Capítulo 54
O Conselho de Hiveden (2)
Quando o homem alto se levantou de repente, os mercenários de Yuldrick lhe lançaram um olhar feroz, como se estivessem prontos para atacá-lo a qualquer segundo. Yuldrick também pegou seu machado e se aproximou do homem alto.
— Traidores imundos. Vocês não têm ideia de como fomos tratados por causa de vocês, vermes. Vocês acham que podem simplesmente aparecer agora do nada e…
O velho cavaleiro calou Yuldrick antes mesmo que ele pudesse terminar suas palavras.
Yuldrick tentou afastá-lo e gritar, mas suas pernas congelaram instantaneamente ao encarar o velho cavaleiro. Yuldrick poderia dizer com orgulho que passou por muita coisa em sua vida, mas a aura do velho cavaleiro era poderosa o suficiente para fazê-lo congelar. Seu senso de perigo, treinado no campo de batalha por muito tempo, identificou rapidamente do que seu oponente era capaz.
‘Mais um passo e ele vai esmagar a minha cabeça.’
Yuldrick notou tardiamente o martelo que o velho cavaleiro segurava na mão, era do tamanho da cabeça de um adulto. Só então Yuldrick reconheceu a identidade de seu oponente; havia apenas uma pessoa que usou tal arma dentro da Ordem de Huginn.
— Dilmond…
O murmúrio de Yuldrick ecoou instantaneamente na sala.
— O quê? Aquele velho é aquele ferreiro maldito?
— É ele quem usa os ombros das pessoas como bigornas e trata a cabeça como se fossem alvos de gesso…
— Ouvi dizer que ele matou três templários da Ordem do Corvo Branco…
Diamond não pareceu muito satisfeito ao ouvir seu apelido, mas estava claro que todos o temiam.
O olhar de todos se voltou para Anya. Eles a consideravam simplesmente uma mensageira da Ordem de Huginn, mas ouvir o nome de Dilmond mudou a percepção que tinham dela; O nome de Anya também era lendário.
— Então ela seria Annabelle Allen, a corvo decapitadora?
— Dizem que ela aprendeu a decapitar pessoas antes mesmo de aprender a falar…
— Ela é habilidosa tanto em assassinato quanto em necromancia, então entra na guerra sozinha e sai com um exército.
Só então as pessoas no salão de reuniões pareceram recobrar o juízo e entender para quem estavam apontando as espadas.
O Capitão da Ordem do Corvo Branco certamente era um dos homens mais poderosos do império, a elite das elites. No entanto, as três pessoas que estavam na frente deles eram lendas, eram eles os herdeiros de uma lenda viva desde a era do imperador até agora. Embora fosse uma lenda bem negativa, era natural que as pessoas ficassem maravilhadas.
— O Capitão? — Ardin murmurou.
Apesar da comoção e da atmosfera turbulenta, Ardin foi descuidado e se lembrou das palavras que Anya havia dito.
‘O que ela quis dizer com capitão?’
Ele se lembrou de um nome que ouvira há muito tempo, mas que nunca conseguiria esquecer. O filho adotivo mais novo do imperador, o Capitão da Ordem de Huginn, e também um dos Seis Apóstatas que assassinaram o imperador.
O olhar de Ardin se voltou para o homem alto vestindo um manto, emitindo a aura mais avassaladora e misteriosa que já havia visto, que ainda não havia revelado sua identidade. Se eles fossem da Ordem de Huginn, só poderia haver uma pessoa a quem serviriam – uma lenda viva e uma ameaça ao império, tanto que a Ordem do Corvo Branco foi formada para apenas uma pessoa. Todos na sala de reuniões poderiam adivinhar sua identidade.
— Ras Raud…
Ras lentamente tirou o capuz. Gritos e grunhidos irromperam de todos ao ver a chama azul que queimava no interior de seu crânio.
A combinação incomum de um crânio pequeno e um corpo grande causou uma estranha sensação de medo e ansiedade nas pessoas. Até mesmo Yuldrick, que tinha muita experiência em quebrar crânios de mortos-vivos, sentir seu corpo gelar.
— Humph! Esse miserável não passa de um amontoado de ossos. O que poderia fazer, afinal? — Yuldrick sorriu e fingiu estar calmo.
Embora soubesse que seus oponentes eram mais poderosos do que ele imaginava, eles não tinham motivos para lutar contra Hiveden. Yuldrick acreditava que eles estavam simplesmente protestando contra a decisão do conselho.
‘Ainda bem que guardei o talismã que ganhei da Ordem do Corvo Branco.’
Yuldrick tinha no bolso um talismã que ganhou quando trabalhava para a Ordem do Corvo Branco. Era um colar feito de estanho, e o poder contido nele poderia bloquear a energia profana e impedir a ressurreição de mortos-vivos. O colar foi recuperado pela Ordem do Corvo Branco após uma missão, mas Yuldrick o roubou de um dos mercenários mortos.
Segurando o talismã na mão, Yuldrick sacou o machado.
Ras levantou a mão direita e o interior do manto abriu suavemente junto com sua ação; lá não havia mais nada além de um obscuro vazio.
Yuldrick se encolheu e deu alguns passos para trás ao ver o vazio, ainda segurando seu colar como se fosse a única coisa em que pudesse confiar. Ele pensou ter cometido um grande erro ao mexer com Ras, mas sua intuição lhe dizia que ainda não havia perigo iminente. Ele não conseguia sentir nenhuma intenção maliciosa por parte de Ras.
— V-você realmente quer lutar, hein? Você parece subestimar o mercenário do Machado Vermelho, mas há quinhentos dos meus homens do lado de fora, prontos para…
Yuldrick de repente percebeu que suas palavras foram interrompidas contra sua vontade. Ele tentou mover a língua e estufou a boca, mas nenhuma palavra saiu. Só então ele percebeu que havia sido cortado ao meio, do cotovelo esquerdo ao ombro direito, enquanto ainda segurava o talismã. Naquele momento, ele viu um cavaleiro da morte armado saindo do manto de Ras.
Enquanto sua visão escurecia, Yuldrick viu sua mão esquerda amputada ainda segurando um talismã quebrado ao meio. O corpo de Yuldrick se inclinou e caiu no chão.
Com um baque alto, um silêncio mórbido encheu a sala de reuniões.
— Minhas condolências pela morte de seu colega, senhor Ardin. — Anya quebrou o silêncio.
Ardin engoliu em seco.
Enquanto isso, Ras endireitou sua postura e mais cavaleiros da morte armados saíram de seu manto, um por um, em silêncio.
Todos encararam os mortos-vivos, perplexos.
— Permitam-me apresentar nossos cavaleiros. Estes são nossos grandes cavaleiros sêniores Cleo, Yure, Milea e Mark. Eu sei que é difícil reconhecer seus rostos, mas se prestarem atenção serão capazes de ver a diferença. Eu gostaria que tivessem isso em mente.
Havia quatro cavaleiros que saíram do manto no total, e todos usavam armaduras enferrujadas e tinham uma enorme arma militar, independentemente do tamanho do corpo. Dentro de seus crânios brancos queimava uma chama azul, e qualquer pessoa viva naturalmente sentiria uma sensação de rejeição à aparência arrepiante deles. Os rostos de todos os membros do conselho ficaram pálidos.
— São os cavaleiros da morte… — Alguém murmurou baixinho.
Todos se arrepiaram ao perceber que não estavam alucinando, os cavaleiros da morte eram reais. O ar dentro do salão de reuniões gelou com o aparecimento não apenas de um, mas de quatro cavaleiros da morte.
— Ca-cavaleiros da morte? Que porra é essa? — Os dentes de Celpha bateram conforme ela puxou o braço de Ardin.
Ardin mordeu os lábios enquanto olhava para a cabeça de Yuldrick no corpo cortado ao meio.
— Considere-os como os Templários dos mortos-vivos. Ao invés de usarem a Graça de Sua Majestade, eles usam o espírito profano e a morte. São conhecidos por serem tão poderosos e rápidos quanto os Templários, mas suas habilidades estão além das dos Templários, já que eles não se cansam ou se machucam. — Explicou Ardin.
— O-o quê? Essas coisas realmente existem? Achei que eles só existiam nos antigos contos de fadas!
— É natural que você não soubesse, já que eles desapareceram com a morte de todos os necromantes durante a era de Sua Majestade. É óbvio que você pensaria que eram apenas um conto de fadas.
— Então por que eles apareceram de novo logo agora?!
Ardin não conseguiu responder Celpha. Ele tinha ouvido falar que a Ordem de Huginn poderia invocar mortos-vivos, mas achava que as histórias sobre os cavaleiros da morte eram apenas rumores. Era raro, mas às vezes as pessoas se transformavam em mortos-vivos naturalmente após a morte. No entanto, mortos-vivos de alta classe, como os cavaleiros da morte, haviam desaparecido há muito tempo.
Ardin se lembrou de que foram Ras Raud e a Ordem de Huginn que mataram todos os necromantes no passado; não seria estranho eles terem obtido o conhecimento dos necromantes. Além disso, os nomes dos cavaleiros dos mortos que Anya acabara de apresentar eram tão famosos quanto o nome de Dilmond.
— Por favor, não aja precipitadamente. Sir Ras Raud os considera camaradas e os respeita como membros de nossa ordem de cavaleiros, por isso não os controlamos com muita rigidez.
As pessoas nem sequer precisavam do aviso; já sabiam que os únicos que podiam se mover eram os cavaleiros da Ordem de Huginn.
Ardin estava bem ciente do que significava o aparecimento dos quatro cavaleiros da morte. As forças dentro da sala de reuniões teriam que arriscar suas vidas para lutar contra quatro Templários. Mas diante de seus olhos estavam cavaleiros da morte, mais poderosos até do que Templários.
— H-Há quinhentos de nossos homens fora da sala de reuniões. Se você quiser lutar, você terá que c-considerar isso… — Ardin falou enquanto questionava sua própria sanidade ao dizer essas palavras.
Embora houvesse quinhentos soldados, Ardin não ficaria surpreso se todos fugissem no momento em que encontrassem os cavaleiros da morte. Afinal, eles eram um grupo de soldados reunidos em prol de seus próprios interesses, e não de lealdade.
— Senhor Ardin, por favor, não me diga que você acha que eles são a única força que a Ordem de Huginn tem. — Anya sorriu e deu um tapinha no ombro de Ardin. — Muitos dos meus cavaleiros não gostam muito de espaços apertados. Então você pode encontrar mais deles lá fora.
‘Já perdemos.’
Ardin suava, e muito. Havia apenas dois caminhos que ele poderia escolher neste momento; mas o problema era qual lado escolher. Ficar de mãos dadas com a Ordem de Huginn significava que eles estavam transformando todo o império em seu inimigo e morreriam em um dia, com certeza. No entanto, ficar de mãos dadas com a Ordem do Corvo Branco significava que eles morreriam neste exato momento.
O cadáver ensanguentado de Yuldrick, dividido ao meio no chão, chamou a atenção de Ardin. E então, Ardin rapidamente tomou sua decisão.
— O-o que querem de nós?! Hiveden irá cooperar com vocês! Com certeza!
Gino, o dono do cassino, balançou a cabeça em oposição. Eles seriam acusados de traição se decidissem se envolver com a Ordem de Huginn, já que os cavaleiros da Ordem de Huggin eram abertamente rotulados como hereges.
Mas antes que Gino pudesse balançar a cabeça pela segunda vez, o sangue espirrou. Com um baque surdo, a cabeça de Gino caiu e rolou pelo chão.
— Parece que ele assustou Sir Cleo ao balançar a cabeça rápido demais. Peço a todos mais uma vez para que não façam movimentos bruscos.
Ardin olhou fixamente para a cabeça de Gino sendo cortada quase tão facilmente quanto uma flor sendo arrancada com apenas um golpe do machado do cavaleiro da morte. O corpo de Gino demorou algum tempo até cair no chão, quase como se seu corpo tivesse acabado de perceber que havia sido decapitado.
— De qualquer forma, senhor Ardin, o que você estava dizendo sobre Hiveden?
Ardin continuou a olhar para a cabeça de Gino estupefato, sem resposta. Pensava que Gino seria o que viveria a vida mais longa de todos eles, sua morte ridícula foi chocante.
Naquele momento, Ardin sentiu algo quente caindo sobre sua cabeça. Ele olhou para cima, assustado ao encontrar o corpo de Celpha caindo enquanto seu pescoço era perfurado por uma longa lança.
— Ninguém sai da reunião até que ela termine. — Disse Anya enquanto estalava a língua com pena.
Ardin não sabia dizer se Celpha realmente havia tentado fugir sendo que estava congelada de medo há não muito tempo atrás, mas o sangue dela derramando sobre sua cabeça era bem real.
Ardin assentiu desesperadamente, tomando muito cuidado com o quão rápido ele movia a cabeça.
— A Ordem de Huginn e Hiveden são velhos amigos! Todo mundo sabe disso!
— Então isso significa que você cooperará totalmente conosco?
— Bem, claro! É dever dos cidadãos resistir quando o império faz um pedido irracional!
— Entendo. Muito obrigada. — Anya sorriu e colocou a mão no ombro de Ardin. Passando então a sussurrar nos ouvidos do homem, o que o fez tremer. — Eu realmente aprecio sua total cooperação conosco. Na verdade, muitos de nós argumentamos que seria melhor simplesmente matar todos para transformá-los em mortos-vivos e usá-los como nossos soldados, ao invés de tentar convencer a todos. Não acha que os mortos-vivos seriam muito melhores do que alguns idiotas que poderiam nos trair a qualquer momento?
O rosto de Ardin ficou ainda mais pálido. E de repente sentiu o cheiro de urina vindo de algum lugar da sala; alguns dos guardas fizeram xixi. Ardin não os culpou porque ele também estava prestes a se mijar.
— N-Não! De jeito nenhum! Lutaremos com todas as nossas forças. Mostraremos como somos corajosos!
— Muito bem então. Vou acreditar em você. — Anya sorriu. — Não é tarde demais para transformar todos em mortos-vivos depois de suas mortes corajosas, mesmo.
Ardin ficou sem palavras.
— Você parece ter algum problema com isso. Bem, foi isso que aconteceu com nossos cavaleiros sêniores, sabe? Talvez você tenha algum problema com nossos cavaleiros?
— Não poderíamos estar mais honrados em lutar ao lado da Ordem de Huginn! Hahaha! De qualquer forma, por que não discutimos coisas mais práticas? Que papel quer que desempenhemos nesta guerra? Um cerco? Não tenho certeza se você sabe disso, mas Hiveden é uma cidade completamente despreparada para uma invasão…
Quando Ardin tentou desesperadamente mudar de assunto, Anya decidiu parar de provocá-lo. Ela sorriu e finalmente disse o que queria.
— Não é um papel muito difícil.
Ardin mordeu os lábios. Sempre que alguém começava assim, fosse um dos seus superiores ou a Igreja, as coisas nunca eram fáceis.
No entanto, o que Anya disse a seguir foi completamente diferente do que ele esperava.
— Gostaríamos que Hiveden cooperasse totalmente com a Ordem do Corvo Branco.