DanMachi Light Novel Capítulo 6 – Vol 08 - Anime Center BR

DanMachi Light Novel Capítulo 6 – Vol 08

Capítulo 6

Cântico de amor de uma certa deusa

 “O que diabos está acontecendo lá fora?!”

Wham! Um punho bateu na mesa montada no meio de uma tenda de pano.

O punho cerrado pertencia a uma divindade masculina. Os seguidores de Ares se encolheram de medo dos uivos enfurecidos de seu líder enquanto seus cabelos dourados brilhavam na luz fraca.

“Assim como eu disse, nossos guerreiros estão sendo capturados pelas forças de Orario. Das nossas trinta mil tropas, pelo menos dez mil estão agora nas mãos do inimigo.”

“Eu sei disso! O que estou perguntando é por quê! Por que, Marius?”

“Porque os aventureiros de Orario são mais fortes do que os monstros em nossos piores pesadelos.”

O humano que o deus chamou de Marius permaneceu surpreendentemente calmo em face da raiva de Ares. Cada uma de suas respostas simples e diretas era acompanhada por um longo suspiro.

Eles estavam na base principal da <Família Ares>.

Longe das batalhas contra a Aliança de Orario, próximo à Floresta Profunda Seoro, uma reunião com a presença dos principais generais de Rakia estava acontecendo.

No entanto, ela havia se tornado uma gritaria inútil e unilateral no momento em que Ares soube do terrível estado de suas forças.

“Considerando os feridos e nossos aliados capturados, não há esperança para as linhas de frente se manterem firmes, quanto mais avançar. Para pior, os mercadores têm drenado nossos fundos de guerra…”

“Aqueles desgraçados… MALDITA SEJA ORARIOOOOOOOOOOOOO!”

Ares ergueu a cabeça para trás e gritou para o teto da tenda. Marius, por outro lado, soltou outro longo suspiro. O resto dos generais estavam com tanto medo de seu deus que apenas Marius, o mortal com posto mais elevado presente, foi capaz de emitir comentários negativos.

O cabelo cor de mel do humano estava muito longe da brilhante juba de leão do deus. No entanto, ele tinha um metro e oitenta de altura e um corpo decentemente musculoso que não era muito grosso ou muito fino. Ele certamente parecia pertencer à realeza. Se não estivesse visivelmente cansado, suas belas feições combinadas com uma armadura completa fariam deste comandante militar um digno cavaleiro no campo de batalha.

Seu orgulho como comandante havia sido totalmente esmagado por repetidas derrotas na batalha contra a Aliança — seu rancor contra o deus estava ameaçando vir à tona, o humor piorando a cada segundo. Se esforçando para se manter calmo, ele suspirou mais uma vez.

“Tenho certeza que você está ciente, mas não podemos continuar essa guerra, podemos? Vamos para casa, Lorde Ares. Se você aprendeu a lição, pare com essa invasão inútil a Orario.”

“GRAH…! Marius, seu covarde insolente! Você e seu pai, Martinus, sempre obedeceram a todos os meus comandos sem questionar!”

“Foi isso o que lhe rendeu o apelido de ‘Rei Idiota’ — por tentar tornar cada um de seus caprichos em realidade!”

“C-Como você se atreve a falar comigo desse jeito?! Estou perto de revogar sua posição e exilar você do reino!”

“Você não precisará. Vou renunciar a essa posição agora mesmo! Dessa maneira você não vai se importar se eu deixar o país e realizar meu sonho de me tornar um aventureiro em Orario, certo?”

“Eu recuso. Você não fará tal coisa!”

“Então o que vai ser?”

“Meu príncipe! Meu príncipe!” Os outros generais perceberam que o jovem comandante estava prestes a revidar e rapidamente se moveram para contê-lo.

O príncipe herdeiro de Rakia foi trazido para esta invasão para ganhar uma experiência valiosa no campo de batalha. O jovem, que era o segundo em comando da <Família Ares>, franziu a testa. O rosto que causava inveja a todos os homens de seu reino se contorceu em uma expressão de raiva enquanto a discussão entre ele e seu deus, praticamente um ritual diário neste ponto, continuava a se intensificar.

Com um espírito tão forte que trouxe dúvidas quanto a fidelidade da rainha, o príncipe descarregou toda a sua frustração e raiva no deus da guerra.

“Acorde…! Não importa o que façamos, a tentativa de Garon de trazer Welf Crozzo de volta ao nosso lado falhou. Na verdade, a Guilda está exigindo dinheiro para garantir a libertação de Garon e seus homens. Nossa chance se foi. Continuar com essa guerra é inútil.”

“GRAHHHH…!”

Marius finalmente se acalmou a ponto de poder olhar para Ares e expor os fatos. A divindade rugiu em resposta.

Era verdade. A estratégia para obter as Espadas Mágicas dos Crozzo, seu ás na manga, não era mais uma alternativa válida. A guerra havia perdido o sentido. A ideia de Ares de usar o poder de Welf para reviver seu batalhão de espadas mágicas e cercar as forças da Aliança era agora nada mais do que um sonho distante.

Marius nunca acreditou que o plano teria sucesso desde o início. Ele não queria nada mais do que recuar enquanto escarava o Deus da Guerra… No entanto, a única emoção nos olhos vermelhos da divindade era um desejo intenso de não perder.

“Tudo bem, então. Eu irei para Orario pessoalmente!”

“O QUÊ?!”

“Se nossos soldados inúteis não conseguem fazer o trabalho, eu vou adquirir essas espadas pessoalmente! Com elas ao nosso lado, os dias de glória do passado estarão mais uma vez ao nosso alcance…!”

“Não me diga que você está planejando sequestrar Welf Crozzo? Ele está no Nível Dois! Levantar a mão contra ele seria suicídio! Morte instantânea!”

“Chega dessa conversa de morte instantânea! O alvo não é o menino Crozzo, é sua deusa Hestia!”

Além de Marius, todos os generais na tenda ficaram de olhos arregalados e boquiabertos com o plano de Ares de sequestrar uma divindade.

“É apenas uma deusa minúscula. Tenho certeza que vocês podem tirá-la de um lugar para outro, certo? Então, eu lidero uma força de ataque, nós a capturamos e exigimos Welf Crozzo em uma troca de reféns com Orario! Ah-ha-ha-ha-ha! É tão perfeito que às vezes até me surpreendo!”

“Essa é a pior e mais desonesta estratégia que se pode imaginar e veio da sua boca! Como você planeja passar pela muralha em primeiro lugar?”

“Como pude ser tão cego, este deveria ter sido o plano desde o começo! Se o rei, não, o deus, não lidera seus homens, eles não podem segui-lo! Marius, prepare meu cavalo! Nós partimos sob a cobertura da escuridão, antes que aquela terrível Freya e seu grupo descubram o que está por vir!”

“Esse idiota, esse imbecil…!”

Era impossível influenciar a mente do deus, uma vez que ele tomou sua decisão. Os outros generais rapidamente se levantaram e começaram os preparativos. O jovem comandante franziu a testa enquanto seguia o deus de cabelos dourados para fora da tenda.

E foi assim que o exército de Rakia lançou sua última estratégia ao comando de seu deus.

A batalha final para decidir o resultado desta guerra estava próxima. As patrulhas de Orario, poucas e praticamente dormindo no trabalho, estavam completamente despreparadas para um ataque tão imprudente, tão louco que ninguém poderia prever sua chegada à cidade.

*****

O dia hoje é tão tranquilo quanto qualquer outro dentro das muralhas da cidade.

O sol está brilhando forte em uma manhã quando, ao contrário do normal, o exército de Rakia está lutando fora da muralha da cidade. Os comentários é que eles estão tentando prolongar a guerra.

Eu caminho rapidamente pelos corredores da minha casa, ouvindo os pássaros cantando do lado de fora das janelas, quando vejo alguém à frente e grito para ela.

“Senhorita Haruhime.”

Sua cauda de raposa dourada balança para frente e para trás sob a saia de sua roupa de empregada.

Ela está segurando uma grande cesta com os dois braços, pressionando-a contra seu peito enquanto olha para mim por cima do ombro.

“Mestre Bell. Bom dia para você.”

Um lindo sorriso aparece em seu rosto enquanto as orelhas de raposa em sua cabeça se curvam para mim, já que ela não consegue se inclinar com a cesta nos braços.

Ainda é cedo, antes do café da manhã. Os cheiros vindos da cozinha estão me deixando com fome, enquanto Haruhime cuida do trabalho doméstico antes de nós irmos à Dungeon. A cesta está cheia com as roupas recém-lavadas de todos na <Família>. Ela está saindo para pendurá-las.

Eu digo bom dia e me aproximo dela.

“Você precisa de alguma ajuda? Eu ficaria feliz em ajudar.”

“Está tudo bem, Mestre Bell. Esse dever foi atribuído a mim, eu não quero tomar seu tempo…”

“Não tem problema. Por favor, me deixe ajudar.”

Eu rapidamente tiro a metade superior da pilha de roupas da cesta. As mãos de Haruhime estão literalmente ocupadas, então, ela não pode me impedir.

Ela pode ter um Status, mas carregar tantas roupas molhadas deve ser um verdadeiro desafio. Ela olha para mim com um olhar tímido, insistindo que poderia fazer isso sozinha. Mas, eu apenas sorrio e carrego minha metade da pilha para ajudá-la a pendurar tudo.

Tudo está organizado no pátio interno ao lado do corredor. Eu ajudo Haruhime a amarrar um varal no local onde o sol da tarde ficará mais forte e começo a prender as roupas nele.

Deixo toda a roupa da deusa, Lili, Mikoto e Haruhime para a menina raposa enquanto cuido das minhas coisas e das de Welf. Eu sei que não há como evitar, já que homens e mulheres de diferentes raças estão vivendo juntos sob o mesmo teto, mas faço tudo que posso para não olhar para as roupas femininas do outro lado do varal. Haruhime também está corando. Eu duvido que ela pendure qualquer cueca.

Minhas bochechas estão um pouco quentes. Talvez falar com ela ajude a tornar isso um pouco menos estranho.

“Hum, Haruhime? Você está se acostumando a morar aqui?”

“Sim, eu estou. Tudo graças a assistência de Lady Hestia, Lady Lili, Sir Welf e da senhorita Mikoto.”

Ela acrescenta que eu também tenho ajudado muito e sorri com todo o seu coração.

Não é aquele sorriso vazio que ela costumava ter enquanto vivia no Quarteirão do Prazer. É um sorriso gentil, tão caloroso que parece que o sol da manhã está brilhando sobre mim.

Eu sorrio de volta, meus olhos quase se fechando ao mesmo tempo. Estou feliz por ver seu verdadeiro sorriso novamente hoje.

“Infelizmente… minha ineficiência está sempre causando problemas para todo mundo… assim como para o Mestre Bell agora.”

De repente, aquele sorriso brilhante se obscurece.

“Senhorita Haruhime, isso não é nada… E ninguém se sente assim.”

“Não, esta é a única maneira em que sou útil. Eu devo trabalhar mais, preciso melhorar… “

Ela não parece acreditar em mim. Desviando o olhar, ela observa o gramado do pátio entre nós. Ela esfrega as mãos, a cauda balançando indiferente em torno de seus tornozelos.

Apesar do que ela está dizendo, eu sei que ela está trabalhando duro. Provavelmente um pouco duro demais.

Lavar, cozinhar e limpar, tudo isso além de explorar a Dungeon. Ela não é apenas de grande ajuda em casa, mas também é uma suporte e feiticeira na Dungeon. Ela não está acostumada a cuidar de si no labirinto, então, tenho certeza de que estar nessa posição na parte de trás de nossa formação é incrivelmente estressante.

Depois de pendurar as roupas no varal, eu me viro para encará-la. Coçando a parte de trás do meu pescoço, eu falo algumas palavras.

“Hum, Srta. Haruhime… eu acho que você não deveria se esforçar tanto.”

“Eh?”

“Eu me lembro de quando entrei para a <Família>. Eu estava determinado a fazer o máximo que pudesse em nossa casa, cozinhando e limpando, para que a deusa não precisasse se preocupar com isso…”

Na época em que a <Família Hestia> foi formada, era apenas a deusa e eu.

Eu ganhava dinheiro na Dungeon e fazia o trabalho doméstico, assim como Haruhime está fazendo agora. No final, eu estava trabalhando demais e fiquei doente, o que acabou causando mais problemas para a deusa.

As circunstâncias podem ser um pouco diferentes agora, mas há momentos em que o corpo não consegue acompanhar o que a mente quer fazer. Ter um Status não muda isso. Eu explico tudo isso para Haruhime. Ela ouve com um olhar surpreso em seu rosto.

“Então, o que estou tentando dizer… Como eu falo isso?”

Tenho certeza de que discursos como este saem das bocas de Ouka e Finn sem problemas. Comparado com os outros líderes de <Famílias>, isso é patético… Mesmo assim, eu coloco meus pensamentos em palavras.

“… Em vez de se esforçar tanto, eu ficaria mais feliz em vê-la… pedindo por ajuda.”

Eu sorrio, meu rosto ficando vermelho novamente.

Eu gostaria de encerrar com algum tipo de discurso inspirador, mas ele não vem. Eu coço minha bochecha.

Ela olha para mim com olhos trêmulos, as mãos juntas sobre o peito na parte superior de sua roupa de empregada.

Seus olhos começam a lacrimejar, quase como se seu espírito tivesse sido lavado pelo que eu disse… Suas bochechas adquiriram uma tonalidade rosa claro.

“B-Bem, então… Posso pedir a ajuda do Mestre Bell agora?”

Ela está olhando para mim, quase como se ela fosse tímida. Até sua voz soa um pouco lenta.

Ela está seguindo meu conselho! Isso é ótimo, estou muito feliz! De repente, ela estende o braço direito.

“Estaria tudo bem se você… segurasse minha mão…?”

“Hã?”

Eu pisco algumas vezes. De onde veio esse pedido?

Eu congelo no lugar, mas estou muito ciente do calor pulsando em minhas bochechas. Com suor escorrendo pelo meu rosto, tento encontrar as palavras certas para educadamente recusar… Mesmo assim, ela não retira a mão, esperando e corando ainda mais.

Olhando para suas orelhas de raposa e cauda tremendo assim, eu meio que sinto pena dela. O que devo fazer? Eu realmente não tenho ideia, mas mesmo assim, estendo uma mão trêmula e seguro seus dedos finos.

“Ah…”

Eles estão frios.

Não apenas frios, os dedos de Haruhime estão congelando.

Eu movo meus dedos para segurar sua mão inteira e vejo seus ombros subirem. Seu corpo inteiro está tremendo, até a cauda.

“Pe-Pedir a você… para usar as duas mãos… seria aceitável…?”

“Hum, claro…”

Eu atendo seu pedido imediatamente.

Eu levanto minha mão esquerda e seguro sua mão direita contra as minhas palmas. Então ela coloca a mão esquerda por fora da minha mão direita, nossas mãos se sobrepondo como em um aperto de mão duplo.

… O que… é isso?

Seu tremor parou. Ela fecha os olhos e aperta minhas mãos como se para absorver todo o calor. Suas bochechas — e as minhas — estão vermelhas.

Minha frequência cardíaca acelera, mas minha mente começa a desacelerar.

“O que você pensa que está fazendo, Haruhime?”

“Ah!”

Estou segurando as mãos dela há cerca de um minuto.

De repente, uma voz assustadoramente baixa chama seu nome de perto. Ela quase salta para fora de sua pele.

Isso também me pega de surpresa. Eu olho e lá está a deusa, em pé com as pernas afastadas, os braços ao lado do corpo e olhando para nós.

“HIYAA!” Ela pula para frente, rabos de cavalo chicoteando atrás dela como ondas no oceano enquanto ela desfere um golpe em nossas mãos.

Ai!!

Haruhime, e eu nos separamos imediatamente.

“Bell pode ter causado isso a si mesmo, mas você é bastante encrenqueira, Haruhime. Eu vou ter que ficar de olho em você, não é?”

“La-Lady Hestia! Isso é um mal-entendido! Não há um significado…!”

“Nenhum significado? Esse seu rosto vermelho diz o contrário!”

Haruhime pode ter nascido em um berço de ouro e não saber muito sobre o mundo real, mas essa inocência parece ter irritado a deusa. Posso sentir a raiva emanando dela.

Seus olhos azuis brilham em um flash de fúria dirigido a menina raposa, esquecendo-se de mim por um momento. Mas esses rabos de cavalo… Eu não consigo me mover. É tão embaraçoso! Meu silêncio aciona uma série de gestos em Haruhime, que tenta desesperadamente explicar a situação.

Assim que ela chega na parte sobre eu lhe dizer para pedir ajuda, o olhar da deusa muda em minha direção. Surpreendentemente, Lady Hestia faz uma cara gentil e cruza os braços assim que Haruhime termina.

“Ah, entendo. Bem, não há nada que possamos fazer sobre isso”

“E-Então você está disposta a ignorar…!”

“É o que você pensou que eu ia dizer, HUHHHHHHHHH?”

“M-M-M-Minhas mais sinceras desculpas!”

Lady Hestia estava na metade de um aceno exagerado quando ela de repente joga ambos os punhos no ar em uma finta de proporções épicas. Haruhime recua com medo, cobrindo sua cabeça com as duas mãos. A deusa está balançando os punhos no ar enquanto seus seios, que são ainda maiores do que os de Haruhime, pulam em sincronia com seus movimentos.

Parece que falta algo nesta interação entre uma ex-membro da nobreza, e a deusa furiosa.

“Haruhime… esqueci de mencionar isso antes, mas existem regras na minha <Família>. Claro que relacionamentos impuros entre homem e mulher estão fora dos limites, mas isso inclui dar as mãos!”

“Ehhhh?”

As palavras da deusa atingiram Haruhime como uma parede de tijolos.

Mas, hum, esta é a primeira vez que ouço essa regra…

Eu tenho a sensação de que não poder pegar nas mãos um dos outros pode causar problemas na Dungeon…

“Eu era uma das três principais deusas virgens de Tenkai! Moral é importante e deve ser protegida!” a deusa declara. Haruhime não sabe o que fazer, ela apenas fica olhando entre Lady Hestia e eu até que sua cabeça cai.

“Eu não tenho desculpas, Lady Hestia… Serei mais cuidadosa no futuro.”

“Ótimo. Contanto que você entenda, tudo bem.”

Haruhime parece realmente deprimida enquanto a deusa acena solenemente acima dela.

Ela se encolhe o máximo possível, dizendo que obedecerá as regras da <Família> e vira as costas para mim — espere, o que é isso?

Um lampejo dourado vindo da parte de baixo de sua cintura. Sua cauda voa em minha direção.

Ele se envolve em torno do meu pulso como se tivesse vontade própria.

“…”

“…”

“…”

Sua cauda macia aperta meu pulso algumas vezes, enquanto a deusa e eu ficamos completamente silenciosos.

A linguagem corporal de Haruhime é oprimida e complacente, mas suas orelhas de raposa estão girando em todas as direções.

“HIYAA!”

“EEEEEK!”

O segundo golpe da deusa derruba a cauda de Haruhime no chão.

A garota raposa solta um grito.

Lady Hestia se ergue sobre ela como um inferno furioso. Haruhime está com as mãos e joelhos no chão, curvando-se continuamente enquanto se desculpa com toda sua força. Eu observo o espetáculo, suando sob o céu do início da manhã.

*****

“Todo mundo está ouvindo? Eu não vou dizer que não podem ter relacionamentos, mas a moral deve ser respeitada.”

A deusa reuniu todos depois do café da manhã e fez um anúncio.

Estamos na espaçosa sala de estar da mansão. Todos nós fomos convocados para a mesa principal antes de irmos à Dungeon.

Hoje é o dia de folga da deusa de seu trabalho de meio período. Ela faz contato visual com cada um de nós, um por um.

“É por isso que pessoas de sexos opostos estão proibidas de se tocar fisicamente. Segurar as mãos é definitivamente um não.”

“Isso é tirania!”

Os olhos da deusa se fecharam assim que as palavras saíram de sua língua. No entanto, Lili foi rápida em contestar.

Haruhime, aquela que causou esta reunião, parece realmente arrependida. Ainda vestida com sua roupa de empregada, ela serviu chá a todos antes de se sentar em sua cadeira, tentando permanecer o mais despercebida possível.

Bem, todas as <Famílias> têm regras que são decididas por seus deuses e deusas, e esta parece ser uma delas… Mas acho que proibir o contato físico entre homens e mulheres está indo longe demais…

“Nesse caso, Lady Hestia também está sujeita a esta regra, certo? Lady Hestia nunca deve tocar no Sr. Bell ou no Sr. Welf por qualquer motivo!”

“E-Eu sou uma deusa!”

“Isso não importa! Como pode uma deusa esperar que seus seguidores obedeçam uma regra que ela mesma não obedece?”

Ela está certa — meu Status nunca será atualizado! Outras objeções surgem ao redor da mesa, pedindo a ela que não fizesse regras estranhas enquanto sua discussão de Lili se espalhava como um incêndio.

Mikoto está tão nervosa quanto eu. Posso ver o suor escorrendo por sua bochecha. Welf suspira para si.

“De qualquer maneira, todo contato desnecessário está proibido. Isso inclui relacionamentos com membros de outras <Famílias>!”

“Hã?!”

Essa última parte chamou minha atenção bem rápido.

“Qual é sua surpresa, Bell? Isso deveria ser senso comum. Isso significa que há alguém que você gosta em uma <Família> diferente? E mesmo assim, não há nenhuma maneira de você querer ter um relacionamento com ela, certo?”

“Não, bem, isso… não foi isso que eu quis dizer…”

Uau, suas palavras foram afiadas. Como posso responder a isso?

Se envolver com alguém de uma <Família> não amigável — basicamente ter um amor proibido — só coloca a <Família> em perigo. O que ela está dizendo está absolutamente certo, é senso comum. É óbvio, mas mesmo assim…

Eu olho em volta da mesa e, surpreendentemente, Lili ficou quieta. Ela estava inflexível antes. Haruhime está olhando desconfortavelmente entre a deusa e eu enquanto Welf massageia sua nuca. “Aqui vamos nós de novo… ” ele diz baixinho.

Bem, ele não está errado…

Eu olho para a mesa e desisto de tentar me opor à regra da deusa.

“Se me permite, esta regra também se aplica a divindades?… É errado nutrir sentimentos por um deles?”

Mikoto lentamente levanta sua mão trêmula.

Suas bochechas ficaram vermelhas. Todos nós, incluindo a deusa, somos pego de surpresa por sua pergunta.

“Oh, é mesmo. Você tem uma queda pelo Take…”

“E-Eu não estou perguntando apenas sobre o Lorde Takemikazuchi! E-Eu só…! “

“Eu não vou ficar no caminho! Na verdade, é isso!”

Uma luz acende em seus olhos. Ela deve ter pensado em algo. Até seus rabos de cavalo saltam no ar.

“Isso deve ser encorajado! Divindades e filhos formando casais parece ótimo para mim! Claro, existem algumas divindades que devem ser evitadas a todo custo, mas se for alguém como Take, não vejo problema nisso.”

“C-Casal…?”

Eu me encolho na minha cadeira enquanto as palavras saem da boca da deusa.

Haruhime ainda não está acostumada com o vocabulário da deusa e inclina a cabeça em confusão. Lady Hestia se vira para mim, seus olhos brilhando.

“É como aquelas histórias de antes de virmos para Gekai! Muitos romances aconteciam entre fadas e crianças! Não é mesmo, Bell? Você não acha que isso parece maravilhoso?”

“Hum, c-claro…”

Tudo que posso fazer é acenar.

Romances entre fadas e humanos ou semi-humanos são comuns em histórias que datam dos Tempos Antigos.

Infelizmente, a maioria desses contos de fadas e histórias de heróis terminam em tragédia.

Eu paro por um momento para organizar meus pensamentos, mas Lili pula de sua cadeira com algo importante a dizer.

“Não se deixe enganar, Sr. Bell! Estar com uma divindade é uma receita para o desastre! Idade é um conceito estranho para os imortais, e seu amor é intenso! A morte vai se tornar a única saída de um relacionamento pegajoso que durará até o fim dos seus dias!”

“Ei! O que você acha que somos?”

Lili se recusou veementemente a sequer pensar sobre um romance envolvendo os deuses de Tenkai. Assim que seu discurso chega ao fim, Lady Hestia olhou para Welf.

“Alguma ideia?”

“Eu acho… o que você está dizendo está certo, Lady Hestia.”

“Sério, Sr. Welf?”

“Não há necessidade de chamá-lo de ‘amor proibido’ ou algo parecido. As divindades cuidam de nós, mostram seu carinho a sua maneira. Se eles querem mudar a natureza do relacionamento, então não é tão estranho. Pelo menos, é isso que eu gostaria que acontecesse.”

O queixo de Lili cai. Até eu estou surpreso com a confissão de Welf.

“Hã? Eu não sabia que você tinha uma queda por deusas, Welf… “

“Eu só tenho olhos para Lady Hephaistos.”

“Oh-oh-oh! Sim, crianças com esse tipo de mentalidade direta são raras hoje em dia! Bem, estou torcendo por você!”

“Obri…gado?”

Lembro-me de ouvir algo sobre isso no décimo oitavo andar, quando ele estava conversando com Tsubaki… Isso é um grande choque. Hestia está sorrindo para ele e dando tapinhas entusiasmados em seu ombro, já que Welf está sentado ao seu lado.

Ele é muito mais alto do que ela, e ainda assim, ele apenas fica sentado lá, assistindo com confusão a atitude da deusa.

“Você ouviu isso, Bell? O poder do amor pode quebrar barreiras entre raças e deuses!”

Ela está cheia alegria enquanto afundo na minha cadeira o máximo possível.

Quando esta reunião se tornou sobre mortais tendo relacionamentos com deuses?

Aqueles que concordam com a deusa são os calmos, frios e contidos Welf e Mikoto.

É claro que Lili é contra isso. Eu não sei quanto a Haruhime, mas a julgar pela expressão em seu rosto, eu diria que ela não concorda com a deusa.

A <Família> está dividida em duas, e a deusa está olhando para mim com expectativa em seus olhos.

“Então, Bell, o que você acha?”

“E-Eu…?”

“S-Sim… tipo, digamos que eu fosse a deusa de uma <Família> diferente e… Oh, não, não, não, não, não, não!”

Seu rosto fica vermelho como uma beterraba, suas mãos balançando para frente e para trás. “A-Hem!” Ela limpa a garganta.

Em seguida, ela direciona seu olhar para mim.

“Se outra deusa lhe oferecesse seu amor… O que você faria?”

A sala fica em silêncio, a pergunta da deusa pairando no ar.

Todos estão esperando minha resposta. Lili engole em seco e se inclina para frente em sua cadeira. Welf e Mikoto parecem interessados ​​enquanto Haruhime observa, sua cauda inquieta se contorcendo atrás dela.

Assim como Lili, a deusa espera com a respiração suspensa, seus misteriosos olhos azuis fixos em mim.

Tenho que dizer algo antes que a atmosfera fique muito pesada para respirar.

“Eu, hum, a recusaria…”

Não havia nada em que pensar. Era apenas uma questão de colocar as palavras para fora.

A deusa se encolhe.

Os olhos de Lili e Haruhime se arregalam. Welf e Mikoto parecem genuinamente surpresos.

Algo nas reações de todos parece… Estranho. Eu tento explicar minha resposta conforme o clima fica cada vez mais desconfortável.

“Eu só não penso em deusas dessa maneira… Eu ficaria feliz, claro, mas não faz sentido. Seria muito sufocante.”

Um relacionamento com um ser divino? Eles não são como nós — eles são deuses.

Welf e Mikoto parecem ter uma opinião diferente sobre o assunto… Mas, sim.

Eles são seres especiais que deveriam ser reverenciados, adorados e respeitados.

Estou mais do que feliz em interagir com eles como parte de uma <Família>, como um “filho” de Gekai, mas… eu acredito que há uma linha que não deve ser cruzada.

“B-Bell…”

A linguagem corporal da deusa muda tão rapidamente que praticamente posso ouvir a explosão de seu humor atingindo o fundo do poço.

Seu rosto está para baixo, seu corpo inteiro está tremendo… Ela se levanta rapidamente.

“Bell, seu idiota!”

“D-Deusa?”

Ela corre em direção à porta a toda velocidade, sua voz ainda ecoando pela sala de estar.

Ela cobre os olhos com o antebraço e corre pelo corredor, seguindo todo o caminho para a entrada da frente e através do portão.

Estou quase caindo da cadeira, os ouvidos ainda zumbindo.

“Bell… você é pior do que eu pensava.”

“Hã? M-Mas… deusas são deusas…! “

Da janela da sala, eu pego um vislumbre dela correndo pela rua. Welf se aproxima de mim enquanto estou tentando decidir se devo segui-la ou não.

Até eu posso ouvir a perturbação em minha voz quando Lili e as meninas se juntam a nós.

“Você tem um argumento válido, Sir Bell. Há pessoas que respeitam divindades, mas…”

“Sim, mas o mesmo é válido para muitos seguidores devotos…”

Mikoto parece estar tendo dificuldade em escolher suas palavras, e Haruhime parece tão confusa quanto. Até Welf está olhando para mim — “Por que você teve que ir tão longe?” — como se todos eles pensassem que minha opinião sobre divindades não é normal.

Eles não estão me criticando, mas eu me sinto um estranho aqui.

“Se, apenas se… Apenas como exemplo.”

Alguns momentos de silêncio pesado se passam. Então Lili olha para mim.

“Se por acaso Lady Hestia secretamente tenha sentimentos por um humano aqui na Terra… A escolha de palavras do Sr. Bell pode ter ferido seus sentimentos.”

Demorou um pouco para chegar ao ponto. Eu vejo as sobrancelhas dela afundarem enquanto meus olhos ficam maiores a cada palavra.

“… Ei, Bell.”

Welf estava me observando de lado e falou.

“De que você tem tanto medo?”

“…!”

Eu não consigo respirar.

A pergunta de Welf passa direto por mim. Minhas mãos se fecham antes que eu perceba.

Depois de mais alguns segundos, ainda não tenho uma resposta para ele. Eu desvio o olhar de todos.

“… Eu vou encontrá-la.”

Saio da sala como um prisioneiro fugindo da prisão.

Sinto seus olhos em mim, mas ninguém diz nada enquanto corro para fora da porta.

“Pequena L, você tem certeza de que foi uma boa ideia? Falar aquilo.”

Depois que Bell deixou a sala, os quatro membros restantes da <Família Hestia> olham para a porta aberta por alguns momentos antes de Welf se virar para falar com Lili.

“… Lili não se importa. Lady Hestia também é nossa deusa. As coisas nunca vão se acalmar sem corrigir isso… E ela está sempre metendo o nariz nos negócios de Lili, como na outra semana.”

Welf queria ter certeza de que ela estava bem em ajudar sua rival.

Embora ela tenha sussurrado a última parte, ela se virou para responder rapidamente.

Mikoto e Haruhime souberam imediatamente que Lili não estava sendo completamente honesta. No entanto, seus sorrisos discretos estavam à beira de se tornar gargalhadas.

Welf também não conseguiu conter um sorriso.

“Bem, eu acho que isso significa que a exploração da Dungeon não vai acontecer hoje.”

“Eu também acho.”

Mikoto acenou com a cabeça após a fala de Welf. Não houve objeções.

O menino e a deusa fariam as pazes em breve, e eles queriam estar em casa para recebê-los.

*****

Eu vou para a cidade para procurar a deusa.

Muitos aventureiros já estão a caminho da Dungeon, tornando as ruas animadas e lotadas. Mesmo os cidadãos comuns estão ocupados arrumando suas lojas, e os táxis puxados por cavalos estão começando a entrar e sair das principais vias da cidade.

O céu acima de Orario está claro novamente hoje. No entanto, há um aglomerado de nuvens cinzentas se reunindo ao norte. As montanhas lá em cima podem ter um pouco de chuva hoje — eu penso comigo mesmo enquanto faço meu caminho pelo tráfego em uma corrida lenta.

Não há nenhuma pista de para onde a deusa foi depois de sair casa. Não posso vasculhar a cidade até encontrá-la, é muito grande para isso.

Eu não consigo tirar a expressão que ela tinha da minha cabeça. As palavras de Lili estão se repetindo continuamente. Ignorando a dor aguda em meu peito, eu pergunto a lojistas e pedestres se viram uma deusa de aparência jovem passar por este caminho.

“Oh…? Se não é o Bell.”

“É ele mesmo. Ei, Bell!”

“Ah… Lorde Miach e Lorde Hermes?”

Encontro os dois deuses por coincidência quando estou na metade do Bloco Ocidental.

Lorde Miach está empurrando um carrinho de quatro rodas cheio de poções e outros itens, enquanto Lorde Hermes está usando seu costumeiro chapéu de penas. Ele deve ter escapado de Asfi porque eu não posso vê-la em lugar nenhum. Ela normalmente o segue como um guarda-costas.

Uma divindade com cabelo longo e azul, a outra com cabelo curto e laranja, e ambos tão bonitos que eu não ficaria surpreso se um artista houvesse esculpido seus rostos em pedra. Eu digo bom dia para eles, mas não posso deixar de pensar que esta é uma dupla incomum.

“Posso perguntar o que vocês estão fazendo tão longe em uma rua secundária?”

“Bem, acabei de receber uma oferta para participar de um esquema. Este homem aqui quer usar os produtos da minha <Família> para fazer dinheiro fácil, e eu estava tentando encontrar uma maneira de recusar.”

“Ei, ei! Miach! Por que você tem que dizer algo assim? Eu não estou planejando nada!”

Lorde Miach diz tudo com um sorriso no rosto, mas ele está se segurando para não gargalhar. Não há nenhum indício de seriedade em sua voz. Lorde Hermes está sorrindo também, então provavelmente era apenas uma piada. Eu ouvi que a <Família Hermes> faz diversos tipos de serviço. Quer seja explorando a Dungeon, em um serviço de entrega ou em empreendimentos econômicos, eles tentarão de tudo para obter lucro. Ele provavelmente queria fazer algumas perguntas de negócios a Lorde Miach.

Sinto um sorriso crescendo em meus lábios quando de repente me lembro do porque estou aqui. Então eu pergunto aos dois.

“Héstia? Hmmm, desculpe, Bell. Eu não a vi.”

“Eu também não. Desculpe, não sou de muita ajuda.”

“N-não é um problema. Obrigado por ouvirem, mas eu devo ir…”

Eu gaguejo um pedido de desculpas e inclino a cabeça. Estou prestes a virar e sair quando, naquele momento.

“Bell.”

Lorde Miach chama minha atenção, olhando calmamente para mim.

“Se você não estiver com pressa, nós vamos ouvir.”

“Hã…?”

“Vamos lhe oferecer alguns conselhos, Bell. Há algo em sua mente, não é?”

Lorde Miach sorri quando eu olho para ele em estado de choque. Lorde Hermes também está sorrindo.

… Eles me leem como um livro aberto, eles podem ver em meu coração pesado.

Os dois deuses olham para mim como pais cuidando de seus filhos. Eu hesito por alguns segundos. No final, evito dizer a eles o que aconteceu na mansão, indo direto para ao ponto.

As divindades são capazes de amar? Mais especificamente, como eles se sentem em relação a nós mortais?

“Lorde Miach, Lorde Hermes… Vocês. Os deuses se apaixonam por pessoas? Tipo, vocês se tornam mais do que amigos, algo como parceiros para o resto da vida…?”

Meus olhos traçam os padrões no pavimento de pedra sob meus pés enquanto falo. Eu vejo os dois deuses se olharem com o canto do meu olho.

Suas expressões se iluminam, como se isso fosse tudo que eles precisassem para descobrir o que estava acontecendo. Eles começam a falar.

“Acontece, com certeza. Somos surpreendentemente vulneráveis ​​a isso, para dizer a verdade.”

“Concordo. Tenho certeza de que você se lembra de Apolo, Bell? Para ele, o amor não tinha limites.”

Lorde Apollo… O deus contra quem lutamos nos Jogos de Guerra.

Frequentemente chamado de <Fálus>, ele certa vez ofereceu a Hestia sua mão em casamento. Apollo é um deus que ama demais.

“Uma vez que uma criança atrai o interesse de Apollo, ele os ama plenamente e profundamente até o fim.”

“Assim como Miach estava dizendo, aquele cara valoriza tudo por completo… E sempre que um de seus filhos morre, ele passa dos limites, até para nós.”

Isso tudo é uma grande surpresa para mim.

“Passa… dos limites…?”

“Com certeza. Chorando dia após dia por meses a fio. Se a criança usasse algum tipo de joia, Apollo a usaria dia e noite. Se uma árvore crescesse onde a criança foi enterrada, ele iria tratá-la como um local sagrado.”

“Eu tenho certeza que ele não foi tão longe…”

“Oh, ele foi.”

Eu expresso minha dúvida, mas Lorde Hermes ri.

“Mas Takemikazuchi, por outro lado, assumiu um papel mais paternal. Mesmo que uma garota mortal o amasse de todo o coração, perseguisse seu amor aos confins da terra, tenho certeza de que ele colocaria um limite. Ele não é o tipo que pode fazer uma mulher realmente feliz.”

“Hephaistos é um pouco mais complicada. Para ela, observar o crescimento de seus seguidores como ferreiros traz mais felicidade, como uma mestra artesã assistindo seus alunos entrarem em ação. Eu não sei se ela seria capaz de dar um passo além disso. Suas interações com as crianças são provavelmente uma mistura de cordialidade como um deus e seus sentimentos como mulher.”

Lorde Miach usa Lorde Takemikazuchi como outro exemplo, e Lorde Hermes fala sobre Lady Hephaistos com um sorriso no rosto.

Eles me falam sobre todas as formas que o amor dos deuses pode assumir, seja a incapacidade de produzir uma prole, um senso teimoso de obrigação paterna, ou a orientação de um colega artesão.

“Carinho, simplesmente prestar atenção, observá-los entrar em seu próprio como um pai… Cada um de nós tem sua própria maneira de amar nossos filhos. Existem alguns de nós que guardam suas memórias com crianças por toda a eternidade e outros que se esquecem de imediato e, no do outro lado do espectro, há uma Deusa da Beleza que é conhecida por perseguir as almas de seus filhos falecidos até o outro lado para que ela pode mantê-los para si.”

Lorde Hermes estreita os olhos, seu olhar passando por mim.

“Nossa forma de amar pode parecer um pouco distorcida, por falta de uma palavra melhor. Especialmente do seu ponto de vista, Bell.”

“E-Eu não diria isso.”

Lorde Miach está sorrindo para mim, mas eu rapidamente discordo de sua declaração.

Eu discordo, mas também não posso rejeitá-la.

“… E você, Lorde Miach? Lorde Hermes?”

A multidão aumenta por um momento, tornando muito difícil ouvi-los.

Eu olho para cada um deles e pergunto assim que a multidão se move.

“Deixe-me pensar… Takemikazuchi e eu temos muito em comum. Eu gostaria de ver meus filhos encontrarem um parceiro, começar uma família e estar ao lado dele… como um deus, até que eles passem para o próximo reino, porque eu tenho sentimentos por eles.” Lorde Miach olha para o céu azul enquanto fala.

“Ei, ei, não precisa pensar tanto nisso! Você e Takemikazuchi? Eu mantenho todas as mulheres que eu gosto a minha disposição! Não está certo, Bell? Um harém é o romance de um homem!”

Quanto a Lorde Hermes, eu não posso dizer o quão sério ele está com aquele brilho em seus olhos e tom de brincadeira em sua voz.

“Você ainda está falando essa besteira…?” Lorde Miach lança seu olhar sobre a outra divindade, levantando uma sobrancelha. Eu sorrio fracamente com o fato de que Lorde Hermes esperava que eu concordasse.

“Bell. Nosso amor dura apenas um momento.”

Então.

Lorde Miach fala comigo com um sorriso gentil nos lábios.

“O tempo não tem sentido para nós. Existindo a tanto tempo quanto nós, o sentimento de se apaixonar e manter essa conexão acaba em um piscar de olhos. Muitos de nós nos apaixonamos por crianças à primeira vista.”

“Para nós, tudo acaba num instante. Mas para vocês mortais, pode durar a vida toda.”

Meus olhos se arregalam quando Lorde Miach e Lorde Hermes concluem seus pensamentos. Eles são imortais, e seu tempo conosco é muito limitado… Basicamente, nós desaparecemos em uma questão de segundos para eles. É uma das coisas mais tristes que já ouvi, então, por que os dois parecem tão contentes?

“Eu não vou dizer que você precisa, mas… por favor, aceite os sentimentos de uma divindade por você.”

Lorde Miach fecha os olhos.

“Bell, você tem uma parceira em mente, não é?”

“E-Eu, hum…”

“Não há necessidade de se desculpar ou se humilhar por ser guiado em círculos pelos desejos de uma divindade. Siga seu coração e isso é o suficiente.”

Meu corpo começa a tremer, quando de repente Lorde Miach estende a mão.

Ele dá um tapinha de leve na minha cabeça.

“Apenas… Tenha fé. Isso é tudo que você precisa.”

Ele continua falando e bagunçando meu cabelo ao mesmo tempo.

“Tenho certeza de que muitos deuses ficarão satisfeitos com isso.”

“…”

Ele acrescenta mais uma coisa: “Por favor, não fuja do amor de uma divindade.”

Eu posso recusar, eu posso aceitar, mas não devo ter medo disso. Aquele olhar em seus olhos, o tom de sua voz, é como se ele pudesse ver através de mim.

Ele é um pouco mais alto do que eu. Então eu levanto a cabeça para olhá-lo, meus olhos tremendo.

Mas nenhuma palavra sai, e eu olho para meus pés.

Lorde Miach não diz nada para colocar a culpa em mim ou me fazer sentir culpado. Ele apenas fica parado em silêncio, acariciando minha cabeça suavemente. Meus olhos seguem o padrão das pedras novamente, meu coração girando em uma montanha-russa emocional.

Lorde Hermes nos observa com um sorriso. Nenhum deles pressiona por qualquer resposta, e eu aceito de bom grado sua gentileza. Nós três permanecemos em silêncio.

*****

“Maldita cabeça estúpida!”

Hestia ergueu os olhos lacrimejantes enquanto caminhava pelas ruas de Orario em um ritmo acelerado.

Passando pelo Parque Central, ela seguiu para a Rua Principal Norte. Tomando cuidado para evitar os aventureiros em seu caminho para a Dungeon, ela viajou uma grande distância desde que saiu da mansão naquela manhã.

“É tudo porque Bell tem muito respeito pelas divindades. Quero dizer, claro, é ótimo ser reverenciado e tudo, mas…!”

Sua voz era alta o suficiente para qualquer um que passasse ouvir. Alheia ao fato de que ela estava rapidamente se tornando o centro das atenções, Hestia expressou suas queixas sobre Bell sem diminuir o ritmo.

“Não é como se todos nós fossemos tão bons! Relaxando na primeira chance que temos, nos trancando em nossos quartos para comer Bolinhos de Batata Crocante… Nós nos cansamos de manter a imagem divina!”

Não, isso é só você. Todos os humanos e semi-humanos ao alcance da voz tinham o mesmo pensamento e expressão quando a jovem deusa passou.

“‘Outros deuses se divertem com facilidade, rindo das coisas mais simples! Mas eles são divindades, então eles devem ser reverenciados!’ Isso é exatamente o que você diria, não é?”

“E-Eu diria…?”

Hestia gritou para uma pessoa animal, um completo estranho, que era azarado o suficiente para estar em sua linha de visão.

“Ele diria, ele diria” a jovem deusa resmungou para si mesma, os olhos fechados quando ela assentiu. Os cidadãos de Orario estavam acostumados com as loucuras dos deuses e deusas e continuaram seus negócios sem pensar duas vezes.

“Você pode se abrir comigo, Bell! Não se desculpe tanto! Tenha coragem!”

As palavras explodiram de sua boca.

No entanto, todas suas divagações se misturaram ao barulho da rua agitada.

“Cabeça de coelho teimosa.” Reclamações e palavras aleatórias continuavam a sair de sua boca enquanto Hestia fazia seu caminho através da Rua Principal.

“Oh! Hestia! Na hora certa!”

“Hnnh…? Senhora chefe?”

Suspirando a cada passo, Hestia de repente parou quando ouviu alguém chamar seu nome.

Olhando para cima, ela viu uma mulher animal bastante rechonchuda acenando com os braços na entrada de uma das ruas laterais.

Era uma das mulheres que trabalhavam na mesma barraquinha de Bolinho de Batata Crocante que ela.

“Algo está errado?”

“Bem, o proprietário me enviou para pegar um carregamento de ervas que usamos para fazer os bolinhos de batata. Está fora da muralha agora…”

“Ervas? Você não pode simplesmente comprá-las no mercado?”

“Não, é muito caro. E já estamos com falta de mão de obra…”

A mulher deu a Hestia uma reverência de desculpas enquanto a deusa coçava a bochecha.

Hoje deveria ser o meu dia de folga… ela pensou consigo mesma, mas também sabia que não havia nada para fazer em casa, mesmo que ela voltasse. Ela chegou à conclusão de que também poderia ajudar.

Concordar em ajudar trouxe um sorriso ao rosto de sua colega de trabalho enquanto ela se curvava novamente mais algumas vezes.

“Mas, sabe, senhora, eu também sou a chefe de uma <Família>, então, não posso passar pelo do portão da cidade.”

“Ah, esqueci disso…”

Hestia comentou enquanto as duas empurravam o carrinho cheio de caixas e outras ferramentas diretamente para a muralha da cidade e do portão construído nele.

Era difícil para os aventureiros de Orario, ou qualquer pessoa pertencente a uma <Família>, incluindo o deus ou deusa principal, deixar a cidade.

Isso porque teria um efeito direto na força de batalha de Orario como um todo. Muitos problemas surgiriam se, por algum motivo, aventureiros de alto nível que aprimoraram suas habilidades na Dungeon — aventureiros pertencentes à <Família Loki>, por exemplo — deixassem a cidade e se aliassem com uma facção rival.

A principal razão pela qual Orario era chamada de “Centro do Mundo” era porque os indivíduos mais poderosos do mundo a protegiam. A Guilda era extremamente alerta às constantes ameaças à cidade e a ameaça de perder a proteção fornecida por aventureiros de primeira classe para qualquer um dos países próximos. Portanto, qualquer pessoa pertencente a uma das várias <Famílias> — especialmente as de alto escalão — tinham que passar por um rigoroso processo de triagem para passar pelo portão. Eles eram particularmente rígidos com as divindades. Mesmo que seus seguidores deixassem a cidade, uma situação de refém certamente ocorreria se as forças do inimigo capturassem um deus. Com a única exceção da <Família Hermes>, seria seguro dizer que ninguém poderia passar livremente pelo portão sempre que eles desejassem.

Entrar na cidade era simples, sair era muito mais difícil.

Era uma das regras não escritas de Orario que todos os moradores aceitavam.

“Vou até a muralha, mas não posso ajudar muito depois disso…”

A <Família Hestia> estava em alta e já era reconhecida como uma família de classe média pela Guilda. Como chefe dessa família, Hestia duvidava que ela pudesse passar pelo portão imediatamente. As duas chegaram a uma área aberta onde inúmeros comerciantes e táxis puxados a cavalo se alinhavam em frente ao portão enquanto Hestia explicava a sua situação.

Em frente ao imponente portão norte, funcionários da Guilda, aventureiros pertencentes a <Famílias> que trabalhavam próximas a ele, e dois porteiros estavam ocupados inspecionando as pessoas que tentavam passar pela barreira. Se alguém tentasse passar pelo portão sem um passe válido emitido pela Guilda, eles seriam presos e contidos no local.

Hestia e a mulher com quem ela trabalhava se juntaram a um grupo com mais cinco de seus colegas de trabalho esperando na fila. Ainda era um grupo pequeno para um grande trabalho. Cada um deles tinha seus passes de portão prontos. No entanto, a notícia de que Hestia não poderia ajudar muito fez com que a mulher animal colocasse a mão sobre a bochecha em contemplação. Isto poderia ser um problema.

De repente, a área ganhou vida com gritos e aplausos.

“Hã?” murmurou Hestia ao se virar para dar uma olhada.

“Sou eu! Eu sou Ganesha!”

“Oh, é apenas Ganesha.”

O deus era inconfundível. Sua voz forte e masculina, combinada com sua presença avassaladora, o tornava fácil de notar enquanto ele vinha por de fora do portão.

Sua pele escura, longos cabelos negros e músculos perfeitamente tonificados eram uma coisa, mas a máscara de elefante escondendo seu rosto era o que chamava mais atenção.

O deus no comando da maior <Família> de Orario, composta de muitos aventureiros da classe alta, apareceu em cena. Os cidadãos e mercadores presentes para testemunhar sua entrada o receberam com sorrisos e aplausos. Até mesmo os colegas de trabalho de Hestia ficaram felizes com a aproximação da divindade.

“O que eu vejo com meus próprios olhos: Hestia?!”

“Você não precisa anunciar todos os seus pensamentos ao mundo, Ganesha. Mas, por que você está aqui? Sua <Família> não foi chamada para batalha?”

O grupo de Ganesha se aproximou de Hestia, e ele fez uma pose bizarra.

“Desmontar!” ele gritou de seu assento em cima de um cavalo e pulou para o pavimento de pedra.

“Demoraria muito para explicar, mas a guerra está chegando ao fim. Então, eu voltei.”

“Isso não demorou muito.”

“Eu também trouxe comigo os soldados Rakianos capturados. Existem tantos que não podemos manter todos nos campos avançados.”

“Oh? Mas você tem certeza de que está tudo bem voltar para cá? Sua <Família> é enorme, a espinha dorsal das forças da Aliança, não é?”

“Não há necessidade de se preocupar com a maré da batalha! Meus seguidores mais fortes ainda estão na linha de frente! Eles me consideraram um incômodo e me pediram para voltar mais cedo!”

“É assim que seus filhos tratam você?”

“Bem, eu sou Ganesha!”

A voz masculina de Ganesha trovejou pela praça enquanto ele fazia mais uma pose incomum. Hestia estava perdendo a paciência rapidamente.

Hestia se dava bem com muitas divindades enquanto estava em Tenkai e estava familiarizada com o deus que usava máscara. Seria melhor dizer que ela não podia ignorar sua presença avassaladora e fazia o possível para tolerá-lo.

Ela não era a única. Os dois guarda-costas de Ganesha massageavam suas testas enquanto suportavam as peculiaridades de seu deus. Desta vez, foi a vez de Ganesha fazer uma pergunta.

“Então, Hestia, o que o traz aqui?”

“Bem, isso e aquilo e algumas outras coisas.”

Ela deu a ele um resumo rápido. Ganesha sorriu, seus dentes brancos brilhando à luz do sol.

“Se esse for o problema, eu mesmo concedo a você permissão! Vá, Hestia, você pode passar!”

“Espere, Lorde Ganesha!”

Seus guarda-costas imediatamente se voltaram para seu deus, se opondo enquanto Hestia observava surpresa.

“O que você está dizendo? Não podemos emitir permissão para algo assim pelas costas da Guilda…!”

“Eu sou o Deus do Povo, Ganesha! Bolinhos de Batata Crocante são pacotes de alegrias que trazem lágrimas de felicidade aos olhos das pessoas! Se elas forem incapazes de comê-lo, lágrimas de tristeza serão derramadas esta noite! Eu não posso permitir que tal crime aconteça às crianças!”

“Você ficou louco?” gritou um de seus guarda-costas enquanto os dois tentavam desesperadamente argumentar com ele, mas Ganesha não mostrou sinais de conceder.

Ganesha era definitivamente uma das divindades mais bizarras de Orario, mas como os gritos e aplausos da multidão ao seu redor provaram, ele também era um dos mais confiáveis. A fé nele era profunda.

Como seu título “Deus do Povo” mostrava, o povo de Gekai gostava bastante de Ganesha. Sua <Família> junto com a Guilda eram conhecidas por auxiliar em muitos eventos ao redor de Orario, bem como fornecer segurança e manter a paz. Até mesmo um dos guardas do portão norte pertencia à <Família Ganesha>, embora ele estivesse tentando esconder esse fato no momento.

A voz de Ganesha foi facilmente ouvida sobre o barulho na área, significando que os guardas ouviram cada palavra.

“Se a Guilda descobrir, eles não vão deixar isso escapar com um aviso!”

“Então eles não precisam saber, seguidor A!”

“Eles já sabem! Quantos de seus funcionários você acha que estão aqui agora? E meu nome é Modak!”

Algumas faíscas voaram entre o deus e seus guarda-costas, mas eles não conseguiram convencê-lo a recuar. Os dois desistiram, suas cabeças caindo em silêncio.

Ganesha se virou para Hestia e ergueu o polegar direito no ar.

“Tem certeza de que está tudo bem, Ganesha?”

“Claro. Você não é uma deusa que gosta de desordem, mas uma que traz alegria as crianças de Gekai! Agora, vá!”

Um sorriso radiante apareceu sob sua máscara de elefante. Hestia corou sem jeito e lhe deu um sinal de positivo em retorno.

Os guarda-costas de Ganesha sorriram cansados ​​enquanto os funcionários da Guilda permitiram que Hestia passasse pelo portão junto com seus colegas de trabalho.

“Lorde Ganesha é um sujeito estranho, mas devo dizer que ele é um grande deus!”

“Sim, eu acho. Meio teimoso, mas um cara bom.”

Hestia conversou com a mulher animal enquanto elas se juntaram à fila de mercadores e viajantes passando pela estrutura colossal do portão. Seus colegas de trabalho ainda estavam falando sobre o deus “peculiar” com a máscara de elefante que conquistou o coração de tantos cidadãos quando o grupo deu seu primeiro passo fora da cidade.

Uma vasta planície verde se abriu na frente deles na estrada que levava para longe. Montanhas se alinhavam no horizonte distante. Uma exuberante floresta verde podia ser vista em sua base.

“Pode chover em breve”, pensou Hestia enquanto olhava para as nuvens se reunindo no céu ao norte.

“Ainda não consigo acreditar que você realmente está fazendo isso. E se formos descoberto…?”

“Estou restringindo minha aura divina. Ninguém será capaz de dizer que sou um deus!”

“Fale baixo! Tentando entrar em plena luz do dia com tanta segurança? Você está louco…?”

Uma acalorada discussão chegou aos seus ouvidos.

Virando a cabeça, o grupo viu uma fila de pessoas do lado oposto do portão esperando para entrar. Na frente da longa linha sinuosa estavam dois homens altos usando mantos com capuz. Seus rostos estavam bem escondidos. Vestidos como viajantes, eles se misturaram muito bem com as muitas pessoas que vestiam o mesmo estilo de manto atrás deles na fila. Por algum motivo, ambas as vozes pareciam nervosas.

Os comerciantes na fila atrás dos dois homens trocaram olhares confusos enquanto ouviam a conversa. “Suponho que esse tipo de pessoa existe no mundo todo…” comentou a mulher animal ao lado de Hestia. A deusa, no entanto, não pôde deixar de se sentir um pouco desconfiada.

Então, quando o grupo de Hestia estava prestes a passar pelos viajantes encapuzados…

“Hã?”

Seus olhos se encontraram com os de um dos homens.

Fios de cabelo dourado estavam saindo de seu capuz, e ela sabia que já tinha visto olhos vermelhos como aquele em algum lugar antes.

O poder em seu olhar a fez parar. Ele também ficou em silêncio com a boca entreaberta.

Três segundos se passaram.

” Ares?!”

“Hestia?!”

O deus, e a deusa apontaram um para o outro, gritando ao mesmo tempo.

Hestia ficou chocada por estar cara a cara com o deus que estava tentando invadir a Cidade Labirinto, e Ares não podia acreditar que o alvo de seu último plano tivesse literalmente vindo até ele.

Os olhos vermelhos de Ares brilharam durante a descrença de Hestia.

Ele avançou para frente.

“Peguei você!”

“GuWAHHH!”

Ares se lançou e agarrou Hestia.

Com os olhos arregalados, ela foi tirada da fila pelo ataque perfeitamente cronometrado do deus.

Os dois rolaram na grama até que Ares se levantou e ergueu Hestia por cima do ombro.

“BWAH-HA-HA-HA-HA-HA! Você viu isso, Marius? Objetivo completo!”

“D-De jeito nenhum…!”

Ares removeu o capuz enquanto falava com o humano, Marius.

“Uwhhh…” A jovem deusa mal estava consciente, seus olhos girando enquanto ela estava curvada sobre seu ombro. Ele a ajustou rudemente e olhou para seus seguidores.

“Todas as forças, retirada total!”

Com isso, os “viajantes” na fila abriram caminho e correram a toda velocidade.

Foi um pandemônio. Claro, os guardas vieram correndo para o local imediatamente, mas Marius liderou um contra-ataque com a espada em mão. Os guardas estavam em menor número.

Gritos irromperam da multidão.

“Missão completa! Recuem, recuem!”

Ares olhou para a batalha antes de fugir com Hestia firmemente em seu ombro.

Seus aliados — os soldados de Rakia — interromperam o ataque e seguiram seu deus.

“Ah não! Hestia!”

Seus colegas de trabalho gritaram com toda a força ao ver Ares montar um cavalo e correr para longe.

*****

“Onde você esteve, Lorde Hermes?”

Uma mulher de cabelo curto azul-claro ruge para Lorde Hermes. Ele está andando bem ao meu lado, então vê-la se aproximando de nós me faz pular de surpresa.

Depois de conversar um pouco, achei que seria uma boa ideia continuar procurando a deusa. Lorde Miach e Lorde Hermes gentilmente ofereceram sua assistência. Eu me sinto meio culpado por arrastá-los para isso, mas não havia nenhuma razão para recusar a oferta. Então, estávamos caminhando juntos quando Asfi, um membro da <Família Hermes>, aparece sem fôlego e com muita raiva.

Lorde Hermes parece muito desconfortável enquanto Asfi segura os óculos com uma mão para evitar que caiam e começa a falar.

“Você disse para te seguir, mas depois desapareceu para sabe-se lá onde…!”

“Bem, hum, eu ouvi algo interessante e apenas…”

“Apenas o quê?”

“Ah, deixa pra lá. Desculpe!”

Oprimido pela fúria de sua seguidora, Hermes oferece um pedido de desculpas, seu rosto brilhando de suor.

Só depois de obter uma vitória moral sobre seu deus, Asfi percebe que também estamos aqui. “Minhas desculpas por essa exibição desagradável…” Ela se curva para nós enquanto Lorde Miach, e eu sorrimos fracamente.

Endireitando-se, ela ajusta os óculos sobre os olhos azuis.

“Se você não se importa com a minha pergunta, o que você estava fazendo com a minha divindade traz-muitos-problemas-e-não-vale-a-pena?”

“Ehh, hum… bem …”

Uma quantidade excessiva de suor escorre pelas minhas costas quando começo a explicar a situação, quando de repente…

Os ecos de muitos passos apressados ​​chegam aos meus ouvidos.

“O que é isso?”

O que vejo quando me viro me deixa sem palavras.

Há um grupo de semi-humanos com armaduras completas e armas metálicas que ecoam a cada movimento.

Além disso, há uma cavaleira loira de olhos dourados entre eles.

“Se-Senhorita Aiz?!”

“É você…”

Aiz, com o sabre na mão, responde ao meu grito assustado.

Ela para por um momento, e eu tenho uma visão clara de seu peitoral de prata e manoplas. Ela está até mesmo equipada com armadura de ombro. Não há dúvidas que ela está vestida para a batalha. Assim como os outros membros da <Família Loki> que estão com ela.

Eu nunca vi um grupo de aventureiros prontos para a batalha correndo pelas ruas da cidade em formação. O mesmo deve ser verdade para Lorde Miach, Lorde Hermes e Asfi, porque a tensão no ar deixou todos nós mudos.

Aiz olha diretamente para mim e vejo seus lábios se moverem.

“Todos vocês, venham conosco.”

“A Baixinha foi raptada!”

Orario, portão norte.

A voz de Loki ecoa pela área em frente ao portão da borda norte da muralha da cidade.

Ela não estava sozinha. O general de sua família, o Pallum Finn, junto com vários outros de seus seguidores e até mesmo alguns deuses, se reuniram.

“Isso mesmo! Algum deus estranho levou Hestia embora…!”

“Um grupo de soldados de Rakia se misturou aos viajantes! Todos eles se espalharam assim que Hestia foi levada!”

A pessoa animal que trabalhava com Hestia e um funcionário da Guilda estavam à beira do pânico enquanto explicavam a situação.

Tudo aconteceu há cerca de dez minutos. Funcionários da guilda foram despachados para entregar a notícia por toda Orario imediatamente. Não é preciso dizer que a Sede da Guilda foi informada, mas os mensageiros também visitaram as casas de <Famílias> poderosas. A partir daí, a notícia se espalhou para os deuses e aventureiros de classe baixa. Contudo, devido ao fato de que não passou muito tempo, apenas o pequeno grupo de Loki e Finn chegou ao local.

Comerciantes e viajantes que tentavam entrar ou sair da cidade conversavam animadamente entre si quando Loki chegou. “Dahh…” A deusa beliscou a ponta de seu nariz em uma tentativa de evitar uma dor de cabeça enquanto olhava para o céu.

“Finn.”

“Desculpe. Não posso prever o que os deuses farão…”

Loki olhou para Finn, claramente querendo dizer algo. O Pallum  esfregou o lado do rosto com a mão.

As ações de Hestia e Ares eram impossíveis de compreender para meros mortais. Ser forçado a vir teve seu preço no “Mais Corajoso”, seu rosto mostrando sinais de estresse.

“Então me diga… Quem foi o gênio que deixou a Baixinha passar pelo portão em primeiro lugar? Oh, foi você, Ganesha?”

“… E-Eu sou Ganesha?”

“Ei, onde está sua coragem de sempre?”

O mau humor de Loki era evidente em seu olhar. Ganesha se encolheu, fazendo uma pose dócil.

A divindade geralmente barulhenta e energética mal era audível enquanto explicava a sequência de eventos que levou à captura de Hestia.

“Então, como você é um idiota, você a deixou passar pelo portão?”

“Uh, sim.”

“Essa máscara está estrangulando seu cérebro? Ela é estúpida o suficiente, você não tem que fazer o seu papel, seu idiota!”

“… Porque eu… eu sou Ganesha!”

“Eu não estava perguntando!”

“Guilda, levem-no embora!” Loki gritou com os guardas uniformizados do portão.

“Nããão!” lamentou Ganesha com a cabeça nas mãos. Enquanto isso, seus guarda-costas e membros de sua <Família> trabalhando com a Guilda olharam para ele com “nós avisamos” estampado em seus rostos.

“Baixinha peituda, por que você tem que tornar as coisas mais difíceis do que elas tem de ser…?”

Depois de olhar os guardas feridos que estavam deitados no chão, Loki olhou para o céu e cuspiu sua própria insatisfação para o ar.

“Rakia sequestrou a Baixinha… o que quer dizer que eles estão atrás das Espadas Mágicas dos Crozzo de novo?”

“Parece que sim. Muito provavelmente, eles vão exigir espadas mágicas ou o próprio Welf Crozzo em troca de sua libertação… Não importa o que façamos, uma fenda vai dividir Orario.”

A cidade de Orario não era uma fortaleza unida. Mesmo se a Guilda usasse todos os recursos a sua disposição para afastar Rakia, as divindades mais próximas de Hestia — especialmente a poderosa e influente <Família Hephaistos> — fariam objeções pela forma como a situação foi tratada, e a cidade seria dividida em dois campos diferentes. Se o pior acontecesse, essas divisões iriam deixá-los vulneráveis a ameaças de outros países e cidades.

“Perder nossa vantagem de uma maneira tão estúpida pode realmente prejudicar nossa reputação…” murmurou Finn.

“Devemos resgatar a Deusa Hestia antes que as forças inimigas alcancem seu próprio território. Não fazer isso pode ser catastrófico.”

“Ahh, droga! Por que eu tenho que limpar a bagunça de Baixinha?”

Finn franziu a testa enquanto explicava o que poderia acontecer enquanto Loki puxava seu próprio cabelo ao lado dele.

Mais aventureiros e deuses estavam chegando ao local, suas reações a situação variando de preocupação à alegria interessada pelas divindades. Uma reunião estratégica começou imediatamente.

“Loki, Finn.”

“Ei, Aiz, você está aqui. E quanto a Riveria, e as gêmeas?”

“Eu sou a única. E…”

Os outros aventureiros de primeira classe da <Família Loki> não estavam em casa quando o mensageiro entregou a notícia, o que significa que Aiz foi a primeira a chegar. Ela trouxe um grupo de seus aliados de baixo nível com ela, junto com Hermes, Asfi, Miach e, por último, Bell.

Como se puxado para frente pelo olhar de Aiz, Bell correu até Loki e Finn com fogo em suas veias.

“É… É verdade? Lady Hestia foi sequestrada…?”

“… Eu vou te dar a versão curta. Bell Cranel, ouça.”

Aiz havia atualizado o menino parcialmente sobre a situação, mas estava faltando vários detalhes. Finn preencheu os espaços em branco de maneira concisa. Bell estava branco como papel no momento em que a explicação de Finn foi concluída.

“Onde ela está agora?”

“Nós não sabemos. Para piorar as coisas, as forças de Rakia se dispersaram em três grupos diferentes, indo para o norte, oeste e leste. Ninguém foi despachado para caçá-los ainda.”

Bell se inclinou para frente, seus olhos implorando por mais informações. O comportamento calmo de Finn não vacilou enquanto ele respondia.

“Há um outro obstáculo que odeio admitir”, disse Finn enquanto seguia para a próxima informação.

Uma vez que as famílias de Orario eram amplamente proibidas de sair da cidade, as forças de Rakia, no meio de sua sexta invasão, eram muito mais familiarizadas com a geografia ao redor da cidade.

“Eles podem conhecer as melhores estradas, passagens pelas montanhas e atalhos secretos que lhes permitirão entrar novamente em seu território o mais rápido possível. Alcançar o exército principal será extremamente difícil”, ele continuou.

A cor sumia do rosto de Bell a cada palavra. Hermes estava ouvindo também, e cutucou Miach com o ombro.

“Pode ser uma boa ideia contar a Lili e as outras crianças”, ele calmamente sussurrou no ouvido da outra divindade. Miach deu um aceno rápido e se virou em direção a Mansão Coração de Pedra.

“Loki, Finn. Eu irei.”

Aiz podia ver o início do pânico aparecendo no rosto de Bell, e deu um passo para frente dele.

A <Princesa da Espada> era conhecida por sua natureza indiferente. Avançar assim não só pegou sua deusa e aliados de surpresa, mas até mesmo os aventureiros ao redor exibiram expressões de choque.

“Espera aí, Aiz. Você não precisa sair de seu caminho para resgatar a Baixinha. A busca vai ser um pé no saco, vasculhar a floresta e outros lugares…”

“Mas, alguém deve ir.”

“Ughh…”

“E a mais rápida aqui sou eu.”

Loki se encolheu com cada palavra que Aiz disse. Os olhos da menina estavam sérios e focados enquanto ela fazia um argumento irrefutável.

Mesmo se enfrentasse seu general, Finn, Aiz venceria em uma corrida a pé. Ninguém foi capaz de contestar a sugestão de uma das melhores aventureiras de primeira classe de Orario.

Quanto a Bell…

Apesar de não ter muito envolvimento com Hestia, a determinação de Aiz mexeu com algo dentro dele. Até seu coração estava tremendo.

Colocando todos os seus medos de lado, Bell deu um passo à frente, ficando ao lado do ombro de Aiz.

“Eu também irei! Eu vou… vou trazer minha deusa de volta!”

Bell deu mais um passo à frente, ficando mais perto de Loki do que de Aiz.

A deusa não disse nada a Bell, observando silenciosamente o menino desde sua chegada. Agora ela se virou para se dirigir a ele diretamente.

“Você não estava ouvindo, garoto? Aiz já disse que vai. Você está tentando atrasá-la?”

“…!”

“Pense! Qual é o seu nível? Você sabe o quão longe você está para trás. Controle sua língua.”

Um no Nível 3, o outro no Nível 6.

Havia uma grande lacuna entre Bell e Aiz, com ela sendo muitas vezes mais forte.

Era verdade, mas o tom frio de Loki atingiu Bell como um tapa na cara. Sentindo que o promissor “novato” tinha uma conexão com um dos seus seguidores, ela abriu os olhos vermelhos um pouco mais do que o normal, enquanto assistia as engrenagens girando na cabeça do menino.

Suas palavras deixaram Bell cambaleando, incapaz de responder — mas suas mãos se cerraram em punhos.

Ele gritou com uma força que até mesmo uma deusa tinha que reconhecer.

“Eu vou! A deusa, Lady Hestia, é parte da minha família!”

Os olhos vermelhos de Bell brilharam, queimando com pura força de vontade. Tudo que ele viu era a tarefa em mãos, nada mais importava. Ele canalizou essa determinação em sua voz.

“Eu não vou atrasá-la! Eu juro que vou acompanhá-la a cada passo! Então por favor… DEIXE-ME FAZER ISSO!”

Sua voz ficou rouca de desespero. As muitas outras conversas ocorrendo na área foram dominados por seu apelo.

As poucas divindades presentes, assim como os outros aventureiros, esticaram seus pescoços para ver o que estava acontecendo. Apesar da demonstração de força de vontade e convicção de Bell, Loki não lhe deu permissão.

Nem recusou.

“Faça o que quiser. Você só vai segurá-la de qualquer maneira. Aiz, sinta-se à vontade para se livrar dele a qualquer momento.”

“… Entendido.”

Alguns segundos se passaram antes que Aiz respondesse a sua deusa. Bell, que não conseguia acreditar que a deusa tinha permitido que ele acompanhasse Aiz na perseguição de Hestia, fez uma profunda reverência e gritou: “Muito obrigado!”

Levantando-se novamente, o menino fez contato visual com Aiz. Ambos compartilharam um aceno com a cabeça e troca de olhares de encorajamento mútuo. Com isso resolvido, a reunião de estratégia continuou.

Os outros aventureiros foram até os funcionários da Guilda para lhes pedir que, apenas desta vez, permitissem que grandes grupos passassem pelo portão. Não havia tempo para esperar que a Sede da Guilda preenchesse a papelada necessária, e os funcionários da Guilda que estavam presentes entenderam isso — ou melhor, eles foram forçados a entender e assentiram.

“Eu sou Ganesha!” A voz alta do deus levou os confusos mercadores e cidadãos para longe da área do portão enquanto os aventureiros rapidamente discutiam informações sobre as rotas que o exército de Rakia poderia utilizar.

“Não há gente suficiente aqui para enviar outras equipes de busca junto de Aiz e Bell. Infelizmente, não há tempo para esperar por Bete ou pelas gêmeas. Nós vamos perder o alvo de vista.”

“Rastrear todas as facções vai deixar todos exaustos. Como eu disse antes, vamos ter que vasculhar a floresta…”

Um deus ouviu a conversa de Finn e Loki enquanto eles tentavam encontrar a maneira mais eficiente de rastrear Hestia. Ele deu um passo à frente.

“Você poderia deixar esse detalhe comigo?”

Tirando o chapéu de seu cabelo laranja, Hermes deu seu sorriso encantador.

“Deus Hermes…”

“Asfi pode encontrar a localização de Hestia sem muitos problemas.”

“O que?!”

Mantendo seu olhar em Finn, Hermes estendeu a mão e agarrou o ombro de Asfi, arrastando-a para frente com um sorriso nos lábios. Sua seguidora não fazia ideia do que estava acontecendo, mas Hermes disse isso com a maior confiança.

“É mesmo? O que te dá essa ideia…?”

“Asfi é <Perseus>. Ela tem alguns truques na manga para encontrar nossa deusa rebelde. Tudo o que tem que fazer é perguntar.”

Loki levantou uma sobrancelha em suspeita enquanto Hermes colocava ênfase no título de Asfi.

A chefe da <Família Hermes> e possuidora da Habilidade Avançada <Mistério> olhou para Finn e o grupo que se reuniu em torno deles, suspirando como se a parte mais profunda de sua alma tivesse se cansado disso.

Em seguida, Asfi se endireitou enquanto ajustava os óculos.

“… Se eu tiver trinta minutos, provavelmente posso.”

Finn olhou para ela com um olhar examinador e lambeu a base do seu polegar direito. “Tudo certo.” Ele decidiu colocar sua fé nela. Loki entrelaçou os dedos atrás da cabeça, sorrindo como se estivesse interessada em ver o que Asfi poderia fazer.

Armaduras e equipamentos sobressalentes estavam sendo trazidos para a área. Bell se armou às pressas enquanto ouvia a conversa. Hermes percebeu a surpresa no rosto do menino e foi para o lado dele.

“Não é muito, mas farei o que puder para ajudar. Bell, <Princesa da Espada>, tragam Hestia de volta sã e salva.”

Ele disse que não queria se despedir dela dessa forma.

Bell ficou comovido com a atitude de Hermes para ajudar uma amiga necessitada. Ele e Aiz acenaram com a cabeça imediatamente.

“Eu vou!”

“Entendido.”

Como se estivesse esperando os aventureiros partirem, o portal colossal se abriu mais uma vez.

*****

“Lady Hestia foi…?!”

Os membros da <Família Hestia> ficaram chocados ao ouvir a notícia que Miach trouxe para eles.

Eles estavam parados no gramado da frente, a porta principal aberta. Mikoto exclamou, mas não demorou dez segundos para Welf descobrir a razão pela qual sua deusa foi sequestrada. Isso o deixou sem palavras.

Com os punhos tremendo, as palavras “seus bastardos…!” saíram por entre seus dentes cerrados.

Agora a deusa foi atraída para os problemas de sua família. Haruhime o observava em silêncio, um olhar de preocupação em seu rosto enquanto o sangue do jovem fervia. Enquanto isso, Lili falou com Miach com uma sensação de urgência.

Olhando para o deus alto, ela perguntou:

“Onde está o Sr. Bell agora?”

“No portão norte da cidade, esperando a missão de resgate. Não.”

Miach parou no meio da frase e retirou suas palavras. Ele então se virou para o norte.

Estreitando os olhos enquanto olhava para longe, ele alterou sua declaração.

“Ele deixou o portão norte para ir encontrar Hestia por conta própria agora.”

Vento assobiando e pés correndo.

Dois aventureiros, um com longos cabelos loiros e o outro com cabelos curtos e brancos, corriam em uma estrada íngreme da montanha a uma velocidade que as pessoas comuns nunca poderiam sonhar em alcançar.

Diretamente ao norte de Orario ficava a Cordilheira Beor.

Ela era conhecida por declives acentuados e caminhos incrivelmente perigosos. Ultrapassar o pico de uma montanha só trouxe vários outros picos à vista. Por esse motivo, foi apelidada de “Castelo da Montanha”. Já que era localizada tão perto da entrada da Dungeon, monstros que vieram para a superfície durante os Tempos Antigos fixaram residência entre os seus incontáveis ​​picos, resultando na área sendo chamada de maléfica. Sua reputação e o terreno acidentado indicava que os aventureiros dificilmente seguiam esse caminho, mesmo na era moderna.

As próprias montanhas quase não tinham vegetação, sua superfície rochosa completamente exposta. No entanto, as áreas entre os penhascos nos vales profundos estavam cheios de verde. Um olhar em direção ao horizonte mostrava muitos picos separados por grandes penhascos e florestas brilhantes.

Bell e Aiz correram pelo terreno implacável da Cordilheira Beor sob um céu cinza.

Não é preciso dizer que animais selvagens e até mesmo monstros ameaçadores saíam rapidamente de seu caminho.

Um monstro de grande classe, um <Bugbear>, os atacou de forma imprudente, mas foi eliminado pelo sabre da garota em um piscar de olhos.

Monstros na superfície eram muito mais fracos do que seus irmãos dentro da Dungeon. Mesmo assim, o único som que Bell podia ouvir enquanto corria pela montanha era a batida incessante de seu próprio coração.

“!”

Enquanto ele ofegava para respirar, o suor voando de seus braços, suas pernas eram um borrão embaixo dele.

Bell estava forçando seu corpo ao limite, mas a cavaleira no limite de sua visão estava colocando ainda mais distância entre eles.

Tão rápida!

No momento em que eles deixaram Orario, Aiz avançou com a força de um vendaval, quase o derrubando.

A diferença de suas habilidades físicas era clara. A lacuna entre eles era ainda mais evidente no momento em que entraram na cordilheira.

Ela nunca perdia o equilíbrio, a força de suas pernas era suficiente para quebrar a face da rocha a cada passo, e possuía uma quantidade aparentemente ilimitada de resistência e poder. Porém, a coisa verdadeiramente assustadora era que nem uma única gota de suor foi derramada apesar de seu ritmo vigoroso.

A distância entre Bell e a aventureira de primeira classe continuava a aumentar. Ele estava confiante em sua Agilidade, mas a essa altura ela já tinha sido despedaçada e transformada em pó. Não importa o quanto ele se esforçava, as costas dela ficavam cada vez menores à distância.

“HaAH… HAaa… haaa… gah… haah…!”

Não importa o quanto do ar fresco da montanha ele tentava puxar para dentro seus pulmões.

<Princesa da Espada>, Aiz Wallenstein. O objetivo de Bell, sua ídolo. Uma flor desabrochando no topo de uma montanha muito acima.

Ele podia ver claramente à distância, o desfiladeiro que os separava.

Uma diferença de força pura que ele nunca experimentou durante as sessões treinamento com ela no topo da muralha da cidade.

Sua posição atual, assim como a dela, era uma demonstração visual do quão acima dele ela realmente estava.

Pensar que ele estava diminuindo a distância parecia nada mais do que uma piada neste ponto. Ele não estava perto daquele plano superior onde ela residia, ele simplesmente tinha uma visão melhor. O caminho para o cume na frente dele era alto, extremamente íngreme.

Sua convicção de salvar Hestia o obrigou a tentar manter o ritmo dela, mas seu corpo já estava gritando em protesto. Ele não aguentaria muito mais.

Seus pulmões e garganta estavam queimando com a dor mais intensa que ele já sentiu antes, Bell poderia dizer que suas pernas estavam prestes a ceder, quando de repente…

Aiz olhou para ele.

“—”

O lado de seu rosto mal apareceu por cima do ombro.

Ela não se preocupou em desacelerar para ver como ele estava.

Ela observou os ombros do menino se moverem lamentavelmente enquanto ele ofegava por alguns momentos, antes de aumentar seu ritmo.

—Ela estava se segurando.

“!!”

Ver isso acendeu um novo fogo dentro de Bell, todo o seu corpo queimando.

A vergonha e o desejo de não perder forneceram a faísca. Seu orgulho como homem serviu como combustível.

Um desejo intenso de não parecer um idiota patético atiçou as chamas em seu coração. As pernas à beira de desistir estavam de repente revitalizadas. Bell pisou no chão com força suficiente para rachar as pedras em seu caminho, determinado a alcançá-la.

Esperando uma batalha, outros aventureiros graciosamente lhe forneceram uma armadura — um peitoral, com placas no ombro e costas. Ele arrancou todos eles de seu corpo e os jogou fora. Os pedaços de metal caíram na montanha em seu rastro.

Sentindo-se um pouco mais leve do que antes, Bell se esforçou ainda mais e conseguiu ganhar algum terreno.

“…”

Aiz silenciosamente observou as ondas de emoção no rosto do menino enquanto ele tentava desesperadamente acompanhar seus passos.

A delicada expressão da cavaleira não mudou enquanto ela se virou novamente para frente. Colocando sua fé no menino, ela aumentou sua velocidade.

Após um momento de choque, o menino seguiu o exemplo, passando pela paisagem da montanha como um hábil coelho branco em uma corrida frenética para seguir em frente.

Com Bell seguindo atrás dela, Aiz correu pelo terreno acidentado e lançou seu olhar para o céu.

Uma única gota de umidade escorreu por seu rosto. Nuvens grossas e cinzentas bloqueavam o sol acima.

A encosta da montanha ficou salpicada com as primeiras gotas de chuva. Aiz não poderia ter se importado menos, mas seus olhos dourados avistaram outra coisa.

Uma sombra branca estava circulando no céu, suas asas bem abertas.

“BAH-HA-HA-HA-HA! Por fim, Orario receberá o que merece!”

Nas profundezas da Cordilheira Beor, o grito triunfante de Ares ecoou através de uma estrada da montanha com vista para um belo vale verde.

O batalhão com cerca de trinta soldados estava vestido para parecer como viajantes. A principal força de ataque de Rakia acompanhou seu deus através das sinuosas estradas da montanha e já havia colocado uma grande distância entre eles e a cidade de Orario. De vez em quando, um monstro saltava de trás de uma pedra ou de dentro de uma caverna, mas os capitães de Nível 2 e os generais de Nível 3 demonstravam porque eram o orgulho de Rakia e rapidamente os derrotavam.

Ares assistiu a essas batalhas de cima de seu cavalo, enquanto seus seguidores o protegiam.

“Ei! Ares! Qual é a grande ideia? Ponha-me no chão agora mesmo! Tem limites para o que você pode e não pode fazer, mesmo que nos conheçamos desde Tenkai!”

“Cale sua boca, deusa insignificante! Você não é nada mais do que uma refém a ser trocada pelo menino Crozzo! Considere uma honra ter um papel a desempenhar no meu grande plano!”

“Quem você está chamando de insignificante, seu idiota?!”

Hestia, amarrada à parte traseira da armadura de Ares, furiosamente balançou os braços e pernas em todas as direções.

Amarrando as cordas ele mesmo, Ares a forçou a ir com eles. A jovem deusa não tinha força para afrouxar as cordas, muito menos para se libertar. O máximo que ela podia fazer era se contorcer, chutar e socar, mas… “Fique quieta!!” rugiu Ares enquanto conduzia seu cotovelo para as costelas dela.

“UGHFF!” Ela gemeu de angústia. “Então, eu sou um refém…?”

Hestia quase ficou inconsciente quando foi capturada, mas agora que ela podia distinguir os fatos, ela entendeu sua situação.

Orario estava provavelmente caindo no caos neste exato momento.

“Não pense que você vai se safar dessa! Bell — todos os aventureiros de Orario vão alcançá-lo rapidamente!”

“Eles vão? Nossas forças de ataque se dividiram em três batalhões, todos nós estamos executando várias manobras para cobrir nossos rastros. Eles podem encontrar o certo?”

“Ugh…”

“Dê uma olhada, estas são as Cordilheiras Beor! Estamos tão longe que a vitória está quase garantida desde que atravessamos a última passagem.”

Eles haviam dividido suas forças em um esforço para confundir seus perseguidores. Era altamente improvável que sua localização fosse descoberta. Ares prosseguiu com sua argumentação, dizendo que o terreno traiçoeiro impediria as equipes de busca, aumentando a quantidade de tempo para procurar pelas montanhas. Ela não tinha chance de ser resgatada.

“Uga-ga-gahh…! Então, pelo menos me carregue como o prêmio que eu sou! Sua armadura fica me cutucando! Dói muito, sabe?”

“Não é minha culpa não poder confiar em meus soldados covardes e inúteis depois de uma série de erros impensáveis! Não tenho prazer em ter uma deusa inútil como você amarrada às minhas costas! Você vai me contaminar!”

Hestia continuou gritando, sem negar a afirmação de Ares. Mas o deus não recuou, dizendo que eles deveriam compartilhar o desconforto.

Com suas costas amarradas as dele e as cordas puxando em cada articulação, ela estava com uma dor considerável. Com os olhos cheios de lágrimas, ela gritou: “O que você acha que eu sou?”

Embora eles se conhecessem desde o tempo em Tenkai, Ares gostava de causar desordem, enquanto Hestia era conhecida por se manter afastada e encontrar seu próprio entretenimento. Sendo tão diferentes, esses dois nunca iriam concordar.

Marius caminhou ao lado dos dois seres divinos que estavam tendo uma discussão. “Haaah…” Ele soltou um longo suspiro.

“… Parece chuva.”

Uma gota desceu pela ponte de seu nariz, levando Marius a olhar para o céu.

Ele estava certo. As nuvens cinzentas começaram a se abrir e gotas de chuva desceram. Em poucos instantes, uma garoa leve se tornou em um aguaceiro. As armaduras e mantos de viajante se encharcaram em questão de minutos.

O mesmo era verdade para Hestia e Ares. “Ak-choo!” O corpo inteiro da jovem deusa teve um espasmo quando um espirro saiu de suas narinas.

“Príncipe Marius, seria sensato interromper nosso avanço e buscar abrigo da chuva… Eu me preocupo com a saúde do Lorde Ares.”

“Não… eu gostaria de prosseguir para a fronteira norte. Não se esqueça que nosso inimigo é Orario. Não devemos deixar nada ao acaso. Além disso, essa divindade estúpida não vai pegar um resfriado. Existem coisas mais importantes para preocupar.”

Marius rejeitou o conselho de um soldado próximo, acrescentando que ele não queria correr o risco de ser cercado por monstros ao mesmo tempo. Ele estava pressionado, sabendo que cada um dos soldados sob seu comando carregava a <Graça Divina> de Ares, sua Bênção. Essa quantidade de chuva não era suficiente para deixar qualquer um doente.

Então, com o canto do seu olho…

Uma sombra estranha passou por cima, apenas perto o suficiente para obter sua atenção.

“… Um pássaro?”

A linha de cavaleiros totalmente armados olhou para o céu enquanto a chuva os salpicava.

Uma sombra branca circulava logo acima deles, com algo que parecia asas saindo de seu corpo. Uma sensação arrepiante de inquietação subiu pela espinha de Marius.

O vento estava começando a aumentar, mas este pássaro não deu sinais de procurar abrigo. Não só isso, houve momentos em que ele pairou em um só ponto. O príncipe quebrou a cabeça, tentando encontrar uma explicação, mas um segundo mais tarde…

“PR-PRINCESA DA ESPADAAAAAAAA!”

Um homem gritou como se tivesse visto o apocalipse que se aproximava. A voz dele foi alta o suficiente para fazer Marius estremecer.

“O quê?”

Embora ele não acreditasse completamente no soldado, ele rapidamente se virou para as fileiras da retaguarda.

Eles estavam no meio da encosta de uma montanha, a estrada com vista para um penhasco. Havia uma figura humana subindo o caminho íngreme em uma velocidade ofuscante.

O cabelo loiro molhado se destacava como um farol em meio às pedras e a chuva. Os olhos dourados fixos nele enquanto gotas de chuva ricocheteavam na cavaleira. Marius gritou.

“Aiz Wallenstein, a <Princesa da Espada>!”

“Nós, NÓS ESTAMOS SOB ATAAAAAAAAAAAAAQUE!”

A cavaleira atacou com um vigor que se equiparava com o de Tiona, a <Amazona >. Seu sabre assobiou no ar enquanto ela corria para a parte traseira de sua formação. Gritos ecoaram nas montanhas, fazendo com que Ares e o grupo avançado de generais parassem e virassem suas montarias para dar uma olhada. Marius, no entanto, olhou de volta para o céu.

Por mais difícil que fosse para ele acreditar, seus olhos identificaram asas douradas, uma capa branca e os membros de uma pessoa.

Não era um pássaro — mas um aventureiro.

“Desde quando Orario obteve o poder de conquistar os céus…?”

Um “olho no céu” anulou o terreno perigoso e os avistou a distância.

Uma garota com cabelo azul ainda estava circulando sobre suas cabeças, sinalizando sua localização. Marius franziu a testa quando a famosa <Perseus> colocou o imenso poder do item mágico <Talaria>, suas sandálias aladas, em exibição.

Um novo grito ecoou pela cordilheira no momento em que Marius compreendeu totalmente o que estava acontecendo.

“GAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!”

Um redemoinho de golpes atingiu soldado após soldado.

Um golpe do sabre de Aiz mandou vários deles para o chão ou voando pelo ar de uma vez.

O caminho da <Princesa da Espada> foi pavimentado com gritos de dor e medo enquanto ela fazia uma trilha para o meio de sua formação, onde a divindade a cavalo residia com uma deusa amarrada em suas costas.

“Wall-Wallenalgumacoisa…?!”

Os olhos de Hestia se arregalaram. Ares, por outro lado, deu um sorriso feroz.

Ele estendeu a mão direita em uma tentativa de levantar a moral de seus seguidores.

“Mantenham-se firmes, meus soldados! Embora essa virada de eventos seja inesperada, há apenas um inimigo, e temos o general mais poderoso do exército Rakia do nosso lado! Vá, Garyu! Acabe com aquela garota fraca!”

“Lorde Ares, Garyu e seu batalhão foram derrotados!”

“ELE O QUÊ?!”

Acabou em um piscar de olhos.

Ares cerrou os dentes no momento em que avistou seus generais de bruços no chão.

“Maldita! Então… Então chegou a esse ponto…!”

“Uphh!”

Ares cortou a corda que prendia Hestia e saltou de seu cavalo.

Hestia caiu no chão enquanto Ares, livre da carga indesejada, puxou uma espada longa da bainha pendurada na sela do cavalo.

“Venha até mim, Princesa da Espada!! Eu vou lidar com você sozinho!”

“…”

“UWAOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!”

Ares gritou enquanto atacava. Aiz ficou em silêncio enquanto continuava abrindo caminho por meio dos soldados Rakianos.

Shing! Um eco metálico soou. A espada longa da divindade foi cortada ao meio.

“N-Nada mal…!”

“O que você está fazendo?”

Ares parou por um momento, chocado que sua arma tenha sido quebrada no primeiro contato. Marius testemunhou tudo e entrou na briga para protegê-lo.

Seu deus idiota acabará de atacar uma aventureira de primeira classe por impulso. Marius foi rapidamente acompanhado por todos os outros soldados nas proximidades, formando uma parede de músculos e aço na frente de Ares. O local caiu no caos, espadas se chocando em meio a ainda mais gritos de dor.

“Deusa!!”

“Ah… Bell!”

Um menino avançou para a batalha na montanha.

Seguindo o caminho que Aiz havia desobstruído, ele chegou um passo atrás dela. Todos os soldados estavam ocupados lutando com a cavaleira, e ele usou esta oportunidade para alcançar Hestia.

A visão de seu seguidor trouxe um sorriso ao rosto de Hestia. Ela se levantou para cumprimentá-lo, mas —

Ela tropeçou nas pernas de um dos soldados que tentava desesperadamente defender Ares.

“—”

Empurrada para trás pelo impacto repentino, ela caiu em direção ao penhasco que levava ao vale abaixo.

Seus rabos de cavalo pareciam flutuar no ar por uma fração de segundo antes que ela caísse para o lado.

Fazendo um breve contato visual com Bell, a deusa mergulhou direto para o desfiladeiro com vista para as fortes corredeiras do rio abaixo.

“!!”

Bell chutou o chão e pulou no ar.

Com Hestia em sua mira, ele cortou a chuva e voou para fora do penhasco em perseguição.

Os olhos de Hestia tremeram ao ver Bell se arremessando como uma flecha em sua direção e estendeu a mão para ele.

No momento em que Bell sentiu a mão dela, ele a puxou contra seu corpo e a abraçou.

A partir daí, o menino segurou o minúsculo corpo da deusa contra seu peito e mergulhou direto para o rio.

“!!”

Aiz estava derrotando um soldado após o outro, mas ela ainda pode ouvir o som fraco de algo atingindo a água.

Ela se afastou da batalha sem um momento de hesitação e mergulhou no penhasco em busca do menino e sua deusa.

Era um grande desfiladeiro e a encosta da montanha era íngreme. No entanto, Aiz estava perto o suficiente da parede para chutar a pedra, fazendo com que ela caísse em uma velocidade vertiginosa.

“Bell Cranel, Aiz Wallenstein…!”

Asfi observou tudo se desenrolar de seu ponto de vista no céu.

Ela não conseguiu esconder sua surpresa com esta mudança imprevista de eventos em sua missão de resgatar a deusa. Ela foi enviada aqui para marcar a localização do exército de Rakia usando <Talaria>. Ela tinha que ir atrás deles, mas hesitou por um momento.

Infelizmente, aquele momento custou a ela.

“!”

“Esqueçam aquela deusa! Derrubem a espiã no céu!”

Asfi havia se aproximado o suficiente da borda para ficar ao alcance da corrente que Marius jogou rapidamente no ar. Ela se enrolou em seu braço e travou no lugar.

Uma dor quente se espalhou pelos seus músculos. Tirando os olhos do penhasco e olhando para a borda, ela viu Marius segurando a outra ponta da corrente.

“Uma corrente de Mythril…!”

“Sem ela, as forças de Orario não têm chance de nos encontrar! Não podemos deixá-la escapar!”

Marius urgentemente chamou os poucos soldados que ainda capazes de se mover depois de seu encontro com Aiz. Envolvendo a corrente em torno de seu próprio braço, Marius estava determinado a não deixar Asfi escapar.

“Qual o significado disso?!” gritou Ares enquanto vários soldados o seguravam. No entanto, o segundo em comando havia se ajustado à mudança de circunstâncias e ordenou que o resto eliminasse Asfi.

“Marius Victrix Rakia, ouvi dizer que você era o filho do Rei Idiota, mas você parece ter uma cabeça decente sobre seus ombros…!”

“Eu também ouvi coisas interessantes sobre você, <Perseus>! Como a história de com um deus te roubou, a linda jovem princesa de uma nação insular, e como você caiu pelos níveis da sociedade para se tornar uma aventureira! Não que aquela nação fosse admitir!”

Os dois lados do cabo de guerra se confrontaram.

Foi um teste de força entre ele e uma aventureira de classe alta. Asfi, por outro lado, sorriu gentilmente para o príncipe de Rakia que tinha exibido capacidade superior de tomada de decisão e o elogiou. Marius gritou em resposta, sua expressão muito menos relaxada enquanto olhava para sua oponente no ar. Ele canalizou cada grama de força em seus braços.

“Parece que temos muito em comum. Sinto que você tem a mesma má sorte que eu.”

“Esses olhos! Chega de simpatia! Não me olhe como se você conhecesse minha dor!”

Ambos estavam à mercê dos caprichos de seus deuses, muitas vezes puxados para um passeio que eles não podiam controlar. Asfi olhou para o homem com um olhar empático em seu rosto. Isso fez Marius se contorcer de agonia.

“Meu príncipe! Meu príncipe!” Soldados exaustos lamentavam enquanto cercavam seu vice comandante, chamando-o desesperadamente enquanto eles entravam em posição.

Com seu movimento restrito pela corrente, Asfi foi atacada por inúmeras flechas e feitiços. Sua capa branca foi rasgada em pedaços e sua pele se encheu de queimaduras.

Bell e Aiz já estavam fora de vista, então ela priorizou sua própria fuga dessa batalha. Esquivando-se de outra leva de flechas, ela retirou um frasco de óleo explosivo de seu coldre.

Uma explosão ecoou pela cordilheira e cobriu os sons de batalha, até que desapareceu na chuva e no rio muito abaixo.

*****

A chuva não está diminuindo.

Ondas de água descem pela encosta da montanha cada vez mais rápido, e a tempestade não dá sinais de diminuir.

Preso em um túnel de som ensurdecedor, varrido por um rio violento pelo desfiladeiro entre as montanhas, eu faço meu caminho até a margem do rio e trato de levar a deusa para fora da água. Eu saio ao lado dela a tempo de ver que Aiz nos seguiu.

Eu fico de pé, coloco a deusa nas minhas costas e saímos correndo ao longo da margem do rio.

“Como ela está?”

“O corpo dela está ficando cada vez mais frio! Ela não está me respondendo…!”

Até eu posso ouvir como estou perto das lágrimas, gritando desse jeito.

“Haah… haah…” Seu queixo está apoiado no meu ombro, então posso ouvir as respirações fracas saindo de sua boca.

Estamos perdendo calor corporal. O mesmo é verdade para Aiz, que está com sua armadura encharcada. Mas a deusa e eu estamos muito pior, tendo realmente caído no rio.

Para Aiz e eu, essa quantidade de chuva não é grande coisa. Nossos Status tornam nossos corpos fortes o suficiente para resistir a isso. Infelizmente, isso não é verdade para a deusa. Embora ela tenha sobrevivido à queda no rio, não consigo sentir nenhum calor nas minhas costas e os membros dela estão moles.

Os deuses e deusas vieram a este mundo para desfrutar de um “jogo” e, portanto, tinham que seguir um conjunto de regras.

O mais importante é que ninguém pode usar seu poder divino, <Arcano>. Sem essas habilidades, as divindades são fisicamente o mesmo que pessoas sem Bênção, ou talvez até mais fracas. Claro, elas nunca envelhecem e nunca morrem, ficando mais ou menos do mesmo jeito por toda a eternidade, mas elas não são imunes ao resfriado comum ou a ficar realmente doente.

Ouvi dizer que é tudo um “ajuste” para aproveitar tudo o que a Terra tem para oferecer ou talvez eles estejam sendo flexíveis.

“Se não encontrarmos abrigo logo…!”

A deusa não vai durar muito assim. Eu nunca ouvi falar do <Arcano> sendo ativado e a divindade sendo abruptamente enviada de volta para Tenkai por causa de uma doença, mas isso não faz nada para aliviar sua dor.

A correnteza nos levou para bem longe, então não tenho ideia de onde estamos agora. Aiz estar aqui não ajuda muito enquanto estivermos presos na chuva.

“Eu poderia quebrar a face do penhasco e fazer uma caverna…”

Calor é o que eu quero, não abrigo. A cada minuto que a deusa fica desse jeito, o frio a coloca em ainda mais perigo.

Fazer fogo não é o problema. A <Flecha de Fogo> pode cuidar disso instantaneamente. O problema é manter o fogo aceso. Temos que encontrar gravetos secos e um local protegido longe do rio e da chuva onde podemos descansar e nos recuperar. Tem que haver um lugar como esse mais adiante, tenho certeza disso…!

Os músculos do meu rosto ficam tensos enquanto ouço Aiz falar e olho para o topo do desfiladeiro incrivelmente profundo. Não há nada para obstruir minha visão do céu cinza enquanto a chuva continua a cair impiedosamente em cima de nós.

“KIYAWWWWWWWWWWWWWWWWWWWWWWWWWWWWW!!”

“!”

Um grito estridente chega aos meus ouvidos enquanto continuamos a correr pelo desfiladeiro.

Incontáveis ​​sombras descem sobre nós e para o caminho a frente, o som de asas batendo os acompanha.

“Harpias!”

Os descendentes dos monstros que emergiram da Dungeon há milênios e se estabeleceram na Cordilheira Beor estão se agrupando para nos atacar!

Harpias: monstros meio-humanos / meio-pássaros que possuem aparência feminina.

Parecem mulheres da cintura para cima, até têm seios. Mas, ambos os braços são muito maiores do que os de um humano, formando asas do tamanho de escudos. Tudo da cintura para baixo está coberto de penas sujas. Assim como um falcão, ambas as pernas terminam em conjuntos de garras afiadas.

Quanto aos seus rostos, seria fácil dizer que se parecem com os de uma mulher, mas elas são bem diferentes da humanidade no geral.

Primeiro, suas bocas estão cheias de presas afiadas e sua pele está repleta de rugas. Para ser franco, eles são horríveis. Se eu tivesse que descrever, eu diria que parecem velhas. Mas não, uma velha enrugada é muito mais bonita do que essas coisas.

Seus corpos podem ser próximos ao que conhecemos, mas estão longe dos monstros normais na Dungeon. Isso é provavelmente por causa do cheiro pútrido que emanada seus corpos. Faz-me querer arrancar meu nariz do rosto.

Por que agora…?

Elas estão se reunindo como aves de rapina, olhos dourados brilhando ameaçadoramente. Eu olho para elas e empurro minha mão direita para frente, apontando para o meio do bando de harpias. Estou quase liberando minha magia quando ouço:

“Continue correndo.”

O vento assobia perto dos meus ouvidos.

Eu ouço o som inconfundível de uma espada sendo removida de sua bainha, e meus olhos pegam um lampejo de cabelo loiro. Em seguida, cada harpia em nosso caminho cai em pedaços.

Gritos estridentes e sangue enchem o ar. Aiz despertou confusão entre as harpias, e seus olhos brilham tão afiados quanto sua lâmina.

“KAAWWW!”

O ar é repentinamente inundado por incontáveis ​​penas pretas caindo no chão como a chuva.

A cavaleira de cabelos loiros está correndo ao lado do desfiladeiro, lançando-se no ar e abrindo caminho para o outro lado tão rápido que eu não consigo acompanhá-la. Eu faço exatamente como ela me diz e continuo correndo com a deusa em minhas costas. Enquanto isso, há faixas constantes de luz dourada e prateada ao nosso redor como uma cúpula que retalha qualquer monstro que chegue muito perto.

É como se seu sabre estivesse criando uma barreira de proteção ao nosso redor.

Eu sei que estou sendo protegido, mas vê-la fazer isso tão facilmente é impressionante e inspirador ao mesmo tempo. Estou correndo o mais rápido que posso, mas não posso deixar de tentar vê-la em ação.

— Ela é muito, muito forte. Forte demais.

Pa-loosh! Pa-loosh! Enquanto eu estava ocupado olhando de boca aberta, vários monstros caíram no rio furioso e foram engolidos pelas ondas. Eu estou me esquivando das carcaças, uma após a outra, e não há como dizer quantas centenas delas estão atrás de mim ao longo da margem do rio.

A chuva lava o sangue espalhado contra a face da montanha.

“… O que é isso?”

Então, quando o grito final da última harpia ressoa…

Aiz pousa em uma rocha não muito longe de mim e se vira para frente. No entanto, ela nota algo estranho.

Eu olho naquela direção — há uma luz oscilando ao longe, uma lâmpada de pedra mágica. Além disso, está vindo para cá.

“Olá pessoal! Alguém aqui?”

Uma voz humana se eleva sobre o som das correntezas do rio.

Aiz e eu trocamos olhares e acenos antes de correr naquela direção.

*****

Estalo, estalo. Os sons da lareira enchem a sala.

Tudo aqui está com uma luz laranja e inundado com calor. O calor passa por mim, envolvendo meu corpo frio em um abraço caloroso. Minhas pálpebras ficam pesadas, mas eu balanço minha cabeça toda vez que o sono ameaça me dominar.

A deusa está deitada na cama na minha frente, dormindo pacificamente. Eu sento em silêncio, segurando sua mão direita.

“Como está a deusa?”

“Ah, Sr. Kam… Ela está bem. Adormeceu há pouco tempo.”

Eu ouço uma batida na porta, olho para cima e vejo um senhor idoso chamado Kam, e me levanto para cumprimentá-lo. Uma garota humana um pouco mais velha que eu está ao seu lado. “Estou feliz”, diz ele com um sorriso de alívio.

— Viemos para este lugar, Vilarejo Edas, depois de termos a sorte de encontrar alguém no desfiladeiro.

O Vilarejo Edas está localizado nas profundezas da Cordilheira Beor. Cercado por penhascos íngremes, é uma pequena cidade bem escondida em um dos vales. Aiz, e eu ficamos extremamente surpresos que um lugar como este existisse quando chegamos a ele. Quem diria que as pessoas viviam aqui?

Depois de explicar a situação ao rapaz que foi verificar o rio, ele nos trouxe aqui, e os moradores imediatamente se ofereceram para ajudar. O ancião da aldeia, Kam, abriu sua casa para nós. Não só a deusa está descansando em um de seus quartos de hóspede, mas ele também me deu uma muda de roupas.

Palavras não podem expressar o quão grato estou por sua ajuda. Eu me curvo mais uma vez para o mais ancião.

“Eu não posso agradecer o suficiente. Você salvou minha deusa…”

“Levante a cabeça, jovem Bell. Isso é o mínimo que posso — cough, cough!” Ele não conseguiu terminar a frase antes de ter um ataque de tosse.

A garota ao seu lado o apoia com as duas mãos enquanto o velho se curva, tentando recuperar o fôlego entre as tosses. A garota, talvez sua filha, o incita a voltar para seu quarto com um olhar preocupado em seu rosto.

Kam lentamente levanta a mão, dizendo a ela que está bem, e gradualmente fica ereto.

“Hum, por favor, não se esforce…!”

“Não, está tudo bem… Bell, por favor, sinta-se em casa. Se você precisar de qualquer coisa, minha filha ficará feliz em ajudar. Eu rezo pela recuperação da sua deusa.”

Dou um passo em direção a ele, sem saber o que fazer. Mesmo que não esteja saudável, Kam diz que está bem, mas ele mantém os olhos na deusa ainda deitada na cama.

Ele tem uma barba rala e rosto enrugado, mas há algo sobre seus olhos. Eu posso dizer que eles viram muito, e há uma mistura de emoções complicadas passando por eles agora. Ele então faz uma pequena reverência para ela e diz: “Que vocês dois fiquem com boa saúde…” antes de sair do quarto com a ajuda de sua filha.

“Eu me pergunto se ele está doente…”

Acabamos de nos conhecer, mas ele imediatamente nos ajudou no momento em que me viu carregando a deusa. É quase um exagero, mas estou extremamente grato por tudo que ele fez. Ele tem sido tão bom para nós que a falta de cor em seu rosto me preocupa.

Eu volto para o lado da deusa e pego o vislumbre de alguém fora da janela.

Eu observo a figura encapuzada se aproximando por alguns momentos. Depois de perceber quem é, deixo a deusa aos cuidados da filha de Kam e corro para a entrada da casa.

“Bem-vinda de volta, senhorita Aiz. E, hum, obrigado por voltar.”

“Não tem problema, e obrigada… Como ela está?”

Aiz tira o manto encharcado no corredor da frente, revelando sua roupa de batalha e armadura por baixo. Eu entrego a ela uma toalha enquanto ela pergunta sobre a deusa, e eu respondo que ela está em condição estável.

“Então, o que você encontrou?”

“Asfi não estava lá e nem os soldados de Rakia… Apenas as armas quebradas e carbonizadas da batalha.”

Aiz voltou para verificar o que havia acontecido com os soldados de Rakia assim que a deusa estava em segurança dentro do Vilarejo Edas.

Ela diz que seguiu o rio até o ponto onde caímos. A tempestade tinha piorado, então ela concluiu que os soldados de Rakia e Asfi haviam se abrigado em algum lugar. Se os soldados inimigos estavam esperando para vir atrás da deusa novamente ou se desistiram completamente e foram para casa, ela não sabia.

Não só ela foi puxada para esta confusão, mas também me protegeu o tempo todo. Peço desculpas por causar tantos problemas, mas ela gentilmente balança a cabeça e me diz que está tudo bem.

“Não temos como entrar em contato com Orario… Não acho que devemos esperar por resgate.”

Voltar para a cidade exigiria pelo menos o resto da noite, e para piorar as coisas, o tempo não está cooperando. Se perder no terreno montanhoso é um perigo muito real, e as tropas de Lorde Ares ainda estão lá fora. Eles são fortes e numerosos o suficiente para ela não querer enfrentá-los em batalha sob essas condições. Então Aiz decidiu voltar para o vilarejo por enquanto.

Asfi é uma aventureira de classe alta, então tenho certeza que ela voltou para a cidade e explicou o que aconteceu até agora… mas eu duvido que ela saiba sobre uma aldeia tão longe nas montanhas, e que chegamos aqui em segurança.

“Então, vamos ficar aqui até que a deusa se recupere…?”

“Sim, acho que é o melhor.”

Aiz enxuga o cabelo molhado enquanto assente. As roupas dela estão grudadas em sua pele, o que torna muito difícil para mim descobrir para onde olhar enquanto concordo com o seu plano.

Nós três ficaremos juntos e nos moveremos como um. Teremos que depender das pessoas do vilarejo até que a deusa esteja saudável o suficiente para fazer a viagem de volta a Orario.

Me sinto mal por fazer Lili e os outros se preocuparem… Mas não há o que fazer.

Sentindo-me um pouco culpado por isso, faço um plano com Aiz para os próximos dias.

*****

A deusa abriu os olhos no dia seguinte à nossa chegada. Eu estava tão feliz que podia chorar, mas eu sabia que ela ainda não estava fora de perigo. Ela ficou na cama o resto daquele dia, assim como no próximo.

Então, em nossa terceira manhã no Vilarejo Edas…

“Desculpe… Bell.”

“Você já se desculpou muitas vezes, deusa. Eu te disse, está tudo bem.”

Já perdi a conta de quantas vezes ela pediu desculpas enquanto estava na cama. Estou no meu lugar habitual ao lado dela, a tensão deixando meu rosto enquanto sorrio. A cor dela está melhor esta manhã. Ela olha para mim, mas evita olhar nos meus olhos, como se tivesse vergonha de alguma coisa.

“Esta é… uma bela vila, não é?”

“Sim. Todo mundo é tão caloroso e amigável.”

O Vilarejo Edas era originalmente um povoado de elfos na época dos Tempos Antigos.

Elfos geralmente não gostam de se misturar com outras raças, então um lugar como esse era perfeito para suas visões isolacionistas. Mas aparentemente, a maneira como eles viam o mundo começou a mudar há cerca de mil anos. A chegada dos deuses e deusas na Terra estimulou os jovens elfos a deixar suas casas e explorar o mundo, enquanto os elfos mais velhos começaram a aceitar pessoas de outras raças em suas aldeias.

Pessoas incapazes de enfrentar sua própria realidade, pessoas fugindo do perigo e jovens casais fugindo de famílias que não podiam aceitar seu amor encontraram sua casa aqui.

E, é claro, aventureiros exilados de Orario que vagaram pelas montanhas com a intenção de morrer e acabaram se estabelecendo na aldeia. Como resultado, os moradores são excepcionalmente amigáveis ​​e abertos a novas pessoas. Mais da metade das pessoas que vivem aqui são os descendentes desses viajantes rebeldes. Eu tenho a sensação de que esse é o motivo pelo qual eles foram tão rápidos em ajudar pessoas perdidas como nós.

Uma aldeia escondida que não está em nenhum mapa, para pessoas que se perderam.

Este… é outro mundo que eu não conhecia.

Divindades devem ser uma visão rara na aldeia, porque duas crianças semi-humanas, um menino e uma menina, ficam espiando pela janela. Lady Hestia percebe e sorri para eles, acenando gentilmente com a mão. As crianças coram e sorriem de volta.

“Como você está se sentindo hoje? Se você precisar de algo, por favor, me diga.”

“Oh, Senhorita Rina. Obrigado por tudo.”

A filha de Kam, Rina, entra no quarto e pergunta como a deusa está se sentido. Digo a ela que a deusa está bem e faço uma reverência com a cabeça.

Ela é provavelmente dois ou três anos mais velha que eu e muito amigável. Ela e vários dos filhos adultos de Kam cuidaram de tudo para nós nos últimos dias. Minha gratidão pelo que todos eles fizeram para ajudar a deusa não tem limites.

Mas há uma coisa que parece estranha. Não quero parecer rude, mas Kam é muito velho. Existe uma grande diferença de idade entre ele e seus filhos, de forma que seria mais fácil pensar neles como netos. Sempre que os vejo no quarto ou na casa, não posso deixar de ficar um pouco confuso. Além disso, nunca vi ninguém com a idade certa para ser a mãe durante o meu tempo aqui.

Por mais estranho que seja, não vou perguntar. Em vez disso, trago outra coisa que está em minha mente.

“Hum, há algo acontecendo hoje? Tem havido muitas pessoas fora da janela desde ontem…”

“Há sim. Hoje é nosso festival anual da fertilidade. Estávamos preocupados porque a chuva não estava diminuindo, mas parou na hora certa… Todo mundo está ficando animado.”

Há um céu azul fora da minha janela e posso ouvir muitas pessoas falando. Ela explica o que está acontecendo, seu cabelo preto balançando atrás de sua cabeça. Eu aceno em compreensão.

A pequena aldeia onde cresci também tinha festivais.

“Bell… vá ajudar com os preparativos do festival.”

“Hã?”

Rina e eu nos viramos para encarar a deusa, surpresos com o que ela disse.

“M-Mas, deusa…”

“Depois de tudo que eles fizeram por nós sem fazermos nada em troca, eu daria uma má impressão dos deuses… Por favor, Bell.”

Ela está muito melhor agora, mas sair do seu lado ainda me deixa desconfortável. Ela ri da minha preocupação e diz que quer que eu vá.

… Eu quero fazer algo para retribuir as pessoas que nos ajudaram.

Ir para casa sem pagar a dívida parece errado, e tenho certeza de que me arrependeria.

Com isso em mente, eu retribuo o sorriso da deusa e concordo em fazer o que ela me pediu.

Ficando de pé, digo a Rina que vou ajudar. Minha oferta a faz feliz.

Deixando a deusa sob seus cuidados, saio do quarto.

“Ah, senhorita Aiz.”

“Bom dia…”

Eu encontro Aiz no meio do corredor.

Ela retribui meu cumprimento, mas é sua roupa que chama minha atenção — tanto que minhas bochechas começam a esquentar.

“Hum, essas… essas roupas ficam bonitas em você…”

Eu sempre a vejo vestida com roupa de batalha e armadura, mas hoje ela não parece nada como uma aventureira.

Ela está vestindo uma longa saia vermelha com bordados e uma blusa branca por baixo de um colete abotoado na frente. Essas roupas fazem seu cabelo loiro se destacar ainda mais do que o normal. Ela parece uma menina do campo.

Ela está linda como sempre, mas… eu nunca vi esse lado fofo de Aiz antes. Meu rosto fica vermelho enquanto as borboletas correm soltas no meu estômago.

“Essas roupas foram recomendadas para mim… Eu pareço estranha?”

“N-Não, não! Você parece ótima!”

Ela olha para sua roupa enquanto eu balanço vigorosamente minha cabeça.

Assim como eu, ela pegou roupas emprestadas da filha de Kam porque a chuva encharcou seu equipamento e roupa de batalha. Aparentemente, Rina ficou animada ao escolher uma roupa para Aiz por causa da sua beleza divina, e ela queria que Aiz estivesse à altura.

Aiz pareceu um pouco distraída quando eu a elogiei, suas bochechas ficando rosa… e timidamente corando.

Cada movimento que ela faz envia um choque pela minha espinha. Sou eu quem a elogiou, mas é meu peito que está ficando mais apertado a cada segundo. Enquanto o fogo em minhas veias torna minha pele vermelha, ela olha para mim com perplexidade ao mesmo tempo em que eu entro em um estado lamentável.

“Você está indo para algum lugar?”

“Ah, sim. Há um festival no vilarejo hoje, então vou ajudar com as preparações.”

Ela inclina a cabeça quando descobre que eu estava saindo sozinho.

Nos últimos três dias, eu quase não saí daquele quarto. Quanto a Aiz, para nos manter seguros — ou talvez porque ela não tinha mais nada para fazer — ela esteve de guarda fora do quarto de hóspedes ou patrulhando a casa. A chuva não parou até a noite passada, então não havia sentido em sair.

No entanto, ela deu um grande susto em mim e aos filhos de Kam ao se armar com seu sabre enquanto vestida como uma linda garota do campo… Ela é uma cavaleira por completo, não importa o que ela esteja vestindo.

Ela balança a cabeça enquanto eu explico o que está acontecendo e diz: “Eu também vou.”

“Hã? Você tem certeza?”

“Sim. Eles forneceram roupas e comida mais do que suficiente… Eu quero ajudar.”

Sua expressão está tão distante como de costume, mas seu desejo de ajudar me deixa feliz.

Nós dois saímos da casa de Kam.

“Estava escuro e chovendo tanto quando chegamos que não consegui perceber, mas… este vilarejo é muito grande.”

“Sim, ele é…”

As poças de água no chão refletem o céu azul acima. Os aldeões do lado de fora vieram nos cumprimentar e oferecemos nossa assistência para os preparativos do festival.

Por ser uma antiga vila de elfo, o Vilarejo Edas é cercado por árvores em todos os lados e é muito maior do que parece. Adicione as altas montanhas da Cordilheira Beor, e o termo vila oculta parece descrever este lugar extremamente bem. Seria muito difícil encontrar esse lugar sem saber onde estava com antecedência.

O fato de estarmos aqui deve ter se espalhado pela aldeia, então quando saímos da casa de Kam, recebemos muita atenção. Ou, como eu deveria dizer, Aiz recebe muita atenção. Olhando em volta, vejo que os homens da aldeia estão se reunindo para ter um vislumbre dela neste traje. Muitos estão com suas bocas abertas. Ao mesmo tempo, aqueles que já são casados ​​estão sendo repreendidos por suas esposas. Um sorriso cresce em meus lábios enquanto vejo homens encolhendo na frente das mulheres irritadas e crianças animadas ao lado delas.

Existem muitas casas construídas em torno de uma praça central no meio do vilarejo. Muitas mesas já foram colocadas na área aberta, e várias pessoas estão ocupadas construindo uma fogueira. As coisas já estão em andamento. Um grupo de homens musculosos de meia-idade, provavelmente os responsáveis ​​pelo evento, estão direcionando as pessoas. Então, Aiz e eu ouvimos suas instruções, seguimos caminhos separados e começamos a trabalhar.

“Hum… eu odeio incomodar você, mas o que é aquilo?”

Trabalhando entre as muitas raças de pessoas que vivem na aldeia, nós fazemos um grande progresso. A tarde acabou antes que eu percebesse, e o pôr-do-sol chegou.

Eu estava encarregado de preparar lenha e transportar as decorações de um lugar para o outro, então tive a chance de ver vários objetos peculiares espalhados pela aldeia.

Eles se parecem com grandes rochas de obsidiana brilhante, mas há uma aura estranha pairando sobre eles.

Cada um tem aproximadamente o tamanho do meu peito. Eles formam um anel ao redor da vila, criando uma linha entre onde a aldeia termina e a floresta começa.

Eu pergunto a uma senhora animal próxima sobre as coisas pretas que parecem estar protegendo a aldeia. Ela sorri e responde imediatamente.

“Oh, isso? É… uma das escamas do <Dragão Negro>. “

“… O quê?”

Eu não posso acreditar no que ouvi.

Sob um céu noturno tão vermelho que pode muito bem estar sangrando, tenho certeza de que ouvi mal e peço esclarecimentos enquanto me aproximo.

“O <Dragão Negro>… Como aquele nas lendas? Aquele <Dragão Negro>…?”

“Sim, esse mesmo. Há muito tempo, depois que heróis o expulsaram de Orario, o <Dragão Negro> fugiu para o norte. Essas escamas caíram de seu corpo quando ele passou por este vale.”

A senhora me disse que a história foi passada de geração para geração por elfos.

Então, muitos anos atrás, uma besta lendária voou sobre o céu enquanto escamas caíam na floresta abaixo…?

“Você não achou estranho que uma vila situada no meio de uma floresta cheia de monstros nunca foi atacada?”

“B-Bem, sim, mas…”

Aiz e eu fomos cercados por harpias no nosso caminho para cá. Mas, eu não vi nenhuma desde que entramos na vila. Claro, achei estranho, mas…

“É tudo graças a essas escamas. Os monstros têm tanto medo delas que ficam longe. É graças ao <Dragão Negro> que podemos viver em paz.”

A estranha aura que vem dessas coisas é a presença do Rei dos Dragões, ou talvez seu poder.

Os monstros têm medo dos pedaços isolados da besta lendária, então eles não se aproximam delas. É por isso que o Vilarejo Edas não se preocupa com ataques de monstros.

A história dela me deixa sem palavras. Ao mesmo tempo, ela fecha os olhos e junta as mãos enquanto se ajoelha na frente da escama.

“… Tenho certeza que você acha estranho que adoremos um monstro. O motivo de estarmos vivos hoje não é devido à proteção de aventureiros ou divindades… mas essas escamas.”

 “Isso, e por que eles estão com medo.”

Com medo do dia em que a lendária besta retornará e destruirá o mundo.

Os aldeões que vivem em Edas reverenciam o monstro e também vivem com medo dele todos os dias. Eles, que estão mais cientes do poder do dragão do que qualquer um, temem o dia em que ele será lançado no mundo. Ao ponto que eles não podem deixar de adorá-lo.

… Uma vila construída sobre a fé em um dragão.

Não, não exatamente. Uma aldeia que reza a um dragão para que o amanhã continue a vir pacificamente e contenha a calamidade que é seu poder.

Estou impressionado com este lado do Vilarejo Edas, um lugar tão longe e separado do mundo que eu conheço.

A história das calamidades que Lorde Hermes me contou parece muito mais real.

O <Dragão Negro>… Eu me pergunto se há mais evidências deixadas para trás pelo dragão de um olho em outras partes do mundo.

“Mas é claro, se chegar o dia em que o Lorde Dragão deixe este mundo, não teremos necessidade de continuar fazendo isso…”

A senhora, de olhos ainda fechados e mãos juntas, diz isso para mim com uma careta. De repente, tudo faz sentido.

O significado das Três Grandes Missões que foram confiadas a Orario.

O desejo de salvação que o mundo mantém até hoje.

“Bem, essa conversa ficou um pouco séria. Estamos quase terminando a preparação, então por que você não termina sua entrega?”

“Ah… S-Sim, claro.”

Ela olha para mim com um sorriso gentil. Eu consigo convencer minha cabeça a balançar em concordância. Eu estive carregando toras sobre meu ombro esse tempo todo, então começo a mover meus pés em direção ao meu destino original.

Depois de deixar a simpática senhora para trás e entregar a lenha, faço uma pausa por um minuto e examino a aldeia.

As escamas pretas pontilham a paisagem. Com os preparativos quase completos, este lugar parece um pouco diferente de antes.

“Ah…”

Eu avisto Aiz enquanto ando por grupos de aldeões que já terminaram o que tinham que fazer.

Ainda vestida como uma camponesa, ela está de costas para mim. Ela está de pé em frente a uma cabana de pedra.

“Senhorita Aiz?”

“…”

Ela mantém os olhos na estrutura de pedra, sem reagir enquanto eu caminho até ela.

Uma dessas escamas pretas está dentro da cabana. Em cima de um pedestal, vários pratos de comida e outras oferendas estão alinhados na frente dela… Deve ser um altar. Isso significa que esta cabana de pedra é um lugar onde as pessoas da aldeia vem rezar para a coisa que protege sua casa.

Aiz olha em silêncio para a escama. Como eu, ela provavelmente ouviu dos aldeões sobre a história deste lugar e as escamas pretas.

“É quase como um deus, você não acha?”

Seu medo deste pedaço do dragão os levou a presenteá-lo com oferendas. As semelhanças com os deuses reais são surpreendentes. Eu casualmente comento minhas observações.

Contudo…

“Essa coisa não é um deus.”

Suas palavras afiadas cortaram o ar.

“—”

Ela ainda está olhando para o altar. Tudo o que ouvi foi uma resposta baixa e fria.

Quem disse aquilo foi realmente Aiz? Eu nunca a ouvi falar com tanta emoção em sua voz. As palavras estão presas na minha garganta.

Meu coração está tremendo.

Essa voz realmente me assustou.

Como o seu rosto se parecia quando ela disse isso? O tempo para sem uma resposta.

“Vamos voltar.”

“… C-claro.”

Aiz se vira para mim depois de alguns segundos que pareceram uma eternidade.

Ela está com a mesma expressão indiferente que eu já vi muitas vezes antes. É a Aiz que eu conheço. Até a voz dela soa como sempre. Ela se afasta da cabana de pedra.

Mas eu não me movo. Ela para e olha por cima do ombro depois de alguns passos. Minhas pernas finalmente acordam e corro atrás dela.

Agora andando lado a lado, dou uma olhada em seu rosto. Pintado de vermelho pelo sol poente, nada mudou. Absolutamente nada. O que ouvi momentos atrás foi apenas minha imaginação? Aquelas palavras ainda estão assombrando meus ouvidos, mas elas realmente aconteceram?

Eu nunca criei coragem para perguntar.

*****

Ainda um pouco abalado com o que aconteceu com Aiz, termino o que estava designado para fazer e volto para verificar a deusa.

Existem muitas casas de madeira construídas em torno do centro da vila. Eu faço meu caminho até a casa de Kam, abro a porta da frente e entro. Uma caminhada rápida pelo corredor e chego ao quarto de hóspedes que ele nos deixou usar tão gentilmente.

“Huh?… Senhor Kam?”

Entrando no quarto, encontro Kam parado de pé ao lado da cama da deusa.

Ela está dormindo. Zzz, zzz. As respirações da jovem deusa enchem o quarto enquanto o homem idoso a observa em silêncio.

Em pé com a ajuda de uma bengala, ele lentamente olha para mim.

“Não tenha medo. Eu não fiz nada para ela.”

“Eh, hum, não estou preocupado com isso… Há algo errado?”

Eu arrisco uma pergunta, incapaz de esconder minha surpresa. Eu o vejo se virar quase como se ele estivesse se movendo em câmera lenta.

“Eu estava esperando por você.”

Depois de mais uma surpresa, o senhor idoso continua.

“Bell, você pode gastar um momento do seu tempo com este velho?”

Ele me leva mais para dentro da casa, até seu quarto.

Há uma cama, mesa e cadeira aqui.

Há uma pequena pilha de papéis e uma caneta de pena em sua mesa, mas isso é esperado. Ele é o ancião da aldeia, afinal, mas eu não acho que ele usou a caneta por um bom tempo. Até a folha de papel de cima tem uma fina camada de poeira sobre ela.

“Cah-ough…!”

“Vo-Você está bem?”

Uma tosse alta sai do nada.

Corro para ajudá-lo e me ofereço para chamar sua filha, mas Kam acena com sua para mim.

“Por favor, não se preocupe. Eu entendo o que está acontecendo comigo melhor que qualquer um.”

Não tenho certeza de como interpretar isso. Deve ter mostrado no meu rosto porque ele me diz mais uma vez para não me preocupar.

O idoso é magro, mas ainda é um pouco mais alto do que eu. O cabelo branco no topo de sua cabeça balança quando ele sorri para mim. Ainda estou preocupado com ele, mas vou ouvir o que ele tem a dizer.

Enquanto a luz vermelha do entardecer entra pela janela, Kam vai até a escrivaninha e abre a gaveta de cima. Puxando algo para fora, ele o coloca em cima da mesa.

Seja o que for, é muito antigo. Eu me inclino para olhar mais de perto, mas os detalhes estão tão desgastados que é difícil ver… Aquilo é uma chama? Um emblema?

“Isso é… o emblema de uma família?”

“Sim, de fato. Há muito tempo atrás, eu me comprometi com uma certa deusa. “

Kam começa a me contar sobre sua vida.

“Eu me apaixonei por ela, e ela também tinha sentimentos por mim. Nós estávamos apaixonados um com o outro.”

“Você estava…?”

Ele se apaixonou por uma deusa.

Esta é uma notícia chocante para mim. Kam tira os olhos de mim por um momento. Ele está corando?

“Infelizmente, não fui capaz de protegê-la. Eu era seu único seguidor, e tinha jurado defendê-la com minha vida. Mas ela foi morta pela garra de um monstro…”

“…!”

“Seu sacrifício salvou minha vida… e consequentemente, ela voltou para Tenkai.”

Kam olhou para cima e para fora da janela, como se lembrando dos eventos que aconteceram há mais de cinquenta anos.

Eles foram atacados por monstros durante uma viagem. Kam perdeu sua deusa naquele dia. Ela o empurrou da beira de um penhasco e para dentro do mar, salvando sua vida ao custo de sua existência na Terra. Ao mesmo tempo, ele mergulhou nas profundezas do desespero.

Sem razão para viver, Kam decidiu jogar sua vida fora vagando sem rumo pela Cordilheira Beor, mas…

“… Eu encontrei meu caminho para esta aldeia. Eu fui incapaz de jogar fora a vida que ela salvou.”

Depois que ele conheceu vários outros que haviam trilhado um caminho semelhante, eles o receberam de braços abertos. Chorando lágrimas de alegria, ele decidiu que um dia seria enterrado aqui. O Status em suas costas foi selado devido ao fato de que sua deusa não estava mais neste reino — e ele o deixou em paz como a última marca do vínculo que eles uma vez compartilharam. Ele se comprometeu com o vila que o acolheu e eventualmente alcançou o posto de ancião.

“… Nesse caso, Rina e os outros são…?”

“Adotados. Alguns deles perderam seus pais para a praga, outros foram abandonados… eu recebi todas as crianças que não tinham um lugar para ir.”

Ele admitiu que não era relacionado por sangue com nenhum de seus “filhos e filhas”.

Kam, que jurou amor a uma deusa, mas foi incapaz de protegê-la, não poderia ter uma vida normal, casar e ter filhos.

“Bell… por favor, por favor proteja sua deusa.”

Ele não precisa me pedir para fazer isso, mas Kam pede de qualquer maneira.

“Cough!” Ele cobre a boca e eu dou um passo para mais perto, mas ele apenas sorri para mim.

“Você não deve viver a vida com os mesmos arrependimentos que eu tenho.”

Agora eu finalmente entendo porque ele foi tão protetor com a deusa, tão rápido em nos receber em sua casa.

Ele viu seu eu mais jovem em nós e nos ajudou para que eu não sofresse a mesma perda que ele.

Esse sorriso e suas palavras fizeram o seu caminho para o meu coração. Eles vão ficar lá por muito tempo.

*****

“… Blah…”

Hestia estava deitada na cama, olhando para o teto e muito entediada.

“Eu não consigo mais dormir…”

O dia estava praticamente acabado. A última luz do sol desapareceu.

Hestia usou os cotovelos para apoiar o corpo e se sentou.

“Ainda sem energia… Mas estou melhor, provavelmente.”

Ela olhou para si mesma, convencida de que sua sonolência era o resultado de dormir intermitentemente nos últimos três dias.

Ela não estava doente, e seu apetite estava vivo e bem. Hestia sentiu que o pior já havia passado, e ela não precisava mais pegar leve.

“Uph.” Ela começou a tirar sua camisa suada — uma emprestada da filha de Kam que estava apertada no peito. Seus rabos de cavalo, ainda bagunçados após três dias na cama, balançaram para frente e para trás enquanto ela se movia.

Alguém bateu na porta.

“Por favor, com licença…”

“Wall-Wallensalgumacoisa…?”

Aiz entrou no quarto, segurando uma bandeja nos braços.

Hestia a observou sem piscar. A garota colocou a bandeja na mesa ao lado da cama, o vapor subindo de uma tigela de sopa.

“Você se recuperou…?”

“E-Eu estou bem, mas… onde está o Bell?”

“Conversando com o ancião da aldeia, eu acho…”

A deusa perguntou por que foi ela e não Bell quem veio vê-la, e Aiz respondeu em voz baixa.

A filha de Kam tinha feito a sopa, mas ela foi chamada para ajudar com algo no lado fora. Então, ela pediu a Aiz para entregá-la em seu lugar.

Hestia ficou tão surpresa ao ver Aiz que só agora ela percebeu o que a garota estava vestindo. Ela praticamente engasgou.

“Wall-Wallenalgumacoisa, o que são essas roupas?”

“Rina me emprestou…”

“Você está tentando seduzir Bell ou algo assim…?”

O corpo de Hestia tremeu, uma veia pulou em sua testa. Aiz, por outro lado, inclinou a cabeça em confusão.

Hestia sabia. Ela sabia que o menino gostava do encanto charmoso de uma garota simples.

Um olhar para a cavaleira em frente a ela, vestida assim — Bell corou mais vezes hoje do que em um ano, sem dúvida sobre isso!

“Grrrr…” Hestia rosnou baixinho, a ponto de divulgar seus pensamentos sobre o assunto quando não era a hora nem o lugar para fazer isso. Mas então ela percebeu que essa era sua chance e mudou de ideia. Havia algo que ela queria descobrir de uma vez por todas.

“Sente-se, Wallenalgumacoisa.”

“?”

Vendo a deusa sacudir o pulso em direção a uma cadeira ao lado da cama, Aiz fez o que ela disse.

“Para começar… Obrigado por me salvar. Desculpe por você ter que se envolver nisso.”

“Não foi na —”

“Mas, e isso é importante, o que você acha do meu Bell?”

“O que eu acho…?”

“Sabe, é que, hum…! Como você o vê? Qual é a sua impressão?”

Hestia não podia perguntar diretamente se ela sentia algo pelo menino. Ela tentou, mas acabou corando muito e tropeçando nas próprias palavras.

Não importa o quão distante fosse a expressão indiferente de Aiz, era impossível mentir para uma divindade.

Hestia lançou seu olhar divino sobre a garota humana, determinada a descobrir que emoção estava à espreita dentro de seu coração.

Sob o olhar intenso da deusa, Aiz casualmente olhou para o teto e refletiu um pouco sobre a questão. Ela respondeu após alguns momentos de silêncio pesado.

“… Um coelho?”

Hestia fechou os olhos e acenou com a cabeça decisivamente ao ouvir sua resposta.

“Eu sempre acreditei em você.”

“…?”

Thump, thump. Hestia estendeu a mão e acariciou Aiz algumas vezes no ombro.

Embora a resposta estivesse um pouco exagerada, ela agora tinha a prova de que Aiz não via Bell como um homem — isso é, um membro do sexo oposto. Seu ânimo melhorou imensamente.

“Mas esteja avisada, não seja muito legal com ele. Embora eu concorde que os coelhos são muito fofos, ser muito legal vai dar ideias erradas a ele. Isso seria problemático.”

“Enten… dido…?”

Aiz mais uma vez inclinou a cabeça, sem compreender o que a divindade estava dizendo enquanto Hestia continuava a dar tapinhas em seu ombro com entusiasmo.

“Oh, minha senhora, você está se sentindo bem?”

Foi quando a filha de Kam apareceu na porta. “Muito melhor, graças a você”, disse Hestia com um sorriso genuíno para a garota que veio ver como ela estava.

“Você parece estar suando. Devo preparar uma muda de roupas para você?”

“Hmm, isso pode ser uma boa ideia…”

Rina entregou a Hestia uma toalha e um copo d’água enquanto a deusa considerava aceitar a oferta.

Uma rápida olhada na roupa de Aiz, e seus olhos brilharam com a faísca de uma ideia.

“Desculpe, mas posso fazer mais um pedido egoísta?”

*****

“O festival já começou…”

Kam e eu conversamos por muito tempo, muito mais do que eu pensava que iriamos. Eu olho pela janela mais próxima quando finalmente saio de seu quarto, e meu queixo cai com o que vejo.

Parece o meio da noite lá fora, e todos os aldeões estão agrupados na praça principal. Todo mundo está conversando e se divertindo enquanto toras estão sendo reunidas para fazer uma fogueira.

Meus músculos relaxam quando lembro dos festivais em minha aldeia natal. Sentindo-me nostálgico, começo a caminhar para o quarto de hóspedes onde a deusa está descansando.

“Bell!”

“O quê, deusa, hein?”

Ela está no corredor, bem na minha frente, e vestindo algo que tira o meu fôlego.

É quase a mesma roupa que Aiz está vestindo. Mas ao invés das cores vermelhas que a fazem se destacar, a deusa está usando um azul mais calmo — embora pareça que ela se esforçou para vestir aquela blusa. Quase consigo ouvir os botões na frente de seu peito gritando…

Parada ao lado de Aiz, as duas podem muito bem ser irmãs.

“Hee-hee, então? Como estou?”

“Você está ótima, mas… tem certeza de que não há problema em sair da cama?”

Sim, ela está muito bonita, e as borboletas no meu estômago estão de volta, mas minha preocupação pelo bem-estar dela está um pouco mais forte agora. “Sim, tenho certeza!” ela diz com um sorriso. Aparentemente, ela fez um pedido especial e Rina fez todo o possível para ajudar.

A filha de Kam está parada junto ao outro ombro dela, sorrindo tanto quando a deusa.

“Já que você está mais uma vez com boa saúde, minha senhora, por que não vem assistir as festividades?”

A deusa imediatamente aceita seu convite.

Talvez seja porque ela está na cama há muito tempo, mas ela parece animada sobre a ideia e grita: “Adoraria ir!” Porém, eu ainda estou preocupado. Ela deveria descansar um pouco, mas no final eu me junto a ela e a Aiz enquanto Rina nos conduz para fora da casa.

“Hum, você tem certeza que isso é uma boa ideia, deusa? Você não deveria se esforçar…”

“Estou bem! Depois de passar tanto tempo perto de você, eu ficaria preocupada se não melhorasse!”

Ela afirma que ficar naquele quarto a faria se sentir pior. Vê-la desse jeito só está me deixando mais preocupado.

Ela parece bem, mas… talvez eu esteja sendo superprotetor depois de ouvir a história de Kam. Ainda estou pensando nisso quando chegamos à praça do vilarejo.

“…!”

“Que bonita!”

“… Linda.”

A fogueira já está queimando quando nós três expressamos nossas reações. As mesas ao redor do fogo estão cobertas por uma grande variedade de alimentos.

A deusa e Aiz se aquecem no calor do festival. Essa energia é contagiosa, até eu estou sendo atraído.

“Ah! Minha senhora!”

“Você está se sentindo bem o suficiente para estar aqui fora?”

Vários aldeões se reúnem ao nosso redor.

A deusa estava acamada há vários dias e todos estão preocupados com ela. No início, Hestia é dominada por todos os homens e mulheres expressando suas preocupações, mas não demora muito para começar a agradecê-los e sorrir.

A notícia de sua recuperação rapidamente se espalha pela praça enquanto o festival começa a parecer mais uma celebração. Aiz e eu nos envolvemos nele, junto com a deusa.

“Então, minha senhora, por que você veio tão longe na Cordilheira Beor?”

“Dizem que você se perdeu. É verdade?”

Os aldeões começam a pressionar por detalhes.

Nós três fazemos o nosso melhor para respondê-los enquanto os aldeões formam um círculo a nossa volta. Eu quase esqueci, deveríamos estar escondidos. E se tudo o barulho e a fogueira revelassem nossa posição aos soldados de Rakia? Este vilarejo pode estar escondido no fundo de um vale cercado por montanhas, mas esta fogueira seria fácil de encontrar… Eu olho para Aiz. Ela me nota e levemente balança a cabeça, como se estivesse pensando a mesma coisa. Uma gota de suor frio escorre pelo meu pescoço.

A Aliança de Orario já deve tê-los encontrado, e mesmo que não, duvido que o exército de Rakia ficaria nas montanhas por três dias…

“A verdade é que um deus idiota nos levou para um passeio selvagem. Porém, esta bagunça toda começou porque eu fugi de casa…”

A deusa diz isso antes de congelar no local. “Ah.” O som sai da minha boca quando me lembro.

Isso mesmo, Hestia e eu estávamos brigando — bem, não realmente, mas algo próximo a isso.

A deusa lentamente vira na minha direção, esticando o pescoço. Um tremor corre pelo meu corpo, e eu rapidamente olho para longe.

Os aldeões e Aiz olham para nós com perplexidade.

N-não é bom! Tenho que me desculpar, e rápido…!

Um pedido de desculpas pode não resolver o problema, mas certamente não vai doer. A deusa está olhando em volta, esperando que eu faça alguma coisa.

Eu me esforço para encontrar as palavras certas, para fazer um pedido de desculpas aqui e agora, quando…

“Oh…?”

As pessoas estão cantando.

É uma melodia animada, e outros estão batendo palmas seguindo o ritmo. Eu olho em direção à fogueira e vejo pares de homens e mulheres começando a dançar sobre a luz crepitante.

“Essa é a dança tradicional desta aldeia? A maioria dos dançarinos parece jovem…”

“Ahhh, então…”

A deusa também percebe e dá uma olhada. Assim como ela disse, os aldeões dançando ao redor do fogo são uma mistura de humanos, elfos, anões, e pessoas animais, mas a única coisa que eles têm em comum é a juventude. Bem, isso e seus sorrisos tímidos.

Um senhor mais velho responde a pergunta da deusa com um sorriso em seu rosto.

“Não é uma lei de forma alguma… mas é dito que quando um homem solteiro convida mulher para dançar no festival, é a mesma coisa que uma confissão de amor. Se ela aceitar, os dois serão abençoados com uma vida de felicidade. Ou pelo menos é assim que a história é contada…”

“O-Oh?”

Sua explicação me fascina. Por algum motivo, a deusa começa a ficar inquieta.

“Por favor, dance conosco, deusa! Hoje é nosso festival de fertilidade!”

“Por favor, nos conceda muitas bênçãos!”

Vários moradores usam o início da dança como uma desculpa para se aproximar da deusa e dizer seus desejos.

Não acho que Lady Hestia tenha qualquer poder sobre a fertilidade, mas… essa pode ser a primeira vez que eles veem uma divindade pessoalmente. Em todo caso, eles pedem por boa ventura.

Cercada por aldeões, a deusa fecha os olhos e, “Ah-hem,” limpa a garganta.

Ela desliza para perto de mim com passos ardilosos.

“Oh, Bell? Parece que há uma necessidade urgente para eu cumprir minha função como uma deusa, você sabe… Então, eh, sim.”

Seu rosto está ficando vermelho. Ainda mais vermelho do que a luz quente que vem da fogueira. Na verdade, eu diria que ela parece nervosa.

“Se você dançar comigo… vou considerar aquele incidente como águas passadas.”

Eu pisco algumas vezes.

Quase como se fosse uma deixa, os aldeões que nos cercam começam a sussurrar um para os outros.

Meus ombros saltam no momento em que percebo que a empolgação deles significa que será extremamente difícil para mim recusa-la. Bem, se ela está disposta a deixar o problema de lado caso eu dance com ela, então sim, é isso que eu quero… E também, eu posso gostar de dançar com a deusa.

Cumprir seu papel como deusa também ajudará essas pessoas, então eu luto para acalmar meus nervos — e aguentar a sensação de queimação em minhas bochechas. Então eu aceno para a ela.

“Tudo bem… Eu vou dançar com você, deusa.”

Mas, por alguma razão, ela está dando um sorriso presunçoso. Era isso o que ela queria, não é? Por que ela parece irritada?

“Se você vai me convidar para dançar, faça direito, Bell. Como você fez com Wallenalgumacoisa no banquete de Apollo, quando você a convidou para dançar.”

Eu congelo, meus olhos se arregalam. Aiz, ao meu lado, faz o mesmo.

A sensação de queimação em minhas bochechas se transforma em um inferno. Meu corpo estremece em direção a Aiz. Ela ainda tem aquela perplexidade em seus olhos, inclinando a cabeça para o lado.

Bem, é verdade que dancei com ela durante o banquete de Apolo, mas…!

“Há uma frase que você tem que dizer em momentos como este, não é, Bell?” diz a deusa, olhando para mim com os olhos entreabertos. Enquanto isso, estou encolhendo para longe dela.

“Mas… mas, deusa…!”

“É o seu trabalho começar bem, definindo o clima do ambiente. Não é mesmo, todo mundo?”

Ela acaba com minha única esperança de fuga apelando para os aldeões que nos cercam.

Não posso ir contra a vontade de quem quer que ela seja feliz. Todos eles estão balançando a cabeça, me incentivando a dar o primeiro passo.

Eu olho para Aiz com suor escorrendo pelo meu rosto… Ela está olhando para mim. É quase como se ela estivesse esperando para ouvir minha resposta.

Eu sinto que estou cercado por todos os lados, preso em um ataque de proporções monumentais… mas no final, não posso ir contra a deusa.

 “… Vo-Você… você dançaria comigo, deusa?”

Eu coloco minhas mãos na frente do meu rosto vermelho. A deusa olha para mim com um sorriso satisfeito que se estende por todo o seu rosto

“Uau!”

Seus dedos macios se envolvem em torno do meu pulso.

Ela me leva pela mão, quase como uma criança, em direção à fogueira.

Os aldeões nos dão uma despedida enérgica — não consigo ver o rosto de Aiz — e nos juntamos ao círculo de jovens homens e mulheres.

Segurando as mãos um do outro, começamos a imitar os movimentos da dança já em andamento.

“Is-Isso é muito difícil.”

“Ah, aha-ha-ha-ha…”

“Bell, você poderia assumir a liderança para que eu possa me concentrar na construção da minha energia divina?”

Estou tentando acompanhar a dança sem olhar para os casais ao nosso redor, mas não é tão fácil quanto parece. Nós dois vagamos desajeitadamente ao redor da fogueira com o resto dos dançarinos. Eu me sinto como um peixe fora d’água, mas a deusa parece tão feliz, dançando com suas mãos nas minhas.

A luz da fogueira ilumina metade de seu lindo rosto. Nós giramos no ritmo da música, e eu sinto o calor das chamas em minhas bochechas. No entanto, eu não acho que essa é a verdadeira razão pela qual meu corpo está tão quente.

Ela sorri para mim, tão genuinamente feliz. Eu não posso deixar de fazer o mesmo.

As faíscas da fogueira dançam no ar. Nossas sombras vagam pelas árvores e na encosta da montanha. Eu sinto o calor da deusa através das minhas mãos.

Os aldeões mais velhos estão nos observando, cantando e batendo palmas enquanto continuamos a dançar.

“Whew…”

Minha dança com a deusa ao redor da fogueira só termina após muitos versos.

Finalmente satisfeita, a deusa me solta e vai se juntar a um grupo de crianças tentando aprender os passos da dança.

Eu ia pedir a ela para não se esforçar… mas um olhar para as crianças entusiasmadas e eu prefiro não dizer nada.

Um sorriso cresce em meus lábios enquanto vejo a deusa ensinar uma menina. A alegria no rosto daquela criança… Ela está tendo o melhor momento de sua vida.

“Espere um minuto, onde está Aiz…?”

O festival realmente ganhou vida no momento em que Lady Hestia decidiu participar. Parece que todos estão se divertindo enquanto eu procuro na multidão para encontrar Aiz… Lá está ela, parada ao lado de uma casa próxima.

Eu corro até ela.

“Hum, Srta. Aiz.”

“… Sim?”

Aiz está assistindo a dança à distância, quase como se estivesse tentando não ser vista. Ela leva um momento para responder. Até sua postura a faz tão pequena quanto possível.

“Parece que todos estão se divertindo…”

Uma garotinha humana está dançando com seu pai; uma mãe está repreendendo seu filho enquanto o garotinho corre em círculos ao redor dela.

Aiz aperta os olhos, como se todos os sorrisos dos moradores fossem luzes brilhantes piscando ao redor dela.

“… Sua dança foi muito boa.”

“Eh… O-obrigado.”

“… Você é… um grande dançarino.”

“S-se você diz…”

“…”

“…”

Um elogio inesperado traz um fim abrupto à conversa.

Aiz não parou de olhar para a fogueira. Ela não está tentando fazer contato visual comigo. Isso é normal para ela, mas ainda assim…

“Ah, um… Você vai dançar?”

“Todos estão se divertindo… Não quero estragar a diversão deles.”

“Você não vai!”

“E… Eu não tenho ninguém para dançar comigo.”

Suas palavras não foram mais altas do que um sussurro. Eu chego a uma conclusão depois de organizar meus pensamentos.

Com as bochechas queimando novamente, eu crio coragem para falar.

“Se… Se você me considerar digno…”

Com essas palavras, Aiz finalmente olha para mim com os olhos arregalados.

“… Você… dançaria comigo?”

“Ah, sim, mas só se você não se importar com isso…?”

Ela observa sem piscar enquanto eu fico ainda mais vermelho.

Alguns segundos passam e eu lentamente estendo minha mão —

“Boom!!”

“Ah.”

“Uphh!”

O ataque da deusa me acerta nas costelas.

“O que é isso, Wallenalgumacoisa? Você não tem ninguém para dançar? Eu ficaria feliz em dançar com você agora mesmo!”

“… Obrigada?”

Ignorando meu tropeço para o lado, a deusa agarra a mão de Aiz e não aceita não como resposta.

Aiz pisca várias vezes em confusão enquanto Lady Hestia a guia em direção à fogueira.

Então elas começam a dançar.

Uma deusa jovem e bonita e uma linda garota com um ar misterioso sobre ela.

Os rabos de cavalo e os longos cabelos loiros balançam com as duas mulheres, brilhando a luz da fogueira. Usando o mesmo estilo de roupa, elas parecem irmãs muito próximas.

A dança compartilhada pela deslumbrante deusa e a elegante garota recebe os aplausos mais altos da noite.

Homens e mulheres, idosos e crianças — todos na aldeia batem palmas e sorriem para as duas lindas garotas.

Meu sorriso se alarga a cada momento que as vejo, ao ponto que tenho que abrir a boca para contê-lo em meu rosto.

Cercadas por tantos rostos felizes, as duas se surpreendem… mas depois sorriem de volta com a mesma alegria.

A felicidade continua noite adentro. O festival mantém sua atmosfera de celebração, a deusa irradia alegria junto com todos os outros até que a fogueira se apague.

*****

O festival está terminando.

A deusa, Aiz e eu estamos descansando em uma esquina do Vilarejo Edas.

“Uwahh, isso foi o suficiente para um dia… estou tão cansada.”

“É por isso que eu disse para você pegar leve…”

A deusa se senta no chão. Ela passou a noite inteira dançando com aquelas crianças, então não estou surpreso. Ela não estava com força total para começar, e acabou se esforçou muito. Eu a lembro disso em uma voz baixa.

Aiz, silenciosamente parada ao nosso lado, observa nossa conversa com um pequeno sorriso em seus lábios.

“Okay, então, qual é o nosso plano a partir de agora…?”

Muitos homens ainda estão na praça da aldeia. Eles deveriam estar limpando, mas a maioria está bêbada e rindo entre si. Deixando-os de lado, eu faço uma pergunta. A deusa, que estava massageando o ombro enquanto olhava distraidamente para as escamas pretas que marcavam a fronteira entre a aldeia e a floresta, olha para mim.

“Oh, estou pronta para ir. Demorou um pouco mais do que eu esperava, mas consigo andar agora.”

Aiz não diz nada no começo. No entanto, a aventureira de primeira classe faz contato visual conosco e acena com a cabeça.

“Sairemos da aldeia… amanhã de manhã.”

Vamos nos certificar de que tudo está pronto esta noite e, em seguida, esperar o sol nascer antes de retornar para Orario.

Nem eu ou a deusa contestamos o plano de Aiz.

Nós três olhamos ao redor da aldeia que logo estaremos deixando, contemplando a paisagem montanhosa uma última vez.

“Minha senhora!”

É quando acontece.

Uma voz estridente irrompe da parte de trás da aldeia ao mesmo tempo em que uma mulher vem correndo em nossa direção.

É a filha de Kam, Rina. Ela vem até nós, e eu posso dizer imediatamente que algo está errado. Ela mal consegue respirar.

O rugido de um monstro ecoa ao longe. Ouvir o uivo da besta e ver as lágrimas que ameaçam cair de seus olhos faz meu coração afundar.

Ela coloca a mão no peito enquanto uma lágrima escorre. A voz dela soa forçada e trêmula quando as palavras finalmente saem.

“Você veria meu pai partir… em sua jornada para o céu?”

Aiz, a deusa e eu entramos no quarto. Kam está em sua cama, cercado por todos os seus filhos adotivos.

Seu rosto está de uma cor horrível, seus olhos estão fechados.

Eu congelo no lugar. Todos os traços de vida se foram dele.

“… Meu pai queria ver vocês uma última vez.”

Um de seus filhos nos convida a avançar. Estou sem palavras.

Como pode ser? Eu estava falando com ele como em qualquer outro dia antes do festival começar.

“Eu entendo o que está acontecendo comigo melhor do que ninguém.”

É isso o que ele quis dizer… quando disse isso?

Eu ainda não me movi. Aiz está com a boca bem fechada, e a deusa está prendendo a respiração.

É quando Kam abre lentamente os olhos.

“… Ohh, deusa. Muito obrigado por ter vindo…”

“… Não precisa falar isso, Kam. Você tem feito tanto para me ajudar que eu viria correndo ao seu chamado.”

O olhar fraco de Kam cai sobre a deusa, e ele sorri.

A deusa força um sorriso e caminha para o lado da cama.

“Quando te conheci, as memórias da minha amada deusa, Brigid, vieram de volta para mim…”

Os olhos da deusa se abrem de surpresa ao ouvir o nome da ex-deusa de Kam.

“Você disse Brigid? Cabelo loiro, olhos vermelhos — aquela Brigid?”

“Você… conhece ela…?”

“Pode apostar que sim! Brigid é uma boa amiga minha! Costumávamos brincar juntas o tempo todo em Tenkai. Brigávamos também!”

Uma pitada de surpresa preenche o olhar de Kam. Que coincidência, ter uma conexão através de nossas deusas. “Então é isso…” diz ele com um sorriso fraco.

“Ela sempre foi muito gentil… Tratando a todos com justiça e amando um reles humano como eu.”

“O que? Kam, você foi enganado! Ela me chamada de ‘baixinha’ e vários outros tipos nomes no momento em que perdia uma discussão. E ela é só um pouquinho mais alta do que eu! Aposto que ela só queria ficar bem na sua frente e fez de tudo para você não ver como ela realmente é.”

“Hahaha… sério? Eu nunca soube.”

Posso dizer que Lady Hestia está tentando levantar seu ânimo. Kam tenta rir, mas falha.

Na verdade, apenas dizer isso parece doloroso, como se ele estivesse forçando cada palavra para fora de seu corpo.

O pequeno sorriso que ele deu desaparece completamente após alguns segundos, deixando seu rosto em branco e sem emoção.

“Deusa, por favor, me diga… Eu que a verei quando chegar ao céu…?”

“… Brigid vai te encontrar, tenho certeza disso. Ela é bastante insistente sobre conseguir o que quer.”

Kam ouve essas palavras.

Em seguida, fala novamente, quase em um sussurro… como se estivesse falando para si mesmo.

“Estou com medo… Com medo de não encontrá-lá, com medo de vê-la… com tanto medo.”

A luz em seus olhos murcha como as últimas pétalas de uma flor enquanto ele olha para cima.

Com seus últimos momentos se aproximando, a única filha de Kam morde o lábio para não chorar.

“Lady Brigid, por favor, me perdoe… Eu não pude protegê-la, por favor, me perdoe…”

Kam levanta fracamente sua mão direita no ar. Como se ele estivesse usando o que restava de sua força para alcançar o céu.

Seus filhos devem ser incapazes de ver seu pai carregado de culpa neste estado de fraqueza e então desviam o olhar. Aiz e eu olhamos para o chão.

Então Lady Hestia dá um passo à frente.

Ela lentamente envolve as mãos de Kam.

“Obrigada, Kam. Obrigada pelo seu amor.”

A voz da deusa é completamente diferente.

“—”

Kam arregala os olhos o máximo que pode.

Aiz, eu e todos no quarto de repente nos concentramos em Lady Hestia.

Essa não é a voz dela. O tom, as palavras, até o ritmo mudou.

É como se outra pessoa estivesse usando seu corpo, olhando para uma criança com um olhar amoroso e afetuoso.

Ela deve estar usando seu conhecimento da deusa de Kam para falar e agir como ela pensava que a deusa faria.

“Mesmo agora… e para sempre, sempre vou te amar.”

A voz da deusa é tão rítmica e suave que ela soa como uma mãe amorosa colocando seu filho para dormir.

O soneto de amor de uma deusa.

Lágrimas caem dos olhos de Kam.

“Hhhhha…!”

Olhos que deveriam estar murchados e secos agora estão brilhando sob as lâmpadas de pedra mágica.

Seus lábios tremem, como se ele estivesse vendo algo do outro lado de seu olhar.

 “Lady Brigid, eu… eu também.”

Te amo.

Essas foram às últimas palavras de Kam.

As lágrimas de seus filhos adotivos começam a cair no chão. Sua filha esconde o rosto nas mãos, desabando no local.

Eu também estou chorando.

As lágrimas não param.

Minha visão fica embaçada a ponto de não conseguir ver o homem cujo espírito acabou de nos deixar. Eu tento enxugar as lágrimas com o braço.

Até Aiz está cobrindo o rosto.

Lady Hestia aperta sua mão antes de colocá-la suavemente em seu peito.

O semblante do homem que devotou seu amor a uma deusa é de longe a expressão mais calma e em paz que já vi na minha vida.

*****

A luz da lua está brilhando por entre as árvores.

Os uivos de monstros se foram, deixando a floresta assustadoramente silenciosa.

Encontrei uma pequena clareira entre as árvores e me sentei na base da mais próxima. Não me mexi desde então.

“Então é aqui que você esteve, Bell.”

Essa voz… é a deusa.

Estamos ao norte do vilarejo, em um caminho pela floresta.

Depois que Kam morreu, eu vim para este local sozinho.

A notícia de sua morte viajou pelo Vilarejo Edas muito rapidamente. Os aldeões que normalmente estariam dormindo se reuniram em sua casa imediatamente. Todo mundo que o viu deitado naquela cama ficou arrasado e derramou muitas lágrimas.

Eu… Eu não aguentava ouvir todo o choro e as vozes de lamentação… eu precisava fugir, precisava escapar.

“…”

“…”

A deusa se senta ao meu lado.

Sentamos em silêncio sob o céu escuro da noite. Eu tento falar.

“Deusa…”

“O que é?”

“Kam será capaz de se reunir com Lady Brigid do outro lado?”

O destino do espírito que deixou Gekai e voltou para Tenkai.

Eu quero saber se Kam realmente tem uma chance de ver a deusa que foi enviada de volta há tantos anos.

“… Isso pode ser… difícil. Há alguns de nós, como Freya, que são especiais, mas o destino dos espíritos das crianças é responsabilidade dos deuses que controlam a morte. Não é como se alguém pudesse escolher quais espíritos eles julgam.”

Os espíritos que viajam para Tenkai são purificados — voltam a um estado puro “em branco” antes de renascer em outra vida em Gekai.

A deusa explica o processo para mim, mas eu aperto minha mão sobre minhas pernas a cada palavra.

O silêncio mais uma vez desce sobre a floresta.

“Então, as crianças não deveriam se apaixonar pelos deuses, afinal. É o que você está pensando?”

“!”

Meus ombros estremecem.

Erguendo minha cabeça, o sorriso da deusa está ali para saudar meus olhos.

“Depois do que aconteceu na mansão, pensei que você era muito teimoso para o seu próprio bem… mas não é isso.”

Ela me olha com aqueles olhos azuis como se pudesse ver através de tudo. Eles estão apenas meio abertos, um olhar gentil.

“Eu esqueci algo muito importante sobre você. Você pode ver a dor que sentiu nos outros… e tem medo de infligir essa dor a alguém. Estou certa?”

Minha cabeça cai novamente.

Ela… Ela viu através de mim.

“É a dor pela morte do seu avô que está prendendo você?”

Sim.

Sem vovô, não havia calor para ser sentido. Eu me lembro de tudo muito bem. Eu me lembro do meu coração se sentindo vazio, toda a dor que eu suportei quando ele faleceu.

Eu conheço a dor de quem fica para trás.

Eu sei como Kam se sentiu. Ele estava sofrendo até o momento em que foi salvo pela deusa.

“No entanto, o fim sempre chegará para mortais como nós.”

Por meio de nossa própria morte e renascimento, podemos esquecer a dor de nossa vida anterior.

“E quanto aos deuses e deusas?”

Eles vivem para sempre, então não há como esquecer. Não há como eles acalmarem as cicatrizes deixadas em seus corações depois de deixarmos este reino.

De amigo para família, família para amante e amante para parceiro — quanto mais profundo e especial o vínculo se torna, mais profunda é a cicatriz que será deixada para trás. Não existe uma maneira das divindades escaparem do tormento da perda?

Deuses e deusas não podem envelhecer conosco.

Eles serão deixados para trás sem questionamento.

Portanto, apaixonar-se por eles só os fará sofrer.

A dor — agonia pior do que a que senti depois de perder minha família — é inevitável às divindades que desenvolvem esses fortes sentimentos pelos mortais?

Causar tanta dor é assustador. Tenho medo da tristeza, da angústia.

Não é o mesmo que com duas pessoas — é um vazio que só pode ser sentido por divindades, que não podem morrer.

Bell. Nosso amor dura apenas um momento.”

Foi isso o que Lorde Miach disse. Lorde Hermes disse a mesma coisa.

O amor de uma divindade acaba em um instante. E uma eternidade de vazio está esperando por eles depois daquele segundo de amor.

O preço de um momento de felicidade: dor e tristeza eterna.

Isso é assustador.

A perda que senti depois que vovô faleceu, possivelmente ainda pior, continuará por centenas, milhares, milhões de anos.

Absolutamente horrível.

“… Bell. Por favor, não pense muito sobre isso. Nós —”

Não é possível.

Fecho meus olhos.

Eu nem tento ouvir suas palavras, fico quieto como uma criança e deixo sua voz flutuar como ruído de fundo.

A escala de “para sempre” é impossível para mim compreender. Eu simplesmente não consigo.

E se eu estivesse no lugar deles — não poderia lidar com isso.

Carregar o fardo da perda, ainda mais dolorosa do que a que senti, pelo resto da eternidade?

Para fazer uma divindade carregar esse fardo?

Se esse for o preço, é melhor não amar de forma alguma.

É o mesmo que os romances entre fadas e heróis. Um romance entre deuses e mortais nunca terá um final feliz.

Nós e eles — não podemos viver a mesma vida.

“… Sabe, Bell, deuses e crianças podem não ser capazes de viver as mesmas vidas.”

Ela fala como se tivesse lido meus pensamentos.

Eu mantenho meu olhar para baixo, mas sinto sua mão esquerda em cima da minha direita.

“Mas, estarei sempre ao seu lado.”

“Hã?”

Minha cabeça é levantada por suas palavras gentis.

“Não importa quão velho você esteja, mesmo que você se torne um velho careca e enrugado, eu sempre estarei com você. Você acha que eu iria embora?”

Ela olha para mim, os olhos transbordando de afeto.

“E mesmo que a morte nos separe… eu vou te encontrar.”

Um sorriso cresce em seu rosto.

“Não importa quantas centenas, milhares ou milhões de anos leve, eu vou te encontrar depois do seu renascimento… Mesmo depois de você não ser mais você, eu ainda vou estar ao seu lado.”

“—”

As palavras me deixam confuso, mas a deusa continua.

“Quando eu encontrá-lo, vou dizer: Quer se juntar à minha família?”

No dia em que nos conhecemos, ela me perguntou exatamente a mesma coisa.

“Ah.”

Acho que vou chorar.

Minha mandíbula se aperta.

Com o corpo tremendo, eu olho para ela e tento desesperadamente conter as lágrimas.

Ela envolve os dois braços em volta de mim e gentilmente me abraça.

“Gekai e Tenkai são apenas lugares — eles não significam nada. Nós somos como Brigid e Kam. Eu irei te encontrar de novo.”

Seus braços envolvem suavemente minha cabeça.

E como uma criança — não, ainda mais lamentável do que uma criança — eu faço minha última tentativa para não chorar.

“Eu não sou a única. Laços de outros deuses e deusas com as crianças podem durar para sempre.”

Ela sussurra baixinho em meu ouvido.

“Afinal, nós somos deuses. Nós vivemos para sempre.”

Ela passa os dedos suavemente pelo meu cabelo.

“Então, por favor, Bell. Não tenha medo do nosso amor.”

“Por favor, não fuja do amor de uma divindade.”

Posso recusar, posso aceitar, mas não devo ter medo — é isso o que Lorde Miach me disse.

A barragem se rompe. Lágrimas escorrem pelo meu rosto. O medo que estava pesando tanto em meu coração está derretendo.

Família, amantes, parceiros, amor — eu não sei o que são esses sentimentos.

Amor por uma divindade.

Eu não sei, mas tento colocar isso em palavras.

“Deusa… eu quero sempre, sempre estar com você…!”

“Sim…”

Ela está me segurando.

Tudo o que posso fazer é chorar.

“Eu sempre estarei aqui, Bell.”

O luar brilha por entre as árvores. Em uma floresta sob o céu azul escuro, eu choro no peito de uma deusa.

*****

“…”

Ela podia ouvir a voz trêmula do menino, seu choro.

Aiz ficou perto dele mesmo depois de levar Hestia para seu esconderijo. Ela ficou parada, encostada no outro lado da mesma árvore.

“Sempre… juntos…”

As palavras da deusa e as emoções do menino ressoaram em seus ouvidos.

Ela olhou para cima através dos ramos finos e folhagens em direção a lua dourada.

“Mãe…”

*****

O ar está denso de névoa.

O sol está nascendo ao leste, transformando o céu noturno em dia enquanto Aiz, a deusa e eu partimos do Vilarejo Edas.

Ficamos mais um dia para participar do funeral de Kam, ajudando com tudo o que podíamos.

Na quinta manhã depois de chegarmos, dizemos nosso último adeus aos moradores e definimos um curso para Orario.

O mais velho dos aldeões nos mostrou um caminho quando deixávamos a aldeia. Saímos da floresta rapidamente e descemos os penhascos íngremes para um caminho que corria ao longo do rio, chegando bem a tempo de ver o sol da manhã sobre as montanhas e inundando a paisagem com luz.

“Aquele era um lugar legal…”

“Não seria ótimo visitá-los novamente?”

“… Se você for, eu quero ir com…”

“Hã? Você… tem certeza de que está tudo bem?”

“Sim.”

“Ei, espere um segundo aí, Wallenalgumacoisa! Não faça promessas do nada! Se você quiser ir, vá com sua própria <Família>!”

Nós três caminhamos lado a lado, conversando.

Aconteceu algo triste, mas mesmo assim, todos estamos de bom humor. A deusa causa uma confusão, eu tento acalmá-la, e Aiz nos observa com o mesmo olhar indiferente. E alguns sorrisos também. O ar fresco da montanha enche nossos pulmões enquanto subimos a próxima estrada da montanha.

A névoa da manhã está começando a clarear.

“Aí estão vocês.”

“Whoa! Senhorita Asfi?!”

Ela surge do céu, pousa na nossa frente com sua capa branca e quase me assusta muito.

As asas douradas em suas sandálias se recolhem enquanto um olhar de alívio se espalha por seu rosto.

“Estive procurando por vocês. Eu nunca temi por suas vidas, sabendo a <Princesa da Espada> estava com vocês, mas…”

“Você esteve aqui desde então…?”

“Não, apenas desde a noite passada, deusa Hestia. Tínhamos que lidar com o exército de Rakia.”

Ela ajusta os óculos e nos conta o que aconteceu depois que nos separamos.

Aparentemente, Asfi conseguiu escapar da batalha com os soldados e voltou para a cidade. Ela passou as informações que reuniu para Finn, que então organizou os deuses e deusas de Orario em uma força de ataque que priorizou a captura de Lorde Ares. O exército de Rakia aguentou uma grande quantidade de danos e não conseguia se mover a toda velocidade devido ao grande número de soldados que não podiam andar por conta própria. Asfi nos diz que os aventureiros os alcançaram com facilidade.

Os soldados que não entraram nas montanhas conseguiram escapar, mas a Aliança conseguiu capturar seu líder, Lorde Ares, ontem. O resultado da guerra foi determinado no momento em que seu deus era oficialmente um prisioneiro dentro das muralhas de Orario. Com isso fora do caminho, a Aliança mudou seu foco para nos encontrar. No entanto, algumas das divindades perderam interesse e tiraram seus seguidores da missão de busca e salvamento.

Asfi estava sob as ordens do próprio Lorde Hermes para continuar a busca e agora está sorrindo como se um grande peso tivesse sido tirado de seus ombros.

“Eu posso carregar todos vocês um por um usando <Talaria>, se desejares.”

“Hmm… Bem, essa é uma boa chance de esticar minhas pernas. Não é todo dia que posso sair da cidade, então estou com vontade de caminhar.”

A deusa recusa educadamente a oferta de Asfi. Aiz e eu sentimos o mesmo.

“Como quiser. Eu vou em frente entregar as novidades. Existem muitos em Orario que estão preocupados com o seu bem-estar, e eu não gostaria mantê-los esperando.”

Ela diz isso com um sorriso e tira um capacete preto da bolsa amarrada à cintura. Ela o coloca na cabeça e de repente desaparece.

A deusa e eu estamos chocados — Aiz parece bem, como se ela já soubesse sobre isso — enquanto o som de asas batendo enche o ar ao nosso redor. Até mesmo esse som desaparece momentos depois.

Suponho que esse seja o poder de <Perseus>… com uma combinação de itens mágicos, não é nenhuma surpresa que muito poucas pessoas em Orario saibam sobre sua capacidade de voar.

Mas espere, ficar invisível… eu não vi alguém usando um item como esse antes…?

Memórias de um certo ladrão enviam uma onda de suor frio pelas minhas costas. A deusa então fala em uma voz alegre.

“Acho que é hora de voltarmos para Orario! Eu conheço algumas crianças que estiveram preocupadas por muito tempo!”

“Sim!”

“… Wallenalgumacoisa, hum, obrigada. Estou, eh, grata.”

“Sem problemas…”

Aiz e eu sorrimos enquanto ela diz obrigada.

O momento dura um pouco demais para a deusa, então ela da alguns passos à nossa frente para escapar.

Aiz e eu caminhamos bem atrás dela.

A deusa quase tropeça, e nós dois mal conseguimos pegá-la. Caminhamos pela estrada da montanha e finalmente descemos o último penhasco íngreme para onde a Cidade Labirinto nos espera do outro lado da planície aberta.

 

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