Goblin Slayer – Volume 1 – Capítulo 10 - Anime Center BR

Goblin Slayer – Volume 1 – Capítulo 10

Capítulo 10

Até hoje, ele se lembrava de uma vez em que sua irmã mais velha o repreendeu firmemente.

Foi quando ele fez aquela garota, sua velha amiga, chorar.

Por quê? Bem… Porque ela estava fazendo uma viagem para a cidade. Ela estava indo ficar em uma fazenda.

Ela estava contando a ele tudo sobre isso. Ele havia ficado com inveja. Ele não conseguiu se controlar.

Ele não sabia nada sobre a vida fora de sua aldeia. Ele não sabia o nome das montanhas ao longe ou qualquer coisa que jazia além delas.

Ele sabia que se seguisse a estrada o bastante, se chegaria a uma cidade, mas o que isso significava, que tipo de cidade era, ele não sabia.

Quando era novo, ele pensava que se tornaria um aventureiro. Ele deixaria a aldeia, talvez matasse um ou dois dragões, e depois voltaria para a casa como um herói; um aventureiro ranque platina.

Claro, depois que ele viu mais alguns de seus aniversários indo e vindo, ele se deu conta que isso era impossível.

Não, não impossível.

Mas ele teria que deixar sua irmã. A irmã que o criou depois que sua mãe e seu pai morreram.

Ele poderia ter se tornado um aventureiro. Mas ele decidiu não escolher esse caminho.

Foi por esse motivo que ele estava com raiva de sua amiga.

Enquanto sua irmã o levava para a casa pela mão, ela o repreendeu.

“Quando você se irrita com alguém, você se torna um goblin!” e “Você deveria proteger as garotas!”.

A sua irmã era sábia.

Não que ela possuísse muito conhecimento, mas sua mente era afiada. Talvez a mais perspicaz da aldeia. De fato, ela ganhava sua comida ensinando as crianças locais a ler e escrever. As crianças eram necessárias para trabalharem nas fazendas de suas famílias, mas a alfabetização também era importante.

Em tudo, ela tentava transmitir a seu irmãozinho a importância de usar a cabeça. Se você continuar a pensar, disse-lhe ela, você eventualmente encontrará algo.

Sua irmã deveria ter sonhado em ir à cidade para estudar. Mas ela ficou na aldeia por ele. Então ele também ficaria. Por ela.

Para ele, isso era a coisa mais óbvia.

Quando eles chegaram em casa, sua irmã fez para ele um guisado de carne de frango ao leite. Ele amava o guisado de sua irmã. Ele pediria outra tigela, e depois outra, mas agora, ele não conseguia se lembrar de como era o sabor.

Certamente, porque essa foi a última vez que ele experimentou antes d’eles chegarem…

***

Ele abriu os olhos lentamente.

Ele se levantou do tapete de junco e olhou para o teto familiar.

Seu corpo ainda doía. Ele esticou gradualmente seu corpo, depois pegou calmamente suas roupas com a mão. Uma camisa de cânhamo sem adornos. Ela estava desbotada pelas várias lavagens e cheirava vagamente a sabão. A camisa o impedia de se queimar no sol. E cobria as cicatrizes que estavam por todo o seu corpo.

Ele colocou a camisa simples de cânhamo, depois um jaquetão de algodão.

Ele ia colocar seu capacete de aço e a armadura, depois se lembrou que os entregou a uma loja para repará-los.

Ele também não possuía um escudo. Ele havia tomado um golpe crítico daquele ogro.

— …Hmph.

Não havia nada a se fazer sobre isso. Ele pôs a espada no quadril para ter o mínimo de segurança. Seu campo de visão parecia excepcionalmente amplo e brilhante, sua cabeça também estava leve e isso o perturbava.

— Bom dia! Você certamente dormiu bem! — A voz veio a ele como um ataque surpresa.

Era aquela garota, sua velha amiga, inclinada ao seu quarto, com seu peito repousando no peitoril da janela aberta.

Uma brisa soprava entrando no quarto. Ele não sentia o ar do início do verão em sua pele como agora há muito tempo.

Sua amiga estava com suas roupas de trabalho. Um pouco de suor estava em sua testa. Da luz que se espalhava, ele adivinhou que o sol já estava alto no céu.

— Desculpe — disse ele, oferecendo a palavra lacônica em desculpas por dormir demais. Parecia que ela já havia começado a cuidar dos animais. Ele perdera completamente a chance de ajudar.

Ela sacudiu a mão, sem nenhum sinal de aborrecimento em seu tom. — Ah, não, está bem. Você precisa descansar mais que tudo. Eu sei disso, porque caso contrário, você nunca perderia sua inspeção matinal. Você dormiu bem?

— Sim.

— Parece que vai ser um dia quente hoje. Tem certeza de que não ficará quente demais nessas roupas?

— …Talvez tenha razão — disse ele assentindo lentamente. Ela estava certa. E realmente, o algodão volumoso o atrapalharia quando estivesse trabalhando. Então ele arrancou a armadura interior que colocou momentos antes e jogou sobre a cama.

— Nossa, não precisa ser tão bruto com ela. Você vai rasgá-la.

— Não me importo.

— É claro que não… — Ela deu de ombros e entrecerrou os olhos como se estivesse tomando conta de uma criança. — Bem, por mim tudo bem. Estou com fome. Tio deve ter acordado. Vamos nos apressar e tomar o café da manhã.

— Está bem — respondeu ele calmamente e saiu de seu quarto. Ele caminhou pelo corredor.

O mestre da casa, que já estava sentado à mesa na sala de jantar, ficou com os olhos arregalados quando viu a figura na entrada.

— Bom dia, senhor.

— Si… sim. Bom dia.

Ele não prestou atenção na reação de Tio, então apenas deu um aceno cortês e se sentou à frente dele. Tio se ajustou desconfortavelmente.

— Você já, uhh, você acordou um pouco tarde hoje…

— Sim. — Ele assentiu firmemente. — Eu dormi demais. Farei a minha inspeção mais tarde.

— Entendi… — A confirmação saiu quase como um gemido. Tio abriu a boca, depois a fechou outra vez, então franziu as sobrancelhas. — Você deveria… descansar um pouco. Não pode trabalhar se não tiver força, não é?

Ele ficou em silêncio por um momento, depois assentiu. — Verdade.

Isso foi o mais próximo de uma conversa que eles tiveram.

Ele sabia que o dono da fazenda era uma boa pessoa. Ele tratava a garota, sua sobrinha, como sua própria filha. Mas ele também sabia que o dono não gostava dele, ou pelo menos, o achava desconfortável.

Era uma escolha de cada pessoa quem gostar ou não gostar. Ele certamente não precisava tentar convencer Tio de uma forma ou de outra.

— Ufa! Desculpem pela demora! Vou trazer a comida em um segundo, então comam! — Sua velha amiga veio correndo momentos depois e começou a colocar os pratos na mesa. Queijo, pão e uma sopa cremosa. Tudo feito fresco na fazenda. Ele comeu avidamente, como sempre. Quando terminou, ele empilhou os pratos vazios, empurrou a cadeira para trás ruidosamente e ficou de pé.

— Estou indo.

— O quê? Ah, droga, já é hora de fazer as entregas? — Com suas palavras, ela começou a se apressar. Ela enfiou um pedaço de pão na boca de forma bastante imprópria. Observando-a, o dono da fazenda contorceu a boca relutantemente.

— A carroça de novo?

— Ah, Tio, você é muito preocupado. Já te disse, eu sou muito mais forte do que pareço…

— Eu os levarei — disse ele brevemente. A garota e o seu tio trocaram um olhar. Ele não tinha sido suficientemente claro?

— Eu vou levá-los — repetiu ele. Ela parecia confusa, sem olhar bem para ele, então balançou a cabeça.

— Não, você… você não precisa fazer isso. Você precisa descansar.

— Meu corpo vai amolecer — disse ele calmamente. — Além disso, eu tenho negócios na guilda. — Ele sabia que não falava muito. Ele não se lembrava se sempre foi assim. Mas ele sabia que por mais breve que pudesse ser, ela sempre procuraria meios de cuidar dele.

Mais uma razão para ele dizer claramente o que tinha que dizer.

— Está tudo bem — disse ele, e deixou a sala de jantar.

Ele podia ouvir os passos rápidos dela enquanto se apressava atrás dele.

A carroça estava parada lá fora. As entregas para a Guilda dos Aventureiros foram transferidas na noite anterior. Ele puxou as cordas para ver se estava tudo seguro, então pegou a trave e começou a empurrar.

As rodas rangiam como se vivas, retumbando ao longo do caminho de cascalho. Ele podia sentir o peso em seus braços.

— Tem certeza de que está realmente bem? — Assim que ele chegou no portão, ela veio correndo, ofegante. Ela espreitou o rosto dele.

— Sim. — Ele assentiu brevemente, então deu outro empurrão.

A estrada arborizada se estendia até a cidade. Ele foi lentamente, um passo após o outro, sentindo a terra debaixo de seus pés.

Assim como ela disse, o dia parecia provavelmente esquentar. Ainda não era meio-dia e os raios do sol já estavam fortes. Ele estava suando dentro de pouco tempo. Ele deveria ter trazido uma toalha de rosto.

Ele estava pensando justamente que se não entrasse em seus olhos não haveria problema, quando algo macio roçou sua testa.

— O que aconteceu com descansar um pouco? — As bochechas dela estufaram de aborrecimento enquanto limpava a testa dele com o lenço. — Você desmaiou assim que voltou e dormiu por dias. Tem ideia de como fiquei preocupada? — Ele fingiu pensar por um momento, então balançou a cabeça. Certamente não era tão importante.

— Isso já foi há três dias.

— Foi apenas há três dias! É por isso que eu disse para não exagerar — disse ela enquanto estendia a mão e limpava seu rosto. — Você mal podia ficar de pé! Você precisa descansar.

Ainda puxando a carroça, ele suspirou. — Você…

— Hum?

— …é muito parecida com seu tio.

Parecia que ela não podia decidir bem se isso a deixava feliz ou zangada. De qualquer forma, ela não parecia disposta a ceder.

— É só um pouco de trabalho excessivo. Você não tem que se preocupar comigo — explicou ele com uma pitada de aborrecimento.

Não. Não era aborrecimento. Ele simplesmente odiava ser lembrado que mal podia cuidar de sua própria saúde.

Mas preciso ser lembrado. Para que não cometa o mesmo erro duas vezes.

— Foi isso que a sua amiga Sacerdotisa lhe disse? — A sua voz parecia nervosa. Ele olhou para ela pelo canto dos olhos e viu que suas bochechas ainda estavam um pouco estufadas, emburrada.

— Não.

Ele olhou para frente novamente e deu um outro empurrão na carroça.

— Outro membro do grupo que disse.

— Hmm — disse ela, acalmada. — Você está se aventurando com muitas pessoas novas hoje em dia.

— Só estivemos em uma missão.

— Parece que está planejando continuar em mais, hein?

Ele não pôde responder. Ele não sabia o que dizer.

Seria mentira dizer que ele não tinha tal intenção. Existia coisas piores. Mas, ele se daria o trabalho de os convidar para sua próxima missão…?

Naquele momento, o vento surgiu. Ele fechou os olhos, ouvindo o farfalhar dos galhos e relaxando com a luz que se infiltrava pelas folhas.

Eles se calaram.

A brisa. Seus passos. Suas respirações. O barulho das rodas girando.

Um pássaro cantava em algum lugar. Uma criança gritava ao brincar. O tumulto da cidade ainda estava longe.

— Isso é bom. — O murmúrio veio de repente de seus lábios.

— O quê…?

— Isso é melhor do que caçar goblins.

— Nossa, você realmente sabe como encantar uma garota.

— Entendi…

Aparentemente, ele ainda não se comunicava claramente.

Se você não soubesse o que dizer, era melhor não dizer nada. Pelo canto do olho, ele viu a expressão confusa dela. Ele continuou empurrando a carroça em silêncio.

— Heh-heh! — riu ela de repente. Como se ela mesma não esperasse.

— O quê?

— Nada!

— Sério?

— Sério.

Ela caminhou, cantarolando uma melodia que ele não reconhecia. Mesmo assim, ele não precisava reconhecer. Ela estava feliz. Isso era o suficiente.

Eles estacionaram a carroça na entrada dos fundos e entraram na recepção da guilda. Tudo estava calmo. Era quase meio-dia, então é claro que a maioria dos aventureiros já havia partido. Ou talvez todos eles estivessem na capital, que estava tendo bastante problemas ultimamente. Ele não sabia. Na guilda, havia alguns recrutadores de missão preenchendo uma papelada e alguns aventureiros que ele sabia estar descansando, e mais nada. Muito poucas pessoas pareciam estar sentadas esperando alguém, e a fila para ver Garota da Guilda era pequena.

— Perfeito — disse sua velha amiga batendo as mãos, contente. — Não terei que esperar para sempre para conseguir a assinatura que preciso. Vou tratar disso e já volto, mas… você disse que tinha algo para fazer também, não foi?

— Sim.

— Está bem. Bom, quando terminar, podemos nos encontrar aqui e ir para casa juntos!

— Tudo bem.

Ele observou ela ir sorrindo, depois ele deu uma olhada ao redor do saguão.

Ele não viu quem estava procurando. Talvez ele estivesse um pouco adiantado.

Nesse caso, ele esperaria no seu assento habitual perto da parede. Ele se dirigiu a ele com seu passo ousado característico…

— Hum…?

…e quase esbarrou em uma pessoa sentada na cadeira. Essa pessoa olhou para ele suspeitosamente. Era o aventureiro da lança.

Lanceiro se inclinou na cadeira, com as pernas abertas, olhando claramente para ele.

— Nunca vi alguém tão em forma, mas tão pálido. Não reconheço seu rosto. É novo por aqui?

— Não. — Ele balançou a cabeça uma vez enquanto falava. É claro, o homem o reconhecia. E claro, ele não era novo.

Mas, parecia que Lanceiro se recusou a acreditar que era mesmo ele sem a sua armadura habitual. Lanceiro se dirigiu a ele com um tom ao qual alguém poderia usar com um colega desconhecido.

— Acredito que não seria. Os aventureiros que querem ganhar dinheiro hoje em dia vão para a capital, não é? — disse ele. — Você deve estar aqui para um descanso ou algo assim.

O recém-chegado assentiu com o “algo assim” e Lanceiro riu.

— A capital é um lugar perigoso. Posso entender por que você gostaria de tirar uma folga. — Com um movimento ágil, ele se endireitou e ajustou sua mão na lança. — Ouvi dizer que lá todos estão preocupados com espíritos malignos ou algo parecido. Uma batalha para salvar o mundo? Soa como uma bela maneira de fazer um nome para si.

— Você não vai ir para lá?

— Eu? Não seja ridículo. A única coisa pela qual eu luto é por mim. Não pelo dinheiro nem pelo destino do mundo.

— Bem — alterou Lanceiro — por mim e… — Ele deu um olhar significativo para Garota da Guilda.

Quando o recém-chegado deixou seu olhar se desviar para a recepção também, ele viu Garota da Guilda correndo por detrás dele como uma cachorrinha animada. Aparentemente, uma multidão de aventureiros não era a única coisa que mantinha a guilda ocupada.

— …por razões pessoais — finalizou Lanceiro. — Eu não preciso de um lema, um grito de guerra.

— Não?

— Não. — Dizendo isso, Lanceiro se acomodou na cadeira.

Ambos viram Bruxa sensual vindo rebolando até eles.

— Bem, nos vemos — disse Lanceiro. — Tenho um encontro com… ou devo dizer em… algumas ruínas. Me deseje sorte!

— Eu irei. — Ele assentiu calmamente.

— Você é mesmo uma pessoa do povo — disse Lanceiro, com uma risada, e: — Isso não é muito ruim.

Enquanto os dois saiam do local, Bruxa olhou para essa “pessoa do povo” atrás e lhe deu uma boa e significativa piscadela, com uma risada.

— Tenha, cuidado — disse ela.

— Eu irei.

E então, ele se sentou na cadeira recém-vazia.

Ele olhou distraidamente para o teto elevado da guilda. Foi só agora que ele percebeu que Lanceiro e Bruxa estavam juntos em um grupo. E ele pensava que conhecia bem os dois.

— Hum, Matador de Goblins, senhor! Matador de Goblins, você está aqui, senhor?!

Dessa vez, uma voz hesitante. Ele deslocou seu olhar em direção ao som, mas não moveu a cabeça, um hábito em usar o capacete por tanto tempo.

Ele viu o garoto aprendiz da oficina, parado ali, com um avental de couro manchado de graxa.

— Sou eu.

— Oh, graças aos céus. Eu não sabia quem era você. O chefe está perguntando por você. Ele disse que o trabalho está pronto.

— Está bem. Já vou para lá.

A Guilda dos Aventureiros não era só para distribuir missões; ela hospedava todos os tipos de atividades empresarial. Além dos escritórios, existia uma pousada, uma taverna, uma loja de itens e uma loja de equipamentos. É claro, não era absolutamente necessário ter estabelecimentos como esses fazendo parte do edifício da guilda, não mesmo. Mas no que dizia respeito ao Estado, era conveniente manter os rufiões em um só lugar tanto quanto possível em vez de os ter perambulando pela cidade.

Quando ele se levantou e saiu, ele foi para uma das oficinas da guilda. Através do prédio, em outra divisão mais para dentro. Na frente de uma forja brilhante estava um velho movendo implacavelmente um martelo, trabalhando em uma espada que acabara de sair do molde, em uma verdadeira espada temperada.

Claro, era um item de produção em massa que não tomava muito tempo para se forjar; nada comparado com as espadas de lendas. Entretanto, também, a capacidade de forjar essencialmente a mesma espada, várias vezes, com quase nenhuma variação, era um talento impressionante.

— …Você está aqui. — O velho olhou para ele. Os pelos faciais do ferreiro eram tão abundantes que ele poderia ser confundido com um anão. Deve ter sido pelas longas horas na forja que o levou ter um olho semicerrado e o outro arregalado anormalmente. Não era uma aparência atraente.

— Você faz pedidos após pedidos, mas só das mercadorias mais baratas. Me diga, como eu poderia preencher meu cofre assim?

— Desculpe.

— Não se desculpe. Apenas tenha mais cuidado com meus produtos.

— Vou tentar.

— Hrmph — resmungou o velho — não reconheceria uma piada se ela o mordesse… Hmph. Para cá. — Ele acenou. Quando Matador de Goblins se aproximou, o ferreiro estendeu a armadura e o capacete para ele.

— Devem estar bons, mas os experimente para ter certeza. Vou ajustá-los se necessário. De graça.

— Obrigado.

Sua armadura suja, amassada e quebrada havia ficado tão boa quanto… Bem, não tão boa quanto uma nova, mas tão boa quanto antes do seu encontro com o ogro. Ao menos, ele poderia confiar nela com sua vida mais uma vez.

— E um pergaminho? Conseguiu arranjar um?

— Você me deu o ouro, então te arranjo as mercadorias. Mas pergaminhos são raros. E caros. — O velho deu um resmungo zangado e voltou para a forja. Ele puxou a espada simples de ferro que criou, inspecionou, depois a devolveu para o fogo com um estalo de língua. — Quando algum aventureiro encontrar um e vier vender, eu vou pegar ele para você, mas isso é o máximo que posso fazer.

— Eu sei. É o suficiente. — Ele passou um saco de peças de ouro para o aprendiz, depois foi para um canto da oficina onde ele ficaria fora do caminho.

O ferreiro havia anexado um novo jaquetão acolchoado com algodão para usar de proteção sob sua armadura. Que gentil da parte dele.

Luvas, cota de malha, armadura, guarda-peito e depois o capacete. Ele colocou o equipamento mecanicamente, em sua ordem habituada. Ao fazê-lo, ele ouviu a voz intrigada do aprendiz.

— Ei, chefe. Esse cara é um aventureiro ranque prata, certo?

— Ouvi dizer.

— Por que ele usa essa armadura? Se ele quisesse se mover silenciosamente, teríamos a malha de mithril ou…

— Você não sabe, garoto?

— Não, senhor. Por que não uma boa espada mágica em vez de um pergaminho ou…

— Porque só um bebezinho seria burro o suficiente para pegar uma lâmina encantada para lidar com os goblins! — O ferreiro atingiu o ferro com toda a força, um som nítido soou quando o martelo encontrou a espada.

— Esse é um homem que conhece seu trabalho.

**

Não estou popular hoje?, pensou ele. Quando voltou da oficina para o saguão, ele viu alguém correndo na sua direção. Os passos tap-tap-tap eram acompanhados pelo salto de um peito maravilhoso e um rosto envolvido em um sorriso.

— Matador de Goblins, senhor! — Sacerdotisa acenou enquanto corria até ele.

— Sim, o quê?

— Aqui, veja isso!

Ela alcançou a sua manga ansiosamente e puxou sua insígnia. Já não era mais branco porcelana, mas sim uma obsidiana reluzente.

Ah. É disso que se trata?

Ele assentiu para sua companheira radiante. — Você subiu do décimo ranque para o nono.

— Sim, senhor! Fui promovida! — O sistema de ranque que os aventureiros viviam era baseado na quantidade de bem que um aventureiro fizera ao mundo; alguns se referiam a isso como “pontos de experiência” ou algo assim, mas era, em essência, baseado nas recompensas que eles ganharam pelas caças. Aqueles que haviam ganhado uma certa quantidade poderiam ser promovidos no ranque, na pendência de uma breve avaliação pessoal. Dificilmente poderia existir algum problema para com a personalidade de Sacerdotisa, então essa promoção foi efetivamente um reconhecimento de sua força crescente. — Não tinha certeza de que eles iriam me dar, mas acho que a batalha com o ogro contou um bocado… — Ela coçou sua bochecha ruborizada com o dedo.

— Entendi.

Novamente, o que é um ogro?

Ah, certo; era aquela criatura que eles encontraram sob as ruínas, não era? Ele assentiu. Então a pequena expedição deles foi bastante importante, no fim das contas. Depois de um momento de pensamento, ele acrescentou brevemente:

— Bom para você.

— Devo tudo a você, senhor! — Seu olhar, seus lindos olhos, estavam fixados nele. Ele respirou fundo. O que ele deveria dizer? Houve uma longa pausa.

— De modo algum — soltou ele, finalmente. — Eu não fiz nada.

— Você fez muita coisa! — respondeu ela com um sorriso. — Você me salvou quando nos conhecemos.

— Mas não pude salvar seus companheiros.

— É verdade, mas… — Seu rosto se tensionou por um momento. Ela não conseguiu terminar bem sua frase, compreensivelmente.

Até ele ainda se lembrava de toda cena terrível muito claramente. De Guerreiro, de Maga, de Lutadora, que haviam perdido tudo. O grupo dela fora esmagado a pó.

Sacerdotisa engoliu em seco, mas continuou resolutamente. — Mas você me salvou. Quero pelo menos te agradecer por isso. — Então ela sorriu. Em seu rosto, o sorriso era como uma doce flor. — Então, obrigada! — disse ela fazendo uma grande reverência. Matador de Goblins, previsivelmente, ficou sem palavras.

Sacerdotisa disse que iria ao templo e deixaria a Madre Superiora saber sobre sua promoção. Ele ficou parado, a observando partir com seus passos delicados e suas mãos envoltas firmemente ao redor do seu cajado de monge.

Ele ficou em silêncio.

Ele olhou para a recepção, onde sua velha amiga ainda parecia ocupada com a papelada.

— Vou descarregar a carroça — disse ele, e ela acenou como resposta.

Ele deixou o átrio e foi para a entrada da guilda. Ele pegava os vegetais e produtos da carroça, um a um, e os colocava perto da entrada da cozinha. Trabalhando sob o sol quente, suor começou a acumular em sua testa debaixo do capacete em pouco tempo.

Mas, era importante proteger a cabeça. Ele não podia baixar a guarda. Era o que ele estava pensando quando:

— Ei… Você tem um minuto? — chamou-o uma voz calma, repentinamente por trás dele.

Ele largou a carga e se virou lentamente.

— Orcbolg? O que está fazendo…? — Era Alta-Elfa Arqueira. Suas orelhas longas estavam de pé em linha reta.

— O que, Corta-barba está aqui? Então é ele! Você já deveria estar de pé?

— Ouvi dizer que você dormiu por três dias… mas você parece perfeitamente sadio agora.

— Seus passos o entregaram, não é? — respondeu a elfa, ao anão e ao homem-lagarto que estavam alinhados a ela. Parecia que os três haviam se assentado na cidade após a sua viagem de goblincídio.

Tradicionalmente, aventureiros sempre foram andarilhos, mudando suas bases de operações sempre que fosse conveniente ou necessário.

— Esse é um lugar agradável — disse a elfa — muito confortável. Mas, o que você está fazendo? — Ela se inclinou com grande interesse.

— Estou descarregando essa carroça.

— Hmm… Espere, não me diga… Você está precisando de dinheiro, então pegou um emprego de entregador.

— Não — disse ele irritado. — Você quer alguma coisa?

— Ah, sim. Esse cara, uh… — A voz da elfa morreu significativamente, assinalando com o dedo Lagarto Sacerdote. A língua do homem-lagarto sacudia para cima e para baixo de seu nariz. Suas mãos estavam incessantemente inquietas.

— Meu senhor Matador de Goblins, eu… Hum…

— O quê?

— Eu solicito humildemente, alguns… haa…

— O que foi? — perguntou Matador de Goblins.

Anão Xamã intercedeu com um sorriso. — Escamoso aqui quer um pouco de queijo.

— Ele deveria ter simplesmente dito logo — sugeriu Alta-Elfa Arqueira, estreitando os olhos como um gato. O homem-lagarto silvou para eles, mas os dois não pareceram ligar. Talvez tenham ficado satisfeitos por ter visto esse lado do imperturbável companheiro. Era o homem-lagarto que normalmente era o mediador do grupo.

Matador de Goblins podia ver que ele não ia sair dessa. Eles estiveram juntos por apenas uma missão até agora. Havia muitas coisas que ele não sabia.

— Isso servirá?

Ele abriu um dos pacotes na carroça, tirou uma rodela de queijo e jogou para eles.

— Oh-ho! — O homem-lagarto pegou e seus olhos se reviraram bastante em seu rosto.

— Pode pagar a guilda por ele.

— Sim, sim, entendido, meu senhor Matador de Goblins! Oh, doce néctar! Vales tanto quanto ouro! — Ele estava praticamente dançando. Ele abriu a boca e deu uma grande mordida no queijo.

A elfa deu um sorriso impotente. — Eu acho que mesmo o mais sério dos caras tem que se soltar de vez em quando — disse ela.

— Entendo. — Matador de Goblins assentiu. Ele não se sentia mal por isso. Ele foi para o próximo item na carroça.

Ele agarrou a caixa de madeira, pegou e a abaixou. Então, a próxima e a próxima. Era um trabalho simples, mas ele não odiava isso. Contudo, quando ele olhou para cima, algumas caixas mais tarde, havia a elfa, ainda parada.

Ela se movia inquieta enquanto observava ele com seu trabalho repetitivo.

— O-o quê? Não deveria estar aqui?

— Não. — Ele balançou a cabeça ligeiramente. — Mas vai ficar quente hoje.

— Ou… ouça! — Sua voz estava um pouco alta demais. Suas orelhas se moviam para cima e para baixo, para cima e para baixo.

— O que foi agora? — perguntou ele com um suspiro.

— Hum, estamos… estamos vendo algumas ruínas atualmente…

— Ruínas.

— É, como a que nós fomos em nossa última missão. Tentando descobrir o que os espíritos malignos estão planejando e tudo mais…

— Entendi.

— Mas o nosso grupo não tem um guarda de frente bom, certo? — Quero dizer, eu sou uma patrulheira; ele é um sacerdote. Baixinho é um conjurador. Ela brincava com o cabelo enquanto falava e sem olhar bem para ele.

— Certo — concordou ele. Tudo o que ela disse era verdade.

— Então, quer dizer… — Ela parou de falar e olhou para o chão. Ele esperou que ela continuasse. — Eu pensei que talvez… talvez deveríamos falar com você…

Ele estava em silêncio. Era isso? Ele levantou outra caixa sem uma palavra.

As orelhas da elfa caíram, e ele colocou a caixa de volta para baixo.

— Vou pensar nisso.

Ele podia ouvir praticamente suas orelhas florescerem. — Certo! Claro! Faça isso! — Com um pequeno aceno, ela partiu para a frente da guilda. O anão a seguiu, acariciando a barba com uma das mãos e puxando o homem-lagarto — ainda fascinado com seu prêmio delicioso — com a outra.

— Que tal isso, Corta-barba? A vida é tão difícil para Orelhuda. Ela deveria ter simplesmente perguntado logo para vir junto!

— Calado, anão. Eu ainda não estou sem flechas.

— Estou tremendo na base, moça. — Parecia que a elfa não estava fora do alcance da voz. Matador de Goblins observou os dois se afastarem, discutindo alto.

Antes que percebesse, ele estava quase terminando de descarregar a carroça. Ele soltou uma tragada de ar e balançou o capacete. O sol estava alto no céu. Era quase verão.

Então…

— Yaaah!

— Heeeeyah!

De repente, gritos ressoaram, acompanhados pelos sons claros de metal se chocando.

O som de uma luta de espadas. E não era repentino. Ele só não havia prestado atenção.

Ele ergueu seu pescoço para encontrar a fonte do distúrbio. Estava vindo da praça atrás do edifício da guilda, bem na frente dele.

— Ha-ha-ha, você chama isso de golpe? Você não poderia nem matar um goblin dessa forma!

— Droga! Ele é muito grande; ele está entrando na minha guarda! Dê a volta pela direita!

— Tudo bem, aqui vamos nós!

Um guerreiro fortemente armadurado empunhava uma espada larga tão facilmente quanto um palito de fósforo, e se defendia da pressão dos dois garotos. Um dos meninos era o batedor do grupo do guerreiro fortemente armadurado, e o outro… ele era o guerreiro novato que fora aos esgotos. Seus movimentos possuíam as características gerais de um ranque porcelana inexperiente, mas ele estava indo bem nisso de tentar encontrar o fluxo de combate.

— Não é um plano ruim — respondeu o guerreiro bem armadurado — mas isso não funciona se gritar para o seu adversário!

— Yrrrahhh?!

— Waaagh!

O abismo de experiência e força era simplesmente grande demais. Guerreiro de Armadura Pesada lidava com eles facilmente.

Parecia que Matador de Goblins ficou um pouco conspícuo demais enquanto ficava observando eles treinarem.

— Bem, se não é Matador de Goblins — disse uma voz baixa com mais do que uma pitada de suspeita. Era a mulher com amadura de cavaleiro. Como ele se lembrava, ela também fazia parte do grupo do guerreiro armadurado.

— Não vi você por alguns dias — falou ela. — Eu estava começando a pensar que o ogro deu um fim em você. Mas aqui está você, vivo e bem.

— Sim.

— …É assim que você fala com todos que conhece?

— Sim.

— …Estou vendo… — Cavaleira franziu a testa como se tivesse uma dor de cabeça e balançou a cabeça na medida.

Ele não achava que era tão estranho assim, mas ele mantinha isso para si mesmo. Ele disse, no entanto: — Não pensei que o guerreiro novato fosse um membro de seu grupo.

— Ah. Ele não é. Estávamos fazendo um pouco de treino com o garoto aqui… — Aparentemente, eles notaram o outro guerreiro jovem praticando sua espada nas proximidades e o convidou para participar.

A maioria dos possíveis guerreiros que surgiam no país com uma espada e um sonho, eram autodidatas no uso das armas. Mesmo essa chance de treinar com um aventureiro real poderia salvar a vida do garoto um dia.

— Agora só tenho que ensinar essas garotas a agirem como senhoritas…

Em frente ao lugar onde o batedor e o espadachim jovem estavam corajosamente encarando o guerreiro com sua armadura pesada, uma clériga e uma druidesa estavam encostadas em uma parede baixa, observando o confronto com um entusiasmo indisfarçado.

— E esse cabeça de atum está provavelmente ficando cansado agora. Talvez eu devesse entrar — disse Cavaleira, com um sorriso um pouco distorcido. Ela ergueu seu escudo enorme e sua espada (seu orgulho e alegria) e saltou sobre o muro para o confronto. — Muito bem, agora vocês estão em apuros! Pensei ter ouvido que havia guerreiros poderosos aqui, mas tudo o que vejo são um par de fracotes!

— O quêê? Como você pode mesmo ser uma paladina falando desse jeito?!

— Aqui está a minha resposta!

— Um pouco de treinamento! — chiou Guerreiro de Armadura Pesada, que sempre atacou da frente; era por isso que as pessoas gostavam dele. Sua espada larga girou como um furacão, com seu escudo enorme impedindo um golpe atrás do outro. Ele bailou para longe de cada retaliação perspicaz e encontrou uma abertura de brinde. A clériga e a druidesa estavam bem indo à auxílio dos rapazes muito pressionados quando…

— Essa cavaleira não consegue cuidar da própria vida, não é? — Uma risada tão clara quanto um sino seguiu. Quando alguém apareceu ao lado dele?

— Perdoe a intromissão, meu querido Matador de Goblins, mas que tal você beber isso? Está muito quente aqui fora… — Ela havia saído pela porta da cozinha. Agora lhe oferecendo um copo.

— Obrigado — disse ele, o pegando. Ele tomou em um grande gole com seu capacete. Era frio e doce.

— Tem um pouco de limão e mel nele — disse Garota da Guilda. — Dizem que é bom para a fadiga. — Ele concordou. Isso poderia dar uma boa adição ao seu setor de suprimentos. Ele teria que lembrar disso.

— Há uma conversa ultimamente sobre um edifício novo que seria dedicado a esse tipo de treino — disse ela, acenando para o grupo treinando.

— Oh? — Ele limpou as gotas do líquido em seus lábios.

— Poderíamos contratar alguns aventureiros aposentados para ensinar. Há muitos iniciantes que simplesmente não sabem nada de nada. — Se pudéssemos ensinar a eles mesmo um pouco, talvez mais deles voltariam para casa. Ela olhou para longe e sorriu. Garota da Guilda vira muitos aventureiros virem… e irem. Só a papelada que ela tinha que lidar não suavizava o golpe. Não era difícil de entender por que ela queria ajudar os recém-chegados.

— E… — acrescentou ela. — Mesmo depois de se aposentar, você ainda tem que viver. Todo mundo precisa de algo para ocupar o tempo.

— É mesmo? — Ele deu o copo vazio para ela.

— Sim, é — insistiu ela, com seu habitual aceno serelepe, suas tranças saltavam. — Então é melhor se cuidar também, está bem?

Ele ficou calado por um momento. — Parece ser o conselho de todo mundo para mim ultimamente.

— Eu vou esperar até que você esteja curado antes de lhe dar mais missões. Talvez um mês.

— Tsc… — gemeu ele.

— E da próxima vez que você trabalhar até colapsar, será seis meses.

— Isso seria… um problema.

— Seria, não seria? Então, por favor, aprenda a lição dessa vez. — Ela riu. Então, ela disse que havia terminado a papelada das entregas. Ela se virou para voltar à guilda, os gritos e tinidos dos aventureiros jovens voando para seu mentor ainda soavam atrás dele.

A garota, sua velha amiga, estava esperando impacientemente ao lado da carroça. Quando ela viu Matador de Goblins, seu rosto se iluminou. Ele a chamou em voz baixa:

— Vamos para casa?

— Sim, vamos!

A carroça estava muito mais leve do que estivera pela manhã.

Quando ele chegou de volta na fazenda, ele buscou algumas pedras queimadas pelo sol e começou a construir um muro de pedra. As bases do muro já existiam, mas com os goblins, você nunca poderia ser cuidadoso demais. Até Tio reconheceu relutantemente o valor do muro, com a lógica de que isso ajudaria a manter longe os animais selvagens.

Matador de Goblins trabalhou silenciosamente até que, após o sol ter passado de seu zênite, sua velha amiga veio com uma cesta no braço. Eles se sentaram juntos na grama, comendo sanduíches e bebendo vinho de uva frio como almoço. O tempo passou a um ritmo prazeroso.

Com o muro quase terminado e as entregas do dia seguinte já transportadas na carroça, o sol começou a se pôr no horizonte. Sua amiga disse que iria preparar a comida e partiu, o deixando vagar sem rumo pelas pastagens. A grama farfalhava suavemente na brisa do início de verão.

Acima dele brilhava duas luas e um céu cheio de estrelas. As estrelas já deveriam estar em suas novas posições para a nova estação, mas ele não conseguia dizer. Para ele, as estrelas eram apenas uma forma de orientação. Quando era mais novo, com seu coração ainda ardendo com os contos dos velhos heróis, ele queria aprender as histórias das constelações.  Mas agora…

— O que foi? — Ele ouviu os passos leves na grama atrás dele. Ele não se virou.

— Hummm? O jantar está pronto. Mas não tenha pressa. No que está pensando? — Quando ele olhou para as estrelas, ela se sentou próximo a ele tão tranquilamente quanto o vento. Ele pensou por um momento e então se sentou também. Sua malha tilintou um pouco.

— Sobre o futuro.

— O futuro?

— Sim.

— Hum…

A conversa morreu, e eles ficaram em silêncio, olhando para o céu. Não era um silêncio desagradável. Era um silêncio que eles acolheram; era tranquilo. Os únicos sons eram a quietude do vento, o balbuciar da cidade de longe, os insetos e suas próprias respirações. Cada um deles parecia entender o que o outro queria dizer.

Ele era humano, afinal. Ele envelheceria, se machucaria. Quando ele estivesse muito cansado, ele colapsaria. Um dia ele chegaria no seu limite. Se ele não morresse primeiro, o dia em que ele não conseguiria continuar matando goblins inevitavelmente chegaria.

E o que ele faria então? Ele não sabia.

Ele é mais fraco do que pensava, pensou ela, o olhando de soslaio.

— Desculpa.

As palavras saíram de repente, espontaneamente, dos seus lábios.

— Pelo quê? — Ele balançou a cabeça, atipicamente. Talvez devido ao seu capacete, o gesto pareceu estranhamente amplo e infantil.

— Não… nada. Não é nada.

— Você é estranha — murmurou ele enquanto ela ria.

Ele está fazendo birra? Era um pequeno detalhe, mas não havia mudado desde que ele era jovem. Com esse pensamento em mente, ela puxou o braço dele.

— Hrg… — Ele viu sua visão se mover, e então a parte de trás de sua cabeça foi apoiada contra algo suave. Quando ele olhou para cima, ele viu as estrelas, duas luas; e os olhos dela.

— Você ficará com óleo.

— Não me importo. Essas roupas podem ser lavadas, e eu posso me banhar.

— É mesmo?

— É. — Ela apoiou sua cabeça em seus joelhos. Ela acariciou o capacete dele enquanto se aproximava e sussurrou: — Vamos pensar sobre as coisas. Podemos ter o nosso tempo.

— Nosso tempo, hum…?

— Correto. Temos todo o tempo do mundo.

Ele se sentia estranhamente à vontade, como uma corda bem tensionada que tinha finalmente se afrouxado. Quando ele fechou os olhos, ele ainda sabia como ela estava mesmo que não pudesse a ver. Assim como ela sabia como ele estava, mesmo com seu rosto ocultado.

O jantar naquela noite foi guisado.

***

Um dia de remanso como esse se seguiu por quase um mês.

Em algum lugar, a batalha entre os aventureiros e os espíritos malignos ficava mais acalorada enquanto isso…

Então, de repente, acabou.

Foi dito que um simples novato seguiu a orientação de uma espada lendária, e no final de sua aventura havia matado o rei demônio. Esse principiante — uma garota, como ocorreu — assim, se tornou o décimo sexto aventureiro ranque platina da história.

Uma grande celebração foi proclamada na capital, e até mesmo Matador de Goblins afastado da cidade, observou alguns festejos.

Isso não queria dizer que tinha alguma coisa a ver com ele.

Ele estava interessado apenas no clima, nos animais, nos campos e nas pessoas ao seu redor. O tempo passou a um ritmo prazeroso. Os dias possuíam a qualidade de uma sesta da tarde.

Mas, todas as coisas acabam, muitas vezes cedo.

O fim de seu idílio apareceu sob a forma de manchas negras repulsivas em suas pastagens encharcadas de orvalho matinal. Traços de lama e excrementos pelos campos, eles eram inconfundíveis: pegadas pequenas.

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