada -— sua expressão dizia concretamente: “Isso é um absurdo.”

“Você deve pesar o perigo que arrisca contra o lucro que deseja ganhar e agir se achar que vale a pena. Não era o seu sonho possuir uma loja? Não quero atrapalhar isso.”

“Você não está atrapalhando —”

“E de qualquer maneira, se eu não tivesse aparecido, você seria capaz de se envolver com o que quisesse, e se seu oponente tentasse enganá-lo, você estaria pronto, esperando para ser mais esperto do que ele e fazer um grande lucro. Você tinha espírito e imprudência para fazer isso, não tinha? Você esqueceu?”

Com o estímulo de Holo, Lawrence sentiu uma lembrança antiga retornar.

Lá na cidade portuária de Pazzio, ele certamente possuía esta iniciativa. Ele estava desesperado por lucro, e faria coisas que ninguém acreditaria para superar o perigo que havia.

Mas era difícil imaginar isso há apenas alguns meses atrás. Nem meio ano se passou e, no entanto, parecia que essas coisas haviam acontecido em um passado distante.

Holo se enrolou como uma bola no cobertor, de frente para Lawrence, a cauda enrolada sob ela de tal maneira que chegava à ponta do queixo. “Nada defende seu ninho como um macho humano.”

“Er —” foi tudo o que Lawrence conseguiu dizer com essa declaração.

Ele só entendeu agora o que ela tinha falado. A fortaleza que havia crescido dentro dele era defensiva, criada quando sentiu que ficaria sozinho para sempre.

“Mas eu não posso te culpar por isso. Você… não, eu sempre achei seu rosto charmoso quando estava com medo de mim.”

 

 

Essa última piada fez com que os sentimentos de Holo fossem ainda mais expostos.

Claro, isso poderia ser parte de seu plano.

“Eu sempre fui muito egoísta em minha relação com você. Você também pode ser egoísta comigo. E se você preferir me esquecer…

Lawrence estava prestes a dizer rapidamente que não queria fazer isso, mas percebeu o que Holo estava tentando fazer e engoliu suas palavras.

“Você pode virar as costas para mim. Até que eu acabe te mordendo.”

Holo sorriu, mostrando suas presas.

Provavelmente não havia um mercador vivo que registrasse suas dívidas e obrigações com o mesmo cuidado que Holo.

E Lawrence conhecia muitos mercadores que haviam estabelecido lares e, embora fossem homens tenazes, no fim haviam perdido.

Se ele próprio estava feliz por ser um mercador econômico e viajante, que assim fosse.

Mas quando ele se perguntou se estava realmente feliz com isso, Lawrence descobriu que não estava tão cansado a ponto de responder afirmativamente.

Depois que ele levasse Holo até sua terra natal e voltasse para suas viagens e negócios, não demoraria muito tempo para que pudesse levantar a capital e abrir uma loja.

Mas, quando comparado com uma estalagem e com os direitos de administração que a acompanham, esse sonho parecia desesperadamente humilde. Com um prédio e os direitos, além de ativos para gastar como quisesse, só pensar nas possibilidades era quase assustador.

Ele poderia fazer isso? Lawrence percebeu que queria tentar.

 

 

“Mesmo assim, há coisas sobre o acordo que eles propuseram que me fizeram hesitar.”

“Oh?” Holo olhou para cima, interessada.

Lawrence coçou a cabeça e reuniu suas forças. “Para aumentar a quantia de dinheiro que eles precisam para o negócio, eles precisam te usar.”

A expressão de Holo permaneceu neutra, como se dissesse:

“Continue.”

“Eles vão fingir que você é uma donzela nobre e colocá-la em penhor em uma empresa comercial.”

Holo fungou assim que ouviu isso. “Não me diga que foi isso que te fez suar ontem à noite.”

“…Você não está com raiva?”

“Eu só estou com raiva por você pensar que eu ficaria.” Ele já ouviu essa fala antes.

No entanto, Lawrence não entendia o que ela estava dizendo.

“Você ainda não entende?”

Lawrence se sentia como o aprendiz de um jovem mercador, a quem tinham feito uma pergunta simples, mas não conseguia responder.

“Você é realmente inacreditável…” disse  Holo. Não  sou  sua parceira? Ou sou apenas uma donzela que você gosta de proteger?”

Quando era colocado dessa maneira, Lawrence finalmente foi capaz de entender.

“Por acaso não tenho minhas próprias virtudes? Se eu puder ser útil para o seu ofício, então eu me entrego alegremente!”

Definitivamente, era uma mentira, mas estava claro que, desde que certas condições fossem cumpridas, Holo confiava em Lawrence o suficiente para arriscar um perigo significativo.

 

 

Se Lawrence tinha falhado em reconhecer sua confiança… bem, não era de admirar que ela estivesse com raiva.

Ele precisava confiar nela como a parceira  que  aceitaria seus pedidos levemente irracionais, como uma sábia loba que o impediria de enfrentar o desastre e, finalmente, respeitá-la como uma pessoa de igual status.

Desde que ele não esquecesse essas coisas, Lawrence poderia perguntar o que quisesse, e ela não se sentiria usada.

“Então, eu realmente preciso da sua cooperação,” disse ele.

“Hmph. Eu já te ajudei uma vez, mas isso foi para te agradecer por ser gentil comigo. Desta vez, não há o que agradecer.”

Não era como um agradecimento nem como um favor dado ou recebido.

Então o que era?

Não era dinheiro nem dívida.

Todos os relacionamentos de Lawrence até agora acabavam no zero; a quantidade fornecida era igual à quantidade tomada. Se alguma coisa era emprestada, ele esperava que ela retornasse e, se não fosse, teria que pagar a dívida. Até os relacionamentos “amigáveis” eram alterados de acordo com o crédito de transação.

Holo era diferente, um tipo inteiramente novo de relacionamento.

Mas, assim que Lawrence percebeu qual era o termo mais adequado, Holo lançou um olhar que dizia inconfundivelmente: “Pare o que está pensando.”

“Então, há mais alguma coisa com a qual você está preocupado?”

Ela perguntou.

“Claro. Estou preocupado que possa ser uma armadilha.”

Holo riu. “Se o seu oponente tem um esquema, contrarie-

  1. Quanto maior o esquema deles…”

 

 

Ela dissera a mesma coisa logo depois que se conheceram e um jovem mercador misterioso tentou fazer um acordo com Lawrence.

“Quanto maior o esquema, maior o lucro quando você o atrapalha.”

Holo acariciou sua cauda e assentiu. “Eu sou Holo, a Sábia Loba. Seria bom, de fato, se meu parceiro fosse um mercador desprezível.”

Lawrence riu — eles já tiveram essa conversa antes. O tempo passava e as pessoas mudavam.

Ele não sabia se isso era bom ou ruim.

Mas sabia que ter uma parceira para compartilhar isso o fazia feliz.

“Então,” disse Holo.

“Sim?”

E, de qualquer forma, pelo que parece o nome dela estava profundamente gravado na alma dele.

Seus pensamentos eram totalmente claros para ele. Lawrence sorriu. “Café da manhã, certo?”

 

A primeira coisa que eles precisavam fazer era estabelecer as bases.

Se pudessem verificar se Eve era realmente uma vendedora de estátuas, se sua fonte de pagamento era realmente a Igreja e se ela realmente brigara com eles, isso lhes diria muito.

Holo ficou no quarto deles, dizendo que ia ler os livros que haviam emprestado de Rigolo.

Quando ela lhe disse para  vagar  pela  cidade  como quisesse, Lawrence se viu querendo agradecer. No entanto, isso

 

 

parecia bastante estranho, em vez disso, ele disse a ela: “Aprecie seus livros e não chore muito.”

Deitada de bruços, folheando as páginas, sua única resposta foi balançar a cauda com desdém. Suas orelhas mexeram minuciosamente, provavelmente porque ele havia dito algo que ela não queria ouvir.

O clima lá embaixo era um pouco estranho, dada a noite anterior, mas Lawrence cumprimentou Arold rapidamente antes de sair.

Enquanto ele tivesse o ar fresco da manhã, a cidade enérgica e a luz do sol quente, as coisas não poderiam ser tão ruins.

Lawrence começou a andar imediatamente.

Ele não tinha conhecidos nesta cidade, e sua única fonte de informação era a garçonete da Besta e Rabo de Peixe. Como essa hora do dia era particularmente movimentada para os vendedores e açougueiros que precisavam comprar seus suprimentos, Lawrence decidiu ir primeiro à igreja.

A cidade era de tamanho moderado e as ruas eram complicadas, então Lawrence ainda não tinha visto a igreja, mas tinha a impressão de que sua posição dentro da cidade era razoavelmente boa.

Quando se chegava  nas  proximidades  de  Lenos,  os pagãos não eram raros, e era comum o suficiente ter um como vizinho.

Alguém poderia pensar que isso implicaria uma diminuição do poder da Igreja, mas, pelo contrário, apenas elevava o moral dos verdadeiros crentes.

Eles acreditavam que as dificuldades eram provações enviadas por Deus, por isso fazia um certo sentido. O forte desejo de Arold de fazer uma peregrinação ao sul provavelmente era bastante comum por aqui.

Os crentes mais fervorosos sempre podiam ser encontrados onde o poder da Igreja era mais fraco.

 

 

Talvez porque, se não conseguissem suportar, a chama de sua fé certamente seria extinta pelas tempestades do paganismo — ou talvez essas tempestades fossem como a brisa de uma fogueira.

Nesse sentido, não havia razão para duvidar da importação de estátuas de pedra por Eve. Certamente havia uma demanda por elas.

Mas isso não significava que não havia dúvida.

Lawrence comprou pão de centeio de um padeiro e perguntou como chegar lá. Quando viu a igreja, imediatamente deu voz a suas impressões.

“É como um cofre.”

Era menos uma igreja e mais um templo esculpido em pedra.

O design era familiar, mas a atmosfera em si era diferente. Ele passou pelas portas e entrou na igreja onde um punhado de pessoas realizava sua adoração matinal.

Pode-se dizer se uma igreja tem dinheiro olhando sua entrada. Ninguém apreciava o interior de uma igreja que não tivesse um senso de idade, de antiguidade, mas a entrada era diferente. Como a entrada era desgastada e deformada pelas pessoas que passavam por ela, uma igreja com dinheiro podia pagar pela manutenção adequada. Era puramente uma demonstração de riqueza.

E a entrada desta igreja em particular, apesar de todas as pessoas que passavam por ela, era composta por degraus de pedra lindamente esculpidos.

Ficou claro que a igreja de Lenos tinha dinheiro. Então — e as despesas deles?

Lawrence olhou em volta, procurando por pistas.

Entre a igreja e um grupo de três prédios menores, havia um beco que dava para o interior do quarteirão. A uma curta distância, havia um espaço onde a agitação da cidade e a luz do dia não alcançavam — assim como os que moravam naquele espaço.

 

 

Enquanto Lawrence seguia pelo caminho, ninguém sequer olhou para ele.

Seria necessário um grande encantamento para despertá-los do sono.

“Que as bênçãos de Deus estejam com você,” disse Lawrence a um deles.

Era difícil dizer se o homem estava morto ou apenas dormindo, mas seus olhos agora  se  abriram. “Hnn!…  Oh. Não  está dando esmolas, está?” Ele disse, sua voz uma mistura de antecipação e decepção.

Lawrence olhou o homem da cabeça aos pés — ele certamente não parecia ser um homem da Igreja.

Oferecendo um pouco do pão de centeio ainda quente para o homem, Lawrence deu o seu melhor sorriso de mercador. “Sem esmolas, eu receio. Eu gostaria de fazer algumas perguntas.”

O rosto do homem ficou vermelho ao ver o pão. Ele não parecia ser um sujeito a reclamar. “Inferno, pergunte o que quiser.”

Ele devorou o pão de centeio com uma velocidade que surpreendeu até Lawrence, que havia se acostumado com a glutona da Holo, depois deu um sorriso cheio de dentes.

“É sobre a igreja,” disse Lawrence.

“O que você quer saber? Quantas amantes o padre tem? Quem foi o pai da criança que a freira deu à luz há algum tempo?”

“Fascinantes, mas não. Estava imaginando quantos pães essa igreja assa.”

Obviamente a igreja não era uma padaria. Ele estava perguntando quanto  pão  a   igreja   distribuía   aos   necessitados. Havia igrejas e abadias cujas finanças declinavam a ponto de não realizarem esse trabalho, mas a maioria fazia em proporção ao estado de seus cofres.

 

 

E, como resultado, os destinatários dessa caridade conheciam naturalmente o estado da cozinha da igreja.

“Heh, já faz algum tempo desde que me perguntaram isso.” “Oh?”

“Antes, mercadores como você vinha perguntar o tempo todo. Você quer saber como a igreja daqui está, não é? Parece que não está trazendo pessoas da maneira que costumava. Acho que Deus precisa de mais propaganda.”

Havia um ditado nos negócios: “Olhe para os pés.” Significava olhar para o seu oponente para entender não apenas suas fraquezas, mas toda a sua situação.

E, nesse sentido, quem melhor para olhar para os pés do que os mendigos que passavam os dias na rua, olhando para os pés de todos os que passavam?

Ocasionalmente, esses mendigos eram expulsos em massa de uma cidade porque os que estavam no poder tinham medo de quanto conhecimento os mendigos tinham de seus cofres.

“Já estive em muitas cidades nesta área, mas a igreja aqui é a melhor. Eles podem não distribuir grandes quantidades de pão ou feijão, mas a qualidade é sempre boa. Apesar…”

“Apesar?” Repetiu Lawrence de volta para o homem. O homem fechou a boca e coçou a bochecha.

Havia uma hierarquia entre os mendigos. Os que estavam mais perto da entrada da igreja, onde era mais fácil pedir, tinham informações mais completas.

Lawrence pegou duas moedas de cobre baratas e as entregou ao mendigo.

O mendigo riu. “Apesar — de que o bispo espalha mais dinheiro sobre a cidade do que pão entre os mendigos.”

“Como você sabe?”

 

 

“Oh, eu posso dizer. Quando uma carruagem esplêndida que tem sua própria escolta para afastar mendigos como eu chega, eu posso dizer. E é claro como o dia que tipo de jantar foi servido do lixo que eles jogam fora. E olhando quantos homens arrogantes da cidade vêm a esse jantar, posso dizer o quão importante o convidado era. Impressionante, não é?”

As pessoas no poder não realizavam grandes jantares sem motivação para fazê-lo. Como eles evidentemente tinham um negócio baseado na compra de estátuas de Eve, em seguida, consagrando-as e vendendo-as por muito mais dinheiro, esses jantares tinham que ter natureza política — nada mais que um investimento.

Portanto, embora ainda não estivesse claro o que a Igreja estava tentando alcançar, dada essa informação, Lawrence agora viu que ela exercia poder dentro do Conselho dos Cinquenta.

E, no entanto, pensou Lawrence consigo mesmo, ao considerar o mendigo.

Quando uma cidade era invadida em tempos de guerra, ele percebia por que eram sempre os mendigos que eram postos à lança.

Cada um deles era como um espião.

“Você não poderia usar sua visão para elevar sua posição na sociedade?” Perguntou Lawrence.

O  homem  sacudiu  a  cabeça. “Você   não   entende, amigo? Deus disse:   ‘Bem-aventurados    os    pobres,’    não  foi? Você sente algo quente e feliz em sua barriga só com um pedaço de pão preto duro e duas moedas de cobre?” O homem olhou fixamente para Lawrence. “Eu sei que eu faço.”

Nem todos os sábios se envolviam em casacos de couro.

Lawrence teve a sensação de que esse homem era uma personificação melhor dos ensinamentos de Deus do que qualquer pessoa da igreja onde ele rezava.

 

 

“De qualquer forma, eu não sei o que você está planejando,” continuou o mendigo, “mas se você tentar lidar com esta igreja, eles simplesmente o enforcarão. Eu só conheço um mercador que trabalhou com eles por um longo tempo, e até ele acabou discutindo com eles com aquela voz rouca.”

Lawrence soube imediatamente de quem o mendigo estava falando.

“O negociante de estátuas?” Ele perguntou.

“Estátuas? Ah sim, acho que ele tinha algumas. Ele é seu amigo?” “Algo assim. Então… ele negociou com mais alguma coisa?” Não

se falava em negócios paralelos, mas os mercadores frequentemente empacotavam itens menores entre a carga principal.

Essa era a suspeita de Lawrence, mas a resposta do mendigo fez seus olhos se arregalarem de surpresa.

“Eu tinha certeza de que ele era um mercador de sal. Não?”

Se lhe pedissem para nomear três mercadorias particularmente pesadas para transportar, ele seria capaz de fazê-lo instantaneamente

— pedras para alvenaria, alume para roupas e sal como conservante de alimentos.

Todos eles não eram adequados para funcionar como um negócio lateral.

Animado, Lawrence pressionou o homem. “Por que você acha isso?”

“Opa, calma aí, amigo. Ele é seu rival? Não quero me meter em problemas só porque você me fez umas perguntas,” disse o homem, se afastando e olhando duvidosamente para Lawrence.

“Desculpe,” disse Lawrence, voltando a si. “Ele não é um rival.

Ele é alguém com quem estou fechando um negócio.”

 

 

“…Ah, então você está querendo saber do passado dele, não é? Bem, você parece gente boa. Acho que você  não contaria uma grande mentira. Claro, eu vou te contar.”

Lawrence, como qualquer mercador, não tinha certeza se estava feliz por saber que parecia uma boa pessoa.

Por um lado, era bom que as pessoas baixassem a guarda ao redor dele, mas também poderia impedir que o levassem a sério.

O mendigo gargalhou. “Ah, eu só quis dizer que  tem  muitos mercadores que tentam usar a gente, mas a maioria deles pensa que é melhor que nós. E menos  ainda  se  admiram  com  minhas palavras. Foi só isso que eu quis dizer.”

Lawrence ficou tão perturbado com isso que quase disse ao mendigo que a bajulação não lhe daria outras moedas.

“Ah, mas de qualquer forma, é uma coisa simples,” disse o mendigo. “Às vezes, quando aquele mercador visitava a igreja, o sal caía entre as rachaduras de sua carga. Eu posso distinguir pelo cheiro se o sal foi usado para embalar peixe ou carne — é uma boa companhia para o licor. Mas, quando o sal é usado, o sabor fica ruim. Por isso eu acho que ele era um mercador de sal.”

Quanto mais se movia para o interior, mais precioso o sal se tornava.

Eve disse que trouxe estátuas de uma cidade que ficava de frente para o mar ocidental.

Seria fácil embalar sal marinho nas mesmas caixas que levavam as estátuas.

Ou ela poderia estar contrabandeando.

Se ela estivesse negociando com a igreja há muito tempo, eles poderiam ter facilitado as inspeções de sua carga como uma vantagem.

“Então é assim que as coisas são. Mais alguma coisa que você queira saber?”

 

 

O mendigo não só o entregou informações úteis; mas sua forma propensa e suja tinha uma estranha dignidade.

Mas Lawrence ouvira tudo o que precisava ouvir. “Você me deu o segredo para viver uma vida feliz. Isso é mais do que suficiente.”

Parecia que realmente havia pepitas de ouro para serem encontradas à beira da estrada.

 

Parecia que Eve havia realmente feito acordos com a Igreja.

E Lawrence agora sabia que o bispo estava espalhando dinheiro pela cidade a fim de alcançar algum tipo de objetivo político.

Se fosse esse o caso, não era  de  estranhar  que  ela  estivesse preparada para se arriscar e ganhar algum dinheiro. Depois que as estátuas fossem compradas e abençoadas a baixo custo, sua venda era tão preciosa que tinha um charme próprio, sem dúvida.

Mas se fosse assim, algo estava estranho.

As transações de estátua eram uma fonte estável de renda — elas seriam arruinadas com apenas um único empecilho? A Igreja simplesmente não levava Eve a sério, ou eles criaram um sistema de distribuição que os permitia adquirir as estátuas?

Eve simplesmente decidiu deixar a cidade para sempre, mas ela parecia não ter abandonado completamente a possibilidade de que o negócio pudesse ser reiniciado no ano seguinte, o que Lawrence achou agradavelmente suspeito.

De acordo com o mendigo, Eve havia brigado com a igreja tão ferozmente que sua voz exaltada podia ser ouvida do lado de fora do prédio. No entanto, nada disso era suficiente para justificar uma separação tão estressante. Às vezes, fazer negócios significava acabar com ativos inúteis ou ter parceiros dando as costas para você. Não era raro.

Naturalmente, essas coisas eram perturbadoras e, quanto mais profunda a sua confiança, mais forte era o sentimento de traição. Mas

 

 

Eve não considerara Lawrence um mercador tão jovem que pensaria que gritar mudaria a situação.

A Igreja sabia que Eve era da nobreza, embora da nobreza falida?

Ela dissera que havia uma empresa comercial na cidade que sabia sobre sua origem nobre.

A  Igreja  possuía  poder   de   coleta   de   informações   que envergonharia qualquer empresa de comércio — ela tinha que saber.

Era incompreensível que o mesmo bispo que convidava a nobreza de todo o mundo para jantares luxuosos descartasse Eve, que era da mesma nobreza. Ela poderia ser útil para inúmeras coisas.

Ou sua utilidade havia desaparecido?

Foi por isso que ela se ofereceu para trazer Lawrence, um mercador que acabara de conhecer, para um acordo no valor de milhares de moedas de prata?

Era  por  desespero? Ou  ela  estava  tentando  se   recuperar? Não poderia ter sido apenas uma sugestão amigável. A quantia era muito alta.

Ele estava pensando demais nas coisas para se perguntar se ela tinha um motivo além do simples lucro?

Mas mesmo que ela estivesse tentando atrair Lawrence para uma armadilha, havia apenas algumas opções.

Ela poderia fugir com as mercadorias assim que Lawrence tivesse desembolsado o dinheiro, matá-lo no meio da exportação, ou possivelmente fazer um acordo secreto com a firma comercial para vender Holo, e depois fingir que nada havia acontecido.

No entanto, nada disso parecia provável.

O acordo que Eve havia proposto era inteiramente legal (exceto por ela usar com Holo como uma parente de sua nobre casa), de modo que o conteúdo seria declarado perante uma testemunha pública e

 

 

Lawrence teria uma cópia. Se ele enviasse isso para uma empresa comercial em alguma outra cidade, seu oponente seria incapaz de fazer movimentos descuidados. Enquanto um terceiro tivesse um registro cuidadoso de todas as ações de Lawrence, nenhum desses planos seria fácil por em prática.

Além disso, Lawrence não esperava que Eve o subestimasse tanto que acreditasse que esquemas tão simples funcionariam contra ele.

Talvez ela realmente não estivesse planejando nada.

Todos os acordos estão em algum lugar entre a confiança e a suspeita.

Ele estava longe de confiar nela, mas só seria capaz de investigar por um tempo limitado antes que o acordo se tornasse impossível.

Ele teria que decidir.

Lawrence refletiu sobre o assunto enquanto seguia para a Besta e Rabo de Peixe.

Se o Conselho dos Cinquenta chegasse a uma decisão, que agora parecia um segredo aberto, ele esperava que houvessem novas informações circulando.

Quando ele chegou à taverna, ela estava completamente vazia; nenhuma pessoa era encontrada lá dentro. Andando pelo beco que dava para a parte traseira do prédio, ele encontrou a garçonete lavando uma grande bacia que parecia ter sido usada para guardar vinho.

“Meu Deus, você chegou cedo,” disse ela.

“Devo assumir que é a água fria que fez seu rosto ficar assim.” “Ah, sim, e é por isso que eu também posso estar com um pouco

de    frio,” ela    disse    com    um     sorriso, largando     o pedaço de pano de cânhamo que estava usando para lavar a bacia. “Quantos mercadores você acha que vieram falar comigo?”

 

 

Todos eles desesperados por lucro, sem dúvida.

Lawrence não sabia quantos mercadores dentro da cidade estavam tentando reivindicar uma parte no comércio de peles, mas Eve parecia acreditar    que    ela    e    Lawrence     poderiam    lucrar. Ele se perguntou se isso era mesmo verdade. Esta era outra coisa que o preocupava.

“Você não pode imaginar que sua beleza era o objetivo deles?”

Perguntou Lawrence.

A garçonete deu uma risadinha. “Sorrisos são de ouro, palavras são de prata. Quantos grosseiros barulhentos você acha que ofereceram moedas de cobre?”

Não poderia ter sido muitos, mas também não tão poucos.

“Admito que vim perguntar algumas coisas um tanto grosseiras.”

“Não tenho dúvida disso. Deva um favor a um mercador, e ele sempre virá cobrar. Então, o que você quer saber?” Aparentemente, ela largou o pano não para falar com Lawrence, mas para esvaziar a bacia de água. Ela inclinou a bacia, que era grande o suficiente para Holo se enroscar lá dentro quando estava deitada, e derramou seu conteúdo no chão.

“É sobre o Conselho dos Cinquenta,” disse Lawrence claramente. Se ele falasse tão sem rodeios, ele poderia levar um chute no traseiro e não teria do que reclamar.

Mas a garçonete apenas deu de ombros e sorriu. “Ouvi dizer que eles chegaram a uma conclusão. Eles dizem que vão permitir a venda de peles, mas não a crédito.”

Era exatamente o que Eve havia dito.

No momento em que Lawrence considerou como avaliar essa informação, a garota colocou os restos das uvas em um canto com o pé e continuou. “Os clientes estavam me perguntando sobre isso ontem à noite. Honestamente, um ou dois deles poderiam pelo menos me trazer uma carta de amor.”

 

 

Lawrence considerou esse novo dado enquanto respondia habilmente: “Um contrato é a única carta de amor de um mercador.”

“Ah, é verdade que amar e ser amado não basta para encher a barriga,” disse a garçonete. “Hmm,” ela acrescentou incerta, depois sorriu abertamente, como se quisesse acrescentar: “Embora para uma mulher, isso não é realmente verdade.”

Lawrence sorriu tristemente, mas sabia que, se quisesse acompanhar o jogo dela, não seria melhor do que seus clientes bêbados. “Embora, da minha parte, tudo o que preciso seja apenas um olhar, e já estou satisfeito. Sinto que deveria agradecer pela refeição!”

A garçonete ficou atordoada por um momento e depois bateu na mão de Lawrence brincando, que estava com as tarefas da cozinha. “Senhor, você é injusto! Era isso que eu ia dizer!”

Lawrence riu, mas sua mente estava afiada e concentrada.

Pareceu-lhe estranho que desde a noite anterior tantos mercadores tivessem vindo aqui para confirmar suas informações com essa garota. Supondo que as informações vazaram para eles por meio de um colega, não havia necessidade de ir conversar com a garçonete de alguma taberna para confirmar a história.

E de que boca ela estava ouvindo as últimas notícias, afinal?

Talvez a maior parte de seu conhecimento pudesse ser inferida a partir das informações que os mercadores inadvertidamente deixavam escapar quando faziam suas perguntas.

“A maioria das pessoas que vieram fazer perguntas para você são frequentes?”

“Hã? Frequentes?” A garota tirou água da toalha.

Lawrence se perguntou se suas mãos doíam, dada a água fria e o clima frio. Ela franziu a testa e exalou, a  respiração  era  visível. “Eu diria que eles têm sido mais ou menos regulares. É que…”

“…É que?”

 

 

A garota olhou em volta furtivamente, depois abaixou a voz e continuou. “É que muitos  dos  novos  clientes  foram  bastante descuidados. Você foi o único entre eles que fez perguntas apropriadas.”

“Oh, agora eu entendo,” respondeu Lawrence com seu sorriso de mercador.

“Eu não digo nada para eles quando eles são assim. Os mercadores estrangeiros podem ter ouvidos afiados, mas também tem a língua solta. Eles entram e dizem: ‘Então, eu ouvi dizer que a compra de peles só será feita em dinheiro, isso é verdade?’ Isso é um absurdo!”

“Eles são um fracasso como mercadores,” disse Lawrence com uma risada, mas internamente ele estava longe da calma.

Se todos os mercadores fossem tão tolos, os negócios seriam mais fáceis do que imaginava.

E certamente não era o caso de que somente os mercadores estrangeiros cometiam tais erros. É claro que os cidadãos de uma cidade tendiam a acreditar que as pessoas que a chamavam de lar eram as mais inteligentes e melhores, mas isso não passava de uma ilusão amplamente difundida.”

Então, qual era o objetivo deles?

Talvez os mercadores estrangeiros estivessem falando tão livremente da decisão do conselho como uma forma de mostrar que tinham essas informações resultando em um esforço para perturbar e intimidar os mercadores locais. Ou talvez tenha sido uma tática da parte dos agiotas e cambistas elevar temporariamente o valor da moeda, antecipando transações com dinheiro apenas em espécie.

Mas os mercadores estrangeiros não tinham nada a ganhar com a divulgação de informações falsas; portanto, qualquer que seja seu objetivo, o resultado da reunião sobre o qual Eve falou provavelmente era verdadeiro.

Se o grupo de mercadores fora da cidade estivesse agindo por seus próprios interesses pessoais, eles poderiam estar tentando criar uma

 

 

confusão para afastar outras partes da verdade. Nesse caso, porém, Lawrence esperava que houvesse mais de uma história sobre a decisão do conselho em circulação.

Da mesma forma, as pessoas da cidade e as pessoas próximas a elas conheceriam a verdade em primeira mão, por isso parecia improvável que os mercadores estrangeiros estivessem tentando criar uma perturbação dentro da cidade.

Eve disse que ouvira as notícias de fontes dentro da Igreja.

Se isso era verdade ou não, Lawrence poderia aprender algo aqui que o ajudaria a adivinhar algo sobre isso.

“A propósito,” ele começou.

“Sim?”

“Gostaria de perguntar sobre a igreja daqui —” disse Lawrence.

“Uh, por favor, abaixe sua voz,” interrompeu a garota, seu rosto repentinamente rígido, agarrando seu braço e empurrando-o pela porta dos fundos da taverna.

Ela então olhou através da porta rachada para garantir que ninguém os tivesse visto.

No momento em que Lawrence se perguntava o que estava acontecendo, ela se virou para encará-lo. “Se você está perguntando sobre a igreja, deve ter ouvido pelo menos um pouco.”

“Bem, eu suponho…”

“Siga o meu conselho, você não deve se envolver.”

A expressão da garçonete era tão séria ali no corredor apertado nos fundos do bar vazio que ele sentiu a máscara do seu rosto de mercador deslizar, mas Lawrence rapidamente se recuperou e respondeu.

“Então há uma luta pelo poder, não é?”

 

 

Se a garota não tivesse capacidade de atuar para rivalizar com a atuação de Holo, Lawrence saberia com certeza que ele havia sido descoberto.

“Servimos pratos incomuns aqui, por isso somos um dos lugares que atende aos jantares da igreja.”

Isso corroborava a história do mendigo, e essa era uma das poucas lojas nas quais a igreja podia  pedir  qualquer  prato  de  carne que desejassem.

A  garota  coçou  a  cabeça,  suspirando  desconfortavelmente. “Não conheço todos os detalhes, mas parece que eles estão convidando figuras poderosas de todas as partes. Uma vez ficamos acordados por duas noites diretas cozinhando para um figurão da Igreja que vinha de longe.”

Uma pessoa do distante alto-escalão da Igreja.

Se era uma luta pelo poder, Lawrence sabia muito bem em que isso implicava.

A conversa estava tomando um rumo estranho.

“Então eles estão solidificando sua base de poder,” disse Lawrence.

“Sim. E eles foram muito cuidadosos com sua reputação, como se fosse argila que ainda não secou. Eles doam generosamente aos pobres, mas de onde vem o dinheiro deles, ninguém sabe. Portanto, não há como dizer o que pode acontecer com quem fala alguma coisa. Todo mundo sussurra uns com os outros como se caso os olhos da Igreja caíssem sobre eles, eles não seriam capazes de permanecer na cidade.”

“Se tudo isso é verdade, por que você está me contando?” Perguntou Lawrence, um pouco intimidado pela seriedade da garota.

“Bem, eu não diria a ninguém.”

Assim como Lawrence usava a máscara de mercador, essa garota certamente usava a máscara da garçonete.

 

 

Então, se a parte de trás das costas era a frente — que lado era esse?

“Para futura referência, posso perguntar por que você está fazendo uma exceção?”

“Bem, se eu tivesse que me aventurar a dizer…” ela respondeu estranhamente tímida, seu rosto se aproximando. “Suponho que seria porque você tem o cheiro de outra mulher em você.”

Incapaz de recuar por causa da  parede  atrás  dele,  Lawrence começou a olhar para a garota,  com  o  rosto vacilante. “Então é o seu orgulho como garçonete?”

A garota riu. “Tem isso também, mas há algo em você que faz uma garota com um pouco de confiança querer experimentar. Você passa sempre por isso?”

Infelizmente, a experiência de Lawrence se limitava a ser rejeitado pelas empregadas de estalagens.

Tudo o que ele pôde fazer foi balançar a cabeça.

“Bem, só há uma explicação. Você só conheceu recentemente a garota ao seu lado.”

Ela não devia ser subestimada. Era isso que eles chamavam de intuição feminina?

“É porque você parece uma pessoa muito gentil,” continuou a garota. “Aposto que ninguém te lançou olhares pela sua aparência, mas quando vemos que você está com outra garota, as mulheres ficam curiosas. Se uma fera vê uma única ovelha sozinha, pode ficar com preguiça de caçá-la, mas se um lobo está com essa ovelha, então começamos a pensar: essa ovelha é realmente tão saborosa? E cobiçamos isso por conta própria.”

Não havia muitos homens que gostariam de ser comparados a uma ovelha, mas era triste que ele de fato tivesse uma loba ao seu lado.

Essa garota era realmente humana?

 

“É por isso que eu gostaria muito que você trouxesse sua companheira para a taverna.”

Sem interesse em dinheiro ou status, talvez fosse esse tipo de tempero que era perfeitamente adequado para adicionar um pouco de sabor à sua vida.

Surpreendentemente, isso provavelmente era sua compensação em troca de dizer a verdade.

“Você já me fez esse convite,” disse ele.

A garçonete deu um sorriso frustrado. “Oooh, essa compostura é tão frustrante.”

“Eu sou uma ovelha, afinal. Somos criaturas antipáticas,” disse Lawrence, colocando a mão na porta dos fundos. Ele então se voltou para a garota. “Claro, eu não vou contar a ninguém essa conversa.”

“Nem mesmo a sua companheira encantadora?” Lawrence não pôde deixar de rir.

Ele se perguntou se esse tipo de garota era mais o tipo dele do que uma frágil donzela.

 

“Então, você me contou tudo?” “Sem deixar nada escapar.”

Lawrence havia retornado para encontrar Holo exatamente como a deixara — lendo livros, a cauda balançando preguiçosamente. Ela parou de repente.

“Parece que preciso ensinar a ela algumas coisas sobre território.” Holo olhou para Lawrence, sua expressão levemente satisfeita. “Mas parece que você está entendendo a verdade sobre certas coisas.”

“Para que um cavalo de tração fique livre, apesar de suas rédeas, ele deve antecipar a vontade de seu guia.”

 

 

Holo sorriu satisfeita “Então,” disse ela, se sentando. “O que você acha de tudo isso?”

Parecia seguro acreditar que Eve realmente vendia estátuas para a Igreja, que eles tiveram um desacordo e se separaram.

Além disso, a descrição de Eve do resultado da reunião do conselho parecia ser precisa.

O que preocupava Lawrence era que, ao tentar obter o controle da cidade, a Igreja tentava estabelecer uma catedral. As catedrais agiam como centros de poder para a organização da Igreja e eram estabelecidas com base nas recomendações de proprietários ou clérigos influentes, mas geralmente os clérigos existentes nessas áreas resistiam ao estabelecimento de catedrais porque representavam uma nova estrutura de poder na região.

Obviamente, Lawrence ouvira  dizer  que  tudo  dependia  de dinheiro e conexões.

Se uma catedral fosse estabelecida aqui, o atual bispo da igreja local passaria de um homem que fora nomeado bispo para alguém que os nomeia. Ele teria o direito de cobrar uma certa quantia dos dízimos dados às igrejas em toda a região e o direito de sancionar governantes seculares na área.

A jurisdição religiosa única seria dele e, embora fosse um exemplo extremo, ele poderia acusar todos os que discordavam dele de heresia, tendo seus rivais queimados na fogueira. Dito isto, a maioria dos interesses dos bispos residia em poder cobrar multas, e nenhuma autoridade excederia a jurisdição da Igreja.

Antecipar tal situação deixara a garçonete com grande medo de falar contra a Igreja.

Lawrence certamente podia entender por que, tendo se separado da Igreja em termos ruins, Eve gostaria de deixar a cidade e por que ela não seria capaz de falar casualmente sobre reiniciar  o acordo no próximo ano.

 

 

O que ele não conseguia entender era por que ela lutaria com a Igreja em primeiro lugar. Da parte de Lawrence, ele teria comido lama para evitar enfrentá-los. Teria valido a pena.

Pode não ser uma má ideia fazer uma aposta se isso significa ser capaz de entender a situação.

Dado o poder da Igreja no Conselho dos Cinquenta, sem dúvida a decisão do conselho foi tomada pelo bispo, e como essa decisão teria sido tomada no melhor interesse da economia da cidade, o plano de Eve se opunha à Igreja.

Lawrence ficou imaginando se era possível que sua vida estivesse realmente em risco.

Se um mercador estrangeiro fosse morto ou desaparecesse depois de fazer uma transação legítima, a suspeita cairia imediatamente sobre a parte que lucrava com a morte desse  mercador — que são     as figuras de autoridade da   cidade. Lawrence    era    membro da Guilda Comercial de Rowen, por isso, se ele deixasse isso claro, era improvável que um bispo que tentava estabelecer uma catedral adotasse uma ação tão drástica e violenta.

E a escala do acordo que Eve estava organizando, embora fosse uma grande soma para um mercador solitário, não era particularmente significativa no contexto do comércio de peles da  cidade  inteira. Lawrence duvidava que ele atraísse o tipo errado de atenção em um empreendimento tão pequeno, e certamente não se tornaria uma questão de vida ou morte. É claro que, para algumas pessoas, certamente vale a pena matar milhares de moedas de prata.

Lawrence explicou tudo isso a Holo.

A sábia loba escutou seriamente por um tempo, mas sua postura ficou cada vez mais preguiçosa e, por fim, ela caiu de novo na cama.

Lawrence, no entanto, não estava com raiva.

Ele não encontrou motivo para se opor ao comportamento dela.

 

 

“O    que     você    acha?”   Ele    finalmente   perguntou. Holo bocejou, limpando os cantos dos olhos com a cauda.

“Não encontro nenhuma falha na sua explicação. Tudo faz mais ou menos sentido.”

Lawrence estava prestes a perguntar se isso significava que ele deveria prosseguir com o negócio ou não, mas se deteve.

Ele era o mercador; ele seria o único a decidir.

Holo riu. “Sou uma loba sábia, não uma deusa. Se você começar a achar que sou um oráculo, vou desaparecer.”

“Antes de um grande negócio, sempre tenho vontade de pedir a opinião de alguém.”

“Hah,  mesmo  que  você  já  tenha   tomado   uma   decisão? Você mudaria de ideia se eu te implorasse em lágrimas?” Holo sorriu.

Lawrence sabia como precisava responder. “Mesmo que eu tivesse ignorado, você ainda estaria na estalagem. Vou concluir o negócio e depois retornar. Isso é tudo que precisa ser feito.”

Holo riu rouca, coçando o pescoço como se as palavras de Lawrence fossem difíceis de ouvir. “Sim, e quando você puder dizer essas palavras sem corar, será um homem adequado.”

Lawrence havia se acostumado às piadas de Holo.

Ele encolheu os ombros. Isso não eram mais do que uma saudação nesse ponto.

“Porém, devo dizer que você estava muito animado durante sua explicação. Claro—” continuou Holo, cortando Lawrence “— não estou dizendo que isso é uma coisa ruim. Os machos dão o seu melhor quando perseguem suas presas.”

Agora era a vez de Lawrence coçar o nariz envergonhado, mas se não encontrasse alguma resposta para Holo, ela certamente ficaria brava.

 

 

Ele deu um suspiro deliberado, depois lembrou a si mesmo que estava apenas acompanhando a piada. “Mas você só quer que eu preste atenção em você de vez em quando, não é?”

“Basicamente sim,” disse Holo, sorrindo alegremente. “No entanto, o que será de mim se o acordo fracassar?”

“Bem, você é uma garantia. Então, se não pudermos devolver o dinheiro, você será vendida em algum lugar.”

“Oh, ho.” Holo estava deitada de bruços na cama, a cabeça apoiada nos braços cruzados, a cauda e as pernas apontadas para cima e acenando preguiçosamente no ar. “Então foi isso que te deu esses pesadelos?”

“…Também.”

Se o acordo fracassasse e eles não pudessem pagar o que deviam, Holo se tornaria propriedade da firma comercial.

No entanto, ela dificilmente ficaria sentada humildemente e se deixaria vender.

Isso deu a Lawrence um pouco de alívio, mas ele não estava tão otimista a ponto de pensar que, uma vez que ela mordesse as cordas que a prendiam e escapassem, ela voltaria correndo para ele.

“Caso isso aconteça, terei que escolher alguém um pouco mais inteligente como meu próximo parceiro,” disse Holo, seus olhos vermelho âmbar se estreitando maliciosamente.

“De fato. Seria melhor deixar este idiota comendo poeira quando você partisse,” Lawrence respondeu rapidamente às provocações de Holo.

A sábia loba não parecia satisfeita. “Grandes palavras para o pirralho que praticamente chorou quando eu quase fui embora.”

Lawrence fez uma careta como se tivesse engolido uma noz, com casca e tudo.

Holo sorriu, satisfeita, o balançar de sua cauda era audível.

Foi depois que ela parou de se balançar e sua expressão mudar que ela falou novamente. “Mas eu devo cooperar porque confio em você.”

O sorriso dela era genuíno.

Lawrence     coçou     o     queixo     e     depois    acariciou     a barba. “Naturalmente.”

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