Capítulo 2 – Corta-Barba Vai Para o Rio Sulista
No momento em que desceram da carruagem, o calor do verão assaltou o grupo, junto com um barulho ensurdecedor. Pessoas indo e vindo na trilha de pedras. Conversas de todos os tipos. O rio borbulhante cortando a cidade. O vento soprando.
Por um momento, a avassaladora sensação de atividade fez com que Vaqueira pensasse que devia estar acontecendo um festival ou algo assim.
— U-Uau…
— Tudo bem com você?
Ela sentiu uma mão gentil apoiá-la, protegendo-a contra uma súbita tontura.
— Er… Aham… Tudo bem — respondeu ela, acenando para alguém. Esse alguém por acaso era uma pessoa da qual se tornou amiga no ano anterior: a recepcionista da Guilda dos Aventureiros. Ela estava impecavelmente vestida, assim como sempre. Neste dia, estava usando um vestido de verão todo branco que fazia Vaqueira lembrar que essa garota era uma oficial pública, em outras palavras, parte da nobreza. Não era o que ela costumava vestir, mas, mesmo assim, na verdade, justo por esse motivo, deixou uma impressão forte. — Só fiquei um pouco tonta com toda essa gente…
— Você ainda não viu nada. A capital é ainda mais cheia.
— Não acredito que você consegue respirar nesse tipo de lugar… — Eu não acho que conseguiria.
Garota da Guilda riu diante da avaliação de Vaqueira, descendo da carruagem como se estivesse acostumada com isso.
Sabe, quando ela segura essas tranças contra o vento, realmente parece uma garota da cidade. Ela não poderia parecer mais diferente de mim.
Vaqueira soltou um suspiro contido, dominada pela sensação de que parecia uma caipira. Ela tentou usar algo um pouco diferente do normal, mas não foi algo tão bom quanto o acerto de Garota da Guilda.
Ficou com vergonha, porém, de voltar a usar o vestido de sua mãe, então foi com isso que ficou. E, ainda assim, não conseguia se sentir bem.
Vaqueira vagou atrás da carruagem, onde as malas estavam empilhadas. Teriam que descarregar tudo.
Uma mão com uma luva de couro deslizou e a deteve.
— Eu farei isso.
A mão agarrou algumas bagagens assim que ela ouviu a frase curta.
A garota olhou para Matador de Goblins e viu seu característico capacete encardido.
— Você, descanse um pouco.
— Ah, estou bem — disse Vaqueira, acenando para seu velho amigo. — Posso andar a cavalo o dia todo. Uma carruagem não é problema. Sei como pareço, mas sou muito forte!
— Talvez sim, mas este baú tem a ver com meus negócios.
Hmm, resmungou Vaqueira. Isso era justo. Negócios pessoais eram importantes.
— Tudo bem, então deixe-me cuidar ao menos da minha própria bagagem.
— Certo. — O aceno brusco dele, por alguma razão, a fez sorrir. Ela não escondeu o sorriso enquanto pegava a sua bolsa.
A garota nunca tinha visto Matador de Goblins trabalhando. E fazendo algo diferente de matar goblins, pelo menos. Isso não era tão diferente de quando pediu para ele ajudar na fazenda, mas, ainda assim, parecia algo novo.
Ela se aproximou e ficou em um canto da estação, buscando ficar fora do caminho; Garota da Guilda estava ao seu lado, sorrindo. Nos seis anos de convivência entre elas, Vaqueira tinha aprendido o suficiente para saber que não era um sorriso artificial.
— Suponho que você também não o tenha visto trabalhar com muita frequência.
— Aham. Normalmente fico atrás de uma mesa da Guilda.
— Ah, é? Acho que isso faz sentido…
— Bem, houve uma vez… —
Acho que quase tive um ataque cardíaco.
— Huh! — disse Vaqueira, seus lábios franzidos.
Enquanto as duas conversavam, o trabalho rapidamente progredia.
— Pelo amor. Não vemos este lugar há um ano e parece que saímos ontem. As coisas por aqui nunca mudam? — disse Anão Xamã, casualmente agarrando os baús enquanto Matador de Goblins os tirava da carroceria.
Como a maioria da sua espécie, Anão Xamã era tão forte quanto era baixo. Ele empilhou a carga, uma peça após a outra, sem nem mesmo começar a respirar com dificuldade.
— Dizem que três é uma multidão, mas temos quatro mulheres sozinhas. Como nós, homens, podemos relaxar?
— Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Elas não estão bonitas e alegres? Isso basta. — Lagarto Sacerdote estava pegando as bolsas de Anão Xamã e colocando-as em um carrinho de bagagens. Os homens-lagarto eram naturalmente musculosos, mas, além disso, este tinha a constituição muscular de um guerreiro sacerdote. Ele jogava as bagagens no carrinho com mais rapidez do que Matador de Goblins poderia descarregar. — E também não se pode desprezar a natureza meticulosa de uma mulher. Não é, milady Sacerdotisa?
— Realmente não acho que seja algo de especial…
Sacerdotisa coçou a bochecha de vergonha, mas Lagarto Sacerdote só fez mais elogios.
— Ah, mas fazer as malas com cuidado é muito importante. E se as tábuas de argila quebrassem?
Sacerdotisa olhou para o chão.
— Na verdade não é nada de especial… Só embalei tudo com alguns juncos e musgo.
A bagagem em questão eram as tábuas de argila que haviam recuperado na biblioteca alguns dias antes. De acordo com as freiras que resgataram, as tabuletas foram descobertas em uma ou outra ruína antiga, e as letras ainda não haviam sido decodificadas.
Assim sendo, não adiantava deixá-las em algum burgo sem recursos da fronteira. Poderiam conter algum tipo de profecia; magias secretas antigas; a verdade oculta de toda a história; ou…
Textos antigos e indecifráveis já tinham sido a causa de muitos conflitos. Os aventureiros, claro, chegaram à conclusão de que a coisa mais segura que poderiam fazer seria deixar as tábuas no Templo do Deus da Lei na cidade da água.
— Heh heh. Isso mesmo, ganhe o seu sustento, anão. — Alta Elfa Arqueira saltou da carruagem com a graça de uma bailarina e um sorriso malicioso que se estendia de orelha a orelha. Ela deu um tapa forte no ombro de Anão Xamã. — Vou pegar alguns presentes para a minha irmã.
— Sim, tá. Deuses… Se não estivéssemos aqui para comemorar, eu te bateria bem nessa parte plana de trás!
— Ora, seu…! — Alta Elfa Arqueira saltou para trás, cobrindo seu modesto traseiro com as mãos e olhando com fúria para o anão.
Ela era capaz de fazer palhaçadas assim porque estavam na segurança da cidade da água.
Há um ano, porém, foi diferente.
Sacerdotisa fechou os olhos por um segundo, com uma emoção que misturava nostalgia e medo, mas não era nenhuma dessas duas coisas. Naquele verão, a área foi atacada por goblins e quase ninguém percebeu. Suas memórias continuavam frescas. Afinal, o grupo todo quase morreu lutando contra aquele inimigo.
— …
Matador de Goblins, que esteve tão perto da morte quanto qualquer um deles, lentamente olhou de um lado a outro da cidade.
— Não sinto nenhum goblin aqui…
Ela achou que era bem gratificante poder voltar a ver o que seu trabalho havia conquistado.
Tinham ficado longe por um ano – sim, um ano inteiro.
Pelo que ela podia ver, a cidade da água parecia quase igual a haviam deixado, tudo ainda na mesma paz. Mercadores e viajantes passavam, clérigos a serviço do Deus Supremo se apressavam e crianças caminhavam ao lado de seus pais. Feiticeiros e cavaleiros errantes perguntavam aos transeuntes se não precisavam de guarda-costas para proteger seus pertences, gabando-se de suas realizações em batalha.
O barulho dos cascos dos cavalos se misturava às conversas rápidas dos mercadores que faziam acordos entre si; uma mulher de aparência muito importante descia a rua.
Mas não havia goblins.
Para Matador de Goblins, isso bastava.
E, na medida em que não havia goblins, não havia nada para fazer no local.
E, ainda assim, estou aqui.
Ele se perguntou o que deveria fazer.
Mesmo se tivesse qualquer interesse em uma missão de não-goblincídio, nunca teria tempo para olhar para ela. Ele com certeza nunca imaginou que aceitaria uma missão de mensageiro como esta.
Siga o rio que atravessa a cidade, sentido sul, e tão rápido quanto caminhar, se encontrará na floresta dos elfos.
Como tal, o grupo foi convidado a acompanhar as tabuletas de argila; era um tipo de trabalho que poderia cobrir as despesas de viagem. Por ser uma missão, puderam usar uma carruagem da Guilda para chegar à cidade da água. Quando recebessem a recompensa, seria o suficiente para também cobrir as despesas na cidade.
Por fim, havia o fato de que estariam protegendo as tabuletas nas quais os goblins podiam ter algum interesse. Este era o aspecto que finalmente levou Matador de Goblins a bordo.
— Certo, pessoal, vou para a guilda local para dizer olá e relatar que concluímos a missão.
Tudo havia sido organizado pelos bons ofícios de Garota da Guilda, com seu refinado senso de oportunidade e seu sorriso imperturbável. Quem melhor do que uma burocrata para cuidar de algo assim? Qualquer plano para uma missão envolvia mais do que só ir a um local, olhar em volta e matar alguns monstros, então havia uma forma de ela ajudar.
— Depois disso vem a bagagem, a pousada, assegurar um barco… Ah, e os presentes. Sabemos do que o casal gosta?
— A melhor forma de aprender sobre elfos é com um elfo, eu diria. Tem alguma opinião, Orelhas-Compridas?
— Naturalmente — respondeu a Alta Elfa Arqueira, acenando confiantemente com a cabeça. Suas orelhas tremeram, surpreendentemente majestosas, e ela acrescentou: — Além disso, não volto para casa há séculos. Vou precisar de algo para dar ao meu clã.
— Er, uh, então será que eu também…? — Vaqueira entrou na conversa, colocando a mão em seus generosos seios. — Digo… Não tenho muitas chances para ir a lugares assim, e meio que queria fazer algumas compras… — Ela parecia estranhamente hesitante, seus olhos vagando de um lugar para o outro.
Alta Elfa Arqueira piscou várias vezes.
— Apenas venha comigo! — exclamou ela, batendo no próprio peito. — Na verdade, já estive nesta cidade antes. Eu posso te mostrar os arredores!
— Pois bem — disse Anão Xamã, parecendo em dúvida a respeito dessa demonstração de confiança —, uma vez que encontrarmos a pousada e o barco, talvez possamos ir juntos. — Ele acariciou a barba branca de que tanto se orgulhava. — Caso contrário, quem sabe o que a Bigorna pode acabar fazendo por conta própria?
— Ooh, que tal você vir aqui e dizer isso?! — exclamou Alta Elfa Arqueira. Anão Xamã respondeu com uma gargalhada, e eles começaram de novo, discutindo o suficiente para fazer barulho, mesmo com todo o burburinho das ruas da cidade.
Lagarto Sacerdote revirou os olhos, divertindo-se, quando viu as pessoas observando a dupla, surpresas.
— Bem, pense em nós como simples carregadores — disse ele. — Nós temos força.
— Desculpa. Não quis causar problemas… — Vaqueira abaixou a cabeça se desculpando, mas o monge homem-lagarto juntou as palmas das mãos.
— Pelo que se desculpa? Considere isso um ato de gratidão por seu abundante suprimento de maravilhosos queijos. Não pense muito nisso.
Vaqueira sentiu uma mão em seu ombro.
— Hee hee. Bem, então, talvez deva me juntar ao resto de vocês depois de terminar tudo o que precisa ser feito.
Ela não sabia quando Garota da Guilda apareceu atrás dela. Sua trança exalava um aroma suave e doce; talvez estivesse usando um pouco de perfume. Só um pouquinho, não tanto a ponto de ser qualquer coisa além de cheiroso. Parecia um mundo diferente do de Vaqueira.
Deve ser legal…
O pensamento passou em um instante, mas devia ter se revelado em seu rosto.
— Uma garota gosta de se vestir bem de vez em quando, não é? — Garota da Guilda estava sorrindo quase maliciosamente.
Vaqueira levantou as mãos.
— Heh, sim. Ha ha… Acha que poderia me ajudar?
Claro. Garota da Guilda sorriu e acenou com a cabeça, e logo seu olhar mudou para outra coisa.
O que era isso? Já deve ser capaz de adivinhar.
Era Sacerdotisa, que parecia bastante desconfortável, como se quisesse dizer algo, mas não pudesse.
— E quanto a você? — perguntou Garota da Guilda. — Aquela roupa que você usou no festival era incrivelmente fofa.
— Eurgh?! — Sacerdotisa soltou um tipo de som sufocado e agitou os braços, quase cuspindo. — Aquilo não foi… — e — N-Não é o meu estilo! — entre suspiros.
Vaqueira, entretanto, já havia dado a volta para impedir a sua fuga. A garota da fazenda encarou Sacerdotisa com seus generosos seios, abraçando-a.
— Não tão rápido! Não sei como esse tipo de coisa vai ficar boa em mim, mas também vou. Então você não vai fugir.
— Ahh… Por favor, só… não fique muito em cima de mim… tá? — Ela estava tremendo igual um animalzinho. Vaqueira acenou com a cabeça para ela, assim como se fosse sua irmãzinha.
Bem, a própria Vaqueira não era exatamente uma especialista em moda. Ela teria que deixar Garota da Guilda assumir a liderança…
— …
Matador de Goblins estava observando em silêncio enquanto as garotas brincavam umas com as outras. Vaqueira era sempre extrovertida, mas ainda era bom vê-la interagindo assim com o grupo. Brilhante e risonha, indo para lá e para cá e se divertindo.
Ele soltou um suspiro. Um tipo de ufa aliviado.
— Não sei muito sobre roupas ou presentes… — disse ele sem rodeios, agarrando-se à viga transversal do carrinho de bagagens.
— Ho — disse Lagarto Sacerdote após isso, seu rabo balançando. — Vamos, então? Podem esperar até que esteja tudo terminado?
— Há uma pequena chance de que os goblins queiram essas tabuletas. — Bastante incomum para ele, as palavras soaram como uma desculpa. — Devemos movê-las mais cedo ou mais tarde.
— Tem certeza…?
— Acho que sim — disse ele, movendo o capacete. — Estou certo disso.
— Hmm… — meditou Lagarto Sacerdote, deixando um suspiro sibilante escapar. Um momento depois, porém, sua cauda balançou suavemente. — Muito bem — disse. — Assim que nos estabelecermos em uma pousada, enviaremos alguém ao templo.
— Por favor.
Matador de Goblins então começou a se afastar, puxando o carrinho atrás de si.
No momento em que Sacerdotisa notou o rangido das rodas, ele já estava longe, tornando-se cada vez menor.
Enquanto puxava o carrinho, ele se concentrava em nada além do som do rio correndo.
As pessoas que se aglomeravam ao seu redor olhavam para o aventureiro de aparência patética e rapidamente passavam por ele. Sua roupa com certeza era um tanto chocante. As pessoas deviam achar que era um iniciante.
Por que outro motivo um aventureiro, vestido com armadura completa, como se estivesse pronto para explorar uma masmorra, estaria puxando uma carroça pelo meio da cidade? Ele não parecia pertencer exatamente aos rios e barcos desta cidade, cuja elegância fluía da antiga capital onde foi construída. As pessoas riam dele por trás das mãos.
Mas nada disso importava para Matador de Goblins.
Ele continuou caminhando ao longo da rota que havia gravado em sua memória e, por fim, chegou a um edifício resplandecente à beira da água, sustentado por colunas de mármore. Pessoas vestidas com robes de clérigos e segurando livros da lei entravam e saíam, todas ocupadas, pela porta da frente. Havia outros entre eles que pareciam muito sérios; eram pessoas que tinham aparecido para buscar alguma coisa e que agora se aproximavam do templo com medo.
O sol já havia passado de seu zênite, seus raios claros e brilhantes refletindo na imagem da espada e da balança. Era o grande Templo do Deus Supremo, que deu a lei, a justiça, a ordem e a luz a este mundo.
Provavelmente não havia lugar mais seguro em toda a fronteira do que este. Matador de Goblins, entretanto, continuou examinando a área vigilantemente enquanto entrava no templo com seu carrinho.
Na sala de espera, as pessoas lançavam olhares ansiosos para ele enquanto marcavam o tempo até que seus casos seriam ouvidos. Ele foi mais para dentro do prédio.
— Com licença, senhor, pare aí, por favor! — Ele, naturalmente, foi notado. Uma jovem clériga calçando sandálias apareceu correndo.
Matador de Goblins parou com um “hrm”, então percebeu que a jovem parecia estar pedindo algo bem baixinho. Ele presumiu que era algo como Sentir Mentira. As coisas ultimamente estavam tão complicadas.
O aventureiro parou o carrinho com um rangido.
— Vim para completar uma missão — disse ele.
— Senhor?
— Uma missão — repetiu, puxando a etiqueta de prata ao redor de seu pescoço. — Talvez seja de alguma ajuda se eu disser que Matador de Goblins está aqui.
Infelizmente, não ajudou.
— Por favor, espere um momento, senhor — disse a clériga, correndo de volta para dentro e deixando o aventureiro sozinho.
Matador de Goblins cruzou os braços e, conforme lhe foi dito, esperou.
Ele sentia que ultimamente estavam todos com muita pressa.
Talvez as jovens clérigas sejam todas iguais…
Por fim, a jovem voltou com uma mulher mais velha e, pela terceira vez, Matador de Goblins explicou:
— Vim para completar uma missão. O transporte de alguns textos.
— Sim, claro, senhor, entendo — disse a mulher com um sorriso amigável. Ela acenou para ele várias vezes. — A arcebispa está esperando por você. Por favor, venha por aqui.
— Certo. — Matador de Goblins agarrou a barra transversal do carrinho novamente e começou a andar.
— Sinto muito por atrasá-lo — disse a sacerdotisa, mas Matador de Goblins apenas balançou um pouco a cabeça enquanto passava.
A mulher – a acólita – que ia à sua frente balançava os quadris de forma que seu traseiro ia para lá e para cá enquanto andava. Não era o suficiente para ser impróprio, entretanto; na verdade, seus movimentos eram muito graciosos.
O Deus Supremo era o senhor da lei. Mas era dito que eram os Que-Oram que deveriam fazer os julgamentos legais oficiais. Talvez, então, essa acólita estivesse apenas tentando agir de forma apropriada para um local de julgamento. E para Matador de Goblins, não havia maior elogio do que reconhecer algo como o fruto de muita prática.
— Se você tivesse dado a volta pelos fundos, não teria que esperar — disse ela, dando a entender que ele era amigo pessoal da chefe deste templo.
— Eu não sabia disso — disse ele. E não soou nada reprovador. — Te causei problemas — acrescentou.
— De forma alguma, senhor, está tudo bem. Tenho certeza de que a arcebispa ficará muito feliz. — Ela deu um enorme sorriso para ele.
Matador de Goblins inclinou a cabeça um pouco na direção dela.
— Acho que lembro de ter te encontrado antes…
— Sim senhor. E gostaria de agradecê-lo por todo o bem que fez à nossa arcebispa na época.
— Eu só matei os goblins.
Esta mulher era uma atendente, umas das que serviam Donzela da Espada de perto. Ele trabalhou isso em sua mente.
— Hmm. Ela agora consegue dormir?
— De fato, e muito bem, aliás. — A acólita parecia estar falando sobre sua própria criança enquanto sorria. — No último ano ela dormiu como um bebê. Tenho certeza de que agora se sente muito mais segura.
Ah, mas não diga a ela que eu te contei. Isso só a faria ficar emburrada.
Ele balançou a cabeça.
— Entendo. — E então acrescentou, mais uma vez com a mesma voz: — Que bom, então.
Prosseguiram para o interior do templo, passando pelas salas de audiências onde os casos eram ouvidos, por corredores cheios de prateleiras. Em direção ao santuário mais interno, um lugar de pilares de mármore e silêncio.
Ele já havia feito esse caminho antes, e ainda levava ao mesmo lugar de antes.
Vários grandes pilares redondos cercavam a sala, a luz do sol da cor do mel flutuando entre eles.
No final desta sala mais distante estava uma estátua do Deus Supremo, como o sol, um altar colocado diante de tudo. E no altar estava alguém com postura perfeita segurando a espada e a balança, uma linda mulher oferecendo preces…
— Ahh… — disse ela, o regozijo evidente em sua voz. — Você veio. É você, não é…?
Soou um leve sussurro quando a mulher, seu corpo sensual coberto por apenas um simples pedaço de pano fino, levantou-se e deixou de lado suas preces.
Atrás de sua venda – que servia apenas para destacar sua beleza – seu olhar mudou, e um suspiro escapou de seus lábios sedutores.
Podia parecer sedução, ou até mesmo certa malícia. Mas sua aura era, sem dúvidas, a de uma sacerdotisa pura.
— Parece que as coisas estão bem.
— Sim… Graças a você. — A arcebispa, Donzela da Espada, sorriu como uma doce garotinha, seus lábios vermelhos formando um arco suave. Ela fez um movimento com a mão, quase como se dançando; a acólita baixou a cabeça e se retirou em silêncio.
Matador de Goblins observou sua partida, seu capacete de aço escondendo sua expressão. Donzela da Espada olhou para ele com entusiasmo.
— Receio ter te incomodado por causa daquela garota…
— Não foi nada — disse Matador de Goblins, balançando a cabeça. — É meu trabalho.
O inverno anterior ainda estava fresco em sua memória, quando lutou com alguns goblins na montanha nevada para resgatar uma garota nobre. A jovem havia se esforçado muito para parecer corajosa. Matador de Goblins não sabia o que tinha acontecido com ela após o resgate. Aparentemente, estava em contato via cartas com Sacerdotisa e Alta Elfa Arqueira, mas não pensou em perguntar nada a respeito.
— Não posso dizer que ela está completamente melhor… — disse Donzela da Espada com gentileza, como se sentisse o que Matador de Goblins estava se perguntando. — Suas feridas são profundas e doem muito. — Ela franziu um pouco os lábios. — Mas voltou a se levantar. Está fazendo tudo o que pode, conforme suas capacidades.
— Entendo.
— E quanto a mim…?
Matador de Goblins bufou e disse:
— Ouvi a respeito no caminho para cá. — Ele então largou o cabo do carrinho com um estrépito. — Trouxe os textos antigos.
— Então trouxe. Já ouvi a história. — Ela voltou a franzir os lábios, talvez aborrecida por não ser capaz de perguntar os detalhes pessoalmente a ele. Mas, ao menos, parecia não haver mudança no fato de que estava cuidando dela.
Donzela da Espada se moveu pelo piso de mármore, quase como se deslizando sobre ele, aproximando-se do carrinho sem qualquer preocupação evidente. Sua mão pálida e delicada foi estendida e roçou a superfície do baú de madeira.
— Pode fazer a gentileza de abri-lo para mim?
— Sim.
Matador de Goblins pegou a espada em seu quadril e usou a ponta para abrir o baú. Não era algo que um aventureiro normal faria, arriscando sua amada arma.
Mas este era Matador de Goblins. Donzela da Espada sabia disso, então não ficou surpresa com o que se sucedeu.
O baú foi aberto com um grito de protesto. Dentro dele estavam algumas tabuletas de argila, enterradas em detritos macios. Donzela da Espada passou a mão ao longo da profusão de caracteres gravados na superfície, com a mesma suavidade que faria um amante.
— Esta escrita é antiga… Muito, muito antiga. Acho que às palavras pode pertencer a magia… Talvez.
Talvez isso fosse surpreendente para alguém que não sabia quem era Donzela da Espada. Mas como a arcebispa do Deus Supremo, governante da lei, ela com certeza teria um milagre de avaliação.
— Diz alguma coisa sobre goblins?
— Não tenho certeza — respondeu ela com um triste aceno de cabeça que fez seu cabelo dourado ondular em silêncio. — Temo não poder dizer. Teria que ler um pouco melhor…
— Entendo. — Matador de Goblins balançou a cabeça. — Nesse caso, não estou interessado. Vou deixar isso com você.
— Vou manter comigo. Obrigada. — Donzela da Espada levou as mãos aos seus generosos seios e fez uma grande reverência. Não era a maneira como uma arcebispa normalmente se comportaria diante de um mero aventureiro, mesmo que ela mesma já tivesse sido uma.
Ela ergueu a cabeça lentamente, seus olhos cegos então olharam para as tábuas de argila como se fossem um presente.
— Depois vou levá-las para a biblioteca.
— Você mesma…?
— A responsabilidade foi passada para mim, não foi? É melhor eu mesma cuidar disso até o fim. — Antes que Matador de Goblins pudesse dizer qualquer outra coisa, ela acrescentou um “certo?” enfático.
A mulher parecia estar dançando enquanto se aproximava do homem em sua armadura de couro cru. Um cheiro suave e doce fez cócegas no nariz dele, talvez do perfume que ela estava usando.
— Você vai voltar em breve?
— Não. — Isso fez com que Donzela da Espada apertasse a balança e a espada. — Iremos agora mesmo para o sul.
— É mesmo…? Entendo… — A força deixou sua mão que segurava o símbolo. — Que cruel — murmurou ela. — Não acredito que esta viagem envolva goblins…
— Minha amiga… — começou a dizer Matador de Goblins. — Minha amiga… me convidou. Não poderia recusar.
— Você tem um coração gentil…
As palavras dela não eram exatamente de reprovação, mas havia alguma farpa nelas.
Matador de Goblins, entretanto, respondeu:
— Nunca se sabe onde ou quando os goblins podem aparecer.
— Isso com certeza é verdade. — Ela riu, e foi como o som de um sino; pairou no ar conforme se distanciava.
Donzela da Espada endireitou as roupas (embora não precisasse fazer isso), ajustou o controle sobre a espada e a balança e tossiu baixinho.
— Tenha cuidado, caso vá viajar pelo rio.
— Cuidado com os goblins?
Ela ignorou a pergunta, dizendo baixinho:
— Surgiram relatos de barcos afundando.
Desejo-lhe segurança em suas viagens.
Matador de Goblins a deixou fazer o sinal sagrado sobre ele com os dedos. Então balançou a cabeça e partiu em um ritmo ousado. Não olhou para trás.
Exatamente como ela esperava.
— Eu, uh… Comprei o que indicaram, mas… Devo mesmo usar isso?
— É mesmo impressionante, né? Os humanos pensam nas coisas mais interessantes. Só pensei que poderia parecer legal.
— Isso está na última moda até na capital. Foi só recentemente que expor os braços e pernas tornou-se algo popular.
— Tenho a ligeira suspeita de que isso vai ficar um pouco pequeno…
Houve um jato de água e as vozes das quatro garotas correram lindamente pela margem do rio.
Era o dia após o anterior, e os cinco aventureiros e duas acompanhantes estavam em uma jangada. A embarcação tinha uma vela branca e o vento a empurrava suavemente rio acima.
O comércio não era especialmente frequente entre a aldeia dos elfos e a cidade da água. Os habitantes da floresta eram orgulhosos demais, com pouco interesse em dinheiro e menos ainda em quaisquer bugigangas que os humanos pudessem produzir. E quando os dois lados não podiam atender às necessidades mútuas, o comércio não podia florescer.
Em vez disso, a maioria dos barcos do rio tinha como destino as aldeias pioneiras que ficavam ao longo de suas margens. Muito poucos deles iam mais para o sul, rumo à floresta dos elfos.
Claro, existem exceções…
— Se eu soubesse que viajaríamos de jangada, poderia ter ficado em casa!
— Conseguimos pegá-la emprestada, isso já é o suficiente.
Eles já tinham passado por várias aldeias e o sol estava começando a chegar ao seu auge. Tinham acabado de comprar um pouco de pão dos fazendeiros do último assentamento marcado no mapa às margens do rio, e o Anão Xamã estava reclamando.
Enquanto pegava um dos pedaços de pão com manteiga passada, Matador de Goblins disse:
— O que há para reclamar?
— Você é um homem surpreendentemente calmo, Corta-Barba.
— É mesmo?
— Poderia dizer que sim… Aqui, Escamoso.
— Ah, muito obrigado.
O Lagarto Sacerdote estava manobrando a jangada com golpes hábeis de uma estaca. Acomodou a embarcação em uma eclusa e soltou um suspiro sibilante.
Eclusas são dispositivos projetados para regular a diferença no nível da água entre um canal e um rio natural. Ao se dirigir de montante para jusante, a água na eclusa seria reduzida gradualmente até a altura de jusante. Isso significava que, independentemente do que estivesse navegando, haveria de esperar um pouco. Um momento perfeito para comer alguma coisa.
O Lagarto Sacerdote enfiou o pão na boca, revirando os olhos.
— Mmm. Mas, pensando bem, parece que minha língua se acostumou com os produtos daquela fazenda, de forma que agora os desejo.
— Ha ha ha ha ha ha! Bem, olha só quem virou um gourmand! E aí, Corta-Barba? E quanto a você?
— Se for comestível, é o suficiente — disse suavemente Matador de Goblins, olhando ao redor.
Ele estava olhando para Vaqueira, que estava sentada ao lado das outras mulheres, arrancando pedaços do pão para comer. Ela também olhou em sua direção, e seus olhos se encontraram por um breve instante.
— Talvez eu não queira dizer isso… — acrescentou Matador de Goblins e, em seguida, olhou para as mãos. Ele estava talhando um pouco de madeira com uma faca, preparando alguma coisa. Algumas coisas, aliás. Era uma estaca pequena com uma ranhura estranha entalhada; a outra coisa parecia mais com uma lança afiada. Quando terminou com a coisa ranhurada, o Matador de Goblins colocou sua lâmina na ponta do objeto mais longo.
Enquanto trabalhava, pegou o pão que segurava em uma das mãos e o enfiou preguiçosamente pelo visor.
— Ei, olhe essas maneiras! — exclamou Vaqueira. — Mastigue a comida direito.
— Sinto muito — respondeu ele, lançando um olhar em direção dela e empurrando o pão um pouco mais devagar. Então olhou para baixo e retomou o trabalho.
— Sheesh — resmungou ela, mas o Anão Xamã sorriu e olhou para o que Matador de Goblins estava fazendo.
— Isso aí é uma lança? — Ele pegou um dos objetos, interessado.
Era uma lança de madeira simples, nada de especial. Não tinha nem uma ponta adequada.
— Não sou habilidoso o bastante para que minhas flechas penetrem a água. E uma jangada não tem pedras para pegar e jogar. Preciso de uma arma de longo alcance. — Matador de Goblins pegou uma das armas e a segurou contra a luz, inspecionando o trabalho. Aparentemente, achou insatisfatório, já que voltou a talhar. — É bom estar preparado — disse ele bruscamente. — Mais do que o habitual.
— Ahh. Entendo o que você quer dizer. Ouvi sobre os rumores. — Anão Xamã largou a lança com um olhar azedo e se sentou na jangada. Puxou a tampa da jarra em seu quadril, tirou um copo de sua bolsa e ofereceu uma dose de vinho de fogo ao Matador de Goblins. Um aroma forte de álcool exalou do copo. O Matador de Goblins balançou a mão em recusa, o Anão Xamã então tomou tudo em um único gole.
— Embarcações afundadas… Não acha que são apenas acidentes?
— Seria melhor não assumir isso. Assim como sempre.
Eram tantas as embarcações que seguiam rio acima. A maioria era de aventureiros, ou um punhado de mercadores que receberam o favor dos elfos. Caçadores, talvez, ou gente que trabalha com cura. Alguns apareciam em busca de cavernas e ruínas, ou para coletar ervas raras ou partes de animais com a indulgência dos mestres da floresta.
Haviam subido o rio em jangadas e não desceram. Isso, por si só, não era necessariamente surpreendente. O único motivo pelo qual alguém sabia que os barcos afundaram era porque os elfos, em sinal de boa vontade, mandaram os restos das embarcações de volta.
Houve quem disse, em voz baixa e sem qualquer prova, que os elfos talvez estivessem as afundando.
— Podem ser goblins — disse Matador de Goblins com segurança, olhando para Alta Elfa Arqueira. Ela estava enfiando o pão com manteiga (não a refeição mais refinada) na boca, as orelhas compridas balançando para cima e para baixo.
— Mmm. Comer em algum lugar novo é o melhor. — Ela estufou as bochechas igual um esquilo, um gesto do qual a Sacerdotisa não pôde deixar de rir.
— Verdade. Eu mesma morei no Templo, então sei o que você quer dizer.
— Da última vez que estive aqui, caminhei ao longo das margens. Ir de barco é novidade para mim.
Ou melhor… de jangada. Ela girou o dedo indicador em um círculo no espaço.
— Certo — concordou a Sacerdotisa, colocando um pouco de pão na boca, mastigando delicadamente e engolindo. — Esta margem?
— Sim, ela mesma.
Já fazia mais de seis meses desde que as duas se banharam naquela fonte termal, olhando para as estrelas.
— Bem, há alguma história para contar? — perguntou Garota da Guilda solicitantemente, inclinando-se.
A Sacerdotisa e a Alta Elfa Arqueira se entreolharam com expressões de pensamentos exagerados.
— Uma história? Hmm.
— De que história ela poderia estar falando?
Não era exatamente um segredo para guardar para si mesmos, mas era uma memória valiosa o suficiente para agir como se fosse importante.
A Alta Elfa Arqueira balançou as orelhas alegremente. A Garota da Guilda lançou-lhe um olhar desconfiado.
— Terei que me certificar de questioná-la direito a respeito disso em sua próxima entrevista.
— Ei, isso é abuso de autoridade, não é?
A Garota da Guilda tinha lidado com muitas pessoas como a Alta Elfa Arqueira, então a piada não perturbou sua máscara de seriedade.
— Que trágico, servir tão lealmente e ainda assim ter aventureiros guardando segredos de mim!
Tendo dois mil anos de idade (e isso é duas vezes mil), a Alta Elfa Arqueira deveria estar igualmente impassível, mas, em vez disso, rangeu os dentes de frustração.
— Aww, mas eu também quero ouvir — disse a Vaqueira, batendo palmas. — Quero ouvir todo tipo de coisa sobre a vida fora da cidade!
— Huh. Bem, nesse caso… Foi antes de eu conhecer Orcbolg…
E, assim, a interjeição da Vaqueira se tornou o pretexto para uma história de aventuras.
Com o canto do olho, Matador de Goblins podia ver as mulheres amigavelmente conversando. As orelhas de Alta Elfa Arqueira balançavam e ela gesticulava sem parar; a Vaqueira ouvia com um sorriso. A Garota da Guilda sussurrava sobre os segredos dos bastidores da Guilda e a Sacerdotisa de olhos arregalados.
O Matador de Goblins recolheu as mais ou menos dez varas mais afiadas que preparou, colocando suas ferramentas de marcenaria de volta ao cinto.
— Quando a eclusa abrir, vou assumir o seu lugar.
— Muito bem — respondeu o Lagarto Sacerdote, batendo o rabo para baixo. O empurrão resultante disso na jangada provocou gritos das mulheres.
Quando a eclusa finalmente se abriu, a jangada fluiu com a água para um vale.
— U-Uau…
Quantas luas seriam necessárias para cavar um pedaço de terra como este? O rio, em si, era como uma cicatriz deixada pelo tempo. A ravina era quase como uma placa gigante de rocha, agora em várias camadas. A montanha devia existir desde a Era dos Deuses, e o rio estaria trabalhando neste lugar por todo esse tempo.
As rochas eram tão grandes que às vezes bloqueavam o sol, projetando suas sombras diante delas; entre elas, ouvia-se o borbulhar do rio e o sopro do vento.
Isso explicava tudo. Era por isso que a aldeia dos elfos às vezes era chamada de uma terra à parte, “o país das sombras”. Não parecia fazer parte do reino mortal.
— Isso é incrível…! — exclamou Vaqueira, olhando para as pedras maciças enquanto a jangada passava por elas. Todos entendiam como ela se sentia. Havia muitas coisas no mundo que estavam além de qualquer uma de suas fantasias.
— Minha casa é logo ali — disse a Alta Elfa Arqueira, de pé na jangada, sem qualquer sensação aparente de perigo e estufando um pouco o peito. — O que acham? Mesmo os anões nunca construíram algo assim!
— Você está certa, Orelhas Compridas, não procuramos competir com o trabalho dos deuses. Nosso objetivo é o domínio do martelo e do cinzel. — Ele coçou a barba e acrescentou, adotando um sorriso malicioso: — E acho que os elfos também não construíram isso.
— Hrrrmn! — As orelhas de Alta Elfa Arqueira curvaram-se para trás e ela acertou o anão, assim como de costume.
Todos ao redor estavam acostumados com isso, e ninguém deixou que isso os distraísse da paisagem. A Sacerdotisa soltou uma variedade de ruídos inarticulados, piscando sem parar.
— Isso é incrível…
— Li sobre isso nos documentos da Guilda, mas ver em primeira mão é ainda mais incrível — disse a Garota da Guilda.
— Verdade mesmo. — A Vaqueira balançou a cabeça. — É de tirar o fôlego, hein?
— Ei…
O que você acha? Ela estava prestes a dizer isso, mas as palavras nunca saíram pelos seus lábios.
Quando se virou para perguntar, o encontrou de pé na parte de trás da jangada, olhando para muito além dos limites do vale.
— O que está achando? — perguntou o Matador de Goblins suavemente, com a mão no leme.
O Lagarto Sacerdote pensou, fazendo seu estranho gesto de juntar as mãos, seus olhos constantemente varrendo a área.
— Hmm. Acima ou abaixo, talvez.
— Concordo.
— Isto não é um oceano. Em um rio, é improvável que encontremos um kraken.
— Kraken — repetiu o Matador de Goblins. — O que é isso?
Lagarto Sacerdote rolou os olhos.
— Diria que acima.
— Entendido.
Este era um lado dele que ela nunca tinha visto. Ele parecia igual a sempre, mas de alguma forma diferente. Vaqueira colocou a mão em seus seios salientes para acalmar o coração.
— Ah…
Ela engoliu um pouco de saliva. Mas, quando estava prestes a tentar dizer algo mais, a voz clara de Alta Elfa Arqueira a interrompeu.
— Espera!
A patrulheira já tinha uma flecha em seu arco. Os aventureiros se entreolharam uma vez e entraram em ação.
A Sacerdotisa agarrou seu cajado com firmeza, enquanto o Anão Xamã começou a vasculhar sua bolsa de catalisadores. O Lagarto Sacerdote agarrou uma presa de dragão em sua mão, e o Matador de Goblins, com uma mão ainda no leme, abaixou os quadris.
— Acho que é melhor tirarmos a vela. Me dá uma mão — disse o Anão Xamã, apertando os olhos enquanto olhava para o sol.
— Ah, sim, já vou… — disse Sacerdotisa, indo até ele.
O Matador de Goblins, trabalhando diligentemente no mastro, olhou para as duas jovens.
— Abaixem-se e cubram a cabeça com panos. — Sua voz estava afiada.
— Ah, uh, c-certo, claro…! — Vaqueira rapidamente acenou com a cabeça. Ela vasculhou seus pertences, puxando um pano.
— Aqui, rápido! — A Garota da Guilda parecia igualmente nervosa com a sua própria roupa.
As duas se amontoaram sob a cobertura, tentando ocupar o mínimo de espaço possível. Cada uma delas podia sentir a outra tremendo, mas talvez fossem elas mesmas.
Mas não sabiam. Essa ignorância era a maior companheira enquanto se encolhiam de mãos firmemente dadas.
O Lagarto Sacerdote ficou acima delas para protegê-las.
— Das margens…? — perguntou ele.
— Provavelmente — respondeu Alta Elfa Arqueira. — Tem alguma coisa vindo. M-Muitas coisas! — Ela puxou a corda do arco, suas orelhas balançando para cima e para baixo sem parar, buscando captar qualquer som.
Um instante depois, ouviu-se o uivo dos lobos e uma saraivada de pedras choveu no vale.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, pelo poder da terra conceda segurança para nós que somos fracos!
Primeiro, Sacerdotisa invocou um milagre, agarrando-se ao seu cajado.
Como a Mãe Terra poderia falhar em proteger sua devotada discípula? Uma barreira invisível surgiu em torno da jangada. As pedras e gravetos que se aproximavam ricochetearam nela, bump, bump, bump, provocando respingos ao cair na água.
O suor escorria pela testa de Sacerdotisa.
— S-Se não ficar pior, talvez possamos…
Assim que deixou esse murmúrio escapar, porém, o som do assobio de uma flecha gelou o seu coração. O que quer que estivesse acontecendo nas margens, era claramente algo inteligente.
As figuras se aproximaram do cume. A Alta Elfa Arqueira se ajoelhou, com seu arco pronto e seu olhar afiado.
Uivos animalescos. Gemidos. O barulho de pés, não de cascos. Suas orelhas compridas se mexeram para cima e para baixo, captando cada som existente.
Ela já tinha visto esses inimigos antes. Conhecia o som. Já havia os confrontado no passado. Eram…
— Goblins…?!
Cavaleiros goblins.
Assim que teve um vislumbre de seus rostos cruéis, ela gemeu.
— Achei que deveríamos estar na sua terra natal! — gritou o Anão Xamã.
— Bem, s-sinto muito!
— Então eram goblins — disse Matador de Goblins calmamente, jogando um pau para o Lagarto Sacerdote. — Pegue o leme.
— Entendido! — Com sua força, Lagarto Sacerdote seria capaz de empurrar um pouco a embarcação. Não era provável que houvesse uma luta corpo-a-corpo, de qualquer forma.
O Lagarto Sacerdote afundou aquele pau no rio e a jangada avançou, embora aos poucos.
— Seus fedorentos…! — A Alta Elfa Arqueira puxou seu arco suavemente, mesmo com o tremor da embarcação, disparando uma flecha quase de imediato. Aquilo passou pela barreira divina que os protegia, perdeu velocidade e depois caiu em direção ao cume.
— GORRB?!
Quando um dos goblins foi desmontado – ou deslocado – caiu e soltou um grito abafado. O corpo quicou duas vezes enquanto caía, colidindo com a jangada e fazendo-a tremer.
— Eeek?!
— Eep…!
A Garota da Guilda e a Vaqueira lutaram para suprimir seus gritos sob a cobertura.
Não bastava que o cadáver silencioso tivesse uma flecha nele cravado; sua cabeça estava aberta e jorrava um sangue escuro. Não importa quantas histórias de aventura alguém pudesse ter lido ou escutado, ver uma morte tão brutal, ainda mais de perto, era diferente.
— Qual é o problema? — perguntou o Matador de Goblins. Ele puxou a flecha do cadáver e deu um chute implacável, jogando-o no rio. Soou um barulho alto e o cadáver sumiu de vista.
Vaqueira observou-o desaparecendo. Então, com a mão ainda firme na da Garota da Guilda, disse com uma voz ligeiramente estridente:
— E-Estamos bem…
— Bom. — Matador de Goblins deu uma breve olhada na direção delas, então jogou a flecha para Alta Elfa Arqueira. — Não sei se podemos acabar com eles. Afrouxe as pontas de suas flechas.
— Astuto como sempre — disse ela, cansada, puxando a ponta da flecha que ele atirou em sua direção. Mesmo que a cabeça não fosse de metal, se ficasse alojada ao corpo, faria com que a ferida apodrecesse e espalharia doenças pelo ninho. Era um truque clássico do Matador de Goblins, mas o tipo de coisa que Alta Elfa Arqueira não aprovava muito.
— Yah…! Hah!
Mesmo assim, a corda de seu arco disparou várias vezes, enviando uma saraivada de flechas no cume. Três tiros, dois gritos. Sem quedas. A Alta Elfa Arqueira estalou a língua. Ao seu lado, o Matador de Goblins pegou uma das lanças e prendeu um objeto de pedra na haste de madeira.
O Lagarto Sacerdote soltou um som de admiração.
— Um lançador de lança — disse ele. — Que coisa familiar essa que você tem.
— Conhece?
— Era bastante comum entre os guerreiros da minha aldeia.
O povo lagarto valorizava o combate corpo a corpo acima de tudo; achavam até as mais simples das armas de longo alcance desagradáveis. E atirar, o que quer que fosse, era algo em que os humanos se destacavam. Os estilingues dos Rheas também não eram nada a se desprezar, mas eles costumam não gostar de combates. E, sim, o Anão Xamã usava uma funda, mas sua magia e seu machado eram suas principais armas.
— Será que vai alcançar? — perguntou o Anão Xamã.
— Facilmente — respondeu o Matador de Goblins, com uma única palavra.
— Pois bem…! — O Anão Xamã tirou uma garrafa de algum tipo de líquido da sua bolsa. Ele abriu a tampa e despejou algo parecido com suco de pêssego no rio. Enquanto isso, deixou sua consciência vagar. — Venham, ondinas, o banquete está servido; venham e cantem e dancem e brinquem!
O jato d’água assumiu a forma de uma bela donzela, e eis que o rio começou a correr para o outro lado.
Não… Não todo o rio. Apenas a água onde a jangada descansava deu a volta. Este era um Espírito de Controle.
— Eu talvez não controle isso direito! — gritou o Anão Xamã, olhando para a água. — Não consigo muita velocidade com isso!
— É o bastante — disse o Matador de Goblins, e então mandou sua lança voando.
Aquilo cortou o céu com uma velocidade anormal. E foi seguida por um grito terrível – não de um goblin, mas de um dos lobos que montavam.
— Temos pouco, mas a sorte pode nos ajudar — cuspiu Matador de Goblins, preparando a próxima lança. — Não sei quantos goblins são. Não podemos matar todos eles.
— Posso dizer que temos uma opção — disse o Lagarto Sacerdote. Ele ainda estava manobrando a jangada e montando guarda sobre a Vaqueira e a Garota da Guilda. — Milorde Matador de Goblins, podemos considerar escapar do inimigo no lugar de massacrá-lo?
— Isso não me agrada. Mas… — Matador de Goblins preparou o próximo disparo em seu lançador e enviou-o voando em direção ao cume, tudo com um movimento de seu braço. Aquilo desapareceu de vista e, um momento depois, um grito soou.
— GOORARB…?!
O goblin caiu das costas de seu lobo e caiu do penhasco. O cadáver fez um estrondo ao cair na água.
— Teremos que resolver isso depois de escapar… — Assim contavam dois. O Matador de Goblins pegou a próxima lança. — Como está a nossa defesa?
— De algum jeito… Aguentando! — respondeu Sacerdotisa, levantando seu cajado e se posicionando com toda a ousadia que tinha na jangada. Toda a defesa de seu grupo estava sobre seus ombros magros e delicados. Os deuses forneceram o milagre da barreira invisível, mas era a prece da Sacerdotisa que o manteve.
Os ataques eram implacáveis e, enquanto isso, sua respiração ficou mais pesada e suas pernas começaram a ceder. Era completamente impressionante que ela pudesse fazer três dessas súplicas enervantes aos céus em um único dia.
— Uhh…!
Mesmo assim, estava chegando perto de seus limites. A barreira enfraqueceu assim que ela soltou um suspiro. A garota respirou fundo e se forçou a respirar mais uma vez. Ela forçou os pés na jangada e as mãos no cajado.
— Vou lançar mais um…! Me consigam algum tempo!
— Por favor. — O Matador de Goblins ergueu seu escudo para bloquear uma pedra que atravessou a barreira.
Galhos, pedras, rochas, e até mesmo algumas flechas. Uma coleção heterogênea de projéteis bateu e acertou a jangada, fazendo-a guinar para um lado e para o outro.
— Hrm…! — O Lagarto Sacerdote deu um empurrão com o pau, mandando a jangada ligeiramente para trás, mas a corrente que varria a embarcação era como uma onda violenta.
— Wah?! Pfft!
— Ah, ah não…!
A água encharcou os panos em que a Vaqueira e a Garota da Guilda se escondiam, provocando ainda mais gritos. Elas corriam o risco de se afogar sob a proteção, mas se agarraram uma à outra e se seguraram.
A Garota da Guilda deu um aceno rápido para o Matador de Goblins, que olhou na direção delas, e também piscou várias vezes. De repente, havia uma considerável quantidade de detritos – galhos, seixos e outros destroços – na jangada. Os goblins jogaram isso tudo neles? Não, não podia ser.
Uma olhada na água ao redor revelava um grande número de lascas e pedaços de madeira flutuando, e até mesmo barris inteiros à deriva.
— Hrrgh… Ah!
O Lagarto Sacerdote lutou com todas as forças para controlar a direção da jangada, mas acabaram colidindo com um barril, fazendo com que a embarcação tremesse violentamente. Outra onda acertou os aventureiros, encharcando-os e inundando a embarcação.
— Ah…
Foi então que a Garota da Guilda viu algo branco e brilhante: um crânio humano passando direto por ela.
Tentou pegá-lo com a mão ainda trêmula, mas quando estendeu a mão, ele foi sugado para baixo da água e desapareceu.
Ela o viu silenciosamente desaparecendo. Logo, deu lugar a uma visão de pilhas flutuantes de lixo, presos com cordas.
— Isso p-pode ser ruim — disse ela com a voz trêmula. — Acho que pretendem afundar a jangada!
O terrível gargalhar dos goblins enchia o vale, ecoando loucamente.
— GRRROB! GOORRB!
— GROBR!! GOOORRRB!!
Não havia necessidade de enfrentarem os aventureiros pessoalmente para matá-los. Poderiam apenas virar o barco, ou enchê-lo de lixo até que afundasse.
Sim, virar a jangada seria uma solução. Os goblins podiam rir e apontar enquanto aquelas pessoas tolas se afogavam; se alguém sobrevivesse, poderiam se divertir atacando lá do alto.
Agora estava claro o que havia acontecido com os barcos que foram para este lugar e não voltaram.
— Gah! É barulhento e atrapalha…! — A Alta Elfa Arqueira, frustrada, varreu uma das pilhas de entulho com a perna, chutando um monte de água, mas não conseguindo qualquer efeito perceptível.
Os goblins tinham que simplesmente continuar jogando pedras e escombros lá de cima.
O Anão Xamã, igualmente frustrado, fez uma série de gestos misteriosos.
— Vou mandar minha ondina tirar esses troços da jangada — falou —, então dê alguns tiros com o seu arco ou coisa assim!
— “Ou coisa assim”?! O que você quer dizer com “ou coisa assim”?!
O lindo espírito dançou na jangada. Seus movimentos sensuais varreram as rochas e demais detritos, empurrando-os para o rio corrente.
Nesse ponto, estavam todos encharcados, da cabeça aos pés, mas a jangada continuava de alguma forma estável. Isso não significava, entretanto, que poderiam relaxar. Foram causados muitos danos, e os destroços foram empilhados sob a água, tornando muito mais provável que virassem.
— Então aprenderam com a eclusa… — murmurou Matador de Goblins, disparando uma terceira lança.
Ela não se preocupou em olhar o que aconteceu. Haveria um grito, ou então não.
Os goblins estavam astutamente se escondendo ao longo da borda do penhasco, seguindo sobre os lobos para manter o ataque. O rio serpenteava entre obstáculos proeminentes. Não havia teto, mas isso…
— É como se tivéssemos entrado no ninho deles — disse o Matador de Goblins calmamente. Ele usou uma de suas lanças para quebrar uma flecha alojada em seu escudo.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia…
Tudo isso acontecia bem na frente dos olhos de Sacerdotisa. Seus joelhos ainda tremiam, e não apenas por causa das difíceis preces.
Ela estava com dificuldades para respirar. Sua língua parecia tropeçar entre as palavras que mal conseguia pronunciar. Sua cabeça girou e sua visão ficou turva. Seus dedos mal podiam se mover; mas isso era tudo que podia fazer para segurar seu cajado.
Como eu vou…?
Como deveria invocar a Proteção e manter a segurança de todos? Essa era a sua única pergunta. Essa era a única coisa que poderia fazer.
O que mais poderia fazer? Como poderia vê-los seguros, longe deste lugar?
Seus dentes batiam; ela apertou a mandíbula para impedi-los. E lembrou de memória após memória. Fechou os olhos e as afastou.
— Ah…
Naquele momento, uma luz brilhou em sua mente, assim como uma premonição dos céus.
Sacerdotisa abriu os olhos. Seus lábios trêmulos formaram uma prece, como se guiados por algo que não fosse ela. Ergueu o cajado.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, por favor, por sua mão reverenciada, purifique-nos de nossa corrupção!
Os deuses eram grandiosos.
A Mãe Terra desceu do céu, sua mão varrendo a água e tornando-a limpa.
Em todos os lugares que a luz tocava, a água passava a ficar límpida, toda a sujeira desaparecendo. Além disso, muitas coisas sujas no rio foram limpas e desapareceram.
— Uau…! — A Alta Elfa Arqueira piscou, suas orelhas se mexendo. Ela ficou impressionada ao ver os efeitos do milagre Purificação com seus próprios olhos. — Você realmente tem os seus momentos, hein?
— Eu não. A Mãe Terra… Embora ela possa ser um pouco rígida. — gemeu Sacerdotisa, o esforço de se conectar diretamente com o divino dando-lhe uma terrível dor de cabeça. — Por favor… Agora!
— GRR?!
— GOORB?!
Os goblins ficaram naturalmente agitados com essa reviravolta. A armadilha que prepararam com tanto cuidado foi desfeita por algo que sequer entendiam.
Suas vozes feias ecoaram enquanto a confusão surgia entre eles.
Estava longe de Matador de Goblins deixar uma chance dessas passar.
Um goblin se inclinou para ter uma visão melhor do rio; uma lança atravessou a sua mandíbula, indo direto para a parte de trás de sua cabeça. Ele caiu na água enquanto soltava um jato de sangue – e seu cadáver então sumiu, purificado pela Mãe Terra.
— Eventualmente, teremos que encontrar o ninho e destruir — disse o Matador de Goblins.
— Tem razão.
— Com prazer! — Mesmo enquanto empurrava a jangada ao longo da corrente da ondina, Lagarto Sacerdote deixou a boca bem aberta. Encheu seus pulmões com uma respiração profunda, a respiração do wyrm que governa todas as coisas. — Bao Long, honrado ancestral, governante do Cretáceo, tomo emprestado agora o teu terror!
O Rugido do Dragão ecoou pelo vale.
Os Goblins não eram os únicos que sentiam medo de dragões; todas as coisas viventes os temiam.
— GOORBGROB?!
— GRORB!!
A tagarelice dos goblins se misturava aos uivos assustados de seus lobos. Cavaleiros goblins continuavam sendo goblins. Sequer eram cavaleiros especialmente talentosos.
Tentaram e não conseguiram acalmar as montarias; os lobos literalmente fugiram com o rabo entre as pernas. Alguns dos goblins foram jogados no chão; outros agarraram-se desesperadamente aos animais em fuga. Bateram todos em uma lamentável retirada.
Os aventureiros continuaram vigilantemente observando o cume por alguns minutos. Contra o som do riacho corrente, usaram o pau para manter a jangada em movimento.
Por fim, passou uma hora, depois duas e, finalmente, o vento que soprava pelo vale ficou mais quente.
Estavam flutuando em direção a uma grande floresta escura, uma floresta de velhas árvores que existiam por milhares ou talvez dezenas de milhares de anos.
A Sacerdotisa agarrou o seu cajado, pedindo à Mãe Terra para aliviar a sua ansiedade.
Estavam quase fora do vale. Isso significava que logo estariam no reino dos elfos.
Os fogos de artifício dançaram para o céu com uma série de estalos, deixando pequenos traços de luz pelo trajeto. O céu estava agora bem vermelho, visto que ficou como a cauda de uma salamandra.
Entre expulsar os goblins e deixar o vale, não precisaram de muito tempo. O sol já havia passado de seu zênite e começado a se pôr a oeste, acomodando-se atrás das árvores.
Os aventureiros entraram na enorme floresta, parando a jangada à margem do rio, em um local indicado por Alta Elfa Arqueira. Ela disse que a aldeia ficava um pouco distante. Nesse caso, imaginaram que uma noite de descanso seria melhor do que uma marcha forçada.
— Eu com certeza não esperava que iríamos usar isso tão cedo assim…
— Se soubéssemos que ficaríamos tão molhados, deveríamos tê-los colocado desde o começo!
— Heh heh. De outra forma, não teríamos a chance de usá-los. Ah, você sabe colocar?
— Sim, eu consigo. A única coisa que não entendo é por que se incomodar em usar um. Bem assim, certo?
Uma corda estava amarrada entre os troncos de algumas árvores, e havia toalhas penduradas sobre ela. Do outro lado, as mulheres podiam ser ouvidas em uma conversa animada. Afinal, eram quatro delas; isso estava fadado a ficar um pouco barulhento.
Alguns minutos depois, as toalhas foram puxadas. Quatro mulheres em trajes de banho, uma visão e tanto.
— Simplesmente não entendo por que colocaria roupas específicas para se molhar. Não pode fazer isso sem nada? — Alta Elfa Arqueira parecia muito desconfortável, brincando com seu cabelo em um incomum gesto de constrangimento.
— Por que se preocupar? — respondeu prontamente Lagarto Sacerdote. Ele parou de trabalhar para revirar os olhos. E abriu a boca de forma importante. — Admito que aprecio um pouco a pele sem escamas, mas meu julgamento é de que esta roupa combina com você.
— Você acha? — Bem, então tá bom. Alta Elfa Arqueira deu um pequeno aceno de cabeça, como se começasse a aceitar a situação.
Anão Xamã parecia estar prestes a fazer um de seus sempre espertos comentários, mas acabou transformando-o em um espirro, e então fechou a boca. Talvez tivesse percebido que não havia necessidade de deliberadamente estragar o humor da elfa enquanto iam para a casa dela.
— Suponho que nossas opiniões sobre a aparência de Orelhas-Compridas e amigas estão agora bem estabelecidas…
— Acho que sim. Sinceramente, estou com um pouco de ciúmes… — Garota da Guilda levou a mão à bochecha, embora não tivesse motivos para ficar envergonhada.
Claro, ela era de uma sociedade onde as pessoas eram ensinadas a não mostrar muita pele. Dizer que não estava envergonhada não seria bem verdade, mas era assim que era. Seu trabalho de todos os dias não podia ser subestimado. Ela não estava exatamente com medo de ser vista assim – o que a tornava diferente de Sacerdotisa, que se escondia atrás dela.
— Ah… Ahhh…
O rosto da clériga estava brilhando de tão vermelho, tentando ficar o menor possível. Ela tinha muita vergonha de seu próprio corpo, jovem e pequeno. O que estava vestindo neste momento não era muito diferente da roupa que usou no festival da colheita, mas ter outras pessoas ao seu lado, com as quais poderia ser comparada, não era algo fácil. Pelo menos Bruxa, por quem estava discretamente (pensava) enfeitiçada e com quem com certeza não queria ser comparada, não estava presente. Ela gostaria de algum dia poder ser como aquela feiticeira, mas isso era um simples sinal de quão longe estava seu objetivo.
— Ah, você ficou bem — riu Vaqueira, dando um tapinha no ombro de Sacerdotisa. Vaqueira pensava nela como uma espécie de irmãzinha, além de achar seu corpo magro adorável. Ela também sentia que tinha ficado um pouco mais musculosa com todo o trabalho que fazia. Torceu os quadris para dar uma olhada, uma expressão duvidosa em seu rosto. — Bom o suficiente… Será?
— Essa não é uma pergunta que eu possa responder — disse Matador de Goblins. Ele pegou as quatro varas afiadas, as restantes, que preparou mais cedo e as fincou no chão, formando um quadrado. Seu capacete estava apontado para o grupo de mulheres; ele não era grosseiro a ponto de sequer lhes dar um olhar. Ainda assim, sua avaliação podia deixá-las ou não felizes… — Mas, pessoalmente, acho que ficou bom em vocês.
Sheesh, suspirou Vaqueira. Ela, de alguma forma, sabia que, depois de dar uma olhada rápida, ele logo desviou o olhar.
As bochechas dela suavizaram enquanto formava um sorriso. Era assim que ele era.
— Acho que você precisa aprender um pouco mais sobre os sentimentos de garotas.
— É mesmo?
Garota da Guilda riu ao lado dela.
— Acho que nosso querido Matador de Goblins está bem do jeito que é. — Sim, ela poderia desejar que ele fosse um pouco mais atencioso, mas havia algo nele que fazia seu coração dançar.
Ele acha que ficaram bons em nós. Pessoalmente.
A breve frase foi tão boa quanto um soneto.
— Eu ficaria… envergonhada se alguém me olhasse por muito tempo…
Então, isso é bom para mim. Sacerdotisa estava tentando se tornar ainda menor. Suas bochechas estavam vermelhas, e não era apenas por causa do pôr do sol.
Alta Elfa Arqueira se inclinou para frente, como se esperando que Sacerdotisa relaxasse um pouco.
— Então, só preciso mergulhar no rio e assustar alguns peixes, certo?
— Sim.
— Embora eu não os coma — disse ela olhando ao redor. — Mas não há escolha. — Parecia quase chateada, mas suas orelhas vibraram alegremente, e ela correu para água, chutando-a e fazendo respingar.
Lagarto Sacerdote observou as garotas conversando e brincando à margem do rio com o canto do olho. Ele acenou solenemente com a cabeça.
— Agora, essas folhas talvez sirvam aos seus propósitos. — A enorme braçada de flores que ele carregava farfalhou enquanto era sacudida. Sua longa língua escorregou até a ponta de seu nariz. — Peço desculpas por não ter conseguido reunir mais. Logo escurecerá.
— Eu sei — disse Matador de Goblins, levantando-se. — Então, vamos definir as vigas.
Era um trabalho braçal. Só precisavam prender as vigas superiores e inferiores, oito no total, nas arestas de madeira que Matador de Goblins cravou no chão. Em seguida, colocariam gravetos no nível inferior, fazendo um piso bruto, enquanto as folhas seriam espalhadas por cima, formando um telhado. Um abrigo simples e agradável.
Considerando a presença de cobras venenosas e insetos da floresta, preparar um telhado e depois dormir no chão nu seria tolice.
Construíram dois abrigos: um para homens e outro para mulheres. Normalmente, eram apenas cinco, mas desta vez eram três homens e quatro mulheres.
— Pela graça — disse Anão Xamã, desviando o olhar do trabalho em andamento para verificar as garotas na água. Ele estava cuidando do fogo; não era alto o suficiente para as demais funções. Anões eram incomparáveis no manejo do fogo, mas como guardiões de espíritos, não era o ponto forte deles. Anão Xamã rapidamente tentou acender uma faísca e tirou uma pedra plana de sua bolsa. — Chama dançante, honra da salamandra. Conceda-nos uma parte do mesmo.
Ele pressionou a pedra entre as mãos e incitou Acender, produzindo uma pedra de fogo. Então jogou a pedra brilhante de uma mão para a outra (“Quente, quente!”) e cercou-a com algumas outras pedras. Serviria no lugar do fogo.
O brilho dessa “fogueira” improvisada se destacou. No momento, estava sendo usada para secar as roupas encharcadas, mas elas sem dúvidas logo seriam substituídas por peixes.
— Não acha que… deixar as garotas brincarem assim é um pouco perigoso?
— Vou manter a guarda para todos nós. — Matador de Goblins tinha terminado de cuidar do chão e partiu para a próxima etapa. — Quero que tenham a chance de relaxar. — Enquanto ele ficava de pé, seu capacete inclinava-se um pouco para Vaqueira e Garota da Guilda.
Então voltou-se para Alta Elfa Arqueira, que arrastou Sacerdotisa para ajudar na caça aos peixes.
— Talvez seja por esta ser a terra natal dela — resmungou ele suavemente.
— Ho ho! Ela nunca teve tempo para mostrar esse lado. Ah, espera! Minha habilidade não é como a sua — riu Lagarto Sacerdote, mostrando suas presas, colocando folhas nas vigas de madeira assim que foram preparadas. — Mas, por que, milorde Matador de Goblins, demonstra a compaixão de Maiassaura?
— O que quer dizer com isso…?
— Que você é uma pessoa mais atenciosa do que aparenta.
— Isso é tão impressionante? — Matador de Goblins soltou um suspiro. — Eu sou tão impressionante?
— Diria que é uma qualidade mais valiosa do que mithril — disse Anão Xamã, jogando um gravetinho no fogo. A salamandra dançante abriu as mandíbulas e deu uma mordida, depois, com um estalo, ficou mais quente.
— Basta olhar para aquela moça de orelhas compridas — continuou Anão Xamã. Ele apontou para o rio com um braço aquecido. Alta Elfa Arqueira estava lá, alcançando a água com ambas as mãos, como se fosse pegar um peixe. Mas ela errou e, em vez disso, jogou um monte de água em direção de Sacerdotisa.
Isso fez com que Vaqueira caísse na gargalhada e, como resposta, Garota da Guilda jogou água nela também.
Alta Elfa Arqueira talvez tivesse se cansado da pesca infrutífera, ou talvez tivesse apenas decidido esquecê-la, mas, de qualquer forma, arrastou Sacerdotisa para perto e…
— Não acredito que ela se considere uma alta elfa de verdade — riu Anão Xamã, seu sorriso escondido pela barba.
— Seja lá como for, já estamos na terra dos elfos — disse Lagarto Sacerdote, sentando-se perto do fogo e esfregando suas mãos escamosas.
Assim que prepararam onde dormir, só havia o jantar a se esperar. E ele amava carne e peixe.
— Não acredito que os diabinhos nos alcançarão com facilidade.
— Não? — Matador de Goblins seguiu a deixa de Lagarto Sacerdote, também se sentando. Ele bateu as mãos para afastar a poeira e murmurou: — Pensei o mesmo.
— É…? — Anão Xamã encolheu os ombros, seus olhos semicerrados, e agarrou o frasco na cintura. Ele o desarrolhou e começou a jogar álcool em um copo que tirou da bolsa. Então ofereceu a bebida. — De qualquer forma, comece com uma bebida — disse. — Não o suficiente para ficar bêbado, é claro.
— …
Matador de Goblins olhou silenciosamente para a bebida de Anão Xamã, então para as garotas brincando no rio.
Vaqueira o notou e começou a acenar. Matador de Goblins balançou a cabeça.
— Pois bem.
Pouco depois, ouviu-se o grito de “Conseguimos alguns!” e puderam prosseguir para o jantar. Talvez não querendo ficar de fora, Alta Elfa Arqueira ajudou a pegar sete peixes. Anão Xamã bufou um pouco, mas espetou e grelhou o peixe sem reclamar.
Os sete (incluindo as garotas) sentaram-se em círculo e esperaram o peixe ficar pronto. Embora estivessem antes tão tímidas, brincar parecia ter ajudado elas a relaxar, e agora estavam sentadas com apenas um cobertor sobre seus corpos. Suas roupas, penduradas perto da pedra de fogo, ainda não estavam secas, e não podiam colocar nenhuma das outras roupas, já que o suprimento de vestimentas tinha que durar até chegarem à cidade.
Em vez disso, secaram seus corpos, enxugaram seus cabelos ensopados e esperaram ansiosamente pelo jantar.
— Bem, parece que estão todos se divertindo. — Anão Xamã puxou uma variedade de garrafinhas de sua bolsa de catalisadores. Ele abriu cada uma delas, cheirou para verificar o odor e, depois, jogou um pouco na comida.
Quando finalmente puderam ouvir o estalo da gordura fritando, ele anunciou: “Deve estar bom”, e entregou um espeto para cada pessoa.
Apesar da simplicidade da refeição, havia um aroma atrativo emanando dela, sem dúvidas graças às especiarias de Anão Xamã.
Alta Elfa Arqueira levou a comida até o nariz, cheirando um pouco, depois olhou para o anão.
— Você sabe que eu não posso comer isso…
— Só queria que você se sentisse incluída. Paciência. Se não quiser, tenho certeza de que alguém vai querer.
— Hmph… — As orelhas compridas de Alta Elfa Arqueira caíram enquanto ela olhava para a parte branca dos olhos de seu peixe, antes de passá-lo para Sacerdotisa.
— A-ah! Não posso comer dois…
Alta Elfa Arqueira sorriu.
— Qual o problema? Amanhã teremos um banquete, você pode praticar um pouco para conseguir comer. Vou ficar com alguns feijões secos.
— Então é mais uma razão para ter certeza de que meu estômago estará vazio… — Ela fez uma careta para Alta Elfa Arqueira, mas a patrulheira a ignorou. Sacerdotisa soprou seu peixe para esfriá-lo, começando com mordidinhas.
A gordura derreteu em sua língua, liberando um leve amargor, e então um sabor salgado tomou seu paladar.
— Mm! — exclamou ela, suas bochechas suavizando e formando um sorriso. Depois: — Estamos perto?
Uhum. Alta Elfa Arqueira balançou a cabeça, abrindo os feijões que pegou em sua bagagem.
— Provavelmente estamos bem na fronteira entre a floresta e a aldeia. Podem até mesmo nos encontrar antes de os encontrarmos.
— Então sua irmã mais velha vai ser a noiva — disse Vaqueira, dando uma mordida generosa em seu peixe e murmurando: — Mm, isso está bom. — Ela então disse, ainda mais alto: — Aposto que as noivas elfas são lindas…
— Bem, é claro! — Alta Elfa Arqueira riu e estufou o peito, como se Vaqueira estivesse falando sobre ela. Então abriu os braços e declarou: — Minha irmã mais velha é especialmente bonita! Afinal, ela é uma alta elfa!
Anão Xamã tirou os olhos da refeição por tempo suficiente para interpor:
— Você é uma prova ambulante de como isso não prova nada. — Mas com seu atual humor, ela foi capaz de ignorar até mesmo o desprezo a ela direcionado.
— Ho ho ho. Espero que sejam receptivos a um homem-lagarto — disse Lagarto Sacerdote. Ele havia tirado uma rodela de queijo de sua bagagem e estava cortando-a com suas garras. Enfiou pedaços em seu espeto, onde os cozinhou no fogo. Suas mãos escamosas sibilavam enquanto eram esfregadas em antecipação, esperando que o queijo derretesse.
— Você realmente gosta de queijo, não é? — disse Garota da Guilda enquanto o observava. Ela estava dando delicadas mordidas em seu próprio peixe. — Naquela batalha você parecia uma espécie de coordenador. Pelo menos pelo que pude ouvir…
— A administração tem seus próprios testes.
— Poupe-me dos detalhes. Isso é problemático.
Tantas coisas para pensar. Garota da Guilda revelou um sorriso ambíguo; sem dúvidas tinha preocupações mais do que suficientes.
Na verdade, nem os aventureiros nem a equipe sabiam muito sobre o trabalho diário um do outro. Existiam tão poucas oportunidades para experimentar o perigo da aventura ou a brutalidade do trabalho burocrático.
— Tive experiências muito informativas nesta viagem. Mesmo sendo um pouco assustadoras.
Sinto muito, Alta Elfa Arqueira parecia dizer, suas orelhas mais uma vez cedendo.
— Quando chegarmos à aldeia, vou ter certeza de que alguém ouça a minha opinião. “O que seus guardas estão fazendo?!” Esse tipo de coisa. Mas terei certeza de cumprimentar sua irmã de forma apropriada — disse Garota da Guilda. — Preciso deixá-la saber o quanto aprecio tudo o que você faz por nós.
Alta Elfa Arqueira coçou a bochecha, parecia estar envergonhada.
— Falar esse tipo de coisa para a minha irmã será muito bom. Mas quanto ao meu irmão…
— Você tem um irmão? — perguntou Matador de Goblins, bem baixinho, enquanto colocava pedaços de peixe pelo seu visor.
Bem, quero dizer primo. Alta Elfa Arqueira respondeu de forma breve, seu dedo indicador desenhando círculos no ar.
— Não consigo lembrar como vocês humanos chamam isso. Um futuro cunhado?
— Você quer dizer o noivo?
— Sim, isso aí mesmo — disse ela com um aceno de cabeça. Então colocou mais comida na boca e olhou para o céu. Já estava quase negro, uma diversidade de estrelas estava visível entre as folhas das árvores.
Com uma cadência quase musical, Alta Elfa Arqueira explicou que os elfos chamavam isso de “portão da chuva”.
— Meu primo — disse — é louco pela minha irmã há muito tempo, agindo de forma quase fanática por causa disso!
— Bem, o orgulho é a única coisa que todos associam aos elfos! — gracejou Anão Xamã.
— Exatamente! — respondeu Alta Elfa Arqueira. — Ele é um elfo de verdade.
— Mas se vão se casar… — disse Sacerdotisa, levando um dedo ao queixo enquanto pensava. Então sorriu quando notou a resposta. — Sua irmã deve ter percebido que ele se importa com ela!
— Ele não foi exatamente sutil a respeito disso. E não é como se eu soubesse o que ela viu nele. Isso tudo me parece um monte de problemas. — Então aquela risada tilintante soou. Alta Elfa Arqueira abraçou os joelhos. — Sabe o que os elfos fazem para chamar a atenção de alguém? Cantam. — Sua voz estava baixa, como se estivesse revelando um segredo, e carregava uma sombra travessa. — Ele saiu por aí cantando uma balada épica sobre todas as suas grandes conquistas marciais, até que o espancaram.
— Ah. Alguns bandidos o pegaram? — perguntou Lagarto Sacerdote, divertindo-se.
— Não, minha irmã que fez isso!
O grupo todo riu.
Alta Elfa Arqueira compartilhou uma história dos velhos tempos atrás da outra, contos que nunca poderia ter contado durante um casamento. Como na vez em que seu primo quis pegar um veado para dar de presente, mas falhou. Ou da vez em que ele adoeceu e a irmã dela ficou tão preocupada que não conseguiu dormir, e por causa disso acabou pegando um resfriado. Houve uma vez em que sua irmã cozinhou muito algumas guloseimas (um lapso atípico), mas seu primo comeu tudo enquanto mantinha uma expressão séria.
Havia o fato de que Alta Elfa Arqueira aprendeu tudo que sabia sobre ervas, frutas e muito mais com sua irmã, enquanto seu primo ensinou a usar o arco e flecha e a como cruzar um campo rapidamente.
Ou quando disse que deixaria a aldeia, sua irmã se opôs, mas seu primo a apoiou…
Ela passou dois mil anos nesta floresta. Tinha tantas memórias espalhadas ao longo daqueles dias mutáveis e sempre diferentes.
No meio dessa enxurrada de histórias, Matador de Goblins disse:
— Então esta é a sua casa.
— Isso mesmo.
— Isso é bom.
— Bem… — Alta Elfa Arqueira semicerrou os olhos, ficando assim como ficaria um gato sorridente. — É onde está o meu coração.
Matador de Goblins balançou a cabeça. Vaqueira piscou para ele por um momento.
Ele, então, disse:
— E há goblins por perto.
O tom de raiva em sua voz era inconfundível.