Capítulo  1595

Construtores de Coisas

O novo cliente era uma jovem vestida com um terno formal elegante, mas um tanto amassado. Sua blusa branca estava abotoada até o colarinho, apesar do clima quente, e seu cabelo escuro estava preso em um coque. Havia olheiras sob seus olhos profundamente inteligentes, mas cansados.

Ao contrário do Professor Julius, que visitava Bastion em seus sonhos, ela era uma humana comum que residia lá permanentemente. Parecia também que ela estava visitando o Empório Brilhante depois de queimar o óleo da meia-noite e trabalhar durante a noite, em vez de fazê-lo logo pela manhã.

A jovem olhou para Sunny, franziu levemente a testa e depois lhe deu um aceno curto.

“Mestre Sunless.”

Ele se escondeu atrás de um sorriso educado.

“Senhorita Beth.”

“Ah, Chefe Bethany! Você conseguiu vir!”

Esquecendo a existência de Sunny, Beth se virou para onde Julius estava sentado e sorriu radiante.

“Professor Julius! Claro que sim.”

Sunny recebeu o pedido dela e se retirou para a cozinha. Enquanto começava a preparar uma xícara de chocolate quente para a cientista incansável, ele suspirou e balançou a cabeça.

“Ela não muda…”

Aiko, que acabara de terminar alguns cálculos em um ábaco de madeira, olhou para ele com curiosidade:

“Oh? Você conhece a Chefe Bethany, chefe?”

Ele ficou em silêncio por alguns momentos, depois deu de ombros rigidamente.

“Tivemos alguns encontros na Antártica. Duvido que ela se lembre, no entanto.”

Então, ele olhou ao redor e acrescentou:

“Pode me passar o sal?”

Aiko continuou a mexer no ábaco, mas o saleiro flutuou da prateleira para a mão de Sunny. Essa era a Habilidade Dormente dela — uma forma fraca de telecinese.

…O que realmente colocava sua integridade em dúvida, considerando que ela costumava administrar um cassino no Castelo Luminoso.

Mas quem era Sunny para julgar?

Balançando a cabeça, ele terminou de fazer o chocolate quente, despejou-o em uma xícara de cerâmica com cuidado e saiu da cozinha.

Enquanto colocava a xícara na mesa, ele ouviu parte da conversa entre o Professor Julius e Beth. O velho dizia:

“Então, como você e sua equipe estão?”

Beth soltou um longo suspiro e pegou seu chocolate quente, aquecendo as mãos na xícara.

“Ah, estamos afundando em trabalho. Há rumores de que nossos colegas em Ravenheart tiveram um avanço recentemente, mas você sabe como é… ambos os lados estão acumulando informações em vez de compartilhá-las. Os caras de Valor também estão reforçando a segurança, como se estivessem desconfiados de espiões. Loucura, é pura loucura! Eles entendem que poderíamos ter obtido resultados duas vezes mais rápido se houvesse menos obstáculos para uma cooperação adequada?”

Ela fez uma careta e balançou a cabeça.

“De qualquer forma, desenvolver a infraestrutura de Bastion tem sido uma tarefa titânica. Milhares de engenheiros deram o seu melhor, mas com o quão estranho é o Reino dos Sonhos, há inúmeros desafios. É aí que nós, os cientistas, devemos intervir.”

Uma expressão distante apareceu no rosto de Beth por um momento. Ela tomou um gole de seu chocolate quente e saboreou por um tempo.

Seu olhar clareou um pouco.

“Mas mesmo com todos os dados que coletamos durante a Cadeia de Pesadelos, a tecnologia de blindagem continua simplesmente ineficaz. Na verdade, toda a abordagem é falha, mas os figurões são muito míopes para perceber que não deveríamos nos concentrar em desenvolver um melhor isolamento, para começar. Então… foi por isso que me tornei uma figurona. Agora estamos no caminho certo, pelo menos.”

Um sorriso sutil apareceu em seu rosto.

“Na verdade, há progresso! Estamos muito perto de criar um modelo funcional de uma estação de energia. Não há razão para a energia elétrica não funcionar no Reino dos Sonhos, certo? E ainda assim, não funciona… por enquanto. Mas marque minhas palavras, terei as ruas de Bastion iluminadas por luzes elétricas antes do final do ano. E a partir daí, todo tipo de coisa se tornará possível.”

O Professor Julius levantou as mãos e aplaudiu-a silenciosamente.

“Eletricidade, hein? Maravilhoso, simplesmente maravilhoso! O que vocês estão usando para gerar a corrente? Essência da alma, eu presumo?”

Beth deu de ombros.

“Quer dizer, não é tão complicado. A maior parte da eletricidade no mundo desperto ainda é produzida por turbinas a vapor. É apenas o método de produção de calor, e portanto vapor, que difere. Então, estamos usando calor. Claro, encontrar uma maneira de produzir calor a partir da essência da alma é o objetivo final. Uma fonte de energia verdadeiramente sustentável… “

Depois disso, a explicação de Beth ficou técnica demais para Sunny entender. Ele já havia se retirado para a recepção, é claro, mas sua audição era muito aprimorada em comparação com a dos humanos comuns — afinal, ele era um Santo. Se Sunny quisesse, poderia ouvir as conversas entre os moradores das casas ao redor, quanto mais as de seus próprios clientes.

Não que ele tivesse o hábito de fazer essas coisas.

De qualquer forma, parecia que o que Beth estava falando estava além do entendimento do Professor Julius também. Depois de um tempo, ele tossiu de maneira embaraçada e disse em um tom hesitante:

“Bem… esse sistema de esgoto que vocês construíram já é notável o suficiente. Quero dizer, verdadeiramente! Uma coisa dessas pode fazer ou quebrar uma cidade…”

Beth revirou os olhos.

“Oh, deuses. Nem me lembre. O solo aqui ainda está cheio das raízes deixadas por aquele titã… qualquer tipo de construção subterrânea é um pesadelo…”

Sunny suspirou e se virou. A Cadeira das Sombras, que estava atrás da recepção, rangeu suavemente quando ele mudou de posição.

‘Ela… está vivendo bem, pelo menos.’

Quando centenas de milhões de pessoas entraram no Reino dos Sonhos, houve uma crise instantânea relacionada a como e onde acomodá-las, é claro. Aquela crise não foi tão terrível, no entanto, porque os Grandes Clãs haviam se preparado secretamente para um evento como aquele por muito tempo.

Como resultado, muitos dos melhores especialistas em tudo relacionado à construção de uma infraestrutura robusta foram encontrados entre os refugiados ou recrutados do mundo desperto. A próspera cidade ao redor de Bastion não surgiu do nada — inúmeros engenheiros, arquitetos, cientistas, artesãos e profissionais de todos os tipos trabalharam incrivelmente duro para torná-la uma realidade, Despertos e comuns igualmente.

Beth era uma dessas pioneiras, e de alto escalão, por sinal.

Claro, ser um campeão da civilização na fronteira mágica selvagem e hostil não era um trabalho fácil. Especialmente considerando que o Reino dos Sonhos operava com um conjunto de leis sutilmente diferentes do mundo desperto, tornando a maioria das tecnologias modernas inúteis lá. Mas a inteligência humana prevaleceu.

‘Eletricidade antes do final do ano?’

Sunny piscou algumas vezes, tentando imaginar como Bastion, e outras cidades humanas no Reino dos Sonhos, se pareceriam se algo assim realmente acontecesse.

Como elas se pareceriam em dez anos? Ele não tinha certeza se poderia adivinhar. Bem, se alguém pudesse cumprir tal promessa, era Beth. A última discípula do Professor Obel…