Vol. 8 Cap. 1831 Conceito Abstrato



Vestida com uma confortável camisola, Rain estava sentada em uma cama. A cama era larga e macia. Os lençóis estavam imaculadamente limpos e engomados… um contraste total com o berço frio de lama em que ela vinha dormindo por muitos dias.

Era também muito melhor do que sua própria cama em Ravenheart, então… ela não tinha do que reclamar. O próprio quarto era espaçoso, mas austero. A Cidadela do Clã Sorrow foi esculpida no penhasco, então as paredes ao seu redor eram de pedra bruta. No entanto, os móveis eram bastante elegantes e lindamente feitos.

Havia uma única janela arqueada no quarto, que se abria para a vasta extensão lilás pálida do céu noturno. O rugido da Deusa Lamentadora parecia mais suave aqui, de alguma forma, mas também constante, como um zumbido persistente.

O ar era fresco e cheirava a água.

O ambiente pacífico, mas singularmente austero da sombria Cidadela ajudou Rain a imaginar facilmente de onde vinha a postura excessivamente séria de Tamar.

Ela suspirou.

As coisas aconteceram rapidamente depois que as duas chegaram ao Lago das Lágrimas. Primeiro, Rain e Tamar foram levadas para a cidade construída em sua margem — era muito menor que Ravenheart, mas ainda assim animada. O estilo arquitetônico era bastante distinto, também, favorecendo telhados planos que serviam como jardins — em contraste com a capital, onde a maioria dos telhados era inclinada e coberta por telhas para evitar o acúmulo de neve e cinzas.

No entanto, elas não passaram muito tempo na cidade.

O Santo Sorrow estava ausente no momento, mas a mãe de Tamar estava lá. Após receber notícias de que sua filha havia aparecido gravemente ferida, ela imediatamente enviou criados para buscá-la.

Rain e Tamar foram levadas para a Cidadela, que foi esculpida diretamente no lado vertical da grande cachoeira e supervisionava a cidade do alto.

Tamar foi tratada por um curandeiro Ascendido. Enquanto isso, Rain foi recebida como convidada do Clã Sorrow.

Ela conheceu a matriarca do clã, bem como alguns anciãos. Todos a trataram com cortesia — desde os criados Despertos e cidadãos comuns até os membros da família direta.

Tamar compartilhou brevemente a história de como as duas acabaram em tal estado lastimável, incluindo a versão falsa do Despertar de Rain.

Tudo parecia bem.

E ainda assim, Rain estava de mau humor.

Isso porque ela havia ouvido muito e inferido ainda mais das conversas com os locais.

A guerra… parecia iminente.

Algumas das pessoas com quem ela conversou estavam cientes disso, enquanto outras não. No entanto, todos estavam alarmados e inquietos, como se houvesse uma tensão invisível permeando o ar.

Muitas coisas aconteceram depois que a equipe de pesquisa deixou o acampamento de construção e perdeu o contato com o restante da humanidade.

O conflito entre os dois Grandes Clãs tornou-se muito mais grave. Valor continuava a exigir que Silent Stalker e Mestre Dar do Clã Maharana fossem entregues, e Song continuava a recusar. Havia todo tipo de agitação nas ruas de Bastion e Ravenheart… até mesmo NQSC.

Houveram protestos e confrontos violentos entre os seguidores dos Domínios opostos. Uma grande multidão estava gritando ameaçadoramente em frente ao complexo do Clã Song no mundo desperto.

Alguém jogou incendiários improvisados nas paredes da fortaleza que cercam a localização do Portal do Sonho do Rei no Quadrante Norte. Alguns jovens Legados já haviam lutado abertamente, devastando um local público. Eles foram presos pelos agentes do governo, mas o próprio governo estava agindo de maneira estranha, como se paralisado pelo medo, indecisão e conflito interno.

E esses eram apenas os sinais exteriores.

O presságio mais grave era o quão deserta a Cidadela do Clã Sorrow parecia. Havia guerreiros Despertos, mas muito poucos. Havia membros da família direta, mas apenas os menos poderosos.

O que dizia uma coisa a Rain.

A Rainha estava mobilizando suas forças secretamente.

A estrada que Rain ajudou a construir estava quase completa, e em breve, legiões do Domínio Song marchariam por ela, rumo ao Túmulo de Deus.

A guerra, que antes era um conceito abstrato, agora era quase palpável.

Estava muito mais próxima do que ela esperava.

E assim, Rain estava sentada quieta na cama, observando o céu escurecer além da janela.

Finalmente, quando toda a luz do sol desapareceu e sombras profundas devoraram o quarto, uma presença familiar emergiu delas.

Seu professor se encostou na parede e aplaudiu silenciosamente. Seu sorriso era despreocupado como sempre.

“Parabéns! Você é uma Desperta agora.”

Rain olhou severamente para sua silhueta escura.

“… Onde diabos você esteve?”

Ele deu de ombros vagamente.

“Oh, você sabe. Aqui e ali. Escondido nas sombras, tirando férias na praia, sentado ociosamente no meu trono escuro. Por quê? Você não se saiu bem sem mim?”

Rain hesitou por alguns momentos, depois soltou um suspiro pesado.

“Eu não chamaria isso de “bem”, exatamente… mas, claro. Na verdade, me saí bem.”

Ele sorriu.

“Bem? Você é a primeira humana do seu mundo a ter Despertado sem aquela coisa incômoda… como você chama mesmo? Ah, o Feitiço do Pesadelo. Ótimo trabalho, Rain! Você realmente me deixou orgulhoso.”

Ela estendeu a mão silenciosamente e abriu a palma.

“Me dê, então.”

Ele ergueu uma sobrancelha… ou pelo menos ela achou que sim, já que não conseguia ver seu rosto claramente.

“O quê?”

Rain franziu a testa.

“Minha Memória! Você me prometeu uma Memória depois que eu matasse o Caçador.”

Seu professor riu baixinho.

“Certo. Não se preocupe, eu vou. Vou até jogar mais uma por aquele Tirano Desperto. E uma terceira como bônus grátis, para um cliente de retorno.”

Ele hesitou por um momento e depois acrescentou mais sinceramente:

“Mas realmente, bom trabalho. Despertar, matar o Tirano… e não deixar aquela garota morrer, também. Não tenho certeza se eu teria feito o mesmo como um Adormecido.”

Rain desviou o olhar, sentindo-se um pouco envergonhada.

“…Obrigada. De qualquer forma, eu nunca fui realmente uma Adormecida. Isso teria sido embaraçoso — sou velha demais para ser uma…”

Depois disso, nenhum dos dois falou por um tempo.

Eventualmente, Rain perguntou:

“E agora?”

Vol. 8 Cap. 1832 O Outro Lado



Seu professor suspirou.

“Isso depende de você. Agora que você despertou, temos mais opções. Você não é mais uma prisioneira do Domínio Song… então, se quiser, posso levá-la para um lugar seguro, para esperar que essa confusão termine.”

Ela o encarou, sem dizer nada.

Ele riu.

“O que foi? Também tenho lugares legais para levar minha aluna, sabia.”

Rain sorriu levemente.

“Diz o homem que viveu à minha sombra por quatro anos.”

A piada era como inúmeras outras que ela havia feito no passado, mas hoje, não teve o mesmo efeito. Ela não sentiu isso.

Rain balançou a cabeça.

“Você sabe que eu quis despertar porque eu queria ser forte. Eu me tornei forte para não fazer nada, então? Fugir e se esconder em um lugar seguro parece bom, à primeira vista. Mas você realmente acha que eu iria querer isso?”

Seu professor suspirou.

“Não, na verdade, não.”

Ele hesitou.

“Então, o que você quer fazer?”

Rain permaneceu em silêncio por um longo tempo.

“Tamar… me disse para consultar a pessoa que me guiou ao Despertar. Antes de tentar fazer qualquer coisa. Então, e agora? Ela estava certa? Eu serei silenciada se tentar compartilhar meu conhecimento com o mundo?”

Ele foi até a janela e olhou para fora, sua silhueta quase indistinguível das sombras.

“Bem, aquela garota tem um pouco de senso. O que ela tentou te dizer foi um pouco dramático e extremo demais, mas, fundamentalmente, ela está certa. Claro, existem maneiras de lidar com isso. Você não poderá oferecer esse conhecimento ao mundo livremente, mas os Soberanos não irão descartá-lo, também. Afinal, é mais uma ferramenta que eles podem usar. Então, desde que você esteja disposta a deixar que eles o usem como acharem melhor, e esteja pronta para aceitar que ele só será usado com moderação… eu posso providenciar isso.”

Ele se virou e sorriu.

“Alternativamente, você pode confiar isso a mim. Sua amiga disse que esse conhecimento não deveria ser compartilhado enquanto você estiver fraca e sem apoio. No entanto, ela está errada sobre uma coisa. Você não está sem apoio, Rain, pois você me tem. Eu posso não ser capaz de enfrentar os Soberanos… ainda… mas sou mais do que capaz de disseminar informações sem ser pego por eles.”

Rain franziu a testa.

“Qual seria o ponto, então? Você pode ser capaz de evitá-los, mas as pessoas que receberem o conhecimento de você não conseguirão. Então, os clãs reais apenas os suprimirão em vez de mim. Mesmo que falhem em erradicar o conhecimento completamente, haverá inúmeras vítimas. Isso não é o que eu quero.”

Seu professor sorriu.

“Garota esperta. Bem… na verdade, isso tudo não vem ao caso. Na verdade, você não precisa esconder esse conhecimento por muito tempo.”

Ela ergueu uma sobrancelha, confusa.

“Eu não?”

Ele assentiu.

“Eu diria… até o final desta guerra, todas as suas preocupações serão irrelevantes. Ou, bem, teremos problemas maiores para resolver, pelo menos. Então, mantenha seu segredo seguro até que a guerra termine. Quem sabe, a situação pode mudar completamente até lá.”

Sua voz ficou um pouco mais leve.

“Enquanto isso, trabalhe para se tornar uma Mestra.

Talvez encontre uma maneira de manifestar um Defeito e um Aspecto. Certo, agora que você tem um núcleo da alma, teremos que ensinar você a entrar no seu Mar da Alma…”

Rain o ouviu com um sorriso.

Em algum momento, ela disse:

“Professor.”

Ele parou.

“O quê?”

Rain ficou em silêncio por um momento, depois disse calmamente:

“Vou participar da guerra.”

Pela primeira vez em muito tempo, ele pareceu um pouco abalado.

“Que tipo de… você perdeu o juízo?”

Ela balançou a cabeça lentamente.

“Não. Na verdade… eu venho pensando nisso há muito tempo.”

Rain suspirou.

“Tamar disse que eu sou ingênua, e eu sei que você também pensa assim. Mas eu não sou. Sim, eu tendo a assumir o melhor das pessoas, mesmo que algumas delas não mereçam. Mas eu não sou tola.”

Ele piscou algumas vezes.

“Assumir o melhor das pessoas que não merecem é praticamente a definição de ser ingênua.”

Ela olhou para suas mãos suaves, iluminadas suavemente pela luz do luar.

“De qualquer forma, o Domínio da Espada vai declarar guerra ao Domínio Song. Se o Rei das Espadas vencer… então, uma ocupação seguirá. Eu não posso simplesmente ficar à margem e assistir sem fazer nada.”

Ele franziu os lábios.

“O que, você acha que a Rainha é melhor?

Valor pode acabar sendo os que iniciam a guerra, mas não se engane. O Clã Song quer isso tanto quanto eles. Mais do que isso, o que mudará se um Soberano substituir o outro? Não é tudo a mesma coisa para as pessoas simples que vivem no Domínio Song? Sem mencionar que você nem pertence a esse Domínio, para começo de conversa. Você é de uma família governamental.”

Rain olhou para ele com seriedade.

“Uma família governamental? Claro, eu sou. Mas, Professor… por quanto tempo mais o governo existirá? Uma vez que houver apenas um clã real em vez de dois, você realmente acha que eles permitirão que um poder independente permaneça sem se submeter ao seu domínio? A neutralidade se tornará um mito, então. E qualquer um que não se aliar ao lado certo na guerra será considerado um pecador. Isso inclui famílias governamentais como a minha.”

Ele hesitou por um momento.

“Eu não sei quanto tempo de vida o governo ainda tem, mas você está certa. O vencedor certamente consolidará seu poder.”

Ela balançou a cabeça.

“E sim, importa qual Soberano governa o Domínio Song. Os clãs reais podem parecer iguais para você, mas você realmente acha que o Rei das Espadas, que é sinônimo de Bastion, tratará Ravenheart da mesma forma que sua terra ancestral? Que ele não irá desviar recursos das terras conquistadas para alimentar as regiões centrais? Mais do que isso… no final da guerra, muitas pessoas terão morrido. Os cidadãos do Domínio perdedor serão ocupados pelas pessoas que mataram seus irmãos, irmãs, pais e filhos no campo de batalha. Não será um processo pacífico.”

Seu professor suspirou.

“Bem… você está certa. O Rei das Espadas certamente poderia fazer algo assim. E haverá alguma tensão, e, portanto, algumas medidas de supressão.”

Rain sorriu amargamente.

“E por último, eu realmente acredito que ambos os lados querem a guerra. Mas, professor… as pessoas que conheço estão no Domínio Song. Tamar e seu clã. Os carregadores da equipe de pesquisa. O gerente de estrada que se esforçou para me ajudar a ganhar mais dinheiro enquanto ficava segura. Os comerciantes que costumavam comprar os materiais que eu colhia. Nossos vizinhos em Ravenheart, que nos trouxeram comida quando chegamos de NQSC. Jovens guardas Despertos que me deram boas-vindas de volta das caçadas. E tantos outros. Eles são todos boas pessoas. Essas são as pessoas que conheço, e são elas que sofrerão se o Domínio Song cair para o exército do Clã Valor. Então…”

Ela desviou o olhar.

“Eu não posso reivindicar qualquer tipo de superioridade moral ao escolher lutar pela Rainha, mas também não posso recuar e não fazer nada.”

Rain respirou fundo e olhou para seu professor com determinação.

“Então, farei o que puder. Por menor que seja.”

Ele a encarou por um longo tempo, sem dizer nada.

Antes, ela conseguia ver um pouco da expressão dele, mas agora, seu rosto estava completamente envolto em escuridão.

Rain de repente se sentiu nervosa. Ela nunca tinha realmente irritado seu professor antes… Será que ela fez isso agora?

Eventualmente, no entanto, ele soltou um longo suspiro e disse em uma voz irritada:

“… Você não está facilitando meu trabalho, sabia? Bah! Que aluna problemática!”

Seu professor balançou a cabeça em desalento.

“Mas… eu meio que esperava que isso acontecesse.”

Ele xingou.

“O que posso dizer… Acho que vamos nos juntar ao exército do Clã Song. Por que diabos não? Um lado, dois lados, três lados… a essa altura, qual é a diferença…”

Vol. 8 Cap. 1833 A Honestidade é a Melhor Política



Dias antes, Sunny tinha sido deixado sozinho em uma praia tranquila.

Ele ficou parado ali, imóvel por um tempo, segurando o vestido de Neph de forma desajeitada e sem saber o que fazer com ele.

Ele deveria simplesmente deixá-lo ali? Ou devolvê-lo?

Como seria essa cena? Só de imaginar já era um pouco assustador.

‘Aqui… seu vestido. Você o deixou para trás da última vez.’

Seu rosto lentamente assumiu um belo tom de rosa.

Eventualmente, Sunny suspirou, dobrou o vestido com cuidado e o colocou no chão.

Ele vestiu suas próprias roupas, convocou o Manto Nebuloso, então enxaguou brevemente os pratos sujos no rio e colocou tudo de volta na cesta de piquenique. Colocou o cobertor lá também e, finalmente, colocou o vestido dobrado por cima.

Nesse momento, o céu de veludo estava iluminado por uma dispersão de estrelas brilhantes, e o mundo estava banhado pela luz do luar.

Ele empurrou o barco para a água e pulou dentro. Remar rio acima não era tão fácil quanto tinha sido descer rio abaixo… sem mencionar que agora ele estava completamente sozinho.

Seu lado sentia frio.

Movendo os remos e olhando para a lua, Sunny soltou outro suspiro.

‘Bem… tinha que ser feito.’

Ele considerou apenas usar o Passo das Sombras para retornar a Bastion, mas então abandonou essa ideia. Afinal, essa Habilidade de Aspecto pertencia ao Lorde das Sombras, não ao Mestre Sunless… e embora ele tivesse contado a verdade para Nephis, essas duas pessoas eram completamente diferentes aos olhos do resto do mundo.

Sunny não tinha certeza de quanto tempo mais o Mestre Sunless seria capaz de existir e qual papel o humilde lojista desempenharia, mas ele ainda queria permanecer cauteloso. Não era hora de abandonar essa persona ainda… com sorte, tal momento nunca chegaria.

Ouvindo os sons suaves do rio, ele saboreou lentamente as memórias do dia.

Ver Nephis descendo do céu como uma fada celestial. Testemunhar seu sorriso fácil nos cais.

Remando o barco lado a lado com ela, pressionados um contra o outro. Ouvindo seu riso enquanto ela mergulhava na água.

A luz do sol refletindo na superfície do rio enquanto ela o espirrava, estando perto da margem em seu traje de banho tentador.

E o resto…

‘Talvez eu pudesse ter lidado com isso melhor?’

Provavelmente poderia, mas ela o havia pego de surpresa com sua teoria um tanto convincente, mas completamente equivocada, sobre quem o Mestre Sunless realmente era.

Lembrando-se da expressão sutilmente orgulhosa de Neph, Sunny não pôde deixar de rir baixinho.

“… Ah, o que eu vou fazer com ela…”

De qualquer forma, ele havia conseguido passar sua mensagem. Confessou sua identidade secreta, garantiu que enganá-la não era sua intenção e expressou a sinceridade de seus sentimentos.

O resto dependia de Nephis.

E falando em Nephis…

Sunny hesitou por alguns momentos e então perguntou em silêncio:

[Cassie? Você está ouvindo?]

Houve um momento de silêncio, e então, sua voz calma ressoou em sua mente.

[Estou.]

Sunny congelou, depois limpou a garganta, envergonhado.

‘Pensando bem. Eu meio que joguei a Cassie debaixo do ônibus, não joguei?’

Bem… melhor não mencionar isso! Nunca…

Sunny fingiu não se lembrar de ter feito nada desse tipo e perguntou:

[Presumo que você tenha testemunhado tudo.]

Ela não negou.

[Testemunhei. Para o que vale… acho que você fez um bom trabalho. Foi a decisão certa.]

Sunny exalou lentamente.

[Espero que tenha sido. Mas…]

No entanto, antes que ele pudesse terminar a frase, Cassie de repente o interrompeu — o que era um pouco estranho, já que isso não era nada típico dela.

[Oh!]

Sunny levantou uma sobrancelha.

[O que houve?]

Houve um longo silêncio, e então Cassie falou novamente, sua voz soando um pouco estranha:

[Oh… oh, meu Deus.]

Sunny franziu o cenho.

[Algo está errado?]

Desta vez, sua resposta veio quase imediatamente.

[Não, é claro que não. Eu só… d-desculpe! Não posso falar agora!]

Com isso, a voz de Cassie se calou, e ela não respondeu mais.

Sunny continuou a remar o barco rio acima, perplexo.

Depois de um tempo, pensando em algo, ele fez uma careta.

‘Ah. Espero que ela sobreviva…’

Longe dali, em uma tranquila ilha celestial, um pagoda de marfim parecia cintilar com o reflexo do luar. Em um de seus níveis mais altos, uma jovem delicada estava sentada atrás da escrivaninha, passando os dedos por um pergaminho. Seu rosto encantador era deslumbrantemente bonito, e seu longo cabelo era como uma cascata de ouro pálido.

Naquele momento, a jovem virou a cabeça para a pedra branca da parede externa da câmara.

Sua expressão mudou ligeiramente.

“Oh.”

No momento seguinte, algo colidiu com a ilha com um estrondo retumbante.

Cassie lentamente se levantou de trás de sua escrivaninha.

“Oh… oh, meu Deus.”

Então, ela saiu de trás da escrivaninha e ficou de frente para a porta.

Seus movimentos eram graciosos e elegantes, mas também… pareciam um pouco nervosos, por algum motivo?

Ela franziu ligeiramente a testa.

‘Eu… tenho certeza de que vai ficar tudo bem.’

A voz de Sunny ressoou em sua mente:

[Algo está errado?]

Cassie hesitou por um momento.

[Não. Claro que não.]

Mas então…

A porta se abriu com um estrondo, e uma figura alta apareceu na soleira, vestida com uma intricada armadura encantada.

Cassie engoliu em seco.

“Neph. Quando você voltou…”

Nephis já estava dentro, a porta se fechando com força atrás dela.

“Por que você não me contou?!”

Seu rosto estava corado, e seus olhos geralmente calmos estavam cheios de uma intensidade escaldante.

Cassie hesitou por um momento.

“Contar o quê?”

Neph estava se aproximando dela com passos largos.

Seu escritório, infelizmente, não era tão grande…

“Não venha com essa! Eu sei que você viu tudo! T-Tudo…”

Cassie fez o máximo esforço para bater os cílios inocentemente. Infelizmente, seus olhos estavam escondidos sob uma venda, então não teve efeito algum.

Ela inclinou a cabeça em uma imitação impecável de uma falta de compreensão confusa e disse:

“Como eu poderia ter visto qualquer coisa? Sou cega…”

Seu tom era suave e elegante. Para ilustrar seu argumento, ela apontou para a venda. Em vez de responder, Neph avançou sobre ela.

Cassie fez o máximo esforço para conter um grito assustado e evitou o agarrão com um passo gracioso. Não foi tão difícil de fazer, já que sua Habilidade de Desperta a alertou sobre o perigo com antecedência.

Felizmente, Nephis não estava usando toda a sua velocidade titânica.

Caso contrário, Cassie talvez não tivesse conseguido escapar, mesmo com o aviso prévio…

“A-a-agora espere um minuto, Neph… Eu posso explicar!”

“Claro que pode! Pare de desviar e venha aqui, então. Eu vou deixar você explicar…”

“Eu… eu prefiro que não…”

“Tarde demais!”

Algo colidiu ruidosamente dentro do escritório.

“Não, mas quando você ficou tão escorregadia?!”

“Eu não sou escorregadia! Sou ágil e graciosa!”

“Oh, sim, você é… por enquanto…”

“Não, espere!”

Houve outro estrondo alto.

“Ah! Pare de quebrar meus móveis!”

“Vou comprar uma nova escrivaninha para você…”

“Esse não é o ponto!”

“Venha aqui, ou eu vou comprar uma nova estante também…”

… Os Guardiões do Fogo, que haviam se reunido no nível inferior da Torre de Marfim em silêncio assustado, se entreolharam.

Eventualmente, um deles disse:

“Não ouvimos nada. Certo?”

Outro assentiu.

“Claro. Na verdade, estou atualmente dormindo na minha cabine no Chain Breaker.”

“Eu nunca estive aqui. Estou realmente no mundo desperto agora.”

“Acho que meu Defeito me deixou surdo.”

Houve alguns momentos de silêncio.

“Vamos apenas sair… antes que ela decida comprar uma nova porta também…”

Com isso, eles se dispersaram silenciosamente.

Vol. 8 Cap. 1834 Tão Simples Assim



Algum tempo depois, o escritório de Cassie estava uma bagunça. Os danos reais não eram tão severos, mas havia pergaminhos e folhas de papel espalhados por toda parte.

As duas jovens estavam sentadas no chão, respirando pesadamente. A venda de Cassie estava um pouco torta.

Nephis a encarou por um tempo, depois gemeu e escondeu o rosto entre os joelhos.

Eventualmente, sua voz abafada ressoou na câmara de pedra:

“Eu… Eu esqueci de pegar meu maldito vestido…”

Ao ouvir isso, Cassie se animou um pouco, como se sentisse uma chance de se redimir.

“Oh! Não se preocupe. Ele o pegou.”

Em vez de responder, Nephis lentamente levantou as mãos e silenciosamente segurou a cabeça.

Depois de alguns momentos de silêncio, ela disse:

“Quando a guerra vai começar? Vamos para a guerra, Cas…”

A vidente cega sorriu.

“Claro. Eu vou com você.”

Ela fez uma pausa por um momento, depois acrescentou suavemente:

“Mas, honestamente, não sei por que você está reagindo tão fortemente.”

Nephis levantou a cabeça e olhou para a outra jovem com espanto.

“Por que? Estou envergonhada! Envergonhada! Estou tão envergonhada que quero me enfiar na terra.”

Cassie sorriu levemente.

“Sério? Bem… envergonhada é melhor do que com raiva, eu acho.”

Ela fez uma pausa por um momento, então perguntou cautelosamente:

“Você está desapontada?”

Nephis permaneceu em silêncio por um tempo, depois suspirou e se recostou cansada na parede.

“Não. Sim? Talvez.”

Ela rangeu os dentes.

“Estou desapontada, mas também estou animada. Ah, eu não sei…”

Ela hesitou por um tempo.

“Gostei de muitas coisas em relação ao Mestre Sunless, e algumas dessas coisas eram como ele era suave e… seguro. Diferente de mim, e de tudo ao meu redor. Estou triste que essas qualidades dele fossem uma decepção.”

Nephis franziu a testa.

“Mas então, elas não eram, realmente? O homem que eu conheci… e gostei… não é uma ilusão. É só que eu só fui exposta a uma parte dele. Essa parte ainda é real, embora… é tão confuso.”

Sua voz ficou um pouco mais acalorada:

“E então há a outra parte dele. O Lorde das Sombras. Ele é alguém que eu… aprecio. Alguém sobre quem eu talvez tenha me perguntado — como seria, se ele estivesse ao meu lado? Esse era um pensamento agradável.”

Ela encostou a cabeça na parede.

“Então eu acho que perdi algo? Eu ganhei inesperadamente o melhor dos dois mundos? Ou é ambos? Estou confusa.”

Então, Nephis escondeu o rosto nos joelhos novamente e soltou outro gemido.

“Mas isso nem é o que importa!”

Cassie, que havia estado ouvindo sua explosão em silêncio, levantou uma sobrancelha.

Havia muito poucas pessoas no mundo com quem Nephis se sentia confortável o suficiente para ser tão aberta e franca. Na verdade, provavelmente não havia ninguém além de Cassie — então, ela não queria interromper.

Mas agora, ela precisava.

“Não é? O que importa, então?”

Nephis levantou a cabeça e a encarou em silêncio.

Depois de um tempo, ela abriu a boca e disse:

“É só que… não é como deveria ser!”

Cassie tocou o cabelo de forma desajeitada.

“Como deveria ser?”

Nephis soltou um suspiro pesado.

“Eu só pensei… que passaria algum tempo com o Mestre Sunless e tentaria me divertir. Talvez algo saísse disso, talvez não. Em qualquer caso, deveria ser um enredamento temporário. Em breve… antes que algo muito sério pudesse ter acontecido… eu teria deixado Bastion e ido para a guerra. E então, quando tudo estivesse acabado, um ano ou vários anos depois, eu teria sido capaz de decidir o que fazer então.”

Ela olhou intensamente para Cassie.

“Você vê o problema aqui, Cas? Não há mais ‘então’! Porque mesmo se eu deixar Bastion, ele ainda estará comigo!”

Cassie fingiu estudar sua expressão. Ela desejava ardentemente poder ver o rosto de Neph agora, mas não podia. Era só as duas na sala, então ela só conseguia ver a si mesma.

Eventualmente, Cassie riu levemente.

“Entendo.”

Ela respirou fundo e demorou um pouco.

“Na verdade… eu já sabia que o Mestre Sunless e o Lorde das Sombras eram a mesma pessoa há um tempo. Eu confiei que ele não tinha más intenções em relação a você, e ele me pediu para manter seu segredo até que encontrasse uma oportunidade para te contar. Foi por isso que fiquei em silêncio. Mas, honestamente… eu queria que você se divertisse também. Eu sabia que você entraria no modo Estrela da Mudança da Chama Imortal assim que soubesse que ele era um poderoso Santo. Você tende a esquecer que também é humana, Neph. E humanos precisam de repouso, às vezes.”

Cassie fez uma pausa, o leve sorriso desaparecendo de seus lábios.

“Havia alguns outros motivos também, mas não há sentido em falar sobre isso. De qualquer forma, ele me prometeu que te contaria antes da guerra, e agora, ele contou. Então, esse segredo está à vista.”

Cassie permaneceu em silêncio por um tempo, e depois suspirou.

“Então, você precisa tomar uma decisão agora.”

Nephis a olhou sombriamente.

Eventualmente, ela perguntou em um tom quieto:

“Mas como eu decido o que fazer? Você sabe que eu… não sou boa com essas coisas. Sentimentos, laços e distrações.”

Cassie não pôde deixar de rir.

“Sim, eu sei… o fato de você ter usado a palavra ‘distrações’ já é prova suficiente. Mas, na verdade, é muito simples. Vou te ajudar a tomar a decisão certa.”

Nephis a olhou com uma sutil esperança.

Cassie falou suavemente:

“Siga minha liderança. Feche os olhos. Agora, imagine encontrar o Mestre Sunless amanhã… e dizer a ele que o que quer que haja entre vocês dois não pode continuar, e você está encerrando imediatamente. Que no futuro vocês serão apenas colegas, lutando lado a lado como aliados. E nada mais.”

Nephis seguiu seu conselho. Cassie não podia ver, mas sentiu os ombros de sua amiga caírem um pouco.

Ela sorriu.

“Como se sente?”

Nephis permaneceu em silêncio por um tempo.

Eventualmente, ela disse com um tom de relutância em sua voz:

“… Terrível.”

Cassie suspirou em satisfação.

“Então, não faça isso. Em vez disso, faça o oposto.

Lá, é tão simples quanto isso.”

Nephis abriu os olhos e olhou para a vidente cega em silêncio.

Sua expressão devia estar um pouco surpresa.

Cassie deu de ombros com um sorriso.

“Sentimentos, laços e distrações não são tão complicados. Você não tem estudado paixões recentemente? Apenas siga sua paixão, e as coisas vão dar certo. Mesmo que não dêem, você não vai se arrepender de ter feito o esforço. A única coisa da qual você vai se arrepender é nunca ter dado o seu melhor.”

Nephis piscou algumas vezes, olhando para ela estranhamente.

Cassie franziu a testa.

“O que foi?”

Sua amiga balançou a cabeça.

“Não, nada. É só que… como você é tão boa nisso? Você nunca teve um namorado, também.”

Cassie a encarou com uma expressão de horror.

“O quê? O que você quer dizer com nunca ter tido um namorado?

Eu era muito popular na escola, sabia!”

Nephis levantou uma sobrancelha.

“Certo. Mas você teve um namorado?”

Cassie abriu a boca.

“Isso é irrelevante! E, a propósito… quando você vai me comprar uma nova mesa?!”

Nephis se levantou, alisou sua armadura, e se dirigiu para a porta.

“Não, sério! Eu preciso de uma mesa!”

Neph parou no limiar, olhou para trás por um momento, e disse antes de desaparecer de maneira sutilmente apressada:

“Quero dizer, você está encarregada das finanças. Coloque um pedido para uma nova mesa… em meu nome… de qualquer forma, até mais. Acho que agora sei o que fazer.”

Um momento depois, sua voz que se afastava ressoou pelo corredor:

“Boa noite!”

Vol. 8 Cap. 1835 Na Manhã Seguinte



Sunny chegou a Bastion no meio da noite. Ele amarrou o barco no píer, desembarcou e caminhou lentamente na direção do Empório Brilhante. Havia muito em sua mente, então ele não estava com pressa de voltar para casa.

Eventualmente, no entanto, ele chegou.

O Mímico Maravilhoso abriu sua porta sem ser solicitado para recebê-lo de volta. Ele até retraiu as presas aterrorizantes, que geralmente ficavam expostas à noite, de volta para dentro da moldura da porta.

Sunny deu um tapinha no lintel, entrou distraidamente no salão de jantar, colocou a cesta de piquenique em uma mesa e suspirou.

Ele estava um pouco cansado, mas duvidava que conseguiria dormir naquela noite.

E de fato, Sunny não conseguiu apagar as chamas que ardiam em sua mente por um bom tempo. Ele se revirou na cama, só adormecendo pouco antes do amanhecer.

Como resultado, ele dormiu demais, acordando apenas com os sons de Aiko entrando na loja. Como sua pequena assistente havia chegado para o trabalho, a multidão matinal também não estava muito longe.

Sunny sentou-se e esfregou o rosto, depois foi se lavar para o longo dia que tinha pela frente.

‘Será que ela virá?’

Ele imaginou que Nephis precisaria de um longo tempo para lidar com seus sentimentos, mas ainda assim colocou um esforço extra em se arrumar, caso ela aparecesse.

A voz de Aiko ressoou do andar de baixo enquanto ele estava no meio de sua rotina.

“Ei, chefe! O que eu devo fazer com a cesta?”

Sunny passou a mão no cabelo molhado e respondeu casualmente:

“… Ah, tem alguns pratos sujos dentro. Dê uma enxaguada neles.”

Ele os lavou no rio ontem, mas tudo ainda precisava ser limpo adequadamente.

Sunny continuou a se preparar. Não havia espelhos dentro do Mímico, então ele usou a sombra sombria para se olhar.

Desnecessário dizer que a sombra não ficou nada contente em ter que encarar seu rosto logo de manhã… ou em qualquer momento, na verdade.

‘Esse cara nunca muda…’

Foi então que Sunny congelou, abriu os olhos arregalados e desceu correndo enquanto convocava o Manto Nebuloso.

“N-Não, Aiko! Espere!”

Mas já era tarde demais.

A pequena garota estava na cozinha, com a cesta de piquenique flutuando ao seu lado. Ela estava aberta, e Aiko… estava segurando um belo vestido branco em suas mãos.

Sunny ficou imóvel.

“Esse…”

Ela olhou para ele com olhos arregalados e perguntou em uma voz baixa:

“Chefe… uh… por que você trouxe um vestido de menina do seu piquenique?”

Sunny gaguejou:

“Não é o que você está pensando… Eu não fiz nada!

Ela só saiu correndo… sem o vestido… foi assim que aconteceu…”

Aiko ficou olhando para o vestido em silêncio.

Então, uma pequena carranca apareceu em seu rosto.

“Espere um minuto… essas medidas…”

No momento seguinte, ela estava ao lado de Sunny, cutucando-o no peito com um dedo.

“Aquele é o vestido da Estrela da Mudança! Você! Seu canalha depravado! O que você fez com a Nephis?!”

Sunny amoleceu a Concha de Ônix, com medo de que Aiko machucasse o dedo, e fingiu se afastar dos empurrões dela.

“Eu não fiz nada! Estávamos apenas fugindo do calor no rio… e o que você quer dizer com canalha?! Não foi você quem me encorajou a agir enquanto o ferro estava quente?!”

“Quando eu disse isso?!”

“Ai! Não me lembro! Mas você definitivamente disse!”

Foi então que o sino de prata pendurado acima da porta tocou, e os dois congelaram.

Alguém estava parado na entrada, olhando calmamente para eles.

Roupas brancas de bom gosto, figura bonita, cabelo prateado lustroso…

O coração de Sunny falhou uma batida.

Era Nephis.

Ela abaixou o olhar e olhou para o vestido, que Aiko ainda segurava na mão.

Nephis sorriu educadamente.

“Oh. Eu estava procurando por isso.”

Entrando na cozinha, ela pegou o vestido da mão da pequena garota e olhou para Sunny com olhos cintilantes.

“Obrigada por pegá-lo, Mestre Sunless.”

Ele inalou lentamente.

“… Ah, s-sim. Claro.”

Por que ela estava agindo tão despreocupadamente? O que ela estava pensando?

‘Será que ela veio aqui para… me condenar, ou para me abraçar?’

Ele engoliu em seco e perguntou cautelosamente:

“E-Eu espero que tudo esteja bem. Depois do que aconteceu ontem.”

Nephis assentiu brevemente.

“Está tudo bem.”

Então, ela franziu um pouco a testa e murmurou baixinho:

“Não, na verdade, agora que penso nisso… depois do que aconteceu ontem à noite, vou precisar substituir alguns móveis…”

Sunny estremeceu.

“… O quê?”

Ao mesmo tempo, os olhos de Aiko se arregalaram ainda mais.

“O quê?!”

Nephis olhou para eles confusa.

“Oh. Desculpe. Eu estava apenas falando comigo mesma.”

Ela parou por um momento, notando suas expressões, e então acrescentou hesitante:

“Uh… Eu disse algo errado de novo?”

Eventualmente, Sunny conseguiu deixar Aiko atordoada para trás e levou Nephis para algum lugar mais privado.

E agora que estavam lá, ele estava amaldiçoando a si mesmo em silêncio.

‘Não, mas… eu sou um idiota? Por que eu não desci, para a loja de Memórias? Por que eu a trouxe para o andar de cima?!’

Atualmente, eles estavam… em seu quarto.

Enquanto Sunny se repreendia, Nephis olhava ao redor com curiosidade.

“É aqui que você dorme? Esta versão de você, quero dizer.”

Sunny forçou um sorriso.

“… Ah, sim. Pelo menos uma encarnação minha tem que dormir de vez em quando. As outras não dormem, mas como eu supostamente sou a mais humana, eu durmo.”

Ele avaliou silenciosamente seu quarto e agradeceu aos deuses mortos pelo hábito de sempre arrumar a cama logo de manhã. O quarto estava limpo e aconchegante, com uma bela vista do Lago Espelho além da janela. O Castelo estava banhado pela luz dourada do amanhecer… e lá, acima dele, a Ilha de Marfim estava envolta por nuvens.

Nephis olhou para sua cama por alguns momentos, como se tentasse se lembrar de algo, depois se virou e olhou pela janela.

Um leve sorriso apareceu em seus lábios.

“Acho que consigo ver minha janela daqui.”

Sunny mentiria se dissesse que não passou muito tempo olhando para a silhueta distante da Torre de Marfim, então ele permaneceu em silêncio.

Em vez disso, ele gesticulou para alguns itens que decoravam seu quarto.

“Essas são algumas curiosidades que eu coletei no Reino dos Sonhos ao longo dos anos. Elas são… nada demais. Mas explorar o passado é um dos meus hobbies.”

Nephis os estudou por um tempo, depois se virou para ele e disse simplesmente:

“Eu sei.”

Sunny ergueu uma sobrancelha.

“Você… sabe?”

Ela hesitou por alguns momentos.

“O Relatório de Exploração da Tumba de Ariel, escrito por Ninguém. Você é Ninguém… não é?”

Vol. 8 Cap. 1836 Resolução



Ele foi pego de surpresa por aquela pergunta. Ela surgiu do nada, completamente destruindo suas expectativas sobre o que ela queria discutir… tanto as melhores quanto as piores delas.

Sunny permaneceu em silêncio até que a dor do Defeito tornou isso difícil, e então acenou lentamente com a cabeça, escolhendo não dizer mais nada. Quanto mais ele falasse, maiores seriam as chances de ela perguntar algo que ele não poderia responder.

Nephis suspirou, então explicou calmamente:

“Eu comecei a suspeitar depois de encontrar o Lorde das Sombras pela primeira vez. Ele… você… era forte demais para ter surgido do nada. Um Santo tão poderoso como aquele simplesmente tinha que ter deixado uma marca no mundo. E quando perguntei quem havia lhe ensinado a esgrima da minha família, você respondeu que… que ninguém tinha. Não notei isso inicialmente, mas depois, algo parecia fazer sentido em minha mente.”

Ela fez uma pausa por alguns momentos, respirou fundo e então falou:

“As memórias de todos que entraram no Terceiro Pesadelo comigo estão… afetadas. Nós realmente não sabemos todos os detalhes do que aconteceu lá. Mas lá, no Túmulo de Deus, eu acho que algo.”

Nephis pausou antes de acrescentar:

“A Tumba de Ariel. Você estava…”

No entanto, antes que ela pudesse formular a pergunta, Sunny a interrompeu levantando a mão.

Havia uma expressão complicada em seu rosto.

Por dentro, ele estava cheio de uma intensa felicidade ao pensar que Nephis sabia que eles haviam desafiado o Terceiro Pesadelo juntos. Não era exatamente o mesmo que lembrar dele… mas era algo, pelo menos. Algo infinitamente mais significativo do que o vazio de sua situação atual.

Mas ele também sabia que ela não seria capaz de se lembrar da resposta dele.

E, ao contrário de Cassie, que era capaz de reter a memória de ter esquecido algo devido ao seu Aspecto, Nephis não seria capaz de fazer nem isso.

Então, em vez de confessar a verdade, Sunny disse calmamente:

“Antes de você dizer mais alguma coisa, preciso confessar algo. Há… certas coisas que meu Defeito me impede de compartilhar. Então, por favor… algumas palavras são melhores se não forem ditas.”

Nephis o estudou atentamente por um tempo, então soltou um suspiro pesado.

“Entendo. Eu… acho que entendo.”

Ela se virou e sorriu suavemente.

“Isso explica. Por que Cassie confiou tanto em você. E por que a condição dela melhorou tão de repente…”

Sunny se virou silenciosamente.

Ele a havia induzido ao erro com seu aviso. Mas parecia que sua decepção a havia levado às conclusões corretas, pelo menos.

Nephis olhou novamente para a distante Ilha de Marfim.

“Não vou dizer que não estou decepcionada. Mas se é assim que é… então não vou perguntar.”

Suas costas estavam muito retas.

Depois de um tempo, Sunny ouviu sua voz calma novamente:

“Vou lhe perguntar outra coisa, no entanto. Sunless.”

Ele respirou fundo, de repente se sentindo nervoso.

Esse era o momento da verdade.

‘Que irônico.’

“O que?”

Nephis se virou e sorriu.

Sua voz estava calma e serena:

“Vou deixar Bastion em sete dias. Então… você me levará em outro encontro? No Túmulo de Deus.”

Sunny a olhou sem fôlego.

De repente, tímida, Nephis olhou para baixo.

“Eu… eu sei que não é o local mais romântico…”

Mas ele a interrompeu novamente.

Sorrindo, Sunny acenou com a cabeça.

“Sim. Sim, eu vou… Ficarei encantado em fazer isso.”

Ele pausou por um momento, e então acrescentou:

“Na verdade, não tenho escolha a não ser segui-la até o Túmulo de Deus, Nephis.”

Ela levantou a sobrancelha hesitantemente:

“Você não tem?”

Rindo, Sunny acenou com a cabeça.

“Claro.”

Ele deu um passo à frente e lhe ofereceu a mão.

“Afinal… ainda estou contratualmente obrigado a forjar aquela espada para você. Como posso deixar seu lado antes de terminá-la?”

Ela sorriu…

E aceitou.

E foi isso.

O relacionamento estranho e incerto deles não terminou, apesar dos muitos segredos que guardavam, do pesado fardo do passado esquecido, e da sombra escura da guerra iminente. Ele continuaria tenazmente, apesar do futuro incerto.

O que deixou ambos felizes… Sunny, pelo menos, sentiu uma alegria incrível.

Era ao mesmo tempo estranho e maravilhoso. As circunstâncias não poderiam ser piores… o momento era absolutamente terrível também.

Mas quando não tinha sido?

Em retrospecto, sempre havia algo entre eles.

Nem Sunny nem Nephis tiveram tempo para pensar sobre seus sentimentos na Costa Esquecida. Depois, eles ficaram separados por dois longos anos. Após o retorno de Nephis, eles passaram apenas um mês juntos antes de ele partir para a Antártica. E depois da Antártica, ele foi esquecido por todos, inclusive por ela.

Eles tiveram apenas alguns momentos fugazes para ficarem juntos em paz, nas profundezas do Terceiro Pesadelo.

Então, curiosamente… apesar de conhecê-la há quase dez anos, esta foi a primeira vez que Sunny teve maturidade suficiente para não apenas saber o que queria, mas também ser capaz de expressar seus sentimentos.

Então, e se o momento era terrível e havia uma guerra se aproximando? Se ele decidisse esperar por um bom momento para agir de acordo com seus desejos, teria que esperar para sempre… Depois de conversar um pouco mais, ele mostrou Nephis a saída e voltou para o Empório Brilhante enquanto assobiava uma melodia animada.

No entanto, uma vez dentro, ele foi recebido pelo olhar gelado de Aiko.

“O que te faz tão feliz?”

Sunny sorriu e suprimiu o desejo de apertar as bochechas dela.

Em vez disso, ele disse feliz:

“Acabei de concordar em seguir Lady Nephis para a guerra.”

A pequena garota o olhou furiosa em silêncio.

“… Vai haver uma guerra?”

Sunny acenou com a cabeça.

“Ah, certo. Você não sabia. Sim, vai haver.”

Aiko ficou em silêncio por um tempo, depois soltou um longo suspiro e se sentou.

“E você vai com Nephis para essa guerra?”

Ele deu de ombros despreocupadamente.

“Parece que sim.”

Aiko suspirou novamente, depois cobriu o rosto com as mãos e gemeu.

“Deuses… não de novo! Por que… por que isso continua acontecendo comigo?! Não, sério… por quê?!”

Sunny a olhou com culpa, depois se aproximou e deu um tapinha na cabeça da pequena garota.

Sua voz soou brilhante:

“Aiko… não se preocupe tanto. Vai ficar tudo bem. Deixe-me perguntar algo a você…”

Quando ela olhou para ele com olhos marejados, ele sorriu e perguntou alegremente:

“… Você já ouviu falar sobre o maravilhoso mundo do ‘lucro com a guerra’?”

Vol. 8 Cap. 1837 Parte da Vida



Alguns dias depois, Sunny mergulhou nas águas frias do Lago Espelho enquanto a lua cheia lentamente subia no céu sem luz. Era a última lua cheia antes da grande guerra entre os dois Domínios incendiar ambos os mundos, e, portanto, a última chance que ele tinha de encontrar Cassie na fortaleza em ruínas de um daemon morto. Infiltrar-se no verdadeiro Bastion sem ser notado ainda era algo um tanto difícil…

No entanto, Sunny estava tenso por um motivo totalmente diferente.

‘Rain… ah. Aquela garota está realmente determinada a tornar minha vida excessivamente emocionante, não é?’

Foi pouco antes que sua irmã expressou sua determinação em participar da Guerra dos Domínios ao lado da Rainha Song.

O que não foi realmente uma grande surpresa para Sunny, que conhecia Rain bem o suficiente para adivinhar que ela não ficaria inativa. Ela era muito compassiva e não estava nem perto de ser cínica o suficiente para deixar seus vizinhos serem intimidados sem tentar fazer algo a respeito — não importava o quão pequena fosse sua contribuição, no grande esquema das coisas. Então, ele não estava tão zangado.

Na verdade, ele estava feliz em ver que ela ainda mantinha esse tipo de inocência. Ele também estava um pouco orgulhoso de saber que ela tinha esse tipo de integridade — algo que ele sempre faltou e que só encontrou brevemente na Antártica antes de perder tudo novamente.

Mas ainda assim, qual irmão queria ver sua irmãzinha se colocando em perigo? Honestamente, Sunny não queria nada mais do que levá-la ao Templo Sem Nome e mantê-la trancada até que tudo estivesse terminado. Não… o Templo Sem Nome não era seguro o suficiente, considerando o papel que deveria desempenhar. Nenhum lugar era realmente seguro agora, e nada estaria realmente terminado por um longo tempo.

No entanto, a principal razão pela qual Sunny não tentou dissuadir Rain de entrar na guerra foi que ela precisava fazer suas próprias escolhas, conquistar seus próprios triunfos e sofrer com seus próprios erros para aprender e crescer. Não importa o quanto ele se preocupasse com a segurança dela, ele nunca gostaria de se tornar alguém que sufocasse o crescimento dela com um cuidado excessivo em vez de ajudá-la.

Isso seria apenas um desserviço, especialmente para alguém tão brilhante e destemida quanto Rain era.

Além disso… e daí se ela fosse para a guerra? Seria um pouco complicado, sem dúvida, mas Sunny estava bastante confiante em sua habilidade de mantê-la viva, mesmo no meio de um campo de batalha. Quem, entre os campeões de Song e Valor, ele não poderia enfrentar?

Bem, tudo bem, havia os Soberanos… mas ele pelo menos poderia fugir deles com segurança.

Então, essa guerra poderia muito bem se tornar uma oportunidade dura, mas indispensável para ela amadurecer e se fortalecer — tanto em termos de habilidade quanto de mentalidade.

Era essa última parte que Sunny estava preocupado. Não porque achasse que Rain não poderia lidar com isso, mas porque sabia que ela ficaria com cicatrizes invisíveis, mesmo que conseguisse.

…Cicatrizes também fazem parte da vida. Elas fazem parte do crescimento.

‘Ah, eu não sei.’

Em qualquer caso, não havia nada que ele pudesse fazer a respeito agora. Então, Sunny tentou esquecer suas preocupações e se concentrar na tarefa em mãos.

Cassie estava esperando por ele perto da torre desmoronada, seu lindo cabelo brilhando à luz da lua como ouro pálido.

Ela estava inteira e aparentemente viva. Não havia hematomas visíveis em lugar nenhum, também. Então, Sunny se sentiu um pouco menos culpado por expô-la à ira de Neph.

‘Eu vou compensar isso para ela depois, de alguma forma…’

Saindo da água, ele subiu nos restos da torre caída.

“Oi, Cassie.”

Cassie sorriu suavemente.

“Oi, Sunny.”

Ainda era estranho — e comovente — ouvir alguém chamá-lo pelo nome. Sunny aproveitou a sensação e olhou para as paredes desmoronadas da fortaleza em ruínas.

Elas pareciam ainda mais desertas do que antes.

Ele levantou uma sobrancelha.

“Não vejo nenhum Cavaleiro nas muralhas.”

Ela assentiu.

“Ainda não houve um chamado para que os vassalos reunissem seus exércitos, mas o clã real já começou a mover suas forças. A maioria dos Cavaleiros e Paladinos está indo para o norte. Soldados Despertos, também. É difícil notar nas ruas do falso Bastion, mas aqui, a ausência deles pode ser sentida.”

Cassie hesitou por alguns momentos.

“…O rei ainda está aqui, no entanto. Então precisamos ser cuidadosos.”

Ele lhe ofereceu a mão sem perder tempo, depois os puxou para o Labirinto de Espelhos.

Uma vez que estavam na familiar câmara de pedra, Sunny soltou a mão de Cassie, convocou a Lanterna das Sombras e disse:

“Estou feliz que você esteja bem… e sinto muito por colocá-la em uma situação difícil. Bem, tenho certeza de que Nephis foi seu usual eu composto e contido. Mas ainda assim. Vocês duas devem ter tido uma conversa acalorada.”

Cassie o encarou, e por um momento, havia uma expressão estranha em seu rosto. “Ah… sim. De fato. Ela foi seu usual eu composto.”

Com isso, ela se virou para a porta e sorriu.

“Está tudo bem. Na verdade, fiquei feliz em vê-la um pouco desconcertada. Você fez um bom trabalho, a propósito. Contando a ela. Agora que esse obstáculo está superado, o futuro parece um pouco mais brilhante.”

Sunny suspirou silenciosamente.

“Eu também espero. Mas… para dizer a verdade, estou tão preocupado e apreensivo quanto aliviado e feliz. Há coisas que simplesmente não posso dizer a ela, afinal. Podemos realmente ficar juntos quando nem sequer podemos ser honestos um com o outro? Estou preocupado.”

Cassie sorriu.

“Claro que podem. A honestidade é importante, mas também é superestimada. Se as pessoas fossem totalmente honestas umas com as outras, não haveria romance no mundo. O que você acha que é um relacionamento? No começo, todos escondem suas verdadeiras personalidades e mostram à outra pessoa apenas seu melhor lado. E, quando duas pessoas finalmente se unem, mesmo que alguns detalhes permaneçam ocultos, as verdades importantes acabam surgindo. Acho que você mostrou a ela a verdade importante de forma esplêndida.”

Sunny a encarou em silêncio por um tempo.

Era estranho, mas depois de ouvir suas palavras, ele de repente se sentiu muito melhor. Percebendo sua reação, Cassie levantou uma sobrancelha.

“O que foi?”

Ele balançou a cabeça.

“Nada, na verdade. É só que… como você é tão boa em dar conselhos? Você nunca esteve em um relacionamento antes, você mesma. É estranho!”

Cassie pareceu mortificada.

“Q-quando foi que eu nunca…”

Sunny deu a ela um olhar duvidoso.

“Por favor.”

A jovem permaneceu imóvel por alguns momentos, depois lentamente virou as costas para ele.

Sua voz soou um pouco irritada:

“Inacreditável… já é a segunda vez em uma semana…”

Vol. 8 Cap. 1838 Palácio da Imaginação



Em breve, uma maré de sombras engoliu o Labirinto de Espelhos, e eles continuaram sua meticulosa exploração.

Sunny não tinha muita esperança de revelar o segredo do labirinto naquela noite. Na verdade, a essa altura, ele estava começando a suspeitar que nunca seria capaz de alcançar seu coração dessa forma — simplesmente porque o que ele estava fazendo era inerentemente errado.

Era impossível chegar à Tumba de Ariel, não importa quanto tempo se marchasse pelo Deserto do Pesadelo… pelo menos durante o dia. Ele acreditava que a única maneira de se aproximar da grande pirâmide era enfrentando o mar de dunas à noite, quando era mais perigoso.

Da mesma forma, devia haver algum truque para atravessar o labirinto de espelhos. Talvez, ao afogar o labirinto em sombras e neutralizar suas paredes espelhadas, Sunny estivesse impedindo-se de fazer algum progresso.

Ele suspirou.

Atrás dele, Cassie hesitou por alguns momentos e então disse, suavemente:

“Aquela garota no Domínio Song…”

Sunny olhou para trás com uma expressão neutra, sabendo o que ela queria, mas não podia perguntar.

“…Ela é alguém preciosa.”

A vidente cega permaneceu em silêncio por um tempo.

Eventualmente, ela sorriu e disse com um toque de admiração na voz:

“É engraçado, não é? O mundo inteiro está congelado em medo e antecipação de uma grande guerra que moldará a história. E ainda assim, ninguém está ciente de que algo não menos importante aconteceu na desolada vastidão do Reino dos Sonhos, testemunhado por ninguém, exceto por uma jovem garota Legado, você e eu. Um humano do mundo desperto Despertando sem ser amaldiçoado pelo Feitiço do Pesadelo. Sua conquista… é notável.”

Um sorriso pálido apareceu nos lábios de Sunny, também.

“Engraçado? É um pouco engraçado, eu acho.”

Ele permaneceu em silêncio por alguns momentos, e então acrescentou:

“Entretanto, essa conquista só pode se tornar importante no futuro. Ela só pode fazer a diferença no futuro. Agora… cabe a pessoas como nós — você, eu e Nephis — garantir que haja um futuro para pessoas como ela fazerem história.”

Seu sorriso tornou-se um pouco amargo.

“Na verdade, se houver um futuro… espero que o que fizemos seja completamente esquecido, e apenas o que eles fizeram seja lembrado. Esse desejo é bastante irônico vindo de alguém como eu, não é?”

Cassie riu suavemente.

“É… especialmente quando expresso para alguém como eu. Embora, devo dizer — duvido que haja alguém como você ou eu por aí. Ou que haverá novamente.” Sunny não pôde deixar de rir silenciosamente.

“Deuses. Espero que não.”

Seria bastante triste se alguém no futuro tivesse que sofrer como ele, e fosse forçado a fazer as mesmas coisas terríveis que ele fez ou ainda faria. Mesmo assim, justo então, eles fizeram outra curva… e congelaram.

Seus olhos se arregalaram.

‘…Estou ferrado.’

Sunny não esperava descobrir nada no Labirinto de Espelhos naquela noite, mas, inesperadamente… ele descobriu.

À frente deles, o corredor estreito se abriu em um vasto salão. As paredes de espelho que estavam os pressionando expandiram-se, desaparecendo na distância. O chão da câmara subterrânea estava inclinado para baixo como uma tigela, e o teto estava fora de vista.

O salão esférico era tão vasto que Sunny não podia ver o outro lado dele. Na verdade, ele não podia ver nada, como se algo estivesse obscurecendo sua visão. Seu sentido de sombra estava igualmente suprimido.

Tudo o que ele podia sentir era que o salão era enorme, antigo… e perigoso. Os instintos de Sunny estavam gritando que ele precisava recuar. Essa sensação de perigo iminente o lembrou dos piores horrores que ele havia experimentado em sua vida. …Então, houve um som na escuridão.

Gelado até os ossos, Sunny olhou para baixo e sentiu algo que não fazia sentido, mas ainda assim o encheu de terror.

Uma onda de água fria rolou sobre o chão e lambia suas botas, pedaços de gelo flutuando na espuma, depois recuou… como se ele estivesse parado na margem de um oceano gelado.

Então, houve outro som.

O farfalhar de incontáveis folhas e o ranger de enormes galhos.

Fios de névoa flutuaram na escuridão, roçando sua pele como tentáculos frios.

O cheiro fantasmagórico dos arredores assaltou seu nariz.

Antes que qualquer coisa acontecesse, Sunny agarrou Cassie e a puxou de volta para o corredor. Então, sentindo que isso não era suficiente, ele atravessou as sombras e os trouxe de volta para a câmara de pedra.

Soltando a vidente cega, ele se apoiou pesadamente na parede.

Sua visão voltou. Ambos estavam mortalmente pálidos e tremendo.

“O-que… que diabos foi isso?”

A voz de Cassie estava contida.

Sunny se forçou a se acalmar e soltou uma risada abafada.

Não era fácil assustar dois Santos, e ainda assim, lá estavam eles.

“O Demônio da Imaginação… droga.”

Cassie levantou a sobrancelha.

“O que você quer dizer?”

Sunny lentamente endireitou as costas e passou a mão pelos cabelos.

“Este castelo foi criado pelo Demônio da Imaginação uma vez, não foi? Então, devem haver vestígios do poder dela aqui. Os espelhos são um desses vestígios. O salão que encontramos… eu acho que é outro.”

A vidente cega franziu a testa.

“A água gelada, o farfalhar de incontáveis folhas, a névoa… o que isso tem a ver com o Demônio da Imaginação?”

Sunny lentamente balançou a cabeça.

“Nada. Mas… quando entramos no salão, senti uma sensação de perigo, e não pude deixar de me lembrar de alguns dos encontros mais assustadores da minha vida. E então…” Ele hesitou por alguns momentos, lutando para acreditar na teoria que havia se formado em sua mente.

Eventualmente, porém, Sunny completou seu pensamento em um tom baixo:

“E então, o salão os tornou reais.”

O rosto de Cassie ficou pálido.

“Você quer dizer… você quer dizer que aquele lugar pode tornar o que tememos em realidade?”

Sunny permaneceu em silêncio por um tempo, depois balançou a cabeça novamente.

“Não… se eu estiver certo, então não é o que tememos.”

Ele estremeceu, e então acrescentou em um tom sombrio:

“É o que imaginamos.”

Pensando bem, ele deve ter ficado cego lá por causa de Cassie.

‘Malditos daemons…’

Por que todos eles tinham que ser mais assustadores que o anterior?

Cassie parecia um pouco chocada com sua sugestão também.

Ela hesitou por um tempo, depois perguntou em uma voz pequena:

“Então, você quer… tentar de novo? Ainda há tempo antes do amanhecer…”

Sunny riu.

“Você está louca? Só pense no que está escondido lá, em nossas cabeças. Nem vamos mencionar que um de nós pode acidentalmente pensar em ter seus membros cortados ou a pele arrancada. Você consegue controlar completamente seus pensamentos? E se você imaginar aquele Tirano Amaldiçoado, a Condenação? E se você pensar no Deus Esquecido?”

Ele respirou fundo.

“Eu sabia que haveria algum tipo de desafio no coração do Labirinto de Espelhos. Mas isso… isso está além do que eu havia imaginado. Com trocadilho. Conquistar aquele salão é uma tarefa letal, até para nós. Não… especialmente para nós. Porque vimos demais e lembramos demais.”

Definitivamente não era algo que pudesse ser realizado em um dia.

Se ele quisesse alcançar o coração do Salão da Imaginação… ele precisaria se preparar cuidadosamente.

…Infelizmente, não havia tempo.

Sunny olhou para a porta da câmara de pedra com arrependimento, e então suspirou.

“Não importa. Eu tinha uma pequena esperança de encontrar o que busco aqui antes da guerra, mas posso encontrá-lo depois que vencermos também. Até lá, não haverá mais Rei das Espadas e nem Clã Valor. Não precisarei me esconder nas sombras e vir aqui apenas uma vez por mês. Então… vou voltar a este lugar assustador.”

Com isso, Sunny ofereceu sua mão a Cassie e forçou um sorriso.

“Vamos sair, por enquanto. Há muito que preciso fazer nos próximos dias.”

Era verdade. Porque esses…

Seriam os últimos dias de paz.

Vol. 8 Cap. 1839 Últimos Dias de Paz



A pálida luz do sol entrou pela janela aberta, e uma brisa suave fez as cortinas balançarem. Sunny abriu os olhos lentamente, deitado confortavelmente em sua cama opulenta. Os sons sutis da cidade despertando o envolveram, brilhantes e animados nesta manhã tranquila.

Ele bocejou, depois se levantou lentamente.

Hoje era como qualquer outro dia em Bastion. Havia algumas mudanças no humor das ruas da jovem cidade ultimamente, mas, em sua maioria, era o mesmo. O Empório Brilhante também estava o mesmo — exceto por um detalhe.

Havia um letreiro desenhado à mão em frente à entrada. Ele estava lá há alguns dias, atraindo muita atenção.

O letreiro dizia:

Fechando em breve

*Temporariamente

**Descontos de despedida para todos! As melhores waffles em dois mundos!

Como resultado, Sunny ganhou muitas moedas nos últimos dias. O Empório Brilhante parecia ter reunido uma audiência fiel, e os frequentadores estavam tanto tristes em ver o local fechando temporariamente quanto apressados para visitá-lo uma última vez.

Mas hoje…

Hoje era o último dia.

Sunny queria torná-lo perfeito.

Chegando à cozinha, ele ficou surpreso ao ver que Aiko já estava lá. A garota pequena geralmente gostava de dormir muito — se não fosse pelo trabalho, ela teria ficado na cama até o meio-dia. Mas hoje, ela estava lá antes de Sunny.

Ele olhou para ela surpreso.

“…Não estou vendo coisas, estou?”

Ela sorriu.

“Claro que não, chefe! Do que você está falando? Sempre fui confiável, pontual e diligente!”

Sunny olhou para ela com dúvida.

“Confiável, pontual e diligente… você sabe o que essas palavras significam?”

Aiko assentiu energicamente.

“Claro, chefe!”

Ele a encarou por mais um tempo, depois suspirou.

“Bem, tanto faz. Comece a preparar os ingredientes.”

A pequena garota fez um punho e flutuou um pouco.

“Sim, chefe! Eu te amo, chefe!”

Ele estremeceu.

Aiko estava assim desde que percebeu o quão lucrativa uma guerra poderia ser para um estabelecimento que lidava com Memórias. Seus olhos não paravam de brilhar desde então. Sunny praticamente conseguia ver todos os tipos de esquemas nefastos se formando em sua pequena cabeça distorcida.

‘Pelo menos alguém está feliz…’

Ele manifestou um avatar e começou a receber os primeiros clientes.

Alguns rostos familiares visitaram o Empório Brilhante naquele dia.

Logo de manhã, ele guiou Beth até sua mesa habitual e preparou um café para ela. As olheiras sob os olhos da jovem estavam ainda mais acentuadas do que de costume, e ela parecia estar parcialmente adormecida.

Sunny ficou um pouco tocado por ela ter arranjado tempo para visitar o Empório Brilhante em seu dia de fechamento, apesar disso.

“Aqui está o seu café, Senhorita Beth. Obrigado por vir se despedir.”

Ela o encarou cansada, depois piscou algumas vezes.

“Hã? Despedir?”

Sunny hesitou por um momento.

“Sim? Estamos fechando hoje… temporariamente.”

Beth franziu a testa.

“Sério? Eu não sabia. Não saí do laboratório em uma semana… não, espere, que dia é hoje? Em dez dias?”

Sunny a olhou silenciosamente, sem saber o que dizer. Seu sorriso agradável congelou um pouco.

Ela suspirou.

“Bem… é uma pena. Eu realmente passei a gostar deste lugar! Boa sorte para você, Mestre Sunless… no que quer que você vá fazer a seguir.”

Seu sorriso se alargou um pouco.

“Boa sorte para você também, Senhorita Beth. Eu realmente espero que você tenha sucesso. Mas, por favor… cuide de si mesma. Sua vida também é preciosa.”

Ela tomou um gole de café e sorriu com um toque de tristeza em seus olhos. 

“Eu sei. Afinal, houve alguém que pagou um preço alto para salvá-la. Então, eu tenho que viver bem…”

Pouco depois, Sunny serviu o café da manhã e o chá para o Professor Julius. O velho parecia estranhamente abatido, olhando pela janela com um olhar distraído.

Sunny hesitou por alguns momentos, depois perguntou educadamente:

“Algo o incomoda, Desperto Julius?”

O velho se animou um pouco.

“Ah, Mestre Sunless. Não é nada… só estou me sentindo velho esses dias. Eu nasci antes de sequer existir algo como o Feitiço do Pesadelo, sabe. Um jovem como você talvez não entenda…”

Ele olhou pela janela e suspirou.

“O mundo continua mudando, e fósseis antigos como eu não conseguem acompanhar. Talvez seja hora de eu me aposentar.”

Sunny se sentou à sua frente e riu.

“O que você está falando, Desperto Julius? De todos, você não deve se aposentar.”

O Professor Julius ergueu uma sobrancelha.

“Ah? Por quê? Certo… você provavelmente não sabe, mas meu curso nunca foi muito popular. Eu geralmente tenho sorte se consigo um ou dois alunos para assistirem… eles sempre são os melhores alunos da Academia, claro, mas ainda assim! É um pouco…”

Sunny balançou a cabeça.

“É porque o mundo está mudando que você nunca deve se aposentar. Pense nisso. Sobrevivência na selva talvez não tenha sido muito procurada antes — mas também só era útil para um punhado de Despertos.”

Ele gesticulou para a rua tranquila lá fora.

“Agora, há muitos mais Despertos lá fora. Existem pessoas mundanas vivendo no Reino dos Sonhos, também. Estão sendo construídas estradas entre novas cidades e rotas comerciais sendo estabelecidas. Não estamos mais apenas sobrevivendo na selva — estamos tentando conquistá-la. Então, especialistas como você se tornarão mais preciosos que ouro muito em breve.”

O Professor Julius o encarou com uma expressão estranha por um tempo.

Então, seus olhos brilharam.

“Você acha mesmo?”

Sunny assentiu.

“Claro!”

O velho homem de repente ficou cheio de energia e sorriu.

“Não… mas você está certo! O desenvolvimento da civilização é como uma conquista das terras selvagens. Agora que a civilização está se desenvolvendo no Reino dos Sonhos, jovens como você precisarão de alguém com um pouco de bom senso para guiá-los. Eu talvez não tenha muito bom senso, mas sei uma ou duas coisas sobre o Reino dos Sonhos. Vamos ver… só preciso mudar minha abordagem um pouco…”

Era o mesmo entusiasmo contagiante com o qual Sunny estava familiarizado. Sorrindo, ele deixou silenciosamente o Professor Julius para contemplar e foi servir outros clientes.

Em algum momento, Kim e Luster entraram no salão de jantar.

Eles pareciam um pouco desanimados ao ver o Empório Brilhante fechando suas portas.

Luster apertou a mão de Sunny e segurou seu ombro com uma expressão estranhamente emocional no rosto.

“Acho que sei por que você não tem escolha a não ser fazer isso, Mestre Sunless. Aqueles malditos rumores…”

Os olhos do jovem estavam quase brilhando com lágrimas.

“Mas, por mais que valha, quero que você saiba que, para mim… e para muitos outros como eu… você é um herói. Um verdadeiro herói! Princesa Nephis, maldição… eu admiro tanto você, Mestre Sunless! Por favor, me ensine seus caminhos!”

Kim silenciosamente o agarrou pela gola, puxou-o para trás e deu a Sunny um olhar apologético.

“Por favor, ignore meu marido idiota, Mestre Sunless.”

Luster olhou para ela, escondeu um sorriso e resmungou:

“Não, eu só estou dizendo. Não posso admirar um virtuoso? É um interesse puramente acadêmico…” 

Sunny tossiu, então os guiou até uma mesa.

Enquanto se sentavam, Luster olhou ao redor e perguntou confuso:

“A propósito, Kimmy… onde está o Quentin?”

Ela deu de ombros.

“Ele estava acompanhando a Beth para casa. Então, provavelmente seremos apenas nós dois, hoje.”

Sentindo algo mexer um pouco em seu coração, Sunny sorriu com verdadeira alegria e se afastou para ajudar a preparar a comida deles.

Ele colocou um esforço extra para garantir que aqueles dois desfrutassem de uma refeição inesquecível. Mais tarde, Sunny ouviu suaves lamentações vindo do lado de fora. Ao abrir a porta, ele viu uma cena peculiar.

Aiko, que havia saído há algum tempo para fazer uma tarefa, estava flutuando no ar com uma expressão de pânico. O pequeno Ling estava agarrado à sua perna, pendurado nela como um macaco.

Grandes lágrimas escorriam dos olhos do pequeno garoto.

“Não! Tia Aiko não pode ir! Ling Ling não vai deixá-la ir!”

Desistindo em desespero, Aiko parou de tentar se afastar e acariciou a cabeça dele de forma desajeitada.

“Está… está tudo bem, cachorrinho! Eu ainda não vou embora! Mas se você não me soltar… eu não vou conseguir andar! Ai! M—minha perna!”

O pai de Ling finalmente conseguiu puxar seu filho para longe dela, o abraçou apertado e deu a Sunny um sorriso impotente.

“Desculpe por isso…”

No entanto, as lágrimas do Pequeno Ling secaram logo. O menino estava totalmente ocupado com uma tigela de sorvete… mas ainda insistia em segurar a mão de Aiko e se recusava a deixá-la fora de sua vista, nem por um minuto.

Seu pai suspirou.

“Você realmente vai embora?”

Sunny olhou para ele, então sorriu.

“Sim. Bem… por um tempo. Espero que um dia voltemos.”

O pai do Pequeno Ling parecia um pouco triste. Os dois estavam em termos amigáveis e passaram bastante tempo juntos devido à cooperação entre a Fazenda de Bestas e o Empório Brilhante. Sunny se sentiu um pouco comovido ao saber que sentiria falta dele.

“Enquanto isso, por favor, cuide de sua família. A maioria das pessoas não sabe, mas você deve estar ciente de que estamos prestes a enfrentar tempos difíceis.”

Seu ex-soldado assentiu solenemente.

“Eu sei. Eu vou… você também se cuide, Mestre Sunless.”

Sunny apertou o ombro dele por um momento, depois foi até a mesa e acariciou a cabeça de Ling Ling.

O menininho olhou para ele e sorriu timidamente.

“Tio!”

Sunny sorriu também.

“Desculpe, Ling Ling. Esta é a última tigela de sorvete que poderei te oferecer por um tempo.”

O rostinho do Pequeno Ling imediatamente ficou triste. Sua expressão desanimada era ao mesmo tempo incrivelmente fofa e cômica.

“Eu… eu entendo…”

Sunny suspirou.

“Mas quando eu voltar, vou te dar duas… não, três tigelas inteiras de sorvete. E uma caneca enorme de chocolate quente. E até mesmo um bolo.”

Os olhos do menininho se arregalaram.

“Sério?”

Sunny assentiu.

“Claro! Enquanto isso, cuide bem da sua mãe. Ela parece durona, mas na verdade é uma grande molenga. Você precisa tratá-la bem.”

O Pequeno Ling sorriu.

“Ling Ling trata a mamãe da melhor forma!”

Então, ele riu e acrescentou com empolgação:

“Mamãe é grande! O tio disse isso!”

A expressão de Sunny vacilou.

“Não, espere um segundo, não diga isso. Mais importante, não diga que eu disse isso. Não grande… uma grande molenga. Repita comigo, Ling Ling. Molenga… molenga…”

Mas o menininho já estava distraído com outra coisa e se recusou a ouvir. Olhando para ele, Sunny empalideceu um pouco e então suspirou.

‘Talvez seja uma boa coisa eu estar saindo de Bastion… Preciso dar o fora daqui antes que a Effie ouça isso!‘

Depois disso, houve mais clientes também.

Muitas clientes femininas, em particular, suspiravam enquanto lançavam olhares furtivos para Sunny. Ele até ficou preocupado que houvesse algo errado com sua comida hoje, mas Aiko simplesmente revirou os olhos e o assegurou de que estava tudo bem.

Sunny só podia continuar confuso.

‘Eu acho que as pessoas realmente se apegam aos seus cafés favoritos…‘

Mas então, eventualmente…

Era hora de fechar as portas.

Já estava escuro, e a jovem lua estava lentamente surgindo no céu. Sunny permaneceu na varanda por um tempo, olhando para a cidade e respirando profundamente. Ele havia se acostumado ao cheiro de Bastion no último ano, sem nem saber que tinha se acostumado.

Em retrospectiva… tinha sido um ano maravilhoso.

Mas agora, era hora de partir.

Ele suspirou.

‘Vou sentir falta disso.‘ 

Com isso, Sunny se virou, entrou e fechou a porta atrás de si.

Vol. 8 Cap. 1840 Banho de Luz Estelar



Nas alturas acima de Bastion, uma bela ilha flutuava, envolta pelo véu de nuvens. Iluminada pelo pálido brilho das estrelas, uma pagoda branca se erguia sobre ela, perfurando o céu.

Ninguém percebeu quando a ilha voadora começou a se mover.

Não só porque estava escuro, e a maioria dos cidadãos já estava dormindo, mas também porque uma cópia ilusória perfeita da ilha permaneceu em seu lugar quando ela o fez.

Devido à tentativa de assassinato da Estrela da Mudança, o Clã Valor ganhou influência sobre o governo. Eles usaram parte dessa influência para convocar o Santo Thane [1], um Transcendente do governo que detinha poder sobre sonhos e ilusões, para Bastion. Sua tarefa era esconder o fato de que a Ilha de Marfim havia deixado o céu acima do Lago Espelho.

Na verdade, ela estava indo para o Túmulo de Deus.

Antes disso, no entanto, a ilha voadora fez uma parada.

Descendo das grandes alturas, ela alcançou a margem do lago e pousou na água. Uma alta onda se ergueu, inundando algumas ruas mais próximas à margem por alguns momentos.

Entre elas, havia uma rua tranquila onde uma aconchegante cabana de tijolos estava.

Naquele momento, algo bizarro aconteceu.

A cabana se agitou e, então, se levantou, revelando inúmeras pernas de metal que estavam presas em sua parte inferior. Virando-se, ela trotou até a margem e, de maneira despreocupada, mergulhou na água.

A cabana nadava surpreendentemente bem para um edifício de tijolos.

Cobriu a distância até a ilha rapidamente, subiu na costa, sacudiu-se energicamente e, então, olhou ao redor com confusão… era como se não tivesse certeza de onde se acomodar.

Eventualmente, a criatura bizarra simplesmente se abaixou no chão onde estava.

Assim que o fez, a ilha lentamente se ergueu da água e se moveu para o norte.

Elevando-se para o céu, escondeu-se atrás das nuvens, sobrevoou a cidade adormecida… e a deixou para trás.

Naquele momento, a porta da cabana se abriu, e um jovem de pele alva como alabastro e cabelo negro como ébano saiu dela.

Sunny pisou no solo macio da Ilha de Marfim, inalou profundamente e sorriu. 

“Que vista linda.”

Nephis estava parada a poucos passos de distância, olhando para ele calmamente.

Ela respondeu ao sorriso dele com um dos seus.

“A Ilha de Marfim é de fato linda à noite. Bem-vindo.”

Ele a olhou em silêncio por um momento, então balançou a cabeça suavemente.

“Eu não estava falando da ilha.”

Os olhos de Neph se arregalaram um pouco.

“Oh…”

Ela hesitou por alguns momentos, então desviou o olhar, embaraçada, e fez um gesto para a vasta extensão de grama esmeralda.

“Você gostaria de dar um passeio?”

Sunny assentiu com um sorriso.

“Claro.”

Ele lhe ofereceu o braço e, quando ela o aceitou, perguntou em voz baixa:

“Uma vez que chegarmos ao Túmulo de Deus, para onde você quer ir? Receio que não haja praias lá… mas ainda posso preparar um piquenique.”

Nephis riu.

“Não chegaremos lá por um tempo. Há bastante tempo para decidir.”

Eles caminharam silenciosamente lado a lado, eventualmente chegando à beira da ilha. Abaixo, um mar de nuvens brilhava com o reflexo da luz das estrelas. Acima, uma infinidade de estrelas queimava no céu distante.

Os olhos de Neph eram como duas estrelas radiantes também.

Mas muito mais bonitas.

Ela estudou o céu noturno por um tempo, então suspirou.

“Eu… me encontro em dúvida agora que estamos partindo para a guerra. Isso acontece às vezes, embora raramente. E eu realmente não posso revelar esse lado de mim para ninguém, porque minha força é a força deles. Mas eu também tenho medo, às vezes. Podemos realmente vencer? Podemos realmente derrotar os Soberanos? Mesmo que o façamos… o que acontece depois?”

Um sorriso frágil apareceu em seus lábios.

“Claro, eu sempre expulso essas dúvidas, já que não posso me permitir tê-las. Você apenas… me pegou antes que eu pudesse me fortalecer esta noite.”

Sunny a olhou em silêncio por um tempo.

Eventualmente, ele sorriu.

“Claro que podemos vencer. Claro que derrotaremos os Soberanos. E tudo o que vier depois deles.”

Nephis o encarou, seu rosto de marfim banhado pela luz das estrelas.

“Por que você tem tanta certeza?”

Sunny riu.

Quando ele falou, sua voz estava calma e confiante.

“Porque essa é a nossa vontade. Quem ousa nos deter?”

Ela estava tão perto que ele podia ouvir o batimento do seu coração… e o dele também.

As estrelas brilhavam no céu sem luz, iluminando o mundo com um suave brilho.

Naquele brilho, os lábios dela pareciam ainda mais suaves.

Somente a guerra os aguardava à frente.

…Colocando as mãos nos ombros dela, ele a puxou suavemente e inclinou-se para frente.

Seu coração batia como uma besta enjaulada.

Quando seus lábios se tocaram gentilmente, foi como se o mundo inteiro fosse envolvido por calor.

E Sunny não estava satisfeito com aquele toque suave. Ele estava faminto por mais. Envolvendo-a com as mãos, ele a puxou mais para perto, até que seus corpos estivessem pressionados um contra o outro, sem espaço para nada além da paixão entre eles.

Nephis lentamente ergueu as mãos e o abraçou também, respondendo ao seu beijo.

Ao mesmo tempo, o beijo deles se tornou mais apaixonado, como se ambos estivessem famintos pelos lábios um do outro há muito, muito tempo.

E, intoxicado pelo gosto dela…

Sunny finalmente se sentiu completo.

Em outro lugar, uma fortaleza em ruínas estava banhada pela luz de uma lua quebrada. Nos restos de sua fortaleza principal, uma alta plataforma se erguia. Não havia trono nem altar na plataforma… em vez disso, havia uma bigorna de ferro, e um homem que estava diante dela, balançando um pesado martelo.

Ele era alto e de ombros largos, com um físico magro, mas poderoso. Músculos fortes rolavam sob sua pele brilhante, e seu suor evaporava no calor insuportável de um cadinho. Seu torso nu estava pintado em tons de vermelho vivo pela luz furiosa.

O homem tinha cabelos escuros e uma barba espessa, mas digna. A expressão em seu rosto nobre era severa e austera, e seus olhos cinzentos eram tão frios quanto aço temperado.

Havia uma espada tomando forma sob seu martelo na bigorna de ferro. Eventualmente, o homem colocou o martelo de lado e mergulhou a lâmina incandescente na água. O reflexo em sua superfície se contorceu quando foi perfurado pela ponta afiada, e então foi obscurecido pelo vapor que se ergueu.

Alguns momentos depois, o ferreiro puxou a espada da água e a examinou de perto.

Então, a intensidade de seu olhar foi substituída por desprezo e decepção. Cerrando os dentes, o homem jogou a bela lâmina de lado.

Ela caiu da plataforma e desceu voando.

O que esperava abaixo era uma montanha de espadas, cada uma tão magistralmente forjada que muitos guerreiros matariam com prazer pelo direito de empunhar uma delas.

A lâmina recém-nascida pousou no topo da montanha e se juntou aos seus incontáveis irmãos, deitada ali…

Abandonada e esquecida.

Longe dali…

Um vasto salão esculpido em gelo azul estava mergulhado na escuridão.

No centro do salão, um alto trono se erguia, iluminado pela luz fantasmagórica das chamas dançantes.

Um cadáver de uma mulher deslumbrantemente bela estava sentado no trono, vestida com um manto vermelho régio. Sua bainha escorria pelos degraus do trono como um rio de sangue.

O peito da mulher estava perfurado por uma espada, que a prendia ao encosto do trono.

Dois jovens mortos estavam de pé em ambos os lados do trono, esperando em silêncio.

Então, o silêncio foi quebrado.

Pedaços de gelo caíram no chão e se quebraram quando a mão da mulher morta lentamente se levantou. Seus dedos longos e pálidos se enrolaram em torno da lâmina da espada. Logo, houve o som de metal se quebrando.

No momento seguinte, o salão de gelo — e toda a montanha que o cercava — estremeceu.

Em algum outro lugar…

Um homem magro estava sentado na poeira, vestindo um traje espacial esfarrapado. O visor de seu capacete estava rachado, e o oxigênio no tanque preso às suas costas havia se esgotado há muito tempo.

No entanto, o homem magro de alguma forma ainda estava vivo.

Ele havia permanecido imóvel por um tempo, mas agora, finalmente, se moveu.

Erguendo a cabeça, ele olhou para um belo disco azul flutuando na imensa escuridão acima dele.

Seus lábios rachados se torceram em um sorriso.

“Que curioso.”

Isso era o que ele queria dizer…

Mas, claro, nenhum som saiu de seus lábios, pois não havia ar para transmiti-lo.

O homem tentou suspirar, mas falhou pela mesma razão.

Ele balançou a cabeça em desalento e moveu os lábios novamente.

Se alguém estivesse lá para lê-los, teria lido:

“…Está começando.”

A guerra pelo trono da humanidade havia começado.


[Fim do Volume Oito: Lorde das Sombras]



Nota:

[1] Se não me engano esse Santo é o que criou o Dreamscape onde Sunny criou a persona de Mongrel.

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