Goblin Slayer - Volume 1 - Capítulo 1 - Anime Center BR

Goblin Slayer – Volume 1 – Capítulo 1

Capítulo 1

A luta brutal terminou, ele pisou com sua bota no cadáver do goblin morto.

Ele estava manchado com o sangue carmesim do monstro, do seu elmo de aço sujo e armadura de couro, até a malha feita de anéis metálicos encadeados que cobriam todo o seu corpo.

Um pequeno escudo surrado estava fixado em seu braço esquerdo, e em sua mão, ele segurava uma tocha ardente.

Com seu calcanhar contra o cadáver da criatura, ele abaixou sua mão livre e retirou casualmente a espada de seu crânio. Era uma lâmina de aparência barata, com um comprimento mal concebido, e agora estava encharcada de cérebro de goblin.

Deitada no chão com uma flecha no ombro, o corpo magro de uma menina tremia de medo. Seu clássico rosto adorável e doce, emoldurado pelos longos e quase translúcidos cabelos cor de ouro, estava franzido com uma junção de lagrimas e suor.

Seus braços magros, seus pés; todo seu corpo deslumbrante estava com as vestimentas de uma sacerdotisa. O som do cajado de monge que ela agarrou ressoou, com seus anéis pendurados batendo uns contra os outros com suas mãos trêmulas.

Quem era esse homem diante dela?

Tão estranha era sua aparência, a aura que o ocultava, que ela imaginava que ele pudesse ser mesmo um goblin; ou talvez algo muito pior, algo que ela ainda não tinha conhecimento.

— Que-quem é você…? — perguntou ela, suprimindo seu terror e dor.

Após uma pausa, o homem respondeu: — Matador de Goblins.

Um assassino. Não de dragões ou de vampiros, mas o mais simples dos monstros: goblins.

Normalmente, o nome poderia parecer comicamente simples. Mas para Sacerdotisa, naquele momento, era tudo, menos engraçado.

***

Você já ouviu esta história antes.

O dia em que um órfão criado no templo faz quinze anos, ele se torna um adulto e deve escolher o seu caminho: ele permanecerá no templo como um servo da deusa, ou partirá e tentará ganhar a vida mundo afora?

Sacerdotisa escolhera o último, e uma visita à Guilda dos Aventureiros era o que escolheu fazer.

A Guilda dos Aventureiros — criada para apoiar aquelas corajosas almas desbravadoras — foi inicialmente formada, assim dizendo, por um punhado de pessoas que se conheceram em um bar. Ao contrário de outras associações de trabalhadores, a Guilda dos Aventureiros era mais uma agência de empregos do que um sindicato. Na guerra atual entre monstros e “aqueles que possuem língua”, os aventureiros eram como mercenários. Ninguém toleraria a existência de pessoas armadas se não fossem administradas cuidadosamente.

Sacerdotisa parou seu trajeto quando a vasta sucursal que estava diretamente dentro dos portões da cidade tirou seu folego. Quando ela entrou na recepção, ficou surpresa ao encontrá-la agitada de aventureiros, embora ainda fosse de manhã.

Esses edifícios ostentavam grandes pousadas e tavernas — geralmente juntas — bem como um escritório, tudo em um. Realmente, esse tipo de clamor era o resultado natural por possuir esses três serviços no mesmo lugar.

Para cada humano comum com armadura de placas, havia um mago elfo com manto e cajado. Aqui havia um anão barbudo empunhando um machado; e ali, havia um dos pequenos indivíduos moradores dos prados, conhecidos como rheas. Sacerdotisa abriu caminho através da multidão, passando por homens e mulheres de todas as raças e idades que se poderia imaginar e carregando todos os tipos de armas, indo em direção a Garota da Guilda. A fila serpenteava sem parar, cheia de pessoas que vieram pegar, registrar uma missão ou apresentar um relatório.

Um aventureiro empunhando uma lança estava conversando com alguém coberto por uma armadura pesada.

— Então? Como foi com o manticora no desfiladeiro?

— Não era grande coisa. Se quiser um grandão, acho que seria melhor tentar as ruínas ou algo desse tipo.

— É justo, mas você nunca vai colocar comida na mesa desse jeito.

— Ei, ouvi dizer que tem um espírito maligno causando problemas perto da capital. Quem quer que for para lá pode conseguir uma boa recompensa, hein?

— Talvez eu conseguisse lidar com ele, se for só um demônio de nível baixo…

Sacerdotisa se surpreendeu não menos que três vezes ouvindo a conversa casual, e cada vez, ela trouxe seu cajado de monge mais perto para fortalecer sua determinação.

— …Em breve também irei…!

Ela não possuía a ilusão de que a vida de um aventureiro era simples. Sacerdotisa vira em primeira mão os feridos que retornaram da masmorra, vindos ao templo, implorando por um milagre de cura. E curar tais pessoas era precisamente o credo da Mãe Terra.

Como ela poderia se afastar então, de se pôr em perigo para fazer o que lhe fora ensinada? Ela era uma órfã, e o templo a salvou. E agora era sua vez de reembolsar essa dívida…

— Pois não, o que te traz aqui hoje?

A fila havia avançado progressivamente quando Sacerdotisa permaneceu perdida em pensamentos, e agora era sua vez.

Usando uma expressão doce, Garota da Guilda atendendo-a ainda era jovem, embora mais velha que Sacerdotisa. Sua roupa imaculada estava impecavelmente bem cuidada, com seu cabelo castanho-claro entrelaçado em tranças. Um rápido olhar à volta do local não deixava dúvidas que a recepção da guilda seria um local de trabalho exigente. Essa recepcionista não mostrava nenhuma atitude tensa, muito comum entre as jovens profissionais, sendo, talvez, um sinal do quão bem ela conhecia o seu trabalho.

Sacerdotisa sentiu um pouco do seu nervosismo diminuir. Ela engoliu em seco e falou:

— Hum, eu… eu quero ser uma… uma aventureira.

— Tem… certeza? — questionou Garota da Guilda, sua expressão doce desapareceu momentaneamente quando ela hesitou brevemente, aparentemente sem palavras. Sacerdotisa sentiu os olhos da recepcionista se moverem do seu rosto para seu corpo, e estranhamente envergonhada, assentiu.

A sensação desapareceu quando Garota da Guilda retomou um sorriso e disse: — Entendo. Você sabe ler e escrever?

— Uhm, sim, um pouco. Eu aprendi no templo…

— Então preencha isso, por favor. Se tiver alguma coisa que não entender, é só perguntar.

Era uma ficha de aventura. Letras douradas se destacavam através do velino marrom claro.

Nome, sexo, idade, classe, cor dos cabelos, cor dos olhos, tipo de corpo, habilidades, magias, milagres… Informações tão simples. Tão simples que quase não parecia certo.

— Ah — interrompeu Garota da Guilda — pode deixar os espaços “capacidades” e “história do aventureiro” em branco. A guilda vai preencher eles mais tarde.

— S-sim, senhora. — Sacerdotisa assentiu, e então, com a mão trêmula, pegou uma pena, mergulhou ela em um tinteiro e começou a escrever com letras precisas.

Ela entregou a folha terminada para Garota da Guilda, que olhou para o papel com um aceno, depois pegou um estilete prateado e esculpiu uma série de letras cursivas em uma insígnia branca de porcelana. Ela entregou a insígnia para Sacerdotisa, que percebeu que possuía as mesmas informações que a sua ficha de aventura, mas agora com letras bem distribuídas.

— Isso vai servir como sua identificação. Nós chamamos isso de “status”. Embora — acrescentou ela, provocadoramente — ele não diga nada que não conseguimos descobrir olhando para você. — Então ela disse calmamente para Sacerdotisa que pestanejava: — Ele será usado para confirmar a sua identidade se alguma coisa acontecer com você, por isso tente não perder.

Se algo acontecer?

Por um segundo, Sacerdotisa foi pega de surpresa pelo tom sério de Garota da Guilda, mas não demorou muito para ela ligar os pontos. A única vez que precisariam “confirmar sua identidade”, era quando alguém fora assassinado tão horrendamente, que ninguém poderia dizer quem era.

— Sim, senhora — disse Sacerdotisa, enquanto desejava que sua voz parasse de tremular. — Mas é realmente assim tão fácil se tornar uma aventureira…?

— Se tornar uma, sim.

A expressão de Garota da Guilda estava ilegível. Ela estava preocupada ou resignada? Sacerdotisa não podia dizer.

— É mais difícil progredir nos ranques. Os quais são baseados em assassinatos, quanto bem você tem feito e os testes de personalidade.

— Testes de personalidade?

— Às vezes você encontra os tipos eu-sou-forte-o-suficiente-para-fazer-tudo-sozinho.

Então, ela acrescentou baixinho: — Mas existem muitos tipos de excêntricos por aí. — E quando ela disse isso, por um instante seu comportamento mudou. Se suavizando com um sorriso saudoso e caloroso.

Oh, pensou Sacerdotisa, não sabia que ela podia sorrir assim.

Garota da Guilda notou que Sacerdotisa a observava e rapidamente limpou a garganta. — As missões são fixadas lá. — Ela indicou um quadro de cortiça que cobria quase uma parede inteira. — Escolha aquelas que são adequadas ao seu nível, é claro.

As opções eram pequenas, já que a multidão enorme de aventureiros passava pelo quadro toda manhã. Mas a guilda não possuiria um quadro daquele tamanho se não precisasse.

— Pessoalmente — disse a recepcionista — eu recomendo a você ficar com os pés molhados por limpar os esgotos. Sem brincadeira.

— Limpar os esgotos? Mas aventureiros não lutam contra monstros…?

— Existe honra em caçar ratos gigantes também. E você vai fazer um bem verdadeiro ao mundo. — Ela acrescentou em voz baixa: — Recém-chegados com um pouco de experiência podem avançar para os goblins, eu acho — e outra vez havia aquele olhar sem expressão.

— Bem, isso é tudo por aqui no registro. Boa caçada!

— Ah, o-obrigada. — Sacerdotisa baixou a cabeça em gratidão e deixou a recepção. Ela pendurou a insígnia de porcelana no pescoço e soltou um suspiro que esteve segurando. Ela era uma aventureira registrada. Foi simples assim.

Mas, o que devo fazer agora?

Sacerdotisa levava apenas seu cajado (o símbolo do seu ofício), um saco com uma muda de roupas e algumas moedas.

Ela ouvira que o segundo andar do edifício da guilda era destinado aos aventureiros de níveis baixos. Talvez ela devesse começar reservando um quarto, depois ver que tipos de missões estavam disponíveis…

— Ei, quer ir se aventurar com a gente?

— Hãããã?

O convite inesperado veio de um jovem com uma espada no quadril e um peitoral de aço brilhante amarrado no peito. Da mesma forma que a Sacerdotisa, ele possuía uma insígnia nova de porcelana em volta do pescoço.

As insígnias vinham em dez variedades, indicando o ranque do portador, da platina no topo até a porcelana dos aventureiros noviços na parte inferior.

— Você é uma sacerdotisa, certo?

— Hum, sim. Sim… sou.

— Perfeito! Exatamente o que meu grupo precisa.

Logo atrás do jovem espadachim, ela podia ver agora outras duas garotas. Uma usava um uniforme de artista marcial, com o cabelo amarrado em onda e um olhar muito confiante no rosto, enquanto a outra possuía óculos e um cajado, com um olhar frio.

Uma lutadora e uma maga, ela presumiu.

Guerreiro seguiu o olhar de Sacerdotisa e reiterou “Meu grupo”, com um aceno. — Estamos em uma missão urgente, mas eu gostaria de pelo menos mais uma pessoa. O que me diz?

— O que você quer dizer com “urgente”…?

— Temos que nos livrar de alguns goblins!

Goblins. Os goblins viviam nas cavernas perto da cidade desde tempos imemoriais, ou assim diziam. Eles eram os monstros mais fracos, e a superioridade numérica era a única coisa agindo a seu favor.

Eles eram quase tão altos quanto uma criança, com força e inteligência equivalentes. Tudo o que os distinguia de um pequeno ser humano era a sua capacidade de enxergar no escuro. Eles faziam todas as coisas monstruosas usuais; ameaçavam pessoas, aterrorizavam aldeias e raptavam donzelas.

Eles eram fracos, sim, mas era melhor deixar os goblins deitados dormindo.

Os aldeões haviam ignorado os goblins a princípio… mas depois as coisas mudaram. Primeiro, as colheitas que eles armazenaram para o inverno desapareceram, até à última semente. Os habitantes da cidade, enfurecidos, repararam suas cercas e depois colocaram patrulhas rondando a área com tochas na mão.

Os goblins passaram facilmente por eles.

Eles roubaram a ovelha, junto com a filha do pastor e algumas mulheres que saíram para ver o que era todo aquele alvoroço.

Os aldeões ficaram rapidamente sem opções. Eles reuniram seus recursos escassos e foram à guilda: a Guilda dos Aventureiros, onde os aventureiros se reuniam. Certamente, publicar uma missão traria alguém para ajudá-los.

Hum, e…

Sacerdotisa estava de pé com o dedo nos lábios, perdida em pensamentos enquanto Guerreiro dava sua explicação.

Uma boa e velha caça aos goblins como sua primeira aventura. Muitas pessoas fizeram isso. E ela nem precisava encontrar a aventura, a aventura a encontrara. Tinha que ser o destino.

Ela nunca imaginara que poderia fazer tudo sozinha, de qualquer forma. Aventurar-se sozinha como uma clériga era suicídio. Ela precisaria de um grupo eventualmente. Ela estava muito preocupada em se juntar com completos estranhos; mas alguém que fez um convite a ela não era um completo estranho, não é? Sim, nenhum garoto alguma vez a convidou para qualquer coisa antes, mas havia mais duas garotas ali.

Então tudo ficaria bem… certo?

— Tudo bem então. Se você me aceitar.

Ela respondeu com um aceno firme com a cabeça, e Guerreiro deu um grito.

— Sério?! Demais! Então, quem está pronto para ir em uma aventura?!

— O quê, só vocês quatro? — interrompeu Garota da Guilda. — Eu tenho certeza de que se vocês esperarem um tempo, outros aventureiros irão aparecer…

Guerreiro não pareceu se incomodar com o fato de a própria Garota da Guilda ter sentido a necessidade de comentar isso. — São só alguns goblins. Tenho certeza de que quatro pessoas são suficientes. — Ele se virou para seus companheiros. — Certo? — Ele parecia tão seguro, e com um sorriso alegre no rosto. Então ele se virou para Garota da Guilda. — As donzelas capturadas estão esperando serem resgatadas. Não temos tempo a perder!

Vendo isso, o rosto da jovem trabalhadora retornou de novo naquela expressão ilegível, enquanto um profundo e estranho desconforto se formava no fundo do coração de Sacerdotisa.

A tocha cintilava fracamente na brisa pútrida.

O sol do meio-dia fora encoberto pela escuridão que preenchia a caverna. Na entrada era difícil de enxergar, e mais para dentro era quase preto.

As sombras projetadas das rochas brutas dançavam enquanto a chama balançava, deslizando pelas paredes como monstros em um afresco.

Três garotas e um garoto, cobertos com quaisquer peças de armadura ruins que poderiam encontrar. Em uma formação irregular, eles avançavam nervosamente através da escuridão densa. Guerreiro ia na frente, segurando a tocha. Lutadora estava atrás dele. Maga mantinha a retaguarda. E prensada entre a artista marcial e a maga, a terceira na fila, estava a garota com vestes de sacerdotisa, segurando seu cajado de monge ansiosamente enquanto caminhava.

Foi Maga que sugeriu que se deslocassem em uma fila. Desde que não existisse caminhos ramificados, eles não teriam que se preocupar com um ataque vindo de trás. E se os aventureiros na frente se mantivessem firmes, os detrás ficariam seguros, capazes de prestar apoio da parte de trás da fileira. Esse era o plano, de qualquer forma.

— É-é realmente uma boa ideia? Ir direto até eles? — O murmúrio de Sacerdotisa não soava confiante. No mínimo, ela parecia consideravelmente mais preocupada do que estava antes de terem entrado na caverna. — Quero dizer, nós não sabemos nada sobre esses goblins.

— Céus, quanta preocupação. Acho que é exatamente o que se poderia esperar de uma sacerdotisa. — A voz de Guerreiro, um bocado ousado, ecoou no vazio da caverna até desaparecer. — Até crianças não têm medo de goblins. Raios, eu ajudei a expulsar alguns de minha aldeia uma vez.

— Oh, pare — disse Lutadora. — Matar alguns goblins não tem nada de especial. Você está se envergonhando. Além do mais — acrescentou ela, com uma voz desagradável, porém baixa — você nem os matou.

— Eu não disse isso — respondeu Guerreiro, fazendo um beicinho.

Lutadora deu um suspiro, irritada, mas de alguma forma afetuoso. — Os goblins podem picar esse perdedor como carne para o almoço, mas eu chutarei o traseiro deles. Então não se preocupe.

— Perdedor? Isso magoa! — A luz da tocha brilhava no rosto abatido de Guerreiro, mas pouco depois, ele estava erguendo alegremente sua espada. — Ei, nós quatro poderíamos lidar com um dragão se tivesse um aqui!

— Gente, não estamos ansiosos demais? — murmurou Maga, fazendo Lutadora rir. As vozes do grupo ecoaram, se misturando na caverna.

Sacerdotisa se manteve em silêncio, com medo, como se falar pudesse atrair algo da escuridão.

— Mas espero caçar um dragão algum dia — disse Maga. — Vocês não? — O sorriso mudo de Sacerdotisa parecia concordar com Maga e com Guerreiro assentindo. Mas a escuridão escondia uma expressão tão ambígua quanto a de Garota da Guilda.

Será mesmo?, perguntou ela a si mesma, mas não se atreveu a exprimir as suas dúvidas, mesmo que o desconforto formasse uma tempestade dentro dela.

Nós quatro poderíamos…” dissera ele, mas como Guerreiro poderia confiar plenamente em pessoas que conhecia não faz nem dois dias? Sacerdotisa sabia que eles não eram pessoas más, mas…

— Vocês têm certeza de que não devíamos ter nos preparados um pouco mais? — pressionou ela. — Nós nem sequer temos p-p… poções.

— Também não temos dinheiro. Ou tempo para comprar isso — respondeu Guerreiro, com bravata, sem prestar atenção ao tremor na voz de Sacerdotisa. — Estou preocupado com aquelas garotas sequestradas… E de qualquer maneira, se um de nós for ferido você pode simplesmente curar, não é?

— É verdade que tenho os milagres de cura e de luz… mas…

— Então vamos ficar bem!

Ninguém pôde ouvir Sacerdotisa dizer com uma voz ininteligível: — Mas eu só posso usar três vezes…

— É ótimo que você esteja tão confiante e tudo mais — disse Lutadora — mas você tem certeza de que não vamos nos perder?

— É um túnel longo. Como poderíamos nos perder?

— Não sei quanto a isso. Você se entusiasma tanto. Eu não posso tirar meus olhos de você nem por dois segundos!

— Olha quem fala…

Lutadora e Guerreiro, que pertenciam à mesma cidade natal, entraram em uma das discussões que eles partilhavam desde o início da viagem.

Sacerdotisa, seguindo atrás deles, se agarrou ao cajado com as duas mãos e repetiu o nome da Mãe Terra em um murmuro.

— Por favor, nos guie em segurança através disso…

Ela rezou tão baixinho que suas palavras nem mesmo ecoaram, só adentraram na escuridão e desapareceram.

Talvez a Mãe Terra tenha ouvido sua oração, ou talvez Sacerdotisa só tenha sido cuidadosa quando disse tais palavras.

— Vamos lá, se apresse. Mantenha a fila — repreendeu-a Maga.

— Ah, certo, desculpe…

Sacerdotisa foi a primeira a reparar.

Ela estava passando na frente de Maga, que a ultrapassou enquanto rezava, quando ouviu. Um som de algo se deslocando, como uma pedra rolando.

Sacerdotisa deu um arranque.

— De novo? O que foi dessa vez? — perguntou Maga com aborrecimento quando alcançou mais uma vez Sacerdotisa, que estava parada no lugar, tremendo.

Maga havia se formado entre os melhores de sua turma da academia na capital, onde ela aprendera suas magias, e ela não gostava muito de sacerdotisas. A garotinha espantadiça no grupo deles fez uma primeira impressão terrível, e desde que entraram na caverna, a opinião de Maga por ela só piorou.

— A-agorinha, parecia que eu ouvi algo d-deslizando…

— Onde? Na nossa frente?

— N-não, atrás de nós…

Ah, por favor.

Isso não era cautela; era covardia. Essa sacerdotisa não possuía coragem de tomar as rédeas de sua vida como um aventureiro precisava. Guerreiro e Lutadora foram ficando mais distantes à frente, enquanto ela ficou lá. Ocupados com suas brincadeiras, os dois nem olharam para trás.

Uma luz cada vez mais distante atrás deles e apenas a escuridão se aprofundando adiante, Maga soltou um suspiro.

— Olhe. Temos andado direto como uma flecha desde que entramos na caverna, certo? O que poderia possivelmente estar atrá… — E então, seu tom frio e exasperado…

— Goblins!!

…se tornou um grito.

Não foi um desmoronamento que Sacerdotisa ouvira, mas de escavação.

Criaturas medonhas saltaram de um túnel e correram em direção a Maga, que teve o azar de ser a última da fila.

Cada mão segurava uma arma rústica, e cada rosto tinha um olhar repulsivo. Esses eram os habitantes de cavernas do tamanho de crianças.

Goblins.

— G-g-gggg…

De repente, ela foi incapaz de encontrar sua voz, Maga levantou seu cajado com ponta de granada que recebeu na formatura.

Era um milagre que sua língua contorcida conseguisse formar as palavras da magia.

— Sagitta… inflammarae… radius! — Flecha de fogo, emerja!

Conforme ela puxou cada parte da magia de onde fora gravada nas profundezas de sua memória, as palavras começaram a surgir; palavras com o poder de moldar a própria realidade.

Um raio de fogo brilhante em forma de flecha voou da granada do tamanho de um punho do seu cajado, e atingiu um goblin no rosto. Houve um chiado nauseante e cheiro de carne queimada.

Esse já era!

A vitória trouxe uma onda de alegria que deixou um sorriso extravagante em seu rosto. Maga se encheu de confiança de que se isso funcionou uma vez, funcionaria novamente.

— Sagitta… inflammarae… radiaaaaiii!!

Mas havia muitos goblins e apenas quatro membros no grupo. Antes que ela terminasse a magia, um dos inimigozinhos agarrou seu braço. Ela nem teve tempo de reagir antes que o goblin a socasse no chão irregular de pedra.

— Ouch! Ah…!

Seus óculos foram atirados de seu rosto e destruído, deixando sua visão embaçada. Um goblin arrancou rapidamente seu cajado da mão.

— E-ei! Me devolva isso! Isso não é para tipos como v-você!

Um condutor mágico tal como um cajado ou anel era um salva-vidas do conjurador, mas mais do que isso, era o seu orgulho.

Como se respondendo ao grito meio insano de Maga, o goblin segurou o cajado na frente de seus olhos e o quebrou com um crac.

O rosto de Maga se retorceu em fúria, sua máscara de indiferença desapareceu.

— Por que, seu…!

Ela se contorceu no chão, lutando contra o seu captor com seus braços fracos e com seus peitos grandes balançando. Isso não foi uma escolha sábia. O goblin irritado sacou sua adaga e a levou com muita força no estômago dela.

— Ouuuchh?! — Ela deu um grito agoniada quando a lâmina perfurou suas entranhas.

É claro, os companheiros de Maga não estavam parados, nem mesmo Sacerdotisa.

— E-ei, todos vocês! Se afastem dela! Parem…! — Ela balançou seu cajado com seus braços delicados, tentando expulsar os goblins para longe.

Existem alguns clérigos que são qualificados em artes marciais. Outros, tendo se aventurado durante muito tempo, poderiam até se gabar de uma boa dose de força física.

Sacerdotisa não era um deles.

A forma como ela estava balançando loucamente seu cajado não estava atingindo nada, de qualquer forma.

Cada vez que seu cajado de monge atingia a parede ou o chão, ele fazia um ruído de chocalho. E para o bem ou para o mau, os goblins deram um passo atrás.

Talvez a tivessem considerado uma sacerdotisa guerreira, ou talvez eles apenas tenham tido medo de ela atingir eles por pura sorte.

Seja qual for a razão, Sacerdotisa se aproveitou da abertura momentânea para afastar Maga deles.

— Seja forte! — gritou Sacerdotisa, praticamente sacudindo Maga. — Aguente firme…!

Mas não houve resposta. A mão de Sacerdotisa se afastou ensopada de sangue.

A lâmina enferrujada ainda estava enfiada no abdômen de Maga, com o rasgo brutal revelando suas entranhas devastadas.

Sacerdotisa sentiu sua garganta fechar por causa da visão horrível, a respiração de Maga saiu como um chiado tenso.

— Ah… Agh…

Mas ela estava viva. Se contraindo e convulsionando, mas viva.

Ainda havia tempo. Tinha de haver. Sacerdotisa mordeu forte os lábios.

Apertando seu cajado perto do peito, Sacerdotisa colocou a mão sobre as vísceras se espalhando de Maga, como se fosse empurrá-las de volta no lugar e recitou as palavras do milagre:

— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, coloque tua venerada mão sobre esta criança…

As magias podem afetar o funcionamento racional do mundo, mas Cura Menor é a genuína intervenção divina.

Conforme a oração fazia efeito, a palma de Sacerdotisa começou a brilhar com uma luz suave que pairou sobre Maga. Enquanto a luz começava a expandir, o estômago arruinado de Maga gradualmente se recompunha à normalidade.

É claro que os goblins não eram do tipo que esperariam e deixariam isso acontecer.

— Malditos! Seus goblins imundos! Como se atrevem a fazer isso com elas!!

Guerreiro finalmente reparou o que se passava atrás dele e veio voando para cobrir suas companheiras, cortando seus possíveis atacantes.

Ele havia jogado fora a tocha e agora segurava a espada firmemente com as duas mãos. Ele deu um impulso, perfurando a garganta de um goblin.

— GUIA?!

— Quem é o próximo?

Ele arrancou a espada de sua primeira vítima, apanhando o segundo enquanto se virava. Ele cortou completamente o goblin do ombro à cintura.

Com um jorro de sangue do goblin, Guerreiro deu um grande grito, embriagado pela sede de sangue.

— Então, qual o problema?! Venham e me peguem!

Guerreiro era o segundo filho de um fazendeiro, e desde sua juventude, ele sonhava em se tornar um cavaleiro. Como alguém poderia se tornar um cavaleiro, ele não sabia, mas ele tinha certeza de que força era um dos pré-requisitos. Os cavaleiros nas histórias de ninar que ele ouvira sempre derrotavam monstros, frustrando o mal e salvando o mundo. Aqui nessa caverna — batendo nesses goblins, salvando donzelas indefesas e protegendo seus amigos — ele se viu finalmente um cavaleiro.

Esse pensamento trouxe um sorriso ao seu rosto.

O poder percorria através das suas mãos, seu sangue bombeava em suas orelhas, tudo reduziu até que ele conseguisse ver apenas o inimigo diante dele.

— Espera! Você não pode lidar com eles sozinho!

Ele ainda não era um verdadeiro cavaleiro.

Quando a voz de Lutadora alcançou seus ouvidos, Guerreiro viu uma das espadas gastas enfiada em sua coxa.

— Ugh! Ora, seu…!

Foi o goblin que ele cortou através do peito. A lâmina sangrenta de Guerreiro não fora suficiente para dar um golpe mortal.

Retirado da sua postura de combate, Guerreiro deu um segundo golpe no goblin, e dessa vez ele morreu sem nem sequer gemer.

Mas, momentos depois, outro monstro estava chegando atrás dele…

— Tome isso! — Ele contra-atacou com a espada, mas ela atingiu a parede da caverna com uma pancada estridente.

Era o último movimento que ele faria.

A tocha que ele largara no chão crepitou e apagou, e na escuridão que envolveu à sua volta, ele ficou espantado com quão alto seu grito ecoou.

Sem uma família de renome e sem dinheiro, Guerreiro foi incapaz de investir em um escudo ou um elmo; ele só possuía o peitoral de placas frágil para o proteger. Ele não tinha meios de se salvar dos golpes viciosos dos goblins.

— Não… não pode ser!

Lutadora não conseguiu chegar ao inimigo a tempo. Enquanto observava o jovem por quem tinha tanto apreço morrer, ela ficou pálida e imóvel.

Tudo o que ela podia fazer era formar suas duas mãos trêmulas em punhos e tomar uma posição de combate.

— Vocês duas, corram.

— M-mas…! — protestou debilmente Sacerdotisa, mas ela sabia que seria inútil. Apesar dos cuidados de Cura Menor, Maga em seus braços mal estava responsiva, sua respiração era curta e superficial.

A horda de goblins estava se aproximando, fixada em suas presas restantes. Eles ainda estavam cautelosos com Lutadora, mas eles avançariam sobre ela em pouco tempo.

Sacerdotisa olhou para Maga e Lutadora, e depois olhou horrorizada para os goblins ainda maltratando o corpo caído de Guerreiro.

Vendo que suas companheiras ainda não se moveram, Lutadora estalou a língua. Então ela deu um grito ressoante, avançando contra a multidão de monstros.

— Hi-yaaaaah!

Seus punhos e pés eram flexíveis e rápidos. Seu próprio pai a treinara antes de morrer, e agora ela demonstrava a própria essência de sua arte.

Ela não morreria aqui. A arte de seu pai não podia perder para tais inimigos patéticos.

Enquanto eu viver, nunca perdoarei vocês por matar aquele garoto!

Seu coração e mente corroboraram seu treinamento quando ela levou seu punho direto no plexo solar de um goblin.

Ela empurrou seu inimigo para o lado quando ele caiu no chão vomitando, depois acertou ele com um único golpe faca de mão em seu pescoço quando ela girou.

Golpe crítico.

O golpe terrível no pescoço deixou a cabeça do goblin inclinada em um ângulo impossível quando ele desabou.

No mesmo momento, ela foi para o espaço deixado pelo seu corpo e usou o impulso para dar um chute em arco no ar à frente dela. Seu chute giratório rigorosamente controlado acertou mais dois goblins, os matando antes que alcançassem o chão…

— O qu…?!

Mas, um terceiro goblin pegou facilmente sua perna e prendeu o seu tornozelo.

O rosto de Lutadora empalideceu, e ele começou a apertar.

Os goblins deveriam ter o tamanho de crianças… não era?

— HUURRRRGH!

A criatura, cujo hálito rançoso passou por ela enquanto se contorcia, era gigante.

Ela não era uma garota pequena, e mesmo assim teve que levantar a cabeça para olhar esse inimigo nos olhos. A dor em seu pé aumentava cada vez mais até que arrancou um grito de seus lábios.

— Ahh… a-arrrrgh… me… deixe… ir-aaah!!

Com a perna de Lutadora presa, o goblin a bateu casualmente contra à parede. Houve um som distante e ríspido de alguma coisa partindo.

Lutadora desmaiou sem sequer gemer, então ela estava inconsciente quando o goblin a balançou e bateu contra a parede oposta.

— Hrr, guhhh…?!

Ela fez um som que quase não era humano, vomitando com sangue quando foi jogada no chão. Então o resto da horda se jogou sobre ela.

— Ugh! Urrgh! Ya… yaaah! Ugh!

Os goblins acertaram Lutadora com suas clavas, surdos aos seus gritos, até que arrancaram suas roupas e as jogaram para longe.

Os goblins mostraram a mesma misericórdia para os aventureiros invasores, tal como o grupo tinha a intenção de lhes mostrar.

Atormentada pela sua horrível provação, Lutadora deu um grande grito agudo, mas dentro dele, Sacerdotisa tinha a certeza de que conseguiu entender as palavras.

— Fujam! Depressa!

— Eu… eu sinto muito…!

Tampando os ouvidos para os ecos na caverna dos goblins violando sua companheira, Sacerdotisa pegou Maga e partiu em retirada, tropeçando.

Correr. Correr. Correr. Tropeçar, então se recompor e correr ainda mais.

Através da escuridão ela ia, escorregando em cada pedra, mas nunca parando.

— Me desculpe…! Me… desculpe! Por favor me… me perdoe…! — As palavras saíram dela em suspiros irregulares.

Não havia mais luz. Ela sabia que estavam sendo perseguidas cada vez mais e mais fundo na caverna, mas o que ela podia fazer?

— Ahh… ah…

Os passos dos goblins, se aproximando cada vez mais a cada eco, era o que mais aterrorizava ela.

Parar agora seria tolice e ela não podia voltar pelo caminho que veio. Mesmo que pudesse, ela não iria ver nada mais do que tristeza.

Agora ela compreendia a expressão ambígua da recepcionista da guilda.

Sim, os goblins eram fracos. Seu grupo de aventureiros ansiosos — seu Guerreiro, sua Maga, sua Lutadora — sabiam disso. Goblins eram tão altos, inteligentes e fortes quanto uma criança humana. Tal como eles ouviram.

Mas o que acontecia quando crianças pegavam armas, planejavam o mal, procuravam matar e viajavam em grupos fortes de dez?

Eles nem sequer consideraram isso.

O grupo deles era fraco, inexperiente, não familiarizado com o combate, não possuíam dinheiro ou sorte, e o mais importante, eles estavam esmagadoramente em menor número.

Era um erro comum, do tipo que se ouvia o tempo todo.

— Ah!

As mangas compridas de Sacerdotisa finalmente se enroscaram em suas pernas e ela caiu indelicadamente no chão. Seu rosto e suas mãos ganharam arranhões generosos, mas muito pior, ela não conseguiu manter Maga em seus braços.

Sacerdotisa se apressou para puxá-la de volta, uma garota que nem sequer conhecia alguns dias atrás.

— E-eu sinto muito! Você está bem?!

— Ur, hrrg…

Em vez de uma resposta, saliva salpicada com sangue emergiu da boca de Maga.

Sacerdotisa esteve tão concentrada em correr, que não reparou que Maga começara a tremer violentamente. Parecia que o corpo inteiro dela estava em chamas, e suor encharcava sua capa grossa.

— Por-por quê…?

Sacerdotisa destinou a pergunta diretamente para si. Sua oração não alcançou à deusa?

Afligida por essa preocupação, Sacerdotisa usou um tempo precioso para tirar as roupas externas de Maga e verificar a ferida.

Mas o milagre funcionou como previsto. O abdômen de Maga estava encharcado de sangue, mas estável. A ferida desaparecera.

— A-ahn, n-nessas… nessas horas, o que devo…?

Sua mente estava em branco.

Ela sabia um pouco de primeiros socorros. E ainda podia usar seus milagres.

Mas outro milagre de cura iria realmente ajudar? Havia mais alguma coisa que deveria tentar? Aliás, em seu estado miserável, ela conseguiria se concentrar o suficiente para fazer uma petição efetiva à deusa?

— Ahh? Aaahh!

O momento que ela desperdiçou fora o que contava. Sacerdotisa quase desmaiou quando uma dor súbita a afligiu.

Ela ouviu um assobio — alguma coisa em alta velocidade? — e depois seu ombro esquerdo se preencheu com uma dor ardente. Ela olhou para ele e viu uma flecha enfiada no fundo de sua carne. Sangue escorria e manchava suas vestes.

Sacerdotisa não estava usando nenhuma armadura. A flecha rasgara selvagemente suas roupas e adentrou sob seu ombro adorável. Os preceitos proibiam excesso de armadura, e ela não possuía dinheiro de qualquer modo. Agora, cada pequeno movimento parecia amplificado cem vezes, e provocavam um ardor e dor como se ela fora perfurada com ferro ardente.

— Aaaaghh…!

Tudo o que ela podia fazer era cerrar os dentes, manter as lágrimas em seus olhos e olhar atentamente para os goblins.

Dois monstros armados se aproximavam. Sorrisos perversos dividiam seus rostos; fios de baba se penduravam nos cantos de seus lábios.

Seria melhor se pudesse morder sua própria língua e morrer. Mas sua deusa não permitia o suicídio, e ela parecia destinada a ter a mesma sorte que seus amigos.

Será que eles a rasgariam? Ou a violariam? Ou os dois?

— Ohh… não…

Ela tremia; seus dentes começaram a ranger, impotentes.

Sacerdotisa puxou Maga para perto, usando seu próprio corpo para proteger sua companheira, mas, de repente, ela sentiu algo quente e molhado em suas pernas. Os goblins pareciam ter sentido o cheiro, e seus rostos se contorceram de nojo.

Sacerdotisa repetiu desesperadamente o nome da Mãe Terra, tentando evitar ver o que estava diante dela.

Não havia esperança.

Mas então…

— O qu…?

Nas profundezas da escuridão, surgiu uma luz.

Parecia como uma estrela da noite brilhando orgulhosamente contra o crepúsculo invasor.

Um único ponto de luz, sempre-tão-pequeno, mas vividamente brilhante, e ele se aproximava progressivamente.

A luz era acompanhada pelos passos calmos e determinados de alguém que não tinha quaisquer dúvidas sobre onde estava indo.

Os goblins olharam para trás, confusos. Seus amigos haviam deixado uma presa escapar?

E então, logo atrás dos goblins, ela o viu.

Ele não era muito impressionante.

Ele usava uma armadura de couro suja e um elmo de aço imundo. No seu braço esquerdo, um escudo estava preso e na sua mão estava uma tocha. Sua mão direita segurava uma espada que parecia ter um comprimento estranho. Sacerdotisa não pôde deixar de pensar que seu próprio grupo terrivelmente despreparado parecia mais bem preparado do que ele.

Não, ela queria gritar, se afaste! Mas o terror paralisou sua língua, e ela não conseguiu gritar. Ela estava profundamente humilhada por lhe faltar a coragem de Lutadora.

Os dois goblins se viraram para o recém-chegado, não demonstrando nenhuma relutância em mostrar suas costas para Sacerdotisa impotente. Eles lidariam com ela mais tarde. Um deles colocou uma flecha na corda do arco, puxou e disparou.

Era uma flecha rústica com a ponta de pedra. E o goblin era francamente um arqueiro terrível.

Mas, a escuridão é a aliada dos goblins.

Ninguém poderia esquivar de uma flecha que voava repentinamente da escuridão…

— Hmph.

Mesmo enquanto dava um bufo escarnecedor, o homem cortou o projétil no ar com um golpe rápido de sua espada.

Incapaz de compreender a implicação do que aconteceu, o segundo goblin avançou na direção do homem. A criatura empunhava a única arma que carregava, outra das adagas enferrujadas dos monstros. Sua lâmina encontrou uma fenda no ombro do homem e enfiou nela.

— Nããão!

Sacerdotisa deu um grito, mas não houve outro som. O golpe do goblin fez apenas um som baixo de metal raspando metal.

A lâmina foi parada pela malha sob a armadura de couro do homem.

O goblin desnorteado forçou ainda mais sua lâmina. O recém-chegado aproveitou a oportunidade.

— GAYOU?! — O goblin gritou quando o escudo do homem bateu nele com um som seco e o prensou contra a pedra.

— Você primeiro… — disse friamente o homem.

Seu significado ficou claro quando ele pegou sua tocha e a levou calmamente para o rosto do goblin.

Houve um grito insuportável e abafado. O cheiro de carne queimada preencheu a caverna.

O goblin lutou, meio enlouquecido com a dor, mas preso pelo escudo, ele nem sequer conseguia agarrar seu próprio rosto.

Finalmente, ele parou de se mover, seus membros caíram inanimadamente no chão. O homem se certificou de que o monstro estava imóvel, então puxou lentamente seu escudo.

Houve um grande humph quando o goblin tombou ao chão, com o rosto queimado.

O homem deu ao monstro um pontapé casual, rolando seu corpo, e então entrou mais fundo na caverna.

— Próximo.

Foi um espetáculo bizarro. Sacerdotisa já não era mais a única que estava aterrorizada.

O goblin com o arco deu um passo inconscientemente para trás, parecendo — compreensivelmente — disposto a abandonar seu companheiro e fugir. Coragem, afinal, é a última palavra que alguém associaria a um goblin.

Mas agora Sacerdotisa estava atrás dele.

Ela exalou abruptamente. E dessa vez, ela conseguiu se mover. Ela poderia ter uma flecha no ombro, um goblin na frente dela, suas pernas esgotadas e sua companheira inconsciente a pressionando para baixo, mas ela se moveu.

Com seu braço livre, Sacerdotisa levou o seu cajado de monge ao goblin.

Foi um gesto sem sentido. Ela não teve realmente a intenção de o fazer, agiu por instinto.

Mas foi mais que suficiente para fazer o goblin parar por um instante.

Naquele instante, a criatura pensou mais freneticamente sobre o que fazer do que alguma vez o fez em toda sua vida. Mas antes que ele pudesse tomar uma decisão, sua reação incompleta se chocou contra a parede de pedra, impulsionado pela espada que o guerreiro armadurado lançou através dele.

Metade da cabeça do goblin permaneceu na parede. A outra metade com o resto dele, desabou no chão.

— Já são dois.

A luta brutal terminou, ele pisou com sua bota no cadáver do goblin morto.

Ele estava manchado com o sangue carmesim do monstro, do seu elmo de aço sujo e armadura de couro, até a malha feita de anéis metálicos encadeados que cobriam todo o seu corpo.

Um pequeno escudo surrado estava fixado em seu braço esquerdo, e em sua mão, ele segurava uma tocha ardente.

Com seu calcanhar contra o cadáver da criatura, ele abaixou sua mão livre e retirou casualmente a espada de seu crânio. Era uma lâmina de aparência barata, com um comprimento mal concebido, e agora estava encharcada de cérebro de goblin.

Deitada no chão com uma flecha no ombro, o corpo magro de uma menina tremia de medo. Seu clássico rosto adorável e doce, emoldurado pelos longos e quase translúcidos cabelos cor de ouro, estava franzido com uma junção de lagrimas e suor.

Seus braços magros, seus pés; todo seu corpo deslumbrante estava com as vestimentas de uma sacerdotisa. O som do cajado de monge que ela agarrou ressoou, com seus anéis pendurados batendo uns contra os outros com suas mãos trêmulas.

Quem era esse homem diante dela?

Tão estranha era sua aparência, a aura que o ocultava, que ela imaginava que ele pudesse ser mesmo um goblin; ou talvez algo muito pior, algo que ela ainda não tinha conhecimento.

— Que-quem é você…? — perguntou ela, suprimindo seu terror e dor.

Após uma pausa, o homem respondeu: — Matador de Goblins.

Um assassino. Não de dragões ou de vampiros, mas o mais simples dos monstros: goblins.

Normalmente, o nome poderia parecer comicamente simples. Mas para Sacerdotisa, naquele momento, era tudo, menos engraçado.

Como ela deveria olhar para o homem — Matador de Goblins — enquanto se sentava atônita, esquecendo até a dor em seu ombro? Ele se aproximou até que pairasse sobre ela, assustando Sacerdotisa e a fazendo tremer.

Mesmo agora, tão próximo e com a tocha o iluminando, sua viseira escondia seu rosto e ela não podia ver os olhos dele. Era como se a armadura estivesse cheia com a mesma escuridão da caverna.

— Você acabou de se registrar? — perguntou calmamente Matador de Goblins, notando a insígnia pendurada em seu pescoço. Ele também possuía uma. Ele balançou suavemente a luz da tocha, que ele colocara no chão. A cor refletida vagamente naquela pequena reminiscência de luz, era uma incontestável prata.

Sacerdotisa soltou um pequeno “Oh…”. Ela sabia o que essa cor significava. Era a terceira maior posição no ranque do sistema de dez níveis da guilda.

Apenas algumas pessoas na história alcançaram o ranque platina, e os de ranque ouro normalmente trabalhavam para o governo nacional, mas depois deles vinham os pratas, indicando alguns dos mais hábeis aventureiros não afiliados que exerciam seus ofícios independente.

— Você é… ranque prata. — Ele era um veterano experiente que dificilmente poderia estar mais distante de Sacerdotisa ranque porcelana.

“Eu tenho certeza de que se vocês esperarem um tempo, outros aventureiros irão aparecer…”

Poderia ter sido esse o aventureiro sobre quem Garota da Guilda havia falado?

— Então você consegue falar.

— Hã?

— Você tem sorte.

As mãos de Matador de Goblins se moveram tão facilmente, que ela não teve tempo de reagir.

— O qu…? Ahh!

A ponta da flecha rasgou a carne dela quando ele a puxou, a onda súbita de dor deixou Sacerdotisa sem fôlego. Sangue fluiu da ferida enquanto os olhos dela se enchiam de lágrimas.

Com o mesmo jeito casual, Matador de Goblins alcançou uma bolsa em seu cinto e pegou um frasco pequeno.

— Beba isso.

Através do vidro claro, ela viu um líquido verde que emitia uma fosforescência suave: uma poção de cura.

Justo o que Sacerdotisa e seu grupo precisavam, mas não possuíam dinheiro nem tempo de comprar.

Ela poderia ter simplesmente pegado ele, mas, em vez disso, olhou para frente e para trás, entre o frasco e Maga ferida.

— S-senhor! — Para sua surpresa, quando ela conseguiu fazer sua voz funcionar mais uma vez, as palavras brotaram dela. — N-não podemos dar a ela? Meu milagre não conseguiu…

— Onde ela está ferida? O que aconteceu?

— F-foi uma adaga… em seu estômago…

— Uma adaga…

Matador de Goblins sentia que o abdômen de Maga, de certo, estava bem. Quando cutucou ele com um dedo, ela tossiu mais sangue. Ao longo do seu exame rápido, ele nem sequer olhou para Sacerdotisa, que abraçava de forma protetora Maga. Então ele disse sem rodeios: — Desista.

Chocada, Sacerdotisa ficou pálida e engoliu em seco. Ela abraçou mais forte Maga.

— Olhe. — Matador de Goblins tirou a adaga ainda alojada na malha sob seu ombro. Um líquido viscoso e escuro que ela não conseguia identificar estava cobrindo toda a lâmina.

— Veneno.

— V-veneno…?

— Eles o fazem a partir de uma mistura de suas próprias salivas e excrementos, juntamente com ervas que eles encontram na natureza.

“Você tem sorte.”

Sacerdotisa engoliu em seco outra vez quando o significado completo das palavras de Matador de Goblins vieram à tona.

Foi sorte a ponta da flecha não ter sido mergulhada em veneno, senão ela não estaria aqui. Foi sorte o goblin com a adaga não ter a atacado primeiro…

— Quando esse veneno entra no organismo, primeiro a pessoa terá problemas respiratório. Sua língua começará a espasmar, depois todo seu corpo. Logo, se desenvolverá uma febre, perderá a consciência e então morrerá.

Ele limpou a lâmina lascada com a tanga do goblin e a escondeu no cinto, então murmurou por dentro do capacete: — Eles são criaturas muito traiçoeiras.

— S-se ela foi envenenada, só precisamos a curar, certo…?

— Se você quer dizer um antídoto, então eu tenho um, mas o veneno está nela há muito tempo. É tarde demais.

— Oh…!

Nesse momento, os olhos ondulados de Maga se focalizaram muito brevemente. Ela gorgolejou com o sangue em sua garganta, e com os lábios tremendo, formou palavras sem som, sem voz. — … e… ate…

— Entendido.

Não muito tempo depois que disse isso, Matador de Goblins cortou a garganta de Maga.

Maga espasmou, deu um gemido baixo, então tossiu um bocado de sangue espumento e morreu.

Inspecionando a lâmina, Matador de Goblins estalou a língua quando viu que foi embotada pela gordura.

— Não fique triste — disse ele.

— Como pode dizer isso?! — exclamou Sacerdotisa. — Talvez… talvez nós ainda pudéssemos ter… ajudado ela… — Ela apertou o corpo de Maga, que estava flácido e sem vida.

Mas…

Ela não conseguia achar o resto das palavras. Maga realmente esteve além da salvação? E se assim fosse, a matar seria uma gentileza? Sacerdotisa não sabia.

Ela só sabia que ainda não conseguira o milagre de cura, o qual neutralizava venenos. Havia um antídoto aqui, mas pertencia ao homem à frente dela. Não era dela para fazer o que quisesse. Sacerdotisa se sentou tremendo no chão, incapaz de beber a poção ou mesmo de se levantar.

— Ouça — disse bruscamente Matador de Goblins. — Esses monstros não são brilhantes, mas também não são tolos. Eles foram ao menos, inteligentes o suficiente para eliminar primeiro seu conjurador. — Ele fez uma pausa, depois apontou. — Olhe ali.

Pendurado na parede, estava um rato morto e uma pena de corvo. — Isso são totens dos goblins. Há um xamã aqui.

— Um xamã…?

— Você não sabe nada sobre xamãs?

Sacerdotisa balançou a cabeça com dificuldade.

— Eles são conjuradores. Melhores do que sua amiga aqui.

Goblins conjuradores? Sacerdotisa nunca ouviu falar em tal coisa. Se tivesse, talvez seu grupo ainda estivesse vivo…

Não.

Ela se resignou ao pensamento em seu coração. Mesmo que soubessem, eles não teriam considerado esses xamãs algo para se temer. Goblins eram presas fracas, uma forma de os aventureiros novos adquirirem experiência.

Ou assim ela acreditava até mais cedo naquele dia.

— Você viu algum grandão? — Matador de Goblins analisou seu rosto novamente, enquanto se ajoelhava no chão.

Dessa vez — mesmo que mal — ela pôde ver seus olhos. Uma luz fria, quase mecânica, brilhava dentro desse capacete sujo.

Sacerdotisa se agitou e se tensionou, perturbada pelo olhar implacável que a olhava de dentro do elmo. Ela de repente se lembrou da umidade quente em suas pernas.

Ela fora atacada por goblins, assistiu seus amigos morrerem em instantes, viu sua equipe praticamente aniquilada e ela sobrevivera sozinha.

Parecia irreal.

A dor latejante em seu ombro e a humilhação de se molhar, por outro lado, era inegável.

— S-sim, havia um… eu acho… Ficar só fugindo, me tomou toda concentração que tinha… — Ela balançou fracamente a cabeça, tentando trazer a memória ofuscada.

— Esse era um hobgoblin. Talvez eles tenham pegado um viajante como guarda.

— Um hob… Você quer dizer uma fada do lar?

— Parente distante.

Matador de Goblins verificou suas armas e armadura, depois se levantou. — Eu seguirei o túnel deles. Tenho que lidar com eles aqui.

Sacerdotisa levantou os olhos para ele. Ele já estava olhando para longe dela, encarando a escuridão à frente.

— Você consegue voltar sozinha ou vai esperar aqui?

Ela se agarrou a seu cajado de monge com as mãos exaustas, forçando suas pernas trêmulas se levantar, com lágrimas nos olhos.

— Eu… vou… com você!

Era a sua única opção. Ela não suportaria voltar sozinha e nem ser deixada ali sozinha.

Matador de Goblins assentiu. — Então beba a poção.

Quando Sacerdotisa tomou o medicamento amargo, o calor em seu ombro começou a desaparecer. A poção continha pelo menos dez ervas diferentes e não faria nada espetacular, mas ia parar a sua dor.

Sacerdotisa deu um suspiro aliviada. Foi a primeira vez que ela bebeu uma poção.

Matador de Goblins a observou uma última vez. — Muito bem — disse ele, então partiu para a escuridão. Não havia qualquer hesitação em seus passos; ele nunca parou para olhar para ela. Ela correu para conseguir o acompanhar, com medo de ficar para trás.

Enquanto avançavam, ela lançou um olhar para trás. De volta a imóvel e silenciosa Maga.

Não havia nada que Sacerdotisa pudesse dizer. Mordendo os lábios, ela curvou bem a cabeça e jurou voltar pela sua amiga.

De alguma forma eles não encontraram nenhum goblin na curta caminhada ao túnel. Eles haviam, no entanto, encontrado pedaços horríveis de carne espalhados ao redor. Talvez tenham sido outrora de humanos. Não havia como saber. Havia sangue suficiente na pequena caverna para se engasgar, e o seu cheiro se misturava com o odor espesso das vísceras espalhadas.

— Err, eurrggh…

Sacerdotisa avistou o corpo de Guerreiro, caindo reflexivamente de joelhos e vomitando.

Parecia que sua última refeição de pão e vinho havia acontecido há anos. Aliás, parecia ter passado uma eternidade desde que Guerreiro a convidou para essa aventura.

— Nove… — acenou Matador de Goblins. Ele estava contando os corpos dos goblins, imperturbado com a cena à volta deles.

— A julgar pela dimensão do ninho, deve haver menos da metade sobrando.

Ele pegou a espada e a adaga do corpo de Guerreiro e as pendurou em seu próprio cinto. Ele verificou as outras vítimas dos goblins também, mas aparentemente não encontrou nada que o satisfizesse.

Sacerdotisa, limpando a boca, lhe deu um olhar reprovador, mas ele não parou.

— Quantos de vocês havia?

— O quê?

— Garota da Guilda só disse que alguns novatos tinham ido caçar goblins.

— Havia quatro de… Oh! — gritou ela acidentalmente, limpando furiosamente a boca com as duas mãos. — M-minha outra membro do grupo…! — Como ela pôde ter esquecido?

Ela não viu o corpo de Lutadora. Ela, que havia se sacrificado, sofrendo coisas indescritíveis para salvar os outros, não estava em lugar algum.

— Uma garota?

— Sim…

Matador de Goblins segurou a tocha mais perto e vasculhou cuidadosamente o chão da caverna. Havia pegadas frescas, sangue, um líquido sujo e uma trilha, como se algo tivesse sido arrastado pelo chão.

— Parece que a levaram mais para dentro. Não posso dizer se ela está viva ou não — disse ele, tocando vários fios longos de cabelo aos quais restos de peles continuavam agarrados.

Sacerdotisa se levantou debilmente. — Então temos de salvá-la…

Mas, Matador de Goblins não respondeu. Ele acendeu uma tocha nova, depois jogou a velha em um túnel lateral. — Goblins tem excelente visão noturna. Mantenha ela acesa. A escuridão é nossa inimiga… Ouça.

Ela obedeceu, esforçando seus ouvidos para qualquer som.

Da escuridão além da chama da tocha, havia passos, pá-pá-pá.

Um goblin! Vindo provavelmente para investigar a luz da tocha.

Matador de Goblins pegou uma das adagas do cinto e a lançou na escuridão.

Houve um som ríspido como algo sendo perfurado. O corpo de um goblin se lançou na luz fraca da tocha. Quando o viu, Matador de Goblins avançou e levou sua espada através do coração da criatura. O goblin morreu sem fazer um barulho, pois a adaga atravessara sua garganta. A coisa toda aconteceu quase que rápido demais para acompanhar.

— Dez.

Quando Matador de Goblins o adicionou a sua contagem, Sacerdotisa olhou para o túnel e perguntou timidamente: — Você também consegue ver no escuro?

— Quase nada.

Matador de Goblins não se importou em recuperar a lâmina empapada de gordura do cadáver. Em vez disso, ele pegou a espada que Guerreiro trouxera, estalando sua língua quando viu que era longa demais para os tuneis estreitos.

Depois ele pegou a lança do goblin que acabou de matar. Era feita grosseiramente de ossos de animais, mas uma lança para um goblin era apenas um pouco mais longa que uma faca para um homem adulto.

— É apenas prática. Eu sei exatamente onde os seus pescoços estão.

— Prática? Quanta prática…?

— Muita.

— Muita?

— Você está perguntando demais, não acha?

Sacerdotisa ficou calada. Ela abaixou a cabeça envergonhada.

— O que você consegue usar?

— Como? — Ela levantou apressadamente a cabeça novamente, não entendendo o que ele queria dizer.

Matador de Goblins nunca deixou sua atenção vacilar do túnel enquanto falava. — Quais milagres?

— Eu tenho Cura Menor e Luz Sagrada, senhor.

— Quantos usos?

— Três no total. Eu… eu tenho dois sobrando. — Não era nada extraordinário, mas Sacerdotisa era uma das iniciantes mais talentosas. Já era uma conquista o simples fato de conseguir rezar para a deusa, fazer um pedido e ser concedido um milagre. E depois, poucas pessoas conseguiam suportar unir sua alma com a deusa repetidamente. Isso exigia experiência.

— Isso é consideravelmente mais do que eu esperava — disse ele. Isso era um elogio, ela supôs, mas ela teve dificuldades em aceitar. Seu tom era ordeiro e frio, mal revelando qualquer emoção.

— Luz Sagrada, então. Cura Menor não nos ajudará nada aqui. Não desperdice seus milagres com ela.

— S-sim, senhor…

— Esse que matamos era um batedor. Estamos no túnel certo.

Com a ponta da lança, ele apontou mais a fundo para o buraco do qual o goblin viera. — Mas, seu batedor não vai voltar. Nem os que mataram seu grupo. Eu acabei com eles.

Sacerdotisa ficou calada.

— O que você faria?

— O quê?

— Se você fosse um goblin. O que faria?

Com a pergunta inesperada, Sacerdotisa tocou seu dedo esguio contra o queixo, pensando a pleno vapor. O que ela faria se fosse um goblin?

Sua mão, que uma vez ajudara com os serviços no templo, parecia muito branca para ser a de uma aventureira.

— …Armar uma emboscada?

— Exatamente — disse Matador de Goblins, com sua voz calma. — E vamos cair nela. Se prepare.

Sacerdotisa empalideceu, mas assentiu.

Matador de Goblins tirou um rolo de corda e algumas estacas de madeira e as colocou a seus pés.

— Eu tenho um mantra para você — disse ele, sem tirar os olhos do seu trabalho. — Se lembre. As palavras são entrada do túnel. Se as esquecer, você morre.

— S-sim, senhor! — Sacerdotisa agarrou seu cajado de monge com ambas as mãos.

Entrada do túnel, entrada do túnel, repetiu ela desesperadamente para si mesma.

A única coisa em que ela podia confiar era nesse homem misterioso que se chamava de Matador de Goblins. Se ele a abandonasse, então ela, Lutadora e as meninas raptadas da aldeia estariam perdidas.

Um momento depois, Matador de Goblins terminou seus preparativos. — Vamos.

Sacerdotisa o seguiu o mais rápido que pôde, passando pela corda e entrando no túnel.

O túnel era notadamente firme, não algo que parecia ter sido construído apenas para montar um ataque surpresa. A cada passo, terra caía das raízes das árvores que haviam transpassado pelo teto, mas não parecia haver nenhum risco de colapsar. Contudo, o declive gradual deixava Sacerdotisa desconfortável. Humanos não pertenciam a esse ambiente.

Ela devia ter percebido desde o início, e agora que se deu conta, era tarde demais: os goblins passam a vida inteira no subsolo. Verdade, eles não eram nada como os anões, mas, porque ela e os outros subestimaram os goblins tão mal só porque não eram fisicamente fortes?

Bem, é tarde demais para arrependimentos…

Sacerdotisa pisava cuidadosamente sob a luz tênue da tocha. Ela olhou para as costas de Matador de Goblins. Seus movimentos não mostravam nenhuma hesitação ou medo. Será que ele sabia o que estava adiante?

— Estamos quase lá. — Ele parou de repente, e Sacerdotisa quase se chocou nele. Ela se endireitou mais rápido do que ele conseguiria se virar com seus movimentos mecânicos.

— Agora, Luz Sagrada.

— S-sim, senhor. Estou pronta… quando você estiver.

Ela respirou fundo e expirou. Então ela segurou seu cajado, firmemente no lugar. Matador de Goblins também ajustou suas mãos na tocha e na lança.

— Faça.

— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, conceda tua luz sagrada para nós que estamos perdidos na escuridão…

Matador de Goblins avançou enquanto Sacerdotisa levantava seu cajado em direção a escuridão. A ponta começou a resplandecer com uma luz que se tornou tão brilhante quanto o sol. Um milagre da Mãe Terra.

Com a luz em suas costas, Matador de Goblins entrou rapidamente no cômodo dos monstros.

Talvez eles só tivessem se apropriado da maior caverna nesse complexo de cavernas. Os goblins esperando na sala mal construída apareceram na vista.

— GAUI?

— GORRR?

Havia seis goblins lá, bem como um dos grandões e um sentado em uma cadeira, usando uma caveira na cabeça. Os monstros estreitaram os olhos contra a súbita luz pura, uivando em confusão.

Também lá, deitadas e imóveis, estavam várias moças.

Alguma coisa sombria, sem dúvida, estava acontecendo naquele lugar.

— Seis goblins, um hob e um xamã, oito no total. — Matador de Goblins contou seus oponentes sem mostrar qualquer tremor em sua voz.

É claro, nem todos os goblins estavam fechando os olhos e lamentando.

— OGAGO, GAROA… — O xamã sentado no trono agitou seu cajado e recitou uma magia ininteligível.

— GUAI? — Ele foi interrompido pela lança de Matador de Goblins o perfurando no peito. Ele estrebuchou e tombou para trás de sua cadeira.

Os goblins ficaram paralisados com essa tragédia, e Matador de Goblins aproveitou o momento. A espada de Guerreiro ressoou quando Matador de Goblins a liberou da bainha.

— Muito bem, vamos sair daqui.

— O quê?! S-sim, senhor!

Mesmo enquanto falava, Matador de Goblins já estava se virando e correndo. Chocada com sua velocidade e sem saber o que fazer, Sacerdotisa o seguiu. Os goblins recuperaram seus juízos quando a luz recuou e logo começaram a persegui-los.

No espaço de uma respiração, Matador de Goblins já estava muito à frente de Sacerdotisa enquanto ela corria para o declive. Ele estava acostumado a tomar o papel de vanguarda e de retaguarda, ou isso era o resultado de um enorme treinamento e experiência? Seja como for, era incrível para ela que ele pudesse ser tão ágil enquanto vestido com uma armadura de couro e malha, com sua visão limitada pelo capacete.

Foi quando o viu saltar ligeiramente na entrada do túnel que as palavras de seu mantra voltaram preenchendo sua mente. — Oh não…! — Ela esquivou por pouco do fio armadilhado no chão. Matador de Goblins já estava encostado na parede, e Sacerdotisa se apressou para fazer o mesmo no lado oposto.

— GUIII!!

— GYAA!!

Eles conseguiam ouvir as vozes enfurecidas e os passos pesados dos goblins subindo o declive. Sacerdotisa deu uma espreitadela furtiva e viu um corpo brutamonte à frente do grupo: o hobgoblin.

— Agora! Faça de novo! — Matador de Goblins lançou essas palavras para ela.

Sacerdotisa deu um aceno e esticou seu cajado com os símbolos de seu sacerdócio para o túnel. Ela falou as palavras da oração sem gaguejar.

— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, conceda tua luz sagrada para nós que estamos perdidos na escuridão…

Misericordiosa era a luz da Mãe Terra para eles, mas não para os olhos dos goblins, que queimaram com seu esplendor.

— GAAU?!

O hobgoblin cegado tropeçou no fio armadilhado e tomou um tombo desajeitado.

— Onze. — Matador de Goblins saltou nele e golpeou implacavelmente sua espada no cérebro da criatura. Ela gorgolejou uma vez, duas vezes, depois espasmou e morreu.

— A-aí vem os outros! — chamou Sacerdotisa. Ela estava sem milagres, e a repetição do ritual consome-alma a deixou enfraquecida, com o rosto pálido pelo esforço.

— Eu sei. — Matador de Goblins puxou uma garrafa de sua bolsa e jogou contra o corpo do hobgoblin. Ela quebrou, liberando uma substância preta e espessa de dentro. O cheiro enjoativo fez Sacerdotisa pensar que talvez fosse algum veneno desconhecido.

— Vejo vocês no inferno.

Matador de Goblins chutou o corpo encharcado para o túnel. Os goblins se aproximando, apanhados de surpresa pelo pedaço de carne rolando na direção deles, acertaram suas espadas nele.

Foi uma reação instintiva. Quando perceberam que era o seu próprio guardião que haviam apunhalado, eles entraram em pânico. Os goblins lutaram para extrair suas armas, enfiadas no fundo da carne do hobgoblin e agora cobertas pela substância preta…

— Doze, treze.

Era tarde demais para eles.

Sem uma pitada de remorso, Matador de Goblins lançou a tocha no túnel com eles. Houve um ssssss quando o cadáver do hobgoblin pegou fogo, apanhando dois dos seus perseguidores com isso.

— GYUIAAAAAA!! — Os goblins gritaram esbracejados no chão, queimando enquanto rolavam de volta para o fundo do declive. Sacerdotisa se engasgou com o cheiro de carne assada que flutuou até ela.

— O-o que era aquilo?

— Alguns chamam de óleo de Medeia. Outros, petróleo. É gasolina. — Ele havia conseguido isso com um alquimista, ele disse indiferentemente, acrescentando: — Terrivelmente caro para um efeito tão simples.

— M-mas lá… dentro, as garotas raptadas…

— O fogo não se espalhará para longe só com alguns corpos para se alimentar. Se essas garotas ainda estiverem vivas, isso não vai matá-las. — Ele murmurou: — E ainda não estamos livres dos goblins — fazendo Sacerdotisa morder os lábios novamente.

— Então, v-você vai voltar?

— Não. Quando eles não conseguirem mais respirar, eles sairão sozinhos.

A espada de Matador de Goblins agora estava perdida, presa no cadáver ardente do hobgoblin no fundo do túnel. Ele provavelmente não estava ansioso para lutar com uma lâmina encharcada de cérebro, de qualquer maneira.

Ele pegou a arma que o hobgoblin deixara cair, um machado de pedra. Era apenas uma rocha amarrada em um galho, rústico em todos os sentidos da palavra. Mas também, isso o tornava fácil usar.

Matador de Goblins brandiu o machado rapidamente pelo ar, o testando e descobriu que poderia empunhá-lo facilmente com uma mão.

Satisfeito, ele alcançou sua bolsa e tirou outra tocha.

— Toma — disse Sacerdotisa, oferecendo uma pederneira, mas Matador de Goblins não olhou para ela.

— Essas bestas nunca pensam que alguém poderia criar uma emboscada para eles — disse ele.

Ela ficou em silêncio.

— Não se preocupe. — Ele brandiu o machado com golpes cuidadosamente coordenados, acertando cada golpe na pederneira. — Terminará em breve.

Ele estava certo.

Ele lidou com cada um dos goblins quando emergiram das chamas e da fumaça. Um tropeçou na corda e encontrou sua cabeça partida. O segundo saltou sobre a corda, mas foi derrubado pelo machado que o aguardava. O terceiro foi o mesmo. O machado não saía da maçã do rosto da quarta criatura, então Matador de Goblins tomou a clava do monstro no lugar.

— Esse é dezessete. Vamos entrar.

— S-sim, senhor! — Sacerdotisa se apressou para acompanhar Matador de Goblins enquanto ele mergulhava na fumaça turva.

O lugar tinha uma aparência terrível. O hobgoblin foi queimado para lá do reconhecimento, e seus companheiros estavam pouco melhores. O xamã estava caído com a lança ainda atravessada em seu corpo. E as garotas estavam deitadas na imundice do chão.

Como Matador de Goblins previu, a fumaça flutuava acima delas.

Mas, sobreviver nem sempre é uma benção; algo que Sacerdotisa percebeu quando reconheceu o corpo de Lutadora entre elas.

— Uggh… euhrrrgh…

Nada sobrava no estômago de Sacerdotisa. Ela vomitou apenas a bílis amarga queimando em sua garganta, e sentiu as lágrimas em seus olhos marejando outra vez.

— Bem assim.

Enquanto Sacerdotisa vomitava, Matador de Goblins erradicou as chamas que percorriam ao longo da gasolina no chão.

Ele caminhou até o xamã perfurado. O goblin parecia surpreso com sua própria morte. Ele permanecia completamente imóvel. A imagem de Matador de Goblins de pé sobre ele se refletiu em seus olhos vidrados.

— Como eu imaginei — disse Matador de Goblins, levantando imediatamente sua clava.

— GUI?! — Quando o xamã assustado tentou se levantar, a clava desceu e então ele estava morto de vez.

Sacudindo a clava salpicada com miolos do xamã, Matador de Goblins murmurou: — Dezoito. Os de níveis alto são durões.

Matador de Goblins começou a chutar violentamente o trono, agora vazio em todos os sentidos. Sacerdotisa se nauseou novamente quando viu que ele era feito de ossos humanos.

— Truque típico dos goblins. Olhe.

— O… o quê? — Sacerdotisa limpou os olhos e a boca enquanto levantava a cabeça. Atrás do trono pendia uma das tábuas podres de madeira que os goblins usavam em vez de portas.

Um armazém escondido, ou era mais que isso? Sacerdotisa agarrou seu cajado quando um som estridente veio de dentro.

— Você teve sorte.

Quando Matador de Goblins puxou a tábua para o lado, houve vários gritos agudos. Junto com um estoque de pilhagem, havia quatro crianças goblins aterrorizadas agachadas dentro.

— Essas criaturas se multiplicam rapidamente. Se seu grupo tivesse chegado mais tarde, haveria cinquenta deles e eles teriam atacado em massa.

Só de pensar nisso — sobre o que teria lhe acontecido e a todos — Sacerdotisa tremeu. Ela imaginou dezenas de goblins a levando, produzindo crianças meio-goblins…

Olhando para as formas encolhidas, Matador de Goblins ajustou sua clava.

— Você vai… matar as crianças, também? — perguntou ela, mas já sabia a resposta. Ela tremeu quando ouviu o tom uniforme de sua própria voz. Havia seu coração, suas emoções, sido anestesiados pela investida da realidade? Ela queria que fosse verdade. Só dessa vez.

— Claro que sim — disse ele, com um aceno calmo.

Ele devia ter visto isso muitas, muitas vezes.

Ela sabia que ele se chamava “Matador de Goblins” por uma razão.

— Nós destruímos seu ninho. Eles nunca vão esquecer isso, muito menos perdoar. E os sobreviventes de um ninho aprendem, se tornam mais inteligentes. — Enquanto falava, ele levantou casualmente a clava, ainda coberta com cérebro do xamã. — Não há razão para os deixar viver.

— Mesmo que houvesse… um goblin bom?

— Um goblin bom? — Ele exalou de uma forma que sugeria estar realmente perplexo com a ideia.

— Pode haver… se procurássemos, mas…

Ele não disse nada por um longo momento. Então ele falou:

— Os únicos goblins bons são os que nunca saem de seus buracos.

Ele deu um passo.

— Isso tornará vinte e dois.

***

É uma história comum, uma que ouvimos o tempo todo.

Uma aldeia é atacada por goblins. Algumas donzelas são raptadas.

Alguns recrutas decidem que irão se livrar dos goblins como sua primeira missão.

Mas os goblins são muitos, e o grupo todo é abatido.

Ou talvez só um se safe e salve as garotas também.

Durante seu cativeiro, as garotas foram forçadas a servirem de brinquedos aos goblins.

Desesperadas, elas se abrigam no templo.

O sobrevivente solitário foge lentamente do mundo e nunca deixa sua casa novamente.

Nesse mundo, esses tipos de coisas são uma ocorrência diária, tão comum quanto o nascer do sol.

Era mesmo? Sacerdotisa não tinha certeza. Esses eventos avassaladores da vida realmente aconteciam o tempo todo?

E se sim, poderia ela, sabendo disso em primeira mão, continuar a acreditar na Mãe Terra?

No fim, havia apenas duas coisas de que Sacerdotisa tinha certeza.

Que ela iria continuar como uma aventureira.

E que esse Matador de Goblins exterminou cada goblin naquele ninho.

Mas então, isso, também, não é mais do que outra dessas histórias contadas muitas vezes.

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