DanMachi Light Novel Capítulo 5 – Vol 08 - Anime Center BR

DanMachi Light Novel Capítulo 5 – Vol 08

 

Capítulo 5

O Segredo da Garota da Cidade

“— Tudo pronto!”

Fumaça preta subiu da cozinha apertada.

Não apenas os vários ingredientes do prato, mas muitas das ferramentas da cozinha estavam chamuscadas ou carbonizadas. O combate culinário que tinha acabado de acontecer foi extremamente intenso.

Com o avental amarrado na cintura, a garota de cabelos prateados, Syr, emergiu da cozinha com um sorriso satisfeito no rosto.

Nem suas colegas de trabalho nem a dona do café estavam por perto.

Syr nem mesmo provou suas criações — uma torta de carne com cor estranha e vários sanduíches que não cheiravam como deveriam — antes de enfiá-los em seus recipientes. Então ela os empilhou em uma grande cesta.

Cantarolando uma melodia feliz para si mesma, Syr trocou de roupa antes de sair do café com a cesta nos braços.

“Eu me pergunto se vou conseguir ver seus sorrisos hoje.”

Com um sorriso nos lábios, ela saiu para a cidade.

*****

É noite na Sede da Guilda.

Muitos aventureiros vindos da Dungeon estão cuidando de seus próprios negócios dentro do saguão, que tem raios de sol vindos do oeste entrando pelas janelas do teto.

“Eu vou falar com a Srta. Eina.”

“Entendido. Lili cuidará de tudo na Estação de Troca.”

“Eu vou ficar por aqui.”

Eu entro na fila para ver minha conselheira, Eina. Lili, carregando uma mochila completamente cheia, Haruhime, com sua própria bolsa estourando pelas costuras, e Mikoto, vão até a Estação de Troca com as pedras mágicas e itens dropados que trouxemos da Dungeon hoje. Welf não tem nenhum lugar para ir, então ele apenas decide ficar esperando. Todos nós seguimos caminhos separados no saguão.

Assim como todos os aventureiros ao nosso redor, a <Família Hestia> tem tarefas a realizar na Sede da Guilda.

Normalmente, nós cuidamos de nossos itens dropados e pedras mágicas na Estação de Troca localizada na Torre de Babel, mas hoje precisamos cuidar do imposto de família cobrado pela Guilda. Então, decidimos vir aqui e cuidar de tudo de uma vez.

É realmente surpreendente ver as longas filas na frente do balcão de recepção. As funcionárias da Guilda por trás dele estão praticamente correndo de um lado para o outro, tentando ajudar a todos. Quando chega minha vez, dou a Eina uma simples atualização e deixo por isso mesmo. Eu não deveria desperdiçar seu tempo com conversa sem sentido, então eu entro e saio rapidamente.

Mas parece que as garotas ainda não terminaram na Estação de Troca, então eu tenho um pouco de tempo para gastar. Pode ser uma boa ideia ir para o quadro de avisos e ver o que foi postado.

A Sede da Guilda tem muitas informações sobre a Dungeon e muitas outras coisas que são úteis para aventureiros, incluindo a ajuda que os conselheiros fornecem. Não há razão para não tirar proveito de tudo que a Guilda tem a oferecer.

Eu caminho até a multidão já reunida em torno do quadro de avisos e dou uma olhada nas muitas missões e anúncios postados.

É difícil acreditar que estamos sob ataque de Rakia… Tudo parece tão normal aqui.

Tenho certeza que a batalha contra o Reino de Rakia ainda está acontecendo fora da muralha da cidade. Mas não há diferença entre um dia de “guerra” e um dia normal na Guilda. A invasão não tem impacto em nosso dia a dia como aventureiros.

Quer dizer, tenho certeza de que os aventureiros de primeira categoria estão lutando por nós, mas nem todos de nível médio e baixo foram chamados para a batalha. Provavelmente a cidade de Orario — bem, a Guilda, já que é o poder governante — está tentando manter um fluxo constante de pedras mágicas para continuar a produzir produtos a partir delas. Se muitos de nós lutássemos na linha de frente, a economia sofreria um impacto direto. Então a Guilda provavelmente quer o maior número possível de aventureiros na Dungeon.

Pelo menos, essa é a minha teoria enquanto estou aqui olhando para todos os aventureiros equipados com diferentes tipos de armas e armaduras.

“O que, sério? De novo?”

“Tem algo suspeito aqui.”

…?

Enquanto meu cérebro estava ocupado pensando sobre a invasão de Rakia, meus ouvidos captaram uma conversa bem na minha frente.

Na verdade, está acontecendo bem na frente do quadro. Outras pessoas também notam, e ficam na ponta dos pés e esticam o pescoço para ver o que está acontecendo.

Eu faço o mesmo, tentando dar uma olhada na folha fixada no quadro.

“Parece que há um monstro lá embaixo com gosto por armas e armaduras.”

“Ah, Welf.”

Welf chega bem perto de mim.

Ele é um pouco mais alto do que eu, então pode ver por cima da multidão.

“… Um ‘gosto’? Como roubar?”

“Está certo. Alguns deles tiram equipamentos de cadáveres, mas este gosta de tirar equipamentos durante a batalha.”

Essa é uma verdadeira surpresa.

Monstros roubando aventureiros?

Quando você pensa sobre isso, não é tão estranho, considerando que monstros usam pedras e outras coisas na Dungeon como armas, mas a ideia de uma das feras vestindo armadura é chocante.

Todos nós trabalhamos duro, derramando sangue e lágrimas para encontrar a combinação de equipamento que mais nos convém… Se o meu fosse roubado, não sei o que faria. Especialmente se uma das armas a que me acostumei sumisse de repente.

Um monstro que rouba as armas de um aventureiro — a força vital que precisamos para sobreviver. É assustador pensar nisso.

— A imagem de um Minotauro empunhando uma espada grande de repente aparece em minha mente.

Assustador.

As memórias que tenho daquele dia causam arrepios na minha espinha.

Eu não deveria estar me assustando assim. Afastando as imagens da minha cabeça, eu me viro para Welf.

“Onde foi localizado?”

“Zona Profunda, principalmente. Pelo que posso ver, a última aparição aconteceu no vigésimo andar.”

Então ele diz que os aventureiros de segunda categoria reuniram todas as informações.

Ele parece estar se divertindo com isso, e ele não é o único. Muitas pessoas na área estão rindo como se fosse um boato engraçado. Eles não acreditam nos relatórios.

Na verdade, alguns deles estão considerando isso uma piada.

“Há algumas informações mais interessantes sobre isso.”

Welf sorri enquanto olha para mim.

“Este é de um tempo atrás, mas aparentemente um Minotauro Negro vestindo uma armadura apareceu na Dungeon.”

“Minotauro… Negro…?”

“Sim. A notícia se espalhou bem rápido, mas depois desapareceu com a mesma rapidez. Agora é apenas um boato que ouvi.”

Normalmente, os Minotauros possuem uma cor avermelhada.

Eu nunca ouvi falar de um preto.

Uma subespécie… eu pergunto a ele se é um tipo raro de monstro. Welf me diz para não levar a sério, sorrindo enquanto encolhe os ombros.

Fico nervoso sempre que ouço a palavra Minotauro… Eu faço outra pergunta.

“Quando foi que esse boato circulou, Welf?”

“Cerca de dois meses atrás, talvez?”

Dois meses atrás… Foi nessa época que eu subi para o Nível 2.

Welf acrescenta que essa história estava circulando na época em que ele se juntou ao grupo de batalha, e que por isso ficou presa em sua memória.

“…”

Eu olho para o quadro, as vozes de incontáveis ​​aventureiros ao meu redor.

Há uma representação artística de um monstro vestindo uma armadura e segurando uma espada. Eu fico olhando para ele enquanto espero as meninas voltarem da Estação de Troca.

****

“Hum, Syr está tirando o dia de folga?”

No dia seguinte ao que pagamos o imposto mensal de nossa família, decidi visitar a Senhora da Abundância. Enquanto a suave luz do sol da manhã ilumina o céu, eu chego à porta da frente.

“Ela está, miau! Syr não veio trabalhar de novo, miau!”

A pessoa-gato Ahnya está parada bem na minha frente, sua cauda longa e fina se contorcendo atrás dela. Ela parece irritada.

Mesmo depois que me mudei para a nova casa da <Família Hestia>, eu ainda passo por aqui para pegar um almoço com Syr antes de ir para a Dungeon.

Agora que minha família tem mais membros, especialmente Mikoto com suas ótimas habilidades culinárias, eu não queria incomodar Syr. Fazer um almoço para mim todos os dias é apenas mais uma coisa em sua lista de tarefas, mas Ryuu e algumas das outras garçonetes visitaram a Mansão Coração de Pedra e praticamente imploraram para eu continuar vindo.

“Só porque você aprendeu uma maneira inútil de sentir o perigo…!” “Pense nas cobaias, pense na dor delas, miau…!” Runoa e Chloe imploraram para mim enquanto Ryuu olhava com uma expressão vazia nos olhos. Por alguma razão, todas elas estavam segurando seus estômagos.

De qualquer forma, desde então, tenho vindo aqui todos os dias como de costume… mas eu não recebo um almoço de Syr há algum tempo.

Tenho me perguntado o que está acontecendo, então vim aqui hoje e descobri que Syr estava ausente de novo.

“Syr tem uma mania de desaparecer, como hoje.”

“Hee-hee-hee, parece que nossa jovem donzela tem alguns segredos, miau… Mas ela não quer que a gente trabalhe demais e sempre volta, miau! Eu não sei nada sobre contabilidade, miau!!”

Outras garçonetes — a humana Runoa e a pessoa-gato, Chloe — estão no intervalo e vieram se juntar a Ahnya e a mim na porta da frente.

Lembro-me delas dizendo algo sobre isso quando viemos obter a receita do bolo de Mikoto… isso faz pelo menos dez dias.

“Você deve entender, Syr não é como nós, no sentido de que ela não reside aqui. Ela tem seus motivos, então essa situação ocorre ocasionalmente.”

As gatas e Runoa continuam conversando entre si quando Ryuu aparece e calmamente explica os detalhes.

As outras garçonetes estão sorrindo animadamente enquanto falam, mas há uma compostura centrada nos olhos azul-celeste de Ryuu.

“Hum… Você não pode simplesmente ir até onde ela mora e perguntar…?”

“…”

Eu questiono por que elas não vão obter uma resposta direta da Syr… mas Ryuu e as outras ficam em silêncio.

Bem, isso é estranho. Eu inclino minha cabeça em confusão, mas as garçonetes parecem tão perdidas quanto eu.

“Agora que você mencionou, nós… miau…”

“Ninguém sabe onde Syr vive?”

“Bem, isso e nada sobre o que ela faz em seu tempo livre, miau.”

Ahnya, Runoa e Chloe respondem. Não consigo esconder minha surpresa.

Essas meninas trabalham juntas neste bar, então o fato de ninguém saber nada sobre Syr fora do trabalho me surpreende.

Ryuu fica quieta por um momento enquanto eu olho em volta em estado de choque. Então ela confirma o que suas colegas de trabalho estavam dizendo.

“Nós tentamos — perguntar a ela sobre sua vida privada… Ela diz que é um segredo e muda rapidamente de assunto todas às vezes.”

Ryuu olhou ligeiramente para o lado antes de explicar.

“Só há uma coisa a fazer, miau — uma missão, garoto! Encontre Syr, siga-a e descubra os segredos dela, miau!”

“Hã?!”

“Oh! Boa ideia! Podemos descobrir alguns de seus pontos fracos ao mesmo tempo! Dois coelhos com uma cajadada!”

Pontos fracos…?

Chloe e Runoa falam com entusiasmo. Eu começo a suar frio com a ideia.

Ryuu ergue uma sobrancelha. “Parem com isso de uma vez. Vocês estão colocando o Sr. Cranel em uma posição difícil.” Mas isso não acaba com a empolgação das outras.

“Contanto que haja uma recompensa, qual é o problema, miau? O que deveria ser, miau… eu poderia cantar uma música para você, miau!”

“Hã? Ahnya, você é uma boa cantora?”

“A melhor! Por que eu não te dou uma pequena amostra, miau? Minha garganta está boa hoje —”

“Pare com isso, gatinha surda!”

“Nós dissemos a você, os clientes não virão se você cantar, miau!”

Ahnya estava pronta para começar a cantar quando as outras meninas caíram sobre ela.

Duas delas prenderam a gata no chão e mantiveram sua boca fechada. “MpFHHH!” Outra gota de suor escorreu pela minha pele.

Quão ruim ela é…?

“Sr. Cranel, por favor, não as leve a sério.”

“Ha-ha… Ok, não vou.”

Ryuu foi muito clara. Tento sorrir.

Decido não ficar por muito mais tempo e digo um rápido adeus. Eu deixo o bar para trás.

“Agora, o que fazer hoje…”

O céu está claro e azul sobre minha cabeça. Eu ando entre os muitos semi-humanos na Rua Principal Oeste, apreciando as imagens e os sons.

Não vamos para a Dungeon hoje.

Para ser honesto, a deusa e Welf insistiram. “Já faz um tempo que você vai todos os dias, então descanse”, eles disseram, e praticamente me proibiram de ir a qualquer lugar perto da entrada da Dungeon.

Welf passa muito tempo na forja, e as garotas tomam cuidado para não trabalhar demais e passam muito tempo longe do grupo de batalha. Eu acho que ir a Dungeon todos os dias sem falta deve ter causado uma má impressão.

Mas ela está muito à minha frente. Vou precisar de tudo o que tenho para alcança-la…

“… Mesmo assim, um ou dois dias como este não vai doer.”

Eu protejo meus olhos do sol brilhante do início do verão e tento sorrir.

Todo mundo está preocupado comigo, e eles têm razão. Eu não serei capaz de fazer muita coisa na Dungeon sem estar bem descansado. Até Eina me disse que os dias de folga são tão importantes quanto os dias na Dungeon.

É hora de abrir minhas asas. Eu deveria tentar algo novo e andar um pouco pela cidade. Isso pode me fazer bem.

Eu moro aqui, mas é incrível o quanto da cidade eu não conheço…

As pequenas lojas familiares que ocupam as ruas secundárias há gerações, as floriculturas administradas por mulheres animais que não são afiliadas a nenhuma família, as barracas de Bolinhos de Batata Crocante que ficam em ruas aleatórias e lugares remotos… Quase não há aventureiros aqui porque eles estão na Dungeon. Tudo o que vejo é novo, e é dolorosamente claro que eu não sei nada sobre Orario acima do solo.

A Cidade Labirinto é enorme.

Existem muitos bairros diferentes na cidade, desde o Distrito Industrial até o Distrito Comercial, e aquele que eu recentemente me tornei familiarizado, o Quarteirão do Prazer.

Eu moro aqui há mais de três meses, mas ainda há muitas coisas que eu não vi. Parece que há uma nova descoberta a cada esquina. Então, novamente, eu tenho certeza que o fato de estar sempre na Dungeon tem algo a ver com isso.

Eu estou de ótimo humor enquanto passo pelas ruas principais e becos.

Eu vejo pessoas que nunca conheci e lugares em que nunca estive, e eu sinto novos cheiros a cada passo.

Estou realmente começando a gostar disso. Hoje é minha folga da Dungeon, e finalmente parece que estou tirando proveito.

Por que não aproveitar? Eu me deparo com um lugar que vende espetos de carne em uma das ruas laterais e decido comprar um. O homem animal atrás do balcão está prestes a me entregar o espeto quando diz: “Ei, você não é o <Pequeno Novato>?” Ele está tão feliz que me dá outro espeto de graça.

Honestamente, eu não sei se deveria ficar envergonhado, mas é um sentimento incrível ser reconhecido. Eu aproveito a felicidade calorosa que se instala em meu peito enquanto caminho pela rua com um espeto de carne em cada mão.

“Uau…”

Após satisfazer minha fome, eu encontro um banco no Parque Central e me sento.

Em meio a todas as árvores e fontes de água construídas no centro da cidade, eu olho para a Torre de Babel em toda a sua glória. A torre branca dos deuses se estende até o céu azul, praticamente tocando as nuvens. Eu não posso acreditar que esqueci o quão incrível ela é.

Vejo isso todos os dias, então deveria estar acostumado. É só que… parece diferente hoje.

“Hã…?”

Eu tenho aproveitado o calor do sol no meu rosto por um tempo.

Estou olhando à distância para nada em particular, observando o fluxo de semi-humanos passando pelo Parque Central quando eu vejo uma garota.

Eu reconheço o cabelo prateado balançando para frente e para trás e imediatamente me sento.

“Não é a Syr?”

A conversa na Senhora da Abundância foi apenas algumas horas atrás. Eu me movo para a borda do banco.

Ela está usando um vestido branco com um chapéu de palha.

Eu geralmente a vejo vestida para o trabalho, então esse look de início de verão tira o meu fôlego. Ela é muito bonita.

Syr vem do sudoeste, caminhando para o norte até o Parque Central. Mas ela não passa pelo centro, contornando pela Rua Principal Leste. Eu a vejo desaparecendo na multidão e me levanto.

As vozes de Ahnya, Chloe, Runoa e Ryuu estão passando pela minha cabeça. Tudo o que foi dito esta manhã está se repetindo.

Eu penso sobre isso, mas a curiosidade leva a melhor sobre mim e eu a sigo na multidão.

Sem mais sono, entro na Rua Principal Leste.

“Para onde Syr está indo…?”

Eu evito o caminho dos táxis puxados por cavalos e permaneço perto do cabelo prateado e vestido branco.

A Guilda controla muitos dos edifícios e instalações localizadas no Distrito Leste. O enorme Coliseu se destaca entre todos os elegantes hotéis que se espalham tão longe quanto posso ver. Tenho um forte pressentimento de que esta área é para receber eventos, bem como turistas e viajantes quando eles visitam a cidade.

Syr tem algo nas mãos — uma cesta grande, talvez? Ela tem uma tampa enorme.

Ela deve estar levando algo para algum lugar… eu faço algumas suposições sobre o que poderia ser, quando de repente ela sai da rua principal e entra em uma rua lateral.

Eu a sigo para o sudeste, certificando-me de ficar perto o suficiente para vê-la, mas longe o suficiente para não ser notado, o que significa que preciso correr para alcança-la toda vez que ela desaparece em uma esquina.

Espera um segundo, eu conheço essa rua…

Eu já vi esse beco antes. Mesmo assim, eu a sigo mais adiante.

Mais algumas voltas em outros caminhos e minhas suspeitas são confirmadas.

“Rua Dédalo…?”

Todo o lugar se espalha na minha frente depois que eu saio do último beco, e meus olhos se arregalam.

Rua Dédalo. Construído por um arquiteto que enlouqueceu e remodelou o bairro várias vezes, é uma área residencial com absolutamente nenhum senso de ordem ou direção. Com seus edifícios de pedra e ruas sinuosas subindo e descendo sem nenhuma razão, é fácil entender por que este lugar é chamado de “segunda Dungeon.”

Eu paro para recuperar o fôlego e vejo como Syr casualmente faz seu caminho pela rua.

Eu já vim até aqui… não posso exatamente voltar agora.

Memórias de experiências ruins neste lugar me impedem por um momento, mas minha mente já está feita.

Passando pelos portões da Rua Dédalo, eu me certifico de que posso sentir a <Faca de Hestia> confortavelmente presa em meu cinto.

Para começar, este lugar é uma favela onde os cidadãos mais pobres de Orario vivem, e muita coisa aconteceu comigo aqui, então ter uma arma pronta é reconfortante. Mantendo minha guarda alta, eu caminho para o labirinto de tijolos e pedras enegrecidas.

O que Syr veio fazer aqui…?

Subo até o topo de algumas escadas, apenas para ter meu caminho bloqueado por uma sala projetando-se para fora de uma casa de pedra. Eu me viro, procurando o caminho para frente, apenas para ver uma rua estreita e escura onde o sol não alcança. A única luz vem de uma lâmpada de pedra mágica já gasta. Há pessoas aqui, mas eu não acho que elas tomam banho há algum tempo. Elas estão lavando roupa junto ao poço ou jogando xadrez à beira da calçada. Eu faço meu caminho por ruas ainda mais complicadas.

Eu ainda posso ver Syr, mas a maneira como ela se move por aqui sem qualquer hesitação está trazendo mais perguntas do que respostas. Bandidos e aventureiros pouco respeitáveis ​​se escondem nesta favela; a taxa de criminalidade desta área é a mais alta de Orario. Uma garota sem a Bênção de uma divindade não deveria estar andando sozinha por aqui. Isso é pedir por problemas…

Mas essas preocupações parecem não significar nada para ela.

Eu me perdi completamente aqui durante o Festival de Monstros e durante minha fuga do Quarteirão do Prazer. Sinceramente, duvido que eu consiga sair daqui sozinho. Existem setas vermelhas — chamadas de Ariadne — nas esquinas, e eu faço o meu melhor para memorizá-las. Infelizmente, eu perdi Syr de vista nesses momentos preciosos e corro na última direção que a vi em uma tentativa desesperada de alcançá-la.

Para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, e avante por tantas ruas.

Flashes do vestido branco de Syr me guiam até a frente de um prédio.

— Uma igreja?

Na verdade, este edifício escondido no coração do labirinto da cidade me lembra muito do lugar que Lady Hestia e eu costumávamos chamar de lar.

É feito de madeira e é muito grande. Há um pátio aberto em frente com uma fonte quebrada que não espirra mais água. Eu cautelosamente coloco minha cabeça na esquina da rua lateral e vejo Syr abrir a porta da frente da igreja com um rangido alto. Ela entra no edifício.

“…”

Há uma igreja neste lugar…? Muitas perguntas enchem minha mente enquanto eu olho para a velha estrutura.

Existem várias janelas de vidro quebradas no topo das paredes externas. Vários minutos se passam enquanto eu as encaro, tentando decidir se devo ou não ir em frente. Eu tenho que ver isso até o fim. Eu vou para a porta da frente e coloco minha mão na maçaneta.

“Alguém aqui…?” Eu digo baixinho enquanto puxo a velha porta de madeira e entro.

“Este lugar é enorme!”

Claro, parece grande de frente, mas a verdadeira surpresa é quão longo ele é.

A câmara principal deve ter pelo menos dez metros de largura, e as paredes a minha esquerda e direita são revestidas de portas que levam a outras salas. Há um altar bem no fundo. O ladrilho sob meus pés tem tantas rachaduras que a grama selvagem está ameaçando recuperar o chão. O teto também é muito alto. O próprio arquiteto Dédalo estaria em casa.

Vários bancos de madeira estão empilhados uns sobre os outros nas proximidades.

“Isso parece…”

Um forte que crianças fariam.

O padrão da pilha de bancos se parece com um pequeno castelo. Eu penso comigo mesmo, conforme passo por ele e procuro por pistas de onde Syr foi… eu não estou sozinho.

Os aventureiros que já passaram algum tempo na Dungeon aprimoraram seus sentidos ao ponto de poder reagir muito rapidamente. Meu corpo responde à sensação de estar sendo observado antes que qualquer ruído alcance meus ouvidos. Eu olho nessa direção.

Estou quase no altar quando sinto algo na minha direita. Um pequeno rosto está aparecendo por trás de uma das portas.

“… Quem é você?”

Eu vejo uma criança, um elfo loiro com uma expressão vazia.

“Eu… hum, não sou um cara mau nem nada. Eu estou apenas procurando alguém…”

“Alguém…?”

Eu meio que invadi aqui, não foi? Nervoso, tento me explicar para a criança. O elfo me encara e sai de trás da porta.

Cabelo loiro e orelhas pontudas rechonchudas.

Talvez não seja um elfo. Meio elfo?

O garoto mantém os olhos em mim enquanto se aproxima sem nenhuma preocupação.

Um menino… ou talvez uma menina? Eu realmente não sei dizer, mas a criança vem até mim.

Não tenho ideia de como reagir ao seu olhar contínuo. Mas talvez ele saiba algo sobre Syr. Eu decido perguntar a ele e abro minha boca, mas antes que qualquer som possa sair…

“Ei, Ruu, a Irmãzona Syr vai ter um ataque se ver você aí.”

“O que está acontecendo, Lai?”

As vozes de mais duas crianças cortam o ar.

Eu as vejo sair pela porta e agarrar o meio elfo, protegendo-o de mim. Um é um menino humano com cabelo castanho, a outra é uma menina Chienthrope com o rabo colado contra o corpo.

Ambos estão olhando para mim como se eu fosse um monstro recém-saído da Dungeon, mas também possuem uma luz extremamente nervosa nos olhos. Isto não é bom. Tenho que convencê-los de que não sou uma ameaça, explicar minha situação, e rápido.

“Desculpe! Eu não queria assustar vocês e não vou fazer nada! Só estou aqui procurando… Espere um segundo, você não disse ‘Syr’?”

“… E se eu disse?”

“É ela que estou procurando! Você sabe onde ela está?”

O menino e a menina olham um para o outro no momento em que falo o nome dela.

Eles não se movem, mas o meio elfo os afasta com a mão.

“Lai, Fina… Este aqui… não é mal.”

Nós nunca nos encontramos antes, mas ele parece seguro de si.

O garoto humano e a menina animal relaxaram os ombros depois de ouvir isso, mas eles ainda estão em alerta.

“… Então, você conhece a Irmãzona Syr?”

“Ah, sim. Eu realmente sinto muito por assusta-los. Posso perguntar quem são vocês? E sobre esta igreja também…”

Eu me curvo até a altura deles, um pouco mais baixo que a deusa. Eu diria que eles são quase tão altos quanto Lili.

É também quando vejo de relance várias outras carinhas na porta atrás deles. Eles não estão dizendo nada, apenas observando.

A garota Chienthrope está mais perto de mim quando faço a pergunta, mas é a criança meio elfo que responde.

“Lai, Fina, eu, Ruu… Vivemos aqui, na casa da Mãe Maria.”

A criança aponta para cada um e fala sobre a igreja.

Mãe Maria… Eu me pergunto o que ele quer dizer com “casa”.

Bem, isso não me diz muito.

“Ok, hum… O que vocês estavam fazendo?”

“… Fugindo da lancheira da Irmãzona.”

A garotinha, Fina, responde desta vez, mas posso dizer que ela ainda está nervosa. “Hã?” Eu respondo, sem saber como processar o que ela disse.

Eu levo um momento para pensar sobre isso — quando o menino, que estava me olhando com olhos desconfiados, de repente estremece. Seu braço vai para frente, dedo apontado diretamente para o meu rosto.

“Cabelo branco e olhos vermelhos — você é Bell Cranel, aventureiro de segunda categoria!”

“<Pequeno Novato>?!”

“Dos Jogos de Guerra?!”

A porta se abre no momento em que Lai grita, crianças caem uma sobre as outras enquanto correm para a câmara principal.

Meus olhos se arregalam enquanto a onda de crianças me domina.

“Caramba, é ele mesmo!”

“Ele não é uma pessoa-coelho, mas se parece com um coelho!”

“Posso ver sua faca?”

O golpe inicial me desequilibra. Isso não seria problema, porém, mais e mais crianças pulam nas minhas pernas, algumas das maiores tentando me derrubar. “Ouph!” Isso foi uma cabeçada?! Gritos agudos e risos enchem meus ouvidos enquanto tento desesperadamente ficar de pé.

É uma onda de crianças com o menino chamado Lai no comando. Até a garota Chienthrope ficou animada e se juntou ao anel formado ao meu redor. O meio elfo, indiferente como sempre, está fora do círculo, silenciosamente nos observando.

Completamente cercado por muitos pares de mãos, pego minha faca para protegê-la. Mas o que eu posso fazer? Eu não posso apenas afasta-los de mim à força, e neste ritmo —

“Esperem — WAAHHHHHHHHHHHHHHHH!”

Eu caio de costas no meio do chão.

“O que está acontecendo aqui?!”

“Crianças!”

Meu grito lamentável atrai duas mulheres da sala diretamente atrás do altar.

Uma humana idosa e… Syr.

Ela me olha surpresa. Deve ser uma visão e tanto, eu segurando a <Faca de Hestia> com ambas as mãos enquanto estou debaixo de uma pilha de crianças felizes.

Tudo o que posso fazer é rir secamente enquanto olho para ela, tentando meu melhor para ignorar todas as pequenas mãos puxando meu cabelo e bochechas.

*****

“Então, você me seguiu até aqui?”

“S-sim… eu realmente sinto muito.”

Estamos no refeitório nos fundos da igreja.

Estou sentado em uma cadeira ao lado de uma grande mesa redonda, sendo repreendido por Syr e me desculpando com o melhor de minha capacidade.

Depois que fui desenterrado da montanha de crianças, todos viemos para o refeitório.

Claro, as paredes e pilares estão mostrando sua idade. Existem rachaduras por todo o lugar. Mas o uso de lâmpadas de pedra mágica e castiçais meio derretidos são a prova de que pessoas moram aqui. Há pelo menos vinte crianças ao redor de Syr e de mim, nos observando e ouvindo com grande interesse.

“Hum, então, esta igreja é…?”

“Exatamente o que você está pensando, Sr. Cranel. Este é um orfanato.”

A mulher idosa está de frente para nós… Acabei de ser apresentado a Mãe Maria, mas ela está sorrindo para mim como uma velha amiga. O meio elfo de antes, Ruu, e outra criança, estão de pé ao lado dela segurando seus braços.

Ela me diz que mora com todas as crianças dentro desta velha igreja abandonada por um bom tempo. Isso não faz parte de algum programa organizado, mas a mulher idosa explica que eles estão vivendo aqui alegremente. Pobres, mas encontrando uma maneira de sobreviver dia após dia. Além do mais, ela disse tudo isso com um sorriso.

Ela tem cabelo preto e comprido que está preso no topo de sua cabeça. Ela está magra, então suas características faciais são um pouco mais pronunciadas. Mesmo assim existe um ar calmante sobre ela. Todas as crianças aqui a chamam de “mãe” e depois de receber seu olhar gentil, entendo o porquê.

Ela deve amar crianças.

“Mas… se este é um orfanato, isso significa…”

“Bell, este tipo de lugar não é tão incomum na Rua Dédalo.”

Comecei uma pergunta, sem saber como fazê-la. Syr fala da cadeira ao meu lado e oferece uma explicação.

Ela diz que é impossível saber quantas crianças nasceram entre os aventureiros que residem em Orario, mas são muitas. Não há garantia de que seus pais vivem juntos e trabalham em direção a um futuro comum. Na verdade, muitos bebês são produto de noites únicas de paixão ou o resultado de se trabalhar no Quarteirão do Prazer… Enfim, há muitos motivos para uma mulher desistir de seu filho.

Afinal, esta é Orario. Muitos aventureiros perdem suas vidas na Dungeon, deixando viúvas e filhos para trás.

Os azarados o suficiente para não serem aceitos na ex-família de um aventureiro falecido, bem como os pais que não conseguem lidar com a responsabilidade, muitas vezes recorrem ao abandono de seus filhos nesta favela, Rua Dédalo.

“No início, foi por pena. Eu simplesmente não conseguia ignorar uma criança que foi abandonada pelos pais… então eu reivindiquei a igreja abandonada como minha e decidi ajudar essas crianças do meu próprio jeito.”

Maria explica essa triste verdade enquanto acaricia a cabeça das crianças.

Ela me diz que já foi uma das mulheres deixadas para trás por um aventureiro e nunca entrou para uma família. Ela não teve a sorte de ter um filho com o homem que amava, mas ao invés disso, acolheu uma criança — abandonada durante uma tempestade no meio da noite — que encontrou nesta favela. Ela não conseguiu pensar na situação como problema de outra pessoa e criou a criança como se fosse sua.

Essa sequência de eventos se repetiu várias vezes, e foi assim que esse lugar surgiu.

“…”

Com a história da Mãe Maria ainda em meus ouvidos, eu olho para as crianças sentadas ao redor da mesa.

Cada uma delas abandonada por seus pais… Esse é outro lado de Orario que eu não conhecia. Posso sentir os músculos do meu rosto se enrijecendo, meu coração afundando.

“Para que é essa cara, <Pequeno Novato>? Estamos felizes aqui com a mamãe, então não precisamos da sua pena.”

“D-desculpe.”

O menino humano, Lai, me encara, os muitos arranhões em seu rosto se curvando com sua careta.

“Meça suas palavras!” Mãe Maria o repreende, mas eu ainda peço desculpas imediatamente.

Ele está certo… eu não preciso sentir pena deles. Essas crianças estão felizes, rindo todos os dias com uma mãe amorosa.

“Posso, hum, fazer outra pergunta? Vocês tem dinheiro suficiente…?”

“Sim, o suficiente para administrar. Temos sorte que vários deuses fornecem ajuda.”

Seria impossível cuidar de tantas crianças sem uma conta de banco saudável. Mãe Maria sorri levemente quando eu menciono o assunto. Ela também explica que, além do “Orfanato da Maria”, há ainda mais lugares como este na Rua Dédalo. Eles são todos financiados por um grupo de famílias, que lhes fornecem dinheiro suficiente para sobreviver.

Uma mulher certamente teria as mãos ocupadas cuidando dessas crianças, então tenho certeza que ela é grata por qualquer ajuda que receba para mantê-los alimentados. Ela ainda tem aquele sorriso gentil no rosto.

Talvez eu pudesse falar com a deusa, ver se podemos ajudar também.

Então, novamente, não temos exatamente muito dinheiro para gastar…

Minha linha de pensamento dispara quando, com o canto do olho, vejo Syr rindo para si mesma como se estivesse lendo minha mente.

“Syr tem sido gentil o suficiente para vir e brincar com as crianças desde que nos conhecemos. Ela faz muito para ajudar quando está aqui, eu não sei o que eu faria sem ela.”

“Oh, então é isso que está acontecendo…”

“Hee-hee-hee. Você resolveu o caso, Detetive Bell?”

“E-eu acho que sim…” Minhas bochechas ficam quentes quando Syr começa a me provocar.

Então, Syr vem aqui sempre que tem algum tempo livre. O que significa que ela está brincando com essas crianças quando não está trabalhando na Senhora da Abundância.

“A Irmãzona Syr nos traz a comida deliciosa de seu restaurante.”

“Ela esteve aqui todos os dias recentemente…”

A menina Chienthrope, Fina, entra na conversa com um sorriso no rosto, e o garoto meio elfo, Ruu, me diz ainda mais com sua voz vazia.

A julgar por todos os sorrisos animados e felizes, eles querem brincar com Syr tanto quanto ela quer estar aqui. Isso explica por onde ela esteve a maior parte das últimas duas semanas enquanto faltava ao trabalho.

“Este é um segredo de todos, incluindo Ryuu, okay?” Syr me avisou uma vez que descobri a verdade.

Parece que Syr acha que elas vão ficar bravas se descobrirem que ela tem brincado com crianças.

Hmm, eu realmente não acho que haveria um problema se ela explicasse a situação…

Mas…

Por que ela está vindo aqui em primeiro lugar?

Voltando um pouco mais, como ela conheceu a Mãe Maria?

Vai me incomodar se eu não perguntar sobre isso. Eu me viro para falar, quando de repente…

“Ei, chega de falar sobre essas coisas. Como é a Dungeon?”

Lai está ansioso. Ele está meio fora de sua cadeira.

Isso anima as outras crianças também. Mais e mais deles saltam de seus assentos, me pedindo para lhes contar histórias sobre ser um aventureiro.

Eu olho em volta, tentando descobrir o que devo fazer. “Por favor, vá em frente.” Syr sorri para mim de sua cadeira ao meu lado.

Embora eu esteja um pouco surpreso com essa reviravolta, começo a falar. Pensando no meu tempo como aventureiro, falo alguns dos momentos mais importantes.

Claro, deixo de fora a batalha contra o Golias Negro porque a ordem de silêncio da Guilda ainda está em vigor. Mas as crianças parecem gostar de ouvir sobre o belo quartzo na despensa da Dungeon e a vez que o Golias me perseguiu no décimo sétimo andar.

Ver aquele brilho nos olhos deles me deixa muito feliz, e começo a dar ainda mais detalhes… Mas então vejo a expressão no rosto de Mãe Maria.

Seus olhos estão turvos, quase deprimidos. “Oh, me desculpe.” Ela se desculpa quando me vê olhando para ela.

“Muitos dos filhos que criei se tornaram aventureiros…”

Suas sobrancelhas afundam enquanto ela sorri tristemente.

“Muitos deles se juntaram a uma família, foram para a Dungeon e compartilharam seus ganhos com esta igreja… Isto é, até que eles não voltassem mais.”

“Oh…”

“Não quero que esses pequeninos sofram o mesmo destino… Isso é tudo.”

Ser um aventureiro é uma ocupação de alto risco e alta recompensa, onde sua vida está sempre em jogo.

Não há trabalho melhor se você quiser ganhar dinheiro rapidamente, mas ao mesmo tempo, a morte está sempre a um passo de distância. E muitas das crianças que foram criadas com amor pela Mãe Maria não ouviram seus apelos, escolhendo ajudar o orfanato entrando na Dungeon. Eles se tornaram exatamente como os aventureiros que deixaram suas famílias para trás…

Eu deveria saber. As crianças podem ter me instigado a isso, mas fui descuidado ao encher suas cabeças com ideias que glorificam o trabalho de um aventureiro. Agora eles provavelmente querem ir para a Dungeon mais do que nunca, e a história se repetirá.

O que posso dizer a Mãe Maria? Ela está tão preocupada com seus futuros, e eu só… Lai de repente se levanta com um salto.

“Você não precisa se preocupar comigo, mãe! Estou indo para o Distrito Educacional!”

O mais velho dos filhos declara isso com um sorriso radiante em seu rosto.

“Vou estudar muito, aprender muito e ficar bem forte para que eu possa fazer muito dinheiro!”

“Bem… é claro que não vou impedi-lo de ir para o Distrito Educacional…”

“Dinheiro não é problema! Existe essa coisa chamada “bolsa de estudos”, não é? O Distrito Educacional está voltando para Orario este ano, então tudo deve funcionar perfeitamente!”

“Você pode estar muito velho para começar, Lai…”

O menino sorri de orelha a orelha, seu cabelo castanho balançando ao redor de sua cabeça enquanto ele explica com entusiasmo seu plano. Maria só consegue forçar um sorriso. Fina e as outras crianças começam a falar: “Eu também vou!” “E eu!” Muitas mãos se levantam para o ar, seguindo o exemplo de Lai. A grande mesa redonda ganha vida.

Syr os observa, um sorriso crescente nos lábios. Eu pareço ser o único que está confuso.

“Distrito Educacional…?”

“Você não sabe?”

“Sério, <Pequeno Novato>? Que tipo de aventureiro você é?”

Fina e Lai começam uma avalanche de réplicas infantis e comentários provocadores voltados para mim por causa da minha ignorância. Corando de novo, tento o meu melhor para rir disso.

“Ei, tenham um pouco de respeito pelos mais velhos! E ele não é ‘Pequeno Novato’! O nome dele é Bell.”

Syr se levanta e vem em minha defesa.

Eles se acalmam imediatamente, mas várias das crianças têm sorrisos malignos em seus lábios, mesmo quando dizem: “Okay.”

Bem, isso é diferente.

Syr está sendo uma irmã mais velha.

Eu nunca a ouvi levantar a voz assim antes, e isso me pega desprevenido.

Eu fico olhando para o lado de seu rosto, pasmo até que… DING! DONG!

Os sinos começam a tocar no lado leste da cidade. É meio dia.

“Oh, é hora do almoço. Bem, então vamos comer.”

Com isso, Syr coloca a grande cesta sobre a mesa. É aquela que eu a vi seguindo no caminho para cá.

Abrindo a tampa, ela tira um recipiente de comida após o outro. Carnes grelhadas, sanduíches… Tem de tudo um pouco.

Então, a cesta que ela carregava estava cheia de comida para essas crianças empobrecidas.

Perdi minha chance de aprender mais sobre este “Distrito Educacional”, mas eu posso perguntar a Eina da próxima vez que a vir.

Feliz com essa conclusão, olho ao redor da sala e… todas as crianças ficaram completamente silenciosas.

“Ah… huh? O que tem de errado?”

“A cesta… da Irmãzona…”

Fina está por perto, então pergunto a ela qual é o problema. A expressão de seu rosto está tão sombria que faria um homem adulto chorar. As outras crianças também. Até o sempre distante Ruu está com os lábios bem fechados.

Espera um minuto, eles não disseram algo sobre fugir do almoço da Syr quando entrei pela primeira vez…? Hã?

Maria sorri ironicamente quando dou um passo para trás.

“Agora, todos, comecem!” diz Syr, os braços bem abertos e radiantes.

Depois que as crianças se recuperaram do trauma mental de ver a comida de Syr colocada em sua frente, eles lentamente estendem suas mãos para o alimento precioso que atrasará a fome para outro dia.

“Ugh, uhhh.”

“Hoje, de novo, como da última vez…”

“Tenho que comer… ou a comida… vai para o lixo…!”

Gemidos enchem a sala enquanto as crianças forçam a comida em suas gargantas.

Começando com Fina, Ruu e Lai, todos os rostos ao redor da mesa escurecem com a primeira mordida de carne ou vegetais. Só o amor deles por Mãe Maria e o orfanato que eles chamam de lar lhes dá vontade de limpar os pratos.

… Claro, a culinária da Syr sempre tem alguns sabores únicos, mas…

O contraste entre seu sorriso feliz e o sofrimento das crianças ao redor da mesa é surpreendente. Não pode ser tão ruim, pode? Eu pego um dos sanduíches para ver por mim mesmo — Snatch!

Syr o tira da minha mão.

“Isso não é para você, Bell.”

“Eh? Mas…”

“Eu disse não.”

“O-okay.”

Nunca senti tanta pressão de um rosto sorridente. Desistir sem confusão é a melhor opção.

Segurando o sanduíche nas mãos, Syr me diz: “Eu fiz esses almoços para as crianças, então não seria justo para eles que você comesse um, Bell.” Agora eu estou envergonhado. Ela diz que vai fazer um chá e leva a cesta vazia com ela para o fundo da cozinha.

“Você viu aquilo? Irmãzona estava agindo de forma tão feminina…”

“Há alguém que ela quer agradar com sua comida, com certeza…”

Vozes sussurrantes começam a surgir por toda parte com Syr fora da sala. Uma gota de suor frio escorre pelo meu pescoço enquanto muitos olhinhos se focam em mim.

“É sua culpa que Syr começou a fazer almoços…!”

“Ela costumava trazer a comida deliciosa do café todas às vezes…!”

“Somos cobaias…”

Lai me encara com lágrimas nos olhos, assim como Fina. Ruu está olhando sem expressão para o teto, murmurando para si mesmo.

Demoro um pouco, mas acho que entendo o que está acontecendo aqui.

Essas crianças estão sendo sacrificadas para proteger meu estômago.

A tragédia que se desenrola diante dos meus olhos é culpa minha, mas estou com medo de dizer alguma coisa.

Eu olho para a Mãe Maria… e ela desvia o olhar.

“Não, não, a comida é comestível, e estamos muito… gratos…”

Todos os músculos do meu rosto ficam tensos. Eu estou perdido.

“Ughhhh…” O gemido de outra criança ecoa no cômodo antes de desaparecer no ar.

“Se você tiver tempo, você brincaria com as crianças?”

Assim que todos terminam de massagear seus estômagos, Maria me faz o convite.

“Eles parecem ter gostado de você, Sr. Cranel…”

Ela sorri para mim de novo, e não tenho motivo para recusar. Então eu sorrio e aceito.

Eu me curvo enquanto as crianças agarram meus braços e me puxam para a câmara principal junto de Syr e os outros.

“Irmãzona, hora da história, hora da história!”

“Bell, aventureiros e monstros!”

Syr se junta às meninas no canto, contando versos infantis e cantando canções.

Os meninos me encurralam no espaço aberto no meio da câmara. Eu sou o “monstro” no jogo deles antes de perceber.

A luz do sol da tarde entra na câmara através das janelas. As crianças sorridentes correm pelo chão de ladrilho.

Eles arrastam Syr e eu por todo o lugar.

“Então, hum, pequeno Lai…”

“Lai, apenas Lai. Você é um aventureiro, não é? Por que diabos você fala assim? Parece estranho. Basta chamar todos pelo nome!”

Falo com algumas das crianças em meio ao caos e risadas.

O menino humano, Lai — “apenas Lai” — vive aqui há mais tempo. Ele vai fazer onze anos.

Sua pele está coberta de pequenos cortes, como se ele brincasse do lado de fora o tempo todo. Há um ar meio selvagem nele, como Welf, de certa forma. Ele continua a me perguntar sobre a Dungeon mesmo depois de tudo que Maria disse. Tenho certeza que este menino quer ser um aventureiro.

“Ei, Bell, você é namorado da Syr?”

“Nada desse tipo!”

“Por que não? A Irmãzona Syr é realmente bonita. Não cozinha muito bem, mas, sim… Ela é mais magra do que parece. E seus seios são muito grandes também…”

“Não diga mais nada, por favor…!”

A Chienthrope, Fina, é uma jovem menina.

Ela e Lai são as crianças mais velhas e os líderes. Seu longo cabelo é surpreendentemente liso. Se parece muito com o meu, se meu cabelo fosse mais longo e reto. Com seus olhos brilhantes e nariz pequeno, ela será uma bela jovem daqui a alguns anos. Ela ficou muito nervosa quando nós nos conhecemos, mas agora está sendo mais simpática. Tanto que… ela começou a dizer coisas que não deveriam ser ditas.

“Hum, Ruu? Você é um menino ou…?”

“… Sonolento.”

“Eu, hum, entendo…”

O meio elfo Ruu é um ano mais novo que Lai, e é uma criança estranha.

Graças ao sangue élfico em suas veias, o garotinho — eu acho — é provavelmente o mais bonito de todas as crianças aqui. Já que Ruu não diz muito e tem o cabelo loiro sujo e curto, eu seriamente não sei dizer se esse garoto é um menino ou menina. Sua mente está sempre em outro lugar, e não há nenhuma outra pista para me ajudar.

Na verdade, há muitas crianças diferentes no orfanato, junto com humanos, pessoas animais, Pallums e até uma Amazona tímida. Mas cada um deles está fervendo de curiosidade e tem uma tonelada de energia.

“Irmãzona Syr! Vamos brincar!”

“Aww, eu quero brincar também!”

“Certo. Todos terão sua vez, então não briguem, tudo bem?”

Syr continua sua ronda pela câmara principal da igreja, brincando com todas as crianças. Eu a ouço conversando com alguns e a vejo sendo puxada em uma direção diferente. Não apenas as meninas, os meninos também querem brincar com ela.

Assim como antes… Isso é estranho.

Eu conheço Syr apenas como garçonete de bar, então vê-la rir assim, brincar com as crianças, dar abraços e outras coisas… é tão diferente.

As crianças absolutamente a adoram. Posso ver em seus olhos. Eu a observo brincando com as crianças por um tempo, até que ela olha por cima do ombro. Ela deve ter notado meu olhar porque está rindo de mim.

Fofa e linda ao mesmo tempo… Minhas bochechas estão ficando quentes de novo.

“…?”

As crianças estão dos dois lados dela, rindo e trocando sorrisos. Mas Lai está se esgueirando por trás dela com um sorriso maligno no rosto.

Ela não o notou. Os olhos de Lai brilharam como se ele tivesse visto a oportunidade de atacar um alvo indefeso por trás — “Te peguei!” Ele agarra a saia dela e a levanta em um piscar de olhos.

“!”

“EEK!”

O tecido branco com babados subiu além do umbigo. Eu vejo tudo acontecer em câmera lenta, meus olhos bem abertos.

Então… isso é… o que vovô sempre me falava! A lendária — O que diabos estou pensando?!

Tenho uma visão completa da calcinha da mesma cor do vestido. Agora minha pele é mais ou menos da mesma cor que uma maçã, meu rosto queimando em vermelho.

Seu gritinho fofo enche a câmara enquanto ela rapidamente empurra o tecido para baixo e se vira para mim antes de congelar no local. Syr me olha bem no olho.

Com suas bochechas da cor de um pêssego maduro, ela se aproxima de mim.

“Você viu?”

“Não, não mesmo, bem, eu…!”

“Você viu, não viu?”

“S-sim, mas…!”

“Você é horrível, Bell!!”

“Como isso foi minha culpa?!”

Seus olhos se encheram de fogo e a ponta de seu nariz ficou vermelho, Syr fez diversas acusações. Eu coro ainda mais e tento desesperadamente me manter firme.

“Um menino… Um menino viu minha calcinha… Bell, como castigo, você tem que fazer tudo o que eu disser!”

“Eu o quê?!”

“Se você não fizer… vou contar a Ryuu e as outras que você espiou por baixo da minha saia!”

“Isso não é justo!!”

Eu estarei morto pela manhã se ela fizer isso! Ela está me chantageando com falsas acusações! Eu grito de volta para Syr, lágrimas desesperadas começando a vazar dos meus olhos.

“… Funcionou… Pela primeira vez na vida, consegui levantar a saia da Irmãzona…”

“Você sempre o pega… De jeito nenhum. Irmãzona, foi de propósito?”

“Habilidade e técnica…”

Lai, Fina e Ruu se reuniram em torno de nossa discussão, olhos arregalados enquanto murmuram um para o outro.

Eu acho que tem medo em seus olhos quando olham para ela. Quanto a mim, por outro lado, eles parecem estar gostando do meu constrangimento… Eu desisto, no final.

Minha punição por ver sob a saia de Syr é realizar uma tarefa — qualquer coisa que ela quiser que eu faça.

“Ok, Bell… Tire uma soneca com a cabeça no meu colo.”

“?!”

“Aquela garota, a <Princesa da Espada>, Aiz Wallenstein, fez isso por você antes, não é?”

Por que ela iria querer isso?

Espera um minuto… Como ela sabe que Aiz…?

“Como você sabe, Bell, a <Família Loki> é frequentadora assídua do bar onde eu trabalho. A deusa deles, Loki, parece gostar de nós… e ela fala bastante quando está bêbada, então imagine minha surpresa quando eles começaram a falar sobre a famosa <Princesa da Espada>…”

“Eu vou fazer, okay! Você não precisa dizer mais nada!!”

Claro, foi há um tempo, mas me lembro do que foi dito muito bem. Minha pele fica rosada mais uma vez enquanto grito o mais alto que posso para os ataques verbais extremamente calculados de Syr.

Eu sabia que ela era uma bruxa!

“Muito bem. Agora, então…”

Ela se agacha alegremente, dobra os joelhos e se senta no chão.

Todas as crianças do orfanato a estão observando, mas ela não se importa. Ficando confortável, ela estica os joelhos na minha direção.

Com a pele ainda vermelha, eu hesito por um segundo. Ela está olhando para mim, curtindo o momento e animada com o que vem a seguir — mas então uma luz parece se acender em sua cabeça.

Ela pensou em algo novo, mas o sorriso em seus lábios a denuncia. É fácil ver as engrenagens girando por trás de seus olhos.

“… Bell, a <Princesa da Espada> já dormiu no seu colo…?”

“N-não, ela não dormiu.”

Como se isso fosse acontecer! Eu praticamente engasgo com as palavras enquanto elas saem.

Ela olha em meus olhos após minha resposta, e eu juro que vejo um pequeno brilho.

Alguns minutos depois…

“O que-qu-qu…”

“…”

Aconteceu: eu sentado no chão e Syr deitada de costas, usando minha coxa como travesseiro.

Suas bochechas têm um tom brilhante de rosa, ela esfrega o nariz na minha perna.

“Hum, nós não terminamos ainda…?”

“Não, ainda não.”

Não suporto todas essas crianças olhando para nós — é como se estivessem esperando algo acontecer. A única maneira de escapar dessa vergonha está com a cabeça em meu colo. Eu tento acabar com a humilhação, mas meu apelo é rejeitado.

Este é um castigo infernal. Eu sirvo como travesseiro de Syr até minha perna ficar completamente dormente.

*****

Nós brincamos naquela igreja por horas.

Ou eles ficaram sem energia, ou ver Syr tão confortável com a cabeça em meu colo deixou as crianças sonolentas.

Os filhos mais velhos, o grupo de Lai, decidiram que era hora de tirar uma soneca. Eles lideraram o resto das crianças até um dos quartos no segundo andar da igreja, bocejando por todo o caminho.

“Que tal isso, apagar como uma luz…”

“Quero dormir…”

O quarto do segundo andar é tão grande quanto o refeitório abaixo dele. O chão está totalmente coberto com mantas.

Blocos de construção e velhos livros ilustrados estão espalhados por todo o lugar. É uma sala de jogos infantis em todos os sentidos da palavra. Eu pensei que algumas crianças pudessem precisar de uma história para dormir, mas todos estão prontos para a terra dos sonhos em um piscar de olhos.

Aninhados um ao lado do outro como um punhado de sardinhas em uma lata, o único som na sala são suas respirações suaves.

“…”

“Zzhh…” Syr dá um tapinha de leve na cabeça de Ruu.

Ela é apenas um pouco mais velha do que eu, mas vê-la se ajoelhar ao lado das crianças e sorrir afetuosamente a faz parecer uma mãe. Se eu não soubesse que era Syr, eu diria que era uma santa ou mesmo uma deusa.

Seu cabelo prateado passa suavemente em sua nuca.

“Devo colocar você para tirar uma soneca também, Bell?”

“Eu vou, hum, passar.”

Eu coro tanto quanto no incidente do “cochilo” lá embaixo, então me curvo para tentar esconder o rosto enquanto olho para longe e recuso educadamente. Ela está rindo de mim novamente.

“Sr. Cranel, Syr. Vocês dois devem estar cansados, não é? Deixem as crianças comigo e descansem um pouco.”

Maria abre lentamente a porta e entra.

Aceitamos a oferta dela. Ela nos agradece novamente por brincar com as crianças e se despede com uma pequena reverência. Nós silenciosamente fechamos a porta e deixamos a sala.

“Bell, que tal uma caminhada?”

Por que eu recusaria seu convite? Eu aceno minha cabeça.

Eu a sigo pela câmara principal do orfanato e saio para o pequeno jardim atrás da igreja.

“Um jardim…?”

“Mãe Maria e as crianças estão cultivando seus próprios vegetais.”

Há um poço e uma pequena área cercada atrás do prédio. Não há muita luz solar aqui, então as plantas não são muito grandes, mas posso dizer que elas estão bem cuidadas.

Olhando para cima, vejo que o jardim dos fundos é cercado por diversas camadas de edifícios quadrados em uma combinação quase aleatória. No entanto, existe um pedaço de céu azul logo acima do labirinto.

“Syr… como você conheceu a Mãe Maria e essas crianças?”

“Foi apenas… um acidente feliz. Eu entrei na Rua Dédalo um dia, e…”

Há um caminho entre os prédios que circundam o jardim da igreja. Nós o seguimos até uma rua larga.

Bem, uma rua mais ampla, de qualquer maneira. Ainda se parece com um beco sem saída de uma parte diferente da cidade, exceto que aqui há escadas que sobem e descem em todas as direções. Ao mesmo tempo, há muitos escombros espalhados sobre o chão, bem como as últimas paredes restantes de edifícios desmoronados que se projetam no ar.

Talvez seja por causa do céu azul brilhante, mas ver tudo isso não é tão deprimente. Eu não consigo ver ou ouvir ninguém por perto, então andar por aqui com Syr é meio calmante. Até o tempo parece estar passando em um ritmo mais devagar.

Nós chegamos a um prédio enorme, provavelmente uma moradia comunitária. A parede à nossa frente é espessa e alta, quase como a lateral de um castelo deformado. Mesmo assim, nós gradualmente abrimos nosso caminho enquanto andamos pelos destroços.

“A verdade é… eu cresci nesta favela.”

“!”

“Eu não tenho mãe ou pai… então talvez seja por isso que eu não posso deixar aquelas crianças sozinhas.”

Eu me viro para ela, ela está olhando para longe na nossa frente. Posso ver apenas metade de seu rosto. O olho na minha linha de visão está quase completamente fechado, mas ainda, de alguma forma, cintilando.

Syr cresceu muito pobre, como órfã nesta favela.

Este segredo me choca profundamente.

Ela dá uma rápida olhada para mim antes de entrar em mais detalhes, explicando que vem para a Rua Dédalo pelos mesmos motivos que Maria optou por abrir o orfanato.

Uma vez que ela soube que estava lá, tornou-se sua rotina visitar e interagir com as crianças.

Pais…

Não tenho memória dos meus pais. Eu nem sei como eles se pareciam.

O que sei é que os dois morreram logo depois que nasci.

Mas acho que nunca me senti sozinho. Tudo graças ao vovô… sua felicidade e energia sempre manteve meu ânimo.

Mas… o desejo de conhecer meus pais, de ouvir suas vozes… Posso me relacionar a esse sentimento.

Não sou muito diferente daqueles órfãos. Eles têm Maria e Syr para trazer luz a suas vidas, assim como vovô fez por mim.

“Mas eu… eu não queria que você soubesse, Bell.”

“Oh?”

Passo, passo, passo. Eu olho para trás em sua direção e a vejo subindo um lance de escadas que leva ao topo de outra pilha de entulhos.

Não há caminho por lá, ela está andando em cima dos escombros de propósito. “Isso é perigoso!” Eu falo para ela. Mas ela continua andando, a bainha de seu vestido branco balançando em torno de suas pernas enquanto ela caminha. Não adianta tentar convencê-la a descer, então subo atrás dela.

“O que você não queria que eu soubesse?”

“O que eu faço em dias como hoje. Colocando muito esforço em fazer almoços, andando por aí com um bando de crianças… É constrangedor.”

Eu piso com cuidado em cima das lajes de pedra enquanto a sigo. Ela não olha para trás enquanto responde minha pergunta. Tudo que vejo é seu cabelo prateado balançando na brisa leve.

Syr quase perde o equilíbrio quando uma das pedras sob seus pés se move inesperadamente, mas ela se recupera a tempo e continua caminhando em frente.

“Eu realmente não me importo com isso…”

“Bem, foi constrangedor para mim… Embora nunca tenha sido antes de hoje.”

Sua voz se transforma em um sussurro. “O que você disse?” Eu a chamo, pedindo a ela para repetir a segunda parte, quando…

“Eeek!”

Seu pé cai em uma fenda nos escombros, e ela tropeça para frente.

Eu a avisei! Não há tempo para gritar com ela, porém — eu tenho que ajudar!

Correndo para frente, eu agarro sua mão e a puxo para meu peito.

“…”

“…”

“Uau…” Mesmo antes de seu suspiro de alívio acabar…

Seu corpo está pressionado contra o meu, seus olhos erguidos para mim. Nossos rostos estão tão perto que posso sentir sua respiração.

Posso ver meu cabelo branco e olhos vermelhos refletidos nos olhos prateados dela.

Calor — minha pele está esquentando por todo corpo. Eu posso sentir cada curva do corpo dela contra o meu. Minhas bochechas estão fervendo. Oh, ela está corando também.

Este é um lado dela que eu não vi na igreja — um pouco confuso. Sua verdadeira face.

“Eu… não queria fazer isso.”

“Claro que você não queria!”

O que essa garota está dizendo?

Quem no mundo cairia assim de propósito?

“T-tão embaraçoso…”

Ela se afasta de mim, escondendo o rosto vermelho nas mãos.

Ver a reação dela me faz perceber algo muito importante, embora um pouco tarde.

O motivo de ela ter vindo aqui, e provavelmente o motivo do cochilo, era porque ela estava com vergonha e queria esconder seu “constrangimento”.

O rosto sério era uma atuação. Ela teve que fazer coisas constrangedoras de propósito apenas para aguentar a própria vergonha.

“…”

Ela é mais velha do que eu, mas esta é a primeira vez que a vejo agir como uma menina. É realmente estranho.

Eu sempre a vi como alguém séria, além de educada e amigável.

Mas depois de tudo que testemunhei e aprendi hoje, não acho que posso vê-la da mesma maneira novamente.

Sinto um frio na barriga.

Minhas bochechas ficam vermelhas quando olho para sua timidez. Eu sou atraído pelo olhar no rosto dela.

“… Talvez isso seja uma coisa boa.”

“?”

Alguns segundos se ​​passam em silêncio no topo dos escombros. Syr levanta a cabeça.

Há um sorriso despreocupado em seu rosto, bochechas rosadas.

“Talvez tenha sido bom que você… descobriu, afinal. Porque se tornou uma memória feliz”, diz ela.

Ela disse a última parte sem hesitar, embora eu possa dizer que ela ainda parece um pouco estranha.

Agora é minha vez de corar. Ela coloca os dedos nos lábios e sorri de orelha a orelha.

Eu só consigo abrir e fechar minha boca algumas vezes enquanto olho para ela sob o lindo céu azul.

“— ?”

De repente…

Estamos sendo observados.

Recentemente, fiquei muito bom em sentir pares de olhos focados em mim. Com meus reflexos assumindo o controle, eu giro e olho para cima.

Nos pisos superiores das habitações comunitárias.

Há uma sacada em uma torre com vista para nós. E nele está um homem-gato preto e cinza.

Esse cara… eu já o vi antes.

Por algum motivo, seu corpo magro estimula minha memória.

Não consigo definir quem é, mas tenho certeza de que nos vimos em algum lugar antes.

“Bell?”

“!”

Estou de costas para Syr quando ela me chama.

“Tem algo errado?” Ela inclina a cabeça para o lado. Eu olho de volta para o topo do edifício, mas o homem-gato desapareceu.

“Tinha alguém lá?”

“Sim… tenho quase certeza.”

Minha voz vacila enquanto olho entre ela e a varanda.

Quase como se fosse uma miragem do meio-dia, não há vestígios do homem-gato. A única coisa que resta na varanda é o sol forte que vem de cima.

*****

O sol está começando a se pôr.

Syr e eu fomos atacados por uma enxurrada de perguntas de todas as crianças no momento em que voltamos para o Orfanato de Maria.

“Para onde vocês foram sozinhos?” Fina liderou o ataque enquanto uma criança após a outra a seguiram com suas perguntas. Nós dois conseguimos nos segurar contra a avalanche, quando ouço: “Você gostaria de ficar para o jantar?” Maria me convida para me juntar a eles.

Eu não quero fazer a deusa e os outros se preocuparem… mas eu não posso ignorar os olhares suplicantes no rosto de todas as crianças, e há o pedido de Syr para considerar. Então eu decido comer algo rápido e, em seguida, voltar para casa assim que possível.

Nunca pensei que passaria meu dia de folga brincando com um monte de crianças amigáveis ​​em um orfanato.

Eu não posso deixar de sorrir quando vejo como eles ficam felizes depois que eu concordei em ficar para o jantar. Porém, parece que tenho um pouco de tempo em minhas mãos antes dele estar pronto.

“… Ei.”

“?”

Maria e algumas das crianças foram à cozinha para preparar a comida quando sinto um puxão na minha camisa.

Eu me viro e vejo o meio elfo Ruu olhando para mim enquanto segura a bainha de sua camisa.

“E aí?”

“Aqui…”

Eu me curvo para ficar na sua altura enquanto ele estende a mão… com três moedas de metal em sua palma.

“E-ei! Ruu.”

“Você realmente vai perguntar?”

“Vocês dois disseram que estão preocupados com isso…”

Lai e Fina nos veem conversando e correm para o lado de Ruu.

O tom neutro de Ruu parece ter respondido às suas perguntas. Ficando em silêncio, eles olham para mim.

“Hum, o que é isso…?”

“É nosso… estoque secreto.”

Estoque secreto…?

Essas três moedas de metal? Uma gota de suor frio escorre pelo meu pescoço enquanto olho para os três vals na palma de sua mão.

“É uma recompensa… Desculpe por ser tão pouco.”

Okay, agora estou confuso. O meio elfo ainda não acabou.

“Por favor, aceite nossa missão…”

O céu está escuro.

O que sobrou do sol projeta um brilho vermelho enquanto eu sigo as três crianças pelo jardim dos fundos.

“Lá fora?”

“Sim… Não muito longe.”

A missão que eles me pediram para completar — bem, mais como um favor — envolve a rua cheia de escombros que Syr e eu caminhamos nesta tarde.

O objetivo da missão é investigar uma “voz misteriosa” vinda de algum lugar por aqui.

“Continuamos ouvindo este estranho ‘uwaa… uwaa’!”

“Eu tinha certeza que era um cachorro ou algo assim… mas não há nada aqui.”

Lai e Fina me contam como passaram por aqui no meio da noite em um teste de coragem e ouviram em primeira mão.

Desde então, eles têm evitado este lugar, mas ainda ouvem o barulho de tempos em tempos. Aparentemente, é um gemido inquietante de algum tipo, e eles querem saber o que está acontecendo.

Eu olho para o mar de escombros.

É tranquilo entre as pilhas de pedra e madeira, sem animais, sem nada…

“… wu… wuaa…”

… Eu ouvi isso. É real.

Deve ser essa a voz misteriosa de que as crianças estão falando.

Eles imediatamente correm para se esconder atrás de mim, enquanto eu me esforço para ouvir melhor e identificar o que está lá fora.

Meu Status também melhora meus sentidos. Graças aos meus ouvidos afiados, não demorei muito para encontrar o local de onde a voz está vindo. É difícil de descrever, quase como um choro. Eu paro diretamente acima dele.

São as ruínas de um prédio antigo, mas… não há engano. A voz está vindo debaixo dos meus pés.

“Um, dois, três…!”

Agarrando a parte superior da pedra, começo a mover os escombros.

As crianças parecem realmente impressionadas. Minha força de Nível 3 me permite mover até as maiores pedras e toras de madeira para fora do caminho.

Poucos minutos depois, dou um passo para trás para olhar a pedra exposta do pavimento. Combina perfeitamente com o resto da rua.

… Espere, isso não é…?

Há uma pedra logo acima do pavimento que parece estranhamente familiar.

Alguns dias atrás, durante minha fuga do Quarteirão do Prazer — a casa de Lady Ishtar — Haruhime me conduziu por uma série de passagens subterrâneas. As saídas eram todas escondidas por portas de madeira e tampas de pedra que pareciam exatamente como esta.

A voz misteriosa está definitivamente passando por isso.

Deslizando meus dedos pela fresta, eu puxo a “tampa” da terra.

“Uau! Fantástico…!”

“É… é um túnel secreto?”

“Você é incrível, senhor…”

Eu afasto a nuvem de poeira do meu rosto enquanto as crianças correm pelo mar de escombros para dar uma olhada.

Ouvir a emoção, curiosidade e admiração em suas vozes coloca minha linha de pensamento em movimento.

Mais do que provável, este túnel se conecta diretamente ao Quarteirão do Prazer. E mais importante, há algo aí neste exato momento.

Meus músculos ficam tensos enquanto eu silenciosamente me preparo.

É a mesma sensação que tenho antes de entrar da Dungeon. Eu controlo minha respiração para centralizar meu foco.

Pela primeira vez hoje, me sinto um aventureiro.

“Vocês três e Bell! O que vocês estão fazendo ai?”

A voz e os passos de Syr soam na rua que leva de volta ao orfanato.

Enquanto a escuridão azulada cobre o céu ao leste, ela se aproxima e acena uma lâmpada portátil de pedra mágica.

Ela provavelmente está com raiva porque saímos pela porta dos fundos sem contar a ninguém. Mas seus olhos prateados se arregalam no momento em que ela vê a porta sob nossos pés.

“O que é isso…?”

“Acho que é uma entrada para um túnel subterrâneo. Syr, por favor, mantenha um olho neles enquanto eu verifico.”

Eu explico a série de eventos que nos trouxeram aqui antes de contar o meu plano.

Claro, nenhum de nós sabe o que está lá embaixo, então devo investigar sozinho primeiro… ou pelo menos esse era o plano.

“Estou indo também!” “E eu…” “É… é um pouco assustador, mas eu…”

As crianças querem vir comigo.

O que eu deveria fazer? Talvez Syr possa ajudar.

“Depois de ver isso, você entende como seria difícil para mim apenas esperar aqui, não é? Eu vou me juntar a você também.”

Ela disse tudo com um sorriso.

Bem, seria uma mentira dizer que eu não entendo esse sentimento… Eu olho para ela e luto contra a vontade de suspirar. Não há como recusá-la neste momento.

Eu concordo em deixá-los vir, contanto que não saiam por conta própria e que prometam ficar perto de mim. “Nós prometemos!”. Isso está começando a parecer uma viagem de campo.

Mas não, eu tenho que me concentrar. Pegando a lâmpada portátil da Syr, eu começo a descer a escada que leva ao subsolo.

“Uau… Parece a Dungeon aqui…”

“É muito escuro…”

“Empoeirado também…”

A luz da lâmpada em minha mão atravessa a escuridão opressora que cerca as escadas.

Escada de pedra, paredes de pedra, teto de pedra… eu sabia. Esta passagem parece quase igual a que viajei com Haruhime. Então é quase certo que aquele arquiteto projetou esses túneis.

Lai está animado, Fina está um pouco assustada e Ruu está como sempre. Suas vozes ecoam nas paredes à medida que avançamos para baixo. Prosseguindo o mais cuidadosamente possível, tenho um vislumbre de algo embutido na parede de pedra — uma lâmpada. Syr também vê. Ela estende a mão e — Bzzt! A lâmpada se acende, fazendo um pequeno zumbido e iluminando o túnel o suficiente para nossos olhos se ajustarem.

Existem mais lâmpadas espaçadas em intervalos mais adiante no túnel. A cada passo que dou, tenho cada vez mais certeza de que isso está conectado ao mesmo caminho que tomei quando fugi do Quarteirão do Prazer.

Então, quando a curiosidade das crianças está começando a atingir seu pico… o misterioso som de choro surge, mais alto do que nunca. Todos nós fazemos uma pausa para recuperar o fôlego.

“Fiquem quietos.”

Com o que quer que esteja fazendo aquele som por perto, eu sussurro para as crianças para ter certeza de não chamar atenção indesejada.

Meu tom sério deve tê-los pegos desprevenidos, porque todos os três congelam como estátuas, suas bocas bem fechadas. Syr, parecendo tão composta quanto nunca, me dá um aceno rápido e eu deixo as crianças com ela.

Tenho aliados comigo quando entro na Dungeon. Apenas tê-los por perto me dá força, mas… eu sou o único que pode lutar agora. Não importa o que aconteça, eu tenho que protegê-los.

A <Faca de Hestia> ainda está presa confortavelmente na minha cintura. Claro que eu não tenho nenhuma armadura. Minha bolsa de itens… tem apenas as três moedas de metal que eu recebi por aceitar esta missão. Estou completamente despreparado para uma luta.

Uma sensação de desconhecido toma conta de mim. Eu não consigo ter essa sensação na Dungeon porque ela foi explorada por um incontável número de meus predecessores. Agora sou eu quem está fazendo progresso. Totalmente ciente dos meus arredores, eu vasculho à frente até o final da escadaria.

“Uwaa… uh… Uhhaa.”

Um espaço escuro e aberto. Tudo o que posso dizer é que estou em uma câmara decentemente ampla e que o ruído vem do canto oposto, completamente envolto em sombras negras.

— Nenhum humano ou animal faz esse som.

Todos os músculos do meu rosto se contraem quando digo a Syr e as crianças para esperarem na escada e aponto minha luz para o canto escuro.

Ela ilumina o dono do som que não era uivo nem grito.

“— Uhooo.”

Emergindo da escuridão estão dois chifres curvados, pele escura, cabelos ruivos e uma grande estrutura corporal.

A luz da minha lâmpada reflete em seus olhos dourados, fazendo-os piscar como joias na escuridão. De repente, não consigo respirar.

Duas pernas e dois braços, como um Minotauro. Essa coisa fazendo barulho — este monstro é de grande categoria. Ele se levanta com um salto poderoso de onde estava ajoelhado no chão.

“Tampem os ouvidos!”

O monstro desencadeia um uivo no mesmo momento em que grito o aviso por cima do ombro.

“UHWOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!”

Arrepios cobrem minha pele quando o uivo feroz do monstro passa por mim.

Eu tenho que me proteger. É muito forte para me preocupar em tomar conta de mais alguém.

O que diabos algo assim está fazendo embaixo da favela? Seus olhos brilhantes piscam, sangue bombeando em suas veias e ansioso para lutar — ele ataca, os ecos do uivo ainda sacodindo a câmara.

Estico meu braço direito na frente da criatura que se aproximava.

“<Flecha de Fogo>!!”

Raios vermelhos flamejantes escapam da minha mão e atingem o torso da criatura.

Ele uiva de dor, completamente pego de surpresa pela minha Magia de Ativação Rápida. O monstro cambaleia para trás em meio às chamas escarlates. Agora! Eu puxo a <Faca de Hestia> e vou para a ofensiva.

Eu deixo a lâmpada de pedra mágica cair na entrada e uso a janela criada pela minha Magia para chegar perto do monstro que está queimando no meio da câmara.

“OHU — WHOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!”

“!”

Seus olhos brilham com intenção assassina enquanto ele balança um poderoso punho diretamente em minha direção. Surpreso por seus reflexos rápidos e força incrível, eu saio do caminho e trago minha faca para frente. Um arco roxo-escuro se esculpe no ar.

Mas ele recua bem a tempo, minha faca corta o ar vazio. Eu vejo uma expressão de choque em seu rosto — choque por eu ter sido capaz me esquivar de seu ataque. Mas essa descrença rapidamente se transforma em raiva, e ele dá outro soco. Eu me movo mais uma vez para atacar.

Este monstro — é um <Bárbaro>! Essas coisas pertencem à Zona Profunda!

Graças às chamas da <Flecha de Fogo>, posso finalmente ver seu corpo inteiro. O que eu vejo envia mais um choque pelo meu corpo.

Com mais de dois metros de altura, é um monstro de grande categoria.

Localizados pela primeira vez no trigésimo sétimo andar, a Guilda os classifica como Nível 3 — ou até mesmo Nível 4!

Então, o que isso está fazendo aqui?

Não me diga — é um monstro que fugiu do <Festival de Monstros>!

Por mais que eu não queira lembrar, memórias de quando um <Silverback> me perseguiu por este bairro preenchem minha mente.

Esta besta que conseguiu fugir dos aventureiros e das equipes de extermínio da Guilda está à espreita no subterrâneo por todo esse tempo?

Ele continua a desencadear golpes poderosos, mesmo enquanto meu cérebro resiste à surpresa e angústia.

Cada vez que um daqueles membros enormes vem em direção a minha cabeça, eu mergulho para fora do caminho e ataco com minha faca preta. No entanto, seus movimentos imprevisíveis, juntamente com a força de um aventureiro de segunda categoria — possivelmente mais forte do que isso — me impede de entrar em seu ponto-cego. O que é pior, meus contra-ataques não estão acertando.

Este monstro é muito forte. Cada vez que penso que tenho uma janela para atacar, a criatura tira minha faca do caminho ou se esquiva antes de atacar novamente.

É como tentar lutar contra uma tempestade. Mas espere um minuto, o que é tudo isso?

Está coberto de sangue?

Eu certamente não infligi essas feridas.

A luz de sua pele ainda em chamas revelam vários cortes fechados e manchas de sangue seco.

Os olhos amarelos do <Bárbaro> ficam vermelhos. Está olhando para mim como se eu fosse a maior ameaça que ele já viu. Ele está apavorado — e está tentando me matar com tudo o que tem.

Ele me reconhece como um inimigo e continua a se esquivar dos meus ataques enquanto prepara os seus contra-ataques. Ele sabe como lutar usando estratégia e técnicas!

Eu conheço essa sensação —

Eu sinto que estou lutando contra outro aventureiro — não, não exatamente.

É mais como… aquele <Minotauro> com um chifre.

Ao invés de confiar no instinto e na força bruta na batalha, este monstro está lutando com a cabeça —

Meus olhos tremem quando vejo flashes daquele fantasma do meu passado. Eu afasto as imagens da minha mente, firmo o pé no chão e ataco.

Um de seus punhos enormes balança direto para mim, mas eu pulo para cima. Com o braço fora do caminho, eu posso atacar a parte inferior de suas costas! Eu o golpeio com minha faca o mais forte que posso.

“—!”

Uma torrente de sangue voa enquanto o uivo do <Bárbaro> ecoa pela câmara.

“Boa!”

Os efeitos do uivo devem ter passado porque Lai e os outros estão observando a luta.

“—”

Com suas vozes animadas ao fundo, eu fico de pé na frente do monstro enquanto ele agarra seu ferimento.

Meus ouvidos ainda estão zumbindo com aquele último rugido.

A maior parte era como o uivo de uma besta normal, mas também havia raiva, dor e uma pitada de tristeza.

Eu nunca tinha ouvido o lamento de uma besta antes. As palavras me deixam.

O que é esse monstro…?

Angústia no uivo de um monstro? E estou com pena disso?

Enquanto eu fico ali contemplando essas novas emoções, os olhos do <Bárbaro> ferido brilham mais uma vez. Suas longas mandíbulas se abrem enquanto sua língua ataca.

“Gah!”

Ele me pega de surpresa, sua língua me acerta bem no peito.

Tentei pular para fora do caminho, mas não houve tempo suficiente. Já que não estou usando armadura, o golpe me derruba e eu caio no chão de pedra fria.

Uma longa pontada de dor ardente percorre meu peito. Foco! Eu grito comigo mesmo por ter me descuidado. Eu paro na extremidade oposta da câmara, longe da entrada. Ignorando a dor por todo o meu corpo, fico de pé.

“Não machuque meu amigo!”

Então eu o vejo.

Lai, dentro da câmara, joga uma pedra no monstro para tirar sua atenção de mim.

“— UHOO.”

A pedra atinge o alvo e o <Bárbaro> se vira para encará-lo.

A criança fica paralisada diante do monstro feroz. Ele vê Lai como outro inimigo e o ataca.

“NÃO —!”

“OHWOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!”

Eu lanço meu corpo em direção ao monstro, colocando tudo o que tenho em parar a besta, mas não vou chegar a tempo.

Syr corre para a câmara e abraça o menino apavorado, usando seu corpo como escudo.

Eu empurro meu braço direito para frente, desejando tirar o instinto de fugir da minha mente enquanto respiro fundo para gritar.

“— UGAA!”

Mas meu raio flamejante não aparece.

Em vez disso, uma única lança de prata rasga o ar como um cometa e faz um buraco no peito do <Bárbaro>.

“— Ah.”

Não dá tempo nem para soltar um suspiro. A pedra mágica do monstro, junto com a maior parte de sua caixa torácica, se foi, deixando apenas um orifício. Ele cai e se dissolve em cinzas.

Whoosh… o silêncio que desce sobre a câmara faz tudo o que aconteceu parecer uma ilusão. A única prova de que nossa batalha ocorreu é o item dropado <Pele de Bárbaro> no meio da pilha de cinzas carbonizada. A fumaça flutua no ar.

Syr e Lai, ainda parados no chão da câmara, lentamente olham sobre os ombros em direção à entrada. Mas eu posso ver diretamente atrás deles. A figura parada ali é clara como o dia para mim mesmo estando na penumbra. Sua presença é avassaladora.

Pelo preto e cinza. Uma linha corporal curta e ágil.

Ele é o homem-gato que vi no meio da tarde.

“… Uh… umm!”

Ele salta sobre Syr e Lai sem nenhum som, pousando suavemente na frente da pilha de cinzas e recuperando sua lança. Eu tento dizer algo enquanto corro em direção a ele.

Tenho que agradecê-lo por nos salvar — todos nós.

“Não consegue nem proteger mulheres e crianças, roedor inútil.”

A pressão vinda de seus olhos me silencia no local.

“Eu… eu sinto muito.”

“…”

Ele tem razão. Não há nada que eu possa dizer, então apenas me desculpo enquanto olho para o chão.

Se ele não estivesse aqui, algo horrível poderia ter acontecido com Syr e essas crianças. Um aventureiro falha no momento em que permite que os cidadãos comuns sejam expostos ao perigo.

O homem-gato me ignora, virando as costas enquanto eu caio em uma espiral viciosa de impotência e vergonha.

Ele não diz nada enquanto caminha de volta para a entrada da câmara.

“<Vana Freya>… Um aventureiro de primeira categoria?!”

Lai silenciosamente observa o homem passando e de repente grita com a maior emoção que ouvi em sua voz o dia todo.

<Vana Freya> — o cara da Família Freya?

A <Família Ishtar> entrou em colapso há não muito tempo. Eu estava no meio de tudo quando isso aconteceu, e este homem é um dos aventureiros que acabou com aquela poderosa família. Ele é imponente e intimidante ao mesmo tempo.

Mas espere, isso me lembra algo.

Sua voz… Naquela noite após o treinamento na muralha da cidade com a membro da <Família Loki>, Aiz Wallenstein, um homem-gato a atacou no meio da rua. O atacante tinha a mesma voz.

“…”

Ele para na frente de Syr enquanto eu o admiro por trás.

Ele não diz nada, apenas inclina ligeiramente a cabeça antes de sair da câmara.

Syr fica quieta, mas o observa sair enquanto um pequeno sorriso surge em seu rosto.

“S-Syr, você está bem?”

“Bell.”

Eu ainda não me recuperei do choque, mas corro para o lado dela para me certificar de que ela e as crianças estão bem.

Eu peço desculpas repetidamente por colocá-los nesta situação, mesmo que ela sorria e acene para mim, dizendo que está tudo bem.

“O que é isso, <Pequeno Novato>? Você precisa de <Vana Freya> para salvá-lo!” Lai não parece nem um pouco arrependido por suas ações. Essas palavras me atingem como um raio. Isso é, até que Syr começa um sermão, suas palavras se transformando em chicotes que levam até Fina e Ruu as lágrimas. Eu começo a suar frio quase imediatamente.

“Hum, <Vana Freya>… Você o conhece?”

“Sim. Ele é um aventureiro que vai ao bar de vez em quando.”

Nós olhamos para a pilha de cinzas por alguns momentos antes de eu quebrar o silêncio. Ela felizmente me conta sobre um dos clientes regulares da Senhora da Abundância. Parece que eles se tornaram conhecidos.

“Ele não é… um pouco assustador…? Foi difícil estar tão perto dele. Syr, você é incrível…”

“Oh, eu não acho. Na verdade, ele tem uma língua muito sensível. Sempre que há uma bebida quente na frente dele, ele se enrola com a caneca em suas mãos e sopra até que o vapor vá embora. É muito fofo quando ele faz isso.”

As palavras saem de sua boca facilmente. Ela ri para si mesma como se estivesse se lembrando daquela imagem.

Ela acabou de usar a palavra fofo para descrever um aventureiro de primeira categoria… Syr é secretamente muito forte ou simplesmente ingênua?

Eu forço um sorriso.

“Isso significa que a missão acabou…?”

“Ah, sim, acho que sim. Nada mais parece fora do lugar…”

“Eu nunca estive tão assustado.”

Ruu puxa meu braço. Nós dois damos uma rápida olhada ao redor câmara, verificando cada canto escuro.

Fina relaxa os ombros, uma respiração profunda fluindo lentamente para fora de seus pulmões.

Só para ter certeza, pego a lâmpada de pedra mágica e dou uma volta ao redor da câmara, verificando cuidadosamente cada canto e fenda. Eu descubro um túnel conectado na outra extremidade, mas está desabado. A única outra saída para a câmara é a escada por onde viemos, então provavelmente o monstro não tinha outro lugar para ir. Então, os gritos que ouvimos foram porque ele estava preso, ou talvez…

Vou avisar a Guilda na próxima vez que eu estiver lá e deixar que eles se preocupem com isso.

Depois de fazer as crianças prometerem nunca mais voltar por este caminho — o sorriso silencioso de Syr está assustando Lai e as outras duas crianças, então tenho certeza de que eles não vão — nós voltamos pelas escadas, colocamos a laje de pedra sobre a entrada e a tampamos bem.

Já é de noite, a noite estrelada está aqui para nos cumprimentar agora que estamos de volta à superfície.

Tenho certeza de que Maria está preocupada conosco…

Espere…?

As crianças correm em círculos ao nosso redor, contando sua primeira aventura enquanto voltamos para o orfanato. Syr está ao meu lado quando algo importante vem a minha cabeça.

<Vana Freya>… A <Família Freya> não está lutando fora das muralhas da cidade?

Eu olho para a lua, me perguntando se algo aconteceu.

*****

“Como está a batalha?”

Uma deusa de cabelos prateados perguntou enquanto caminhava dentro de uma tenda iluminada por lâmpadas de pedra mágica.

Trinta quilômetros a leste de Orario, uma bela noite estrelada se espalhava sobre a base avançada da <Família Freya>.

Os poucos seguidores que a acompanhavam estavam amontoados em torno de uma panela fervente, colocando sopa em suas tigelas. Enquanto isso, Freya tirou seu manto e o deu a uma garota humana dentro da maior tenda da instalação. “Obrigada, Helen”, disse a deusa enquanto sua seguidora fazia uma profunda reverência antes de sair da tenda.

A deusa se sentou em seu trono e olhou para um Boaz excepcionalmente grande, Ottar. Ele abriu a boca para falar.

“As formações inimigas estão em pedaços. Hedin, Grale e nossos mais poderosos lutadores estão perseguindo suas fileiras desfeitas individualmente. Sinalizadores foram avistados, então só podemos presumir que eles capturaram seus alvos.”

“Devíamos ter feito isso desde o início.”

Afastar as forças de Rakia da cidade foi apenas um desperdício de tempo. Freya disse que se arrependeu de não reuni-los de uma vez enquanto se recostava na cadeira ornamentada.

Tendo uma grande penalidade cobrada pela Guilda, ela não podia ignorar suas ordens de permanecer no campo de batalha em todos os momentos durante a invasão. Para a Deusa da Beleza, foi um grande aborrecimento.

“Este pode ser um pequeno detalhe, mas os soldados inimigos parecem estar abalados, inquietos. Talvez algo tenha acontecido?”

“É o trabalho da <Família Loki>, depois que eles nos deixaram para fazer o trabalho sujo. Eles devem ter tido sucesso.”

A deusa não perdeu tempo em responder à observação de Ottar.

Freya pegou uma taça de vinho da mesa ao lado de sua cadeira e a trouxe aos lábios. Naquele momento, um homem-gato apareceu na entrada da grande tenda.

“Perdoe a intromissão.”

“Bem-vindo de volta, Allen. Espero que seu tempo longe do campo de batalha tenha sido tranquilo.”

Allen Fromel — cujo título atribuído pelos deuses era <Vana Freya> — fez uma reverência educada enquanto Freya mostrava apreço por seu retorno.

Ele parou ao lado de Ottar bem na frente de sua deusa, respondendo educadamente, mas mantendo um tom afiado em sua voz.

“Ele foi. No entanto, aquela sua garota saiu do bar… e eu perdi a maior parte dos dois últimos dias ficando de olho nela.”

A voz de Allen estava misturada com agitação enquanto ele continuava falando com Freya.

“Se sua Excelência emitisse uma ordem direta, dizendo a ela para não vagar por conta própria… seria grandemente apreciado.”

Freya colocou o vinho de volta na mesa, um sorriso nos lábios.

“Hee-hee, certamente Syr está grata por suas ações?”

“…”

“Ela não sorriu para você?”

Allen fechou a boca e ficou em silêncio. Não havia nada que ele pudesse dizer para isso.

No entanto, sua expressão fria e sem emoção estava alinhada com um tom fraco de rosa. A longa cauda emergindo de sua cintura balançou para os lados.

Quase da mesma forma que um adolescente negaria o interesse no sexo oposto, o jovem suportou o constrangimento.

O Boaz não disse nada enquanto observava seu aliado aguentar a provocação.

“Tem algum problema, Ottar?”

“…”

“Eu não sou palhaço de ninguém! Dê o fora!”

O rosto de Allen ficou vermelho enquanto ele repreendia o homem gigante. Ottar, entretanto, nem mesmo se mexeu.

Com mais de dois metros de altura, o comandante da <Família Freya> ouviu os desejos de seu subordinado e saiu da tenda.

O homem-gato cerrou os dentes enquanto observava os ombros de Ottar passando pela porta de pano.

“Hee-hee-hee…” Freya cobriu a boca com a ponta dos dedos, apreciando o espetáculo da discussão unilateral de seus dois seguidores. Allen corou ainda mais enquanto se virava para encarar sua deusa novamente.

Assim que sua risada se dissipou, Freya pegou a taça de vinho e tomou outro gole.

“Eu adoraria voltar para Orario o mais rápido possível. Por outro lado, eu raramente saio da cidade. Esta pode ser uma ótima oportunidade de ir e observar o que há para se ver.”

“… Para você, minha Senhora, eu ficaria feliz em me tornar sua carruagem. Conte-me para onde você gostaria de ir e eu irei levá-la.”

“Minha nossa, tão confiável.”

Freya fez um comentário sobre viajar, uma vez que ela já estava fora da cidade, mas Allen entendeu isso como mais do que as reflexões de uma deusa e jurou se tornar suas pernas se necessário.

A lealdade inquestionável de seu seguidor trouxe um sorriso para os lábios de Freya.

“Allen. Você viu Ahnya?”

“Já cortei todos os laços com aquela menina simplória.”

“Não, isso não pode acontecer. Ela é a sua única irmã, a única família que você tem, não é? Eu não separei você dela apenas para ser cruel.”

“… Tudo bem então.”

O homem-gato deixou passar alguns momentos antes de responder e, mesmo assim, não pareceu entusiasmado com a ideia enquanto acenava para ela.

“Que criança problemática”, disse Freya com um sorriso antes de beber o último gole de seu vinho.

Seus olhos brilhavam como a lua no céu noturno.

*****

“Ah! Ela está de volta, miau!”

A primeira coisa que ela ouviu através da porta foi à voz animada de Ahnya.

A luz do sol estava apenas começando a aquecer as ruas da cidade. Syr, em seu uniforme de garçonete, observou enquanto todos os outros membros da equipe vinham cumprimentá-la com sorrisos em seus rostos.

“Estou de volta, pessoal.”

“Miau, há muito trabalho a fazer porque você esteve ausente por muito tempo, miau! Vamos fazer você trabalhar pesado para lhe ensinar uma lição, miau!”

“Chloe, o trabalho que ainda precisa ser concluído só resta porque você perdeu seu turno. Essa punição deveria ser sua.”

“Eu estava ficando muito preocupada porque você esteve longe por muito tempo. Então, onde você foi?”

“Desculpe, Runoa, mas é um segredo.”

Syr se virou para responder Runoa, levando um dedo aos lábios, enquanto Chloe e Ryuu começavam uma discussão ao lado delas.

O sorriso feliz no rosto da garota fez Runoa gemer. “Ainda…?”

“… Miau? Aconteceu alguma coisa com o menino?”

“O quê?”

“Mee-hee-hee, com esse bom humor, você parece uma jovem apaixonada, miau.”

Não havia como enganar os olhos e instintos de Chloe. A jovem gata balançou o rabo de um lado para o outro e se aproximou.

Syr segurou seu rosto vermelho com as mãos, incapaz de conter o sorriso.

Todos os membros da equipe sorriram com brilho nos olhos, como se tivessem descoberto algo interessante, quando a dono do bar, uma anã chamada Mia, apareceu no outro lado do balcão.

“Tem certeza que está pronta para voltar?”

“Sim… estou bem.”

Mia deu uma olhada nos olhos prateados que a encaravam e disse: “Então pare de fofocar e vá trabalhar.” Ela bufou pelo nariz e se virou de costas.

“O mesmo vale para vocês!” Com isso, o resto dos membros da equipe rapidamente voltou ao que deveriam estar fazendo para deixar a Senhora da Abundância pronta para os negócios.

Syr ainda tinha o mesmo sorriso no rosto quando foi pendurar a placa de ABERTO na porta da frente.

“— Obrigada por vir a Senhora da Abundância. Bem-vindo.”

A garota da cidade sorriu para cumprimentar os primeiros clientes do dia enquanto eles caminhavam para a porta da frente.

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