Capítulo 11
Algum dia essa dívida será paga com juros.
— Bem. Essa história já dura um bom tempo. É hora de nos prepararmos e começarmos a trabalhar, não acha?
Enquanto Hiyo falava, olhando para Haruhiro, ela tinha um pano enrolado na metade inferior do rosto. Graças a isso, era difícil distinguir sua expressão. Mas ele tinha certeza de que estava sorrindo.
— Bem… eu diria que estou tão confiante quanto possível… eu acho.
A luz do sol brilhava através de um buraco no teto logo acima da mesa onde Haruhiro estava deitado de costas. Isso o fez se sentir estranho.
Para começar, ele estava nu da cintura para cima.
A mesa era uma que Kuzaku havia encontrado nas ruínas e trouxe para cá. Ela tinha um pano limpo por cima, e agora Haruhiro estava seminu em cima dela. Ele não sabia como descrever o quão estranho ele se sentia.
— OK.
Havia outra mesa, ou melhor, uma cadeira, perto de onde Hiyo estava. A cadeira também tinha um pano. Em cima dela havia uma faca que havia sido esterilizada com água fervente e um objeto que parecia um botão de flor com cerca de um centímetro de largura.
— Então vamos começar esse show.
Hiyo segurou a faca com a mão direita, levantando-a para olhar a ponta da lâmina. Ela testou sua borda com o dedo indicador esquerdo.
— Nyehehehehe…
Ela não estava apenas sorrindo, ela estava rindo alto.
Estava querendo dizer algo, mas Hiyo rapidamente retirou o dedo.
— Opa. Eu não deveria tocá-la depois de me dar ao trabalho de desinfetá-la.
— … Se vamos fazer isso, você pode simplesmente terminar? Estou ficando cansado aqui.
— Alguma palavra final?
Hiyo estava claramente gostando disso. Ele não ia lhe dar mais nenhuma satisfação.
— Não.
— Mesmo?
Hiyo não parecia divertida.
— Então, por favor, fique de lado.
Haruhiro fez o que lhe foi dito e virou-se para que seu lado direito ficasse voltado para cima. Quando o fez, viu Kuzaku parado perto da parede, olhando para ele com preocupação. Mary e Setora estavam perto do guerreiro. Kiichi e Neal estavam fora das ruínas, montando guarda caso algo acontecesse.
— … Espere, disse Kuzaku com os lábios trêmulos. Eu não posso… eu não posso aceitar isso, sabe? Haruhiro realmente tem que ser o único a fazer isso? Outra pessoa não pode? Alguém como o velho?
O “velho” era Neal, claro.
— Ninguém mais vai, disse Hiyo com uma risada anasalada. Neal-san parece um explorador capaz, com certeza. E Hiyo também pode fazer coisas de ladrão. Não quero exagerar e fazê-lo pensar que estou tentando bajulá-lo ou algo assim, mas Haru-kun está muito acima de nós.
— …Hum, você poderia não me chamar de Haru-kun?
Haruhiro tentou se opor, só para ver se funcionaria.
— Haru-kun, Hiyo enfatizou deliberadamente seu nome, ele é um ladrão completo, sabe? Oh sim, Haru-kun é.
Eu não deveria ter aberto minha boca.
— Oh, um ladrão com as habilidades de Haru-kun é exatamente o que precisamos. Haru-kun é o único. Tem que ser Haru-kun. Portanto, teremos Haru-kun fazendo isso. Ok, você está pronto agora, não é, Haru-kun?
Antes de responder, Haruhiro olhou para Kuzaku. Por que seus olhos estavam um pouco enevoados?
Eu gostaria que ele não olhasse para mim assim.
A testa de Kuzaku estava franzida, seus lábios apertados e ele tinha um olhar patético no rosto.
Eu realmente gostaria que ele não fizesse essa cara.
— No final, decidi por mim mesmo que faria isso. Não posso dizer “confie em mim” ou algo teimoso assim, mas é um pouco desconcertante quando eles parecem tão preocupados.
— … Isso mesmo, hein? Os ombros de Kuzaku caíram. Sinto muito. Sei que nem é preciso dizer, mas confio em você. É que não consigo deixar de sentir que estamos caindo no plano dele e não gosto disso.
Hiyo ficou irritada e girou a faca.
— Você faz parecer que Hiyo é algum tipo de estrategista do mal. Hiyo é inteligente, sabia? No fundo, ela é uma boa pessoa, ok?
— … Uma boa pessoa? Mary murmurou.
Setora suspirou.
— Que tal você parar de desperdiçar seu fôlego e acabar logo com isso?
— Oh eu vou. Você não precisa me dizer. Eu já disse que iria, vadia.
Hiyo colocou a mão esquerda no quadril de Haruhiro. A faca em sua mão direita brilhava opacamente. Ele não poderia fazer isso sozinho. Estava refletindo a luz do sol do buraco no teto?
O que devo fazer em um momento como este?, Haruhiro se perguntou. Era melhor assistir? Ou devo desviar o olhar? Poderia fechar os olhos até que acabasse?
Seu coração batia como um louco. Sua respiração também era superficial.
Hiyo respirou fundo.
Bem, este é apenas um sentimento vago que tenho, mas provavelmente devo procurar.
— Aqui vai.
— Vá em frente, quando estiver pronto.
Até ele pensou que era uma resposta estranha. Hiyo riu um pouco, então gentilmente inseriu a faca no lado direito de Haruhiro.
Houve um pequeno som de corte, mas parecia mais quente do que doloroso.
Não espera. Sim, isso dói. Machuca. Oh.
Haruhiro cerrou os dentes.
Ohhhh. Droga, isso dói.
Estava suando. Jatos. Eu queria girar. Mas eu não faria isso. Eu tinha que ficar parado.
— Vou cortar mais um pouco.
Desta vez, isso foi tudo o que ele pôde fazer para assentir. A faca de Hiyo entrou na ferida e estremeceu. Ok, talvez ela não estivesse sacudindo a faca, mas ela deve ter percebido que era muito ruim.
Machuca. Mas acho que posso aguentar. Consigo lidar com isso.
— Desculpe, vai ‘demorar’ mais um centímetro… dois centímetros.
Sim, não, eu não precisava disso. Não me explique. Eu não preciso do resumo, termine com isso. Eu não me importo mais. Corte a pele, a carne ou qualquer outra coisa que desejar.
— Estou tentando não danificar o músculo, viu? Acho que tem gordura subcutânea aqui. Provavelmente. Então é bom, muito bom.
Como eu disse, não preciso disso. Você não tem que dizer isso. Não quero esses comentários contínuos.
— Agora!
— …Guh!
— Ugh!”
— …Oohhh!
— Nyan, nyan, nyah!
— … Nnngh!
— Quase! Quase! Ha!
— … V-Você está fazendo isso intencionalmente, certo?
— Oh querida, não. Claro que não. Acho que você está imaginando. Certo, estamos quase terminando. É hora de implantar a relíquia. Mary-chan, você está pronta?
— Sim. A qualquer momento. Se apresse.
— Então vamos lá!
Hiyo largou a faca e pegou o objeto parecido com um casulo. Ele estava se acostumando com a dor de ser cortado com uma faca, mas isso seria outra coisa. Haruhiro cerrou os dentes com antecedência e se preparou.
— E está chegando!
Hiyo torceu o objeto parecido com um casulo dentro de Haruhiro.
Aqui vem.
— Ugh…!”
Haruhiro soltou um suspiro estranho.
Parecia triste, comovente. Como se quisesse chorar. Este foi um tipo bastante desagradável de dor.
— Está dentro! Está dentro dele agora! Faça isso, Mary-chan!
— Ó luz! Que a proteção divina de Lumiaris esteja com você…!
Mary correu e empurrou Hiyo para o lado. Ele só tinha que aguentar mais um pouco.
Mary. Mary-sama.
Ele queria adorá-la agora.
— Sacrament!
Foi como um milagre. Quando a luz ofuscante o envolveu em um instante, a dor desapareceu e ele sentiu a tensão desaparecer enquanto seu corpo relaxava.
— Haru…!
No momento em que ele percebeu que ela se aproximava, Mary tinha praticamente se lançado sobre ele.
— Está bem? Não dói mais? Haru? Como foi?
— …Oh, uh, c-claro…estou bem.
— Graças a Deus…
Sim. Vamos com “bem” por enquanto .
Haruhiro estava tão feliz quanto ela, mas não era bom para ela abraçá-lo daquele jeito. Por um lado, ele estava seminu. E ah sim, isso mesmo…
— …Você vai se sujar de sangue, Mary.
— Ooh.
Por um momento, Mary pareceu preocupada com isso. Mas aparentemente ela não se importava se suas roupas sujassem. Ela agarrou a ponta do pano que cobria a mesa e o usou para começar a limpar o corpo de Haruhiro.
— Todas as feridas fecharam corretamente. Você sente algo errado? Esse objeto é bem grande.
— … Realmente não. Contanto que eu não o toque, mal sei que está lá.
— Ok, isso é bom.
— Eiiii! Hiyo os interrompeu. Sua voz estava cheia de malícia. Era como se ela estivesse tentando enchê-lo com o máximo possível de emoções negativas ao mesmo tempo. Não só ela estava semicerrando os olhos, como todo o seu rosto estava enrugado.
— Chega de flertar em público, ok? Além disso, não temos pressa aqui. Cure teria bastado, mas não, você tinha que ir e gastar um Sacrament. Você está tentando se gabar?
— I-Isso não é o que eu…!
Mary lentamente se afastou de Haruhiro.
Graças a isso, ele conseguiu recuperar o fôlego. Quando alguém do sexo oposto estava tão perto dele, não era desagradável, na verdade era exatamente o oposto, mas ainda tornava difícil se acalmar. Talvez isso variasse de pessoa para pessoa, mas mesmo que fosse alguém do mesmo sexo, como Kuzaku, Haruhiro teria dificuldade em relaxar quando o cobriam com as mãos.
Quando Haruhiro se sentou, Kuzaku trouxe suas roupas para ele.
— Aqui pegue!
Olhe para isso
Por que ele está sorrindo assim?
Mas se Haruhiro dissesse a ele que não gostava dele, Kuzaku ficaria deprimido novamente.
Eu sei que você não quer fazer mal. Eu vou apoiá-lo. Não é difícil.
Antes de pegar a roupa e se vestir, Haruhiro tentou tocar seu lado direito. A área ao redor da relíquia estava ligeiramente inchada, mas parecia mais irritante do que dolorosa. Isso o fez querer tirá-la o mais rápido possível.
— Bem, isso não é tão ruim quanto parece…
Obviamente, essa ideia foi de Hiyo. O plano fazia uso de uma relíquia, então o resto deles nunca poderia ter pensado nisso.
Embora, mesmo que tivessem a relíquia em sua posse, era questionável se isso teria ocorrido a ele. Mesmo que isso tivesse passado por sua cabeça, ele ainda poderia ter pensado: “De jeito nenhum. De maneira nenhuma. Eu não posso fazer isso”, e descartaria totalmente a ideia.
Haruhiro se vestiu e saiu da mesa.
— Bem, faça o seu melhor, ok? Hiyo deu um tapinha no ombro dele. Ele queria bater nela, mas decidiu esperar por agora e a ignorou.
No momento, eles estavam trabalhando juntos por necessidade. Esse relacionamento não duraria para sempre.
Quando chegasse a hora, ele faria Hiyo pagar. Quanto mais ela os machucasse e os fizessem sofrer, mais alto seria o preço.
Fim do capítulo.
