Capítulo 16 – Caçando Ratos Com Cães
“Ufa, finalmente passei pela sessão com a médium…”
Klein soltou um hálito fétido. Ele virou-se sem pressa e desfrutou da brisa fresca e da tranquilidade da noite enquanto caminhava em direção à porta do prédio.
Ele pegou as chaves, inseriu a correta e girou suavemente, permitindo que a escuridão vermelha se expandisse com o som estridente da porta aberta.
Andando na escada sem uma única pessoa à vista e absorvendo o ar frio, Klein teve uma sensação inexplicável e incrível. Parecia que ele tinha mais horas que outras pessoas. Isso levou-o a acelerar o ritmo.
Em um estado de espírito semelhante, ele abriu a porta do quarto e, antes mesmo de entrar, viu uma silhueta sentada em silêncio em frente à mesa. Tinha cabelos pretos avermelhados, olhos castanhos brilhantes e um rosto delicado e bonito. Sem dúvidas, ela era Melissa Moretti!
— Klein, onde você foi? — Melissa perguntou inquisitiva enquanto relaxava as sobrancelhas.
— Levantei para ir ao banheiro e percebi que você não estava em casa — Ela acrescentou sem esperar pela resposta de Klein. Era como se ela quisesse saber tudo com clareza, desde as causas e efeitos da matéria até a lógica subjacente[1]referência à Aristóteles, salvo me engano.
Com grande experiência em mentir para os pais, o cérebro de Klein deu uma volta antes de dar um sorriso amargo e respondeu calmamente: — Eu não consegui dormir de novo depois que acordei. Em vez de perder tempo, decidi que deveria treinar meu corpo. Então eu saí para correr algumas voltas. Olhe para o meu suor!
Ele tirou a jaqueta e meio que virou o corpo, apontando para as costas.
Melissa levantou, deu uma olhada sem entusiasmo e deliberou por alguns momentos antes de dizer: — Sinceramente, Klein, você não precisa se estressar. Tenho certeza que você pode passar na entrevista para a Universidade Tingen. Mesmo se você não puder, er, quero dizer se, você ainda pode encontrar melhores.
“Eu nem pensei na entrevista…” Klein acenou com a cabeça e disse: — Entendo.
Ele não mencionou a oferta que recebeu porque não ainda tinha decidido se queria juntar-se a eles ou não.
Olhando intensamente para Klein, Melissa de repente virou-se e trotou para o interior da casa. Ela pegou um objeto que parecia uma tartaruga. Era composto por itens como engrenagens, ferro enferrujado, molas de torção e molas comuns.
Depois de apertar rapidamente a mola de torção, Melissa colocou o objeto em cima da mesa.
Ka! Ka! Ka!
Dum! Dum! Dum!
A tartaruga movia-se e pulava com um ritmo que poderia chamar a atenção de qualquer pessoa.
— Sempre que me irrito, me sinto muito melhor vendo essa tartaruga se mover. Eu tenho feito isso com muita frequência nos últimos tempos e é muito eficaz! Klein, tente! — convidou Melissa enquanto seus olhos brilhavam.
Klein não recusou a boa vontade de sua irmã. Ele aproximou-se da tartaruga e esperou que ela parasse antes de rir. Ele então disse: — Simplicidade e regularidade podem mesmo ajudar a relaxar.
Sem esperar pela resposta de Melissa, Klein apontou para a tartaruga e perguntou casualmente: — Você mesma fez isso? Quando? Por que eu não estava ciente disso?
— Fiz uso de materiais indesejados da escola e coisas foram retiradas das ruas para fazer isso. Terminei há apenas dois dias — Melissa respondeu em seu tom habitual com um sorriso.
— Isso é impressionante — Klein deu um elogio sincero.
Como um menino com poucas habilidades em montagem de máquinas, encontrou grandes dificuldades até em montar um carrinho de brinquedo de quatro rodas quando era criança.
Com o queixo levemente levantado e os olhos levemente dobrados, Melissa disse com calma: — Não é tão impressionante.
— Ser humilde demais é uma característica ruim — Klein sorriu um pouco e continuou: — Esta é uma tartaruga, certo?
No mesmo instante, a atmosfera na sala afundou, deixando para trás um ar de seriedade por um tempo. Então, Melissa respondeu com uma voz que parecia enigmática como o véu carmesim: — É um fantoche.
“Fantoche…”
— O problema está nos materiais, eles são muito rudimentares — Klein tentou explicar dando um sorriso estranho.
Depois disso, ele buscou mudar de assunto e disse: — Por que você iria ao banheiro no meio da noite? Não há banheiro aqui? Você não dorme sempre até o amanhecer?
Melissa ficou surpresa por um momento.
Foi só depois de alguns segundos, antes que ela abrisse a boca, preparada para explicar…
…Que um som intenso de digestão soou da região abdominal.
— Eu vou dormir um pouco mais!
Bang! Ela agarrou sua tartaruga fantoche, trotou para o interior da casa e fechou a porta do quarto.
“O jantar da noite passada foi bom demais, ela comeu muito e agora seu estômago está tendo problemas para digerir a comida…” Klein balançou a cabeça enquanto sorria, caminhando sem pressa para a direção à mesa. Ele sentou sem fazer barulho, pensando em silêncio no convite de Dunn Smith enquanto a lua carmesim emergia por trás das nuvens escuras.
Ser membro da equipe civil dos Falcões Noturnos tinha suas aparentes desvantagens.
“Sendo eu um transmigrador, O Louco — iniciador da misterioso Reunião — e possuidor de múltiplos segredos, será arriscado estar sob o nariz da equipe especializada em lidar com questões relacionadas aos Beyonders da Igreja da Deusa da Noite Eterna.”
“Se me juntar a Dunn Smith e sua equipe, com certeza tentarei me tornar um Beyonder. Eu poderei então encobrir os benefícios obtidos com a Reunião.”
“No entanto, tornar-se um membro formal implicaria muitas restrições à minha liberdade, como o fato que um funcionário civil deve relatar sua saída de Tingen. Já não seria capaz de ir aonde quiser ou fazer o que quiser. Eu perderia muitas oportunidades.”
“Os Falcões Noturnos são uma organização rigorosa. Depois que uma missão é dada, só posso esperar pelos arranjos e aceitar ordens. Não há espaço para rejeição.”
“Além disso, Beyonders correm o risco de perder o controle.’
…
Tendo todas as desvantagens listadas uma a uma, Klein passou a considerar as necessidades e vantagens:
“A julgar pela situação do ritual de aprimoramento de sorte, não sou um dos oitenta por cento das pessoas de sorte. No futuro, com certeza haverá algum evento bizarro acontecendo comigo, aumentando os perigos que enfrento.”
“Somente me tornando um Beyonder ou ingressando nos Falcões Noturnos posso ter a capacidade de resistir.”
“O desejo de me tornar um Beyonder também é devido ao fato que não posso depender apenas da Reunião. A fórmula da poção não é um grande problema, mas onde posso encontrar os materiais correspondentes? Como devo obtê-los e uni-los?”
“Sem esquecer a razão da prática diária, estou diante de sérios obstáculos! Não posso só consultar a Justiça e o Enforcado sobre todos os assuntos e trocar objetos apenas com eles. Isso não apenas prejudicaria a imagem do Louco e levantaria suspeitas, mas também gastaria tempo em questões triviais.”
“Da mesma forma, sou incapaz de produzir qualquer coisa que possa despertar o interesse deles.”
“Além disso, mais materiais têm grandes chances de deixar rastros da minha identidade real. Então, disputas online seriam transformadas em conflitos offline, provocando imensos problemas.” [2]Significa que os problemas da Reunião iriam sair para o “mundo real”
“Ao ingressar nos Falcões Noturnos, com certeza terei contato com o conhecimento comum do mundo dos mistérios e canais relevantes. Isso pode resultar em um círculo social correspondente e pode ser usado como alavanca. Só então posso iniciar a Reunião e, por sua vez, obter os maiores benefícios da Justiça e do Enforcado. Na realidade, os ganhos podem ser realçados, permitindo-me obter mais recursos e formar um ciclo virtuoso.”
“É claro que eu também poderia ir a uma organização que é suprimida pelas várias igrejas, como os Alquimistas da Psicologia mencionados por Dunn e me juntar a eles.”
“Ainda assim, também perderei minha liberdade e estarei em constante estado de medo e ansiedade. No entanto, mais importante, não tenho ideia de onde procurá-los. Mesmo se eu conseguir obter as informações correspondentes do Enforcado, esse contato precipitado com eles pode pôr minha vida em risco.”
“Tornar-se um funcionário civil deixa a oportunidade de um período de ajuste e posterior saída.”
“O recluso inferior esconde-se na natureza; o superior, na multidão. Talvez a identidade de Falcão Noturno possa ser uma cobertura melhor.”
“No futuro, quando me tornar uma das principais autoridades deles, quem imaginaria que eu sou um herege, o chefe da organização secreta que trabalha nos bastidores?”
…
Quando os primeiros raios do sol da manhã raiaram, o carmesim desapareceu. Olhando para a luz dourada nos horizontes do céu, Klein decidiu.
Ele encontraria Dunn Smith hoje e tornaria-se parte da equipe civil dos Falcões Noturnos!
Nesse momento, Melissa, que saiu da cama de novo, abriu a porta da sala. Ela ficou surpresa ao ver o irmão alongando-se sem elegância. — Você não dormiu?
— Eu estava pensando em algumas coisas — Klein sorriu, sentindo-se relaxado.
Melissa pensou por um momento e disse: — Sempre que encontro problemas, listo os prós e os contras um por um e os comparo. Depois disso, sou capaz de obter uma dica do que devo fazer a seguir.
— Esse é um bom hábito. Eu também fiz isso — Klein sorriu e respondeu.
O semblante de Melissa relaxou e ela não acrescentou mais. Segurando uma folha de papel amarelada e seus produtos de higiene pessoal, ela foi ao banheiro.
Sem pressa de sair depois de terminar o café da manhã e após a partida de sua irmã, Klein tirou uma boa soneca. Com base no que sabia, quase todos os bares estavam fechados pela manhã.
Às duas horas da tarde, ele suavizou as pregas do chapéu de seda e do lenço usando um pincel pequeno. Ele também removeu a sujeira para ficar mais arrumado.
Depois disso, vestiu uma roupa formal, exatamente como iria para uma entrevista.
A rua Besik era um pouco longe, e Klein tinha medo de perder as horas de trabalho dos Falcões Noturnos. Portanto, ele não andou até lá, mas esperou por uma carruagem pública na Rua Cruz de Ferro.
No Reino Loen, as carruagens públicas eram colocadas em duas categorias — sem pista e com pista.
A primeira consistia em uma carruagem puxada por dois cavalos e podia acomodar cerca de 20 pessoas, levando em consideração o topo dela. Apenas uma rota geral existia, sem estações específicas. Tinha operações flexíveis e podia ser parada em qualquer lugar, a menos que estivesse cheia.
Esta última era operada pela Orbital Carriage Company. Primeiro, um dispositivo de serviço semelhante a um trilho foi colocado na rua principal. Os cavalos moviam-se na pista interna enquanto as rodas corriam nos trilhos, facilitando e economizando trabalho. Por isso, eles poderiam puxar uma carruagem maior com dois andares, com quase cinquenta passageiros.
No entanto, o único problema era que a rota e as estações eram fixadas, tornando muitos lugares inacessíveis.
Após dez minutos, o som das rodas atingindo os trilhos aproximou-se à distância. Uma carruagem de dois andares parou em frente à estação na Rua Cruz de Ferro.
— Para a rua Besik — Klein disse ao motorista da carruagem.
— Você precisa parar na Rua Champagne, mas quando chegar lá, levará cerca de dez minutos para caminhar até a Rua Besik — explicou o motorista a Klein, no que dizia respeito à rota.
— Vamos para a Champagne Street então — Klein assentiu em aprovação.
— São mais de quatro quilômetros, quatro centavos — disse um jovem com um rosto justo e limpo, enquanto estendia a mão.
Ele era o trabalhador responsável pela coleta de dinheiro.
— Ok — Klein pescou quatro moedas de cobre do bolso e entregou para ele.
Ele caminhou até a carruagem e descobriu que não havia muitos passageiros. Mesmo no primeiro andar, havia alguns assentos vazios.
“Eu só tenho três centavos em mim agora, então só posso andar quando voltar…” Klein pressionou o chapéu e sentou-se com firmeza.
Nesse andar, homens e mulheres estavam bem vestidos, embora houvesse alguns vestidos com roupas de trabalho, lendo jornais de lazer. Quase ninguém falou, e estava bem quieto.
Klein fechou os olhos e recarregou sua força, alheio à chegada e saída de passageiros ao seu redor.
Estação após estação passou até que ele enfim ouviu as palavras Rua Champagne.
Depois de pousar na carruagem, ele pediu direções e logo chegou à rua Besik, onde viu o bar com o logotipo de cão amarelo-acastanhado.
Klein estendeu a mão direita e deu um empurrão forte. A porta pesada abriu aos poucos, inundando-o com uma onda de ruídos tumultuados e uma onda de calor impetuosa.
Embora ainda fosse de tarde, já havia muitos clientes no bar. Alguns eram trabalhadores temporários, procurando oportunidades aqui, esperando para serem contratados. Outros estavam apenas ociosos, entorpecendo-se com álcool.
O bar estava pouco iluminado. No centro, havia duas grandes gaiolas de ferro com um terço do fundo inserido profundamente no chão, sem lacunas.
As pessoas seguravam copos de madeira com vinho e cercavam-as, às vezes discutindo alto enquanto riam, às vezes xingando ruidosamente.
Dando um olhar curioso, Klein encontrou dois cães enjaulados por dentro. Um era preto e branco, semelhante ao husky encontrado na Terra. O outro era todo preto, com pêlo brilhante, fazendo com que parecesse saudável e feroz.
— Você quer apostar? Doug venceu oito jogos seguidos! — disse um homem baixo de boina marrom, quando aproximou-se de Klein e apontou para o cachorro preto.
“Aposta?” Surpreendido a princípio, Klein logo recuperou os sentidos.
— Briga de cães?
Quando estava na Universidade Khoy, os estudantes aristocráticos e ricos sempre perguntavam-lhe com desprezo e curiosidade se os trabalhadores grosseiros e desempregados violentos gostavam de participar de boxe e jogos de azar nos bares.
Além de apostar em boxe e jogos de cartas, também não incluía atividades cruéis e sangrentas, como rinhas de galo, brigas de cães e outras?
— Senhor, somos pessoas civilizadas. Não nos envolvemos em atividades tão deselegantes — O homem baixo sorriu.
Dito isto, ele sussurrou: — Além disso, foram introduzidas leis para proibir essas coisas no ano passado … ”
— Então, no que vocês estão apostando? — perguntou a Klein com curiosidade.
— No melhor caçador — Assim que o homem baixo terminou sua sentença, uma cacofonia retumbante soou.
Ele virou a cabeça, acenou com as mãos animadas e disse: — Você não pode fazer uma aposta para esta rodada, pois ela já começou, espere a próxima.
Ao ouvir isso, Klein ficou na ponta dos pés, levantou a cabeça e olhou o mais longe que pôde.
Ele viu dois homens fortes, cada um arrastando um saco, vindo para o lado da gaiola de ferro e abrindo a porta da prisão. Eles então jogaram o conteúdo do saco na gaiola.
Havia animais cinzentos e nojentos!
Klein tentou identificá-los com cuidado antes de perceber que eram ratos. Centenas de ratos!
Como a gaiola de ferro estava no subsolo, sem lacunas, os ratos moveram-se em todas as direções, mas não conseguiram encontrar uma saída.
Naquele momento, quando a porta da gaiola estava fechada, a corrente dos dois cães foi desamarrada.
— Woof! — O cachorro preto avançou e matou um rato em uma mordida.
O cachorro preto e branco ficou atordoado a princípio antes de começar a brincar, animado com os ratos.
As pessoas ao redor levantaram seus copos de vinho e intensificaram o olhar ou gritaram alto: — Morda! Mate!
— Doug, Doug!
“Arrombados, caçando ratos com cães…” Klein recuperou os sentidos e os cantos de sua boca tremiam sem parar.
“O objetivo da aposta é determinar qual cão pode pegar mais ratos…”
“Talvez se possa apostar no número específico de ratos pegos…”
“Não é à toa que havia pessoas comprando ratos vivos na Rua Cruz de Ferro…”
“Isso é bem único…”
Klein balançou a cabeça, rindo enquanto voltava, circulando ao redor dos clientes alcoólatras e chegando à frente do balcão do bar.
— Novo aqui? — disse o barman enquanto lançava um olhar a Klein ao mesmo tempo que limpava os copos. — Um copo de cerveja de centeio é um centavo. Cerveja Enmat custa dois centavos. Quatro centavos para a cerveja Southville, ou você quer um copo de Lanti puro malte? — Ele continuou.
— Eu vim aqui pelo Sr. Wright — disse Klein diretamente e sem rodeios.
O barman assobiou e gritou para o lado: — Velho, alguém está procurando por você.
— Oh, quem… — Uma voz vaga soou e um velho intoxicado levantou-se de trás do bar.
Ele esfregou os olhos, mudou o olhar para Klein e perguntou: — Pirralho, você estava me procurando?
— Sr. Wright, eu gostaria de contratar um pequeno esquadrão de mercenários para uma missão — respondeu Klein, de acordo com o que Dunn instruiu.
— Um pequeno esquadrão de mercenários? Você está vivendo uma história de aventura? Isso não existe há muito tempo! — O barman interrompeu e sorriu.
Wright ficou em silêncio por alguns segundos antes de dizer:
— Quem lhe disse para vir aqui?
— Dunn. Dunn Smith — respondeu Klein com toda a honestidade.
No mesmo instante, Wright começou a rir e falou:
— Entendo. Na verdade, o pequeno esquadrão mercenário ainda existe. É apenas de outra forma, com um nome mais contemporâneo. Você pode encontrá-lo no segundo andar do N° 36 da Rua Zouteland.
— Obrigado — Klein agradeceu com sinceridade antes de virar-se e sair do bar.
Antes de sair, os clientes alcoólatras que cercavam-o de repente ficaram calmos, enquanto murmuravam: — Doug foi mesmo derrotado…
— Derrotado…
Klein sorriu e balançou a cabeça. Então saiu rapidamente e encontrou o caminho para a Rua Zouteland, depois de pedir direções nas proximidades.
— 30, 32, 34… Aqui — Ele contou os números das casas e entrou na escadaria.
Ao virar o canto e subir sem pressa as escadas, ele viu a placa vertical com o nome atual do pequeno esquadrão mercenário.
— Companhia de Segurança Espinho Negro.