Capítulo 16: Suspeita (1)

 

‘Por que ela veio aqui do nada?’

Eu não fazia a mínima ideia para a diretora estar lá.

Entrei no meu escritório de professor com passos tranquilos e fechei a porta.

Não importa o que acontecesse, jamais poderia revelar os meus verdadeiros sentimentos; ainda mais porque eu não sabia o motivo da vinda dela.

Clack.

Quando a porta foi fechada, um silêncio de tirar o fôlego tomou conta da sala.

Naturalmente, sentei-me no assento em frente ao sofá de hóspedes, onde a diretora se sentou.

Ela apenas sorriu brilhantemente para mim.

Foi a diretora quem abriu a boca primeiro.

— O que achou? O modelo interior é muito bonito, né?

Era uma frase sem contexto para o início de uma conversa.

Mas não baixei minha guarda. Talvez essa sensação em si fosse uma tentativa de me investigar.

— Sim, é.

— A Academia Sören fornece a cada professor o seu próprio espaço pessoal. Pode fazer o que quiser aqui sem ficar envergonhado com os outros, Professor Ludger.

— Isso é bom.

Os olhos dourados da diretora se voltaram para mim.

Também a encarei sem evitar o olhar dela.

Consegui me ver no reflexo dos olhos dela, que parecia um âmbar lindamente decorado.

Assim como quando a conheci pela primeira vez, eu me senti um pouco ansioso quando encarei esses olhos.

Mudei de assunto imediatamente.

— Mas o que te traz aqui?

— Eu não deveria ter vindo?

— Só estou curioso para saber por que uma pessoa tão ocupada veio ao escritório particular de um novo professor.

— Então não é como se eu não deveria estar aqui, certo?

— Mas eu me sinto sobrecarregado.

A diretora fechou a boca quando falei diretamente.

Seu sorriso gentil ainda persistia, mas, nos olhos dela, uma sensação peculiar que era difícil de entender se espalhou como uma gota de tinta na água.

A diretora negou com a cabeça

— Não tenho nenhum motivo em particular.

— Sério?

— Pode até ser um novo professor aqui, mas ainda é um professor encarregado e valioso da Academia Sören. Claro, como diretora, não posso deixar de prestar atenção em você.

— Entendo.

Ouvindo minha resposta moderada, ela mostrou um olhar emburrado, um pouco insatisfeita com isso.

— Não poderia ter ficado um pouco mais surpreso?

— Desculpa, mas já estou muito surpreso.

‘Não é mentira, é a verdade.’

Eu tinha aberto a porta com entusiasmo porque era meu espaço pessoal, mas acabei muito surpreso ao ver a diretora.

Estava mais confiante de que não ficaria tão surpreso se encontrasse um fantasma na rua no meio da noite.

Só que simplesmente não expressei porque não estava com humor para isso.

Na verdade, meu coração ainda estava palpitando freneticamente ao ponto que fiquei nervoso se a diretora poderia ouvir.

— Os outros professores ficaram todos surpresos.

— Você passou pelos escritórios deles além do meu?

— O seu é o último.

‘Por que ela veio até mim por último? E a diretora está pensando em ter uma conversa cara a cara com os novos professores?’

De repente, lembrei-me da existência de uma sociedade secreta que se infiltrou na Sören.

‘Será que…’

A diretora notou alguma coisa?

Não importava o quão secreta a sociedade fosse, não conseguiriam se esconder perfeitamente.

E se tratando de alguém como a diretora…

‘Talvez tenha notado alguns movimentos dos que entraram na Sören.’

Eu nem pensaria nisso se não soubesse da existência da sociedade secreta, por isso que vi a atitude dela de forma diferente.

‘Ela está desconfiando de mim?’

‘Existe uma possibilidade.’

‘É um pouco injusto para mim, mas, francamente, não posso levantar objeções.’

‘Não pertenço à sociedade secreta, mas sou o executivo.’

‘Não sei do que se trata, mas essas são minhas circunstâncias atuais.’

‘Pensando bem, minha identidade real também não é tão honrosa, então tenho que trabalhar muito para não ser pego.’

— Então, o que a senhora deseja perguntar?

— Não é nada. Só quero verificar como foi sua primeira aula. Acabou de voltar dela, né?

— Sim.

— Enfrentou alguma dificuldade com os alunos?

— Nenhuma.

Em vez disso, eu me perguntei se estava tudo bem os alunos não me fazerem perguntas como o que aconteceu.

Bem, dei de propósito a sensação de proibi-los de se aproximarem de mim, mas só queria que eles não me incomodassem muito. Não sabia que ninguém faria nada.

‘Ah. Mas a filha da família Lumos me fez uma pergunta.’

— Hum, que interessante. Conferi a lista de alunos que assistiram sua aula desta vez, e tinha um monte de alunos famosos.

— Sério?

— Você ainda não viu a lista?

— Eu trouxe para ver agora.

Acenei com o papel na mão.

— Bem, na verdade, depende de você, professor Ludger, mas, por precaução, tenha cuidado para não causar problemas, pois a princesa também está lá.

— Sim, vou tomar.

‘A princesa?’

‘Será que até mesmo uma princesa real pegou a minha matéria?’

Só me senti confuso em vez de ficar honrado ou qualquer outra coisa.

De repente, lembrei de uma estudante loira que me fez uma pergunta ousada.

Pensando bem, achei que ela parecia familiar, então era daquela linhagem…’

— E ouvi falar que tem muitos calouros na sua turma. Pensei que só ensinaria os segundanistas, então não imaginei que daria uma aula em conjunto com os calouros também.

— Porque eu não queria criar diferenças entre os primeiro e segundo anos.

— Não estou te culpando. Na verdade, até aprovo o seu caminho que traz uma mudança positiva para a academia. Posso até ver especialmente alguns dos alunos mais incríveis entre os calouros.

— Alunos incríveis?

— Sim. Tem algumas crianças que usam Magia Arcana, umas que vêm de grandes famílias e algumas que se esforçaram muito na Torre de Magia. Normalmente, achei que teria uma lacuna por causa da diferença dos anos, mas não acho que vai ser o caso com os calouros que vieram desta vez.

Seu rosto sorridente, ao pensar nos alunos, combinava com a sua posição como diretora da academia.

Mas sinto calafrios toda vez que vejo este sorriso.

Em primeiro lugar, eu não era uma pessoa que diria tal coisa com confiança por causa da minha consciência, então só ouvi a diretora e respondi brevemente.

— Bem, de qualquer forma, Sören tem grandes expectativas em você, professor Ludger Chelysie

— Acho que não sou digno de tanto.

— Fico feliz que não tenha encontrado nenhum problema na primeira aula, e sua primeira impressão dos alunos parece ser boa. Você me salvou das minhas preocupações.

A diretora se levantou no final dessa frase.

— Que tal tomar uma xícara de chá antes de sair? — perguntei por cortesia.

— Oi?

Foi inesperado eu ter dito isso?

Ela mostrou um olhar um pouco confuso, mas depois semicerrou os olhos como uma lua crescente.

— Agradeço a oferta, mas tenho muito trabalho a fazer. Já foi difícil arranjar tempo para vir aqui.

— Ah.

— E você acabou de chegar, sabe mesmo onde estão o chá e os copos do escritório de professor?

— Em algum lugar dentro da prateleira, não?

— Errado. Na verdade, só preparamos café. Se quiser beber chá, tem que se inscrever para uma sala separada para chá.

— Ah. Eu não sabia disso.

— Bem, agora sabe. Então, espero que possamos nos dar bem.

A diretora, que se despediu de mim com um sorriso brincalhão, saiu depois que falou isso.

Ela era simplesmente como a calmaria antes da tempestade.

Suspirei e esfreguei as pálpebras com os dedos.

— Como foi?

O cavalheiro velho, Wilford, perguntou enquanto seguia a diretora, que caminhava pelo corredor com passos tranquilos.

— Suas suspeitas do Professor Ludger foram resolvidas?

— Bem, eu não sei.

A diretora se lembrou da conversa que teve com Ludger Chelysie; a atitude reservada dele, em específico.

— Não tenho certeza.

— Sério?

‘Ludger Chelysie é um homem único, esse foi o pensamento da diretora.

Quando alguém olhava para ela, ficava encantado com seus olhos dourados.

Sendo mais preciso, é mais como se fossem possuídos pelos olhos que foram dotados com a repercussão do poder mágico desde o nascimento.

Um vaskania cativante.

TN: Vaskania vem do grego e significa literalmente como olhos malignos, sua tradução oficial para o português é olho gordo. Como é normal ter nomes em latim e em grego em obras de magia, vou deixar assim para não causar uma estranheza com “olho gordo”.

Foi esse poder principalmente que a fez chegar no seu cargo atual.

Claro, não foi sua intenção usar o vaskania cativante nas outras pessoas. Era uma parte do sangue dela desde que nasceu, então, se fizesse contato visual com alguém, eles ficariam cativados sem a intenção dela.

Era possível controlar os olhos até certo ponto, pelo menos, mas sua vida diária foi difícil no passado.

Só que, depois de se tornar diretora, ela honestamente admitiu que não poderia ter chegado a essa posição sem o vaskania.

Porque nada derrotava os olhos dela, caso as pessoas que entraram na Sören tivessem um plano e ela quisesse descobrir.

‘Eu ia investigar com a desculpa de uma conversa pessoal cara a cara.’

‘Quanto mais mana o outro lado tiver, mais será influenciado pelo meu vaskania.’

Seu vaskania poderia afetar até mesmo um mago de rank 4. Claro, contanto que o alvo não usasse nenhuma magia de defesa mental no momento.

Especialmente porque, quanto maior o poder mágico que a outra parte tinha, mais fácil era ser influenciado pelo vaskania. Seu poder era proporcional à quantidade total de poder mágico que a outra parte tinha.

Mas Ludger não era assim.

Ele devia ser um mago de rank 4, mas sua reação foi completamente diferente das dos outros professores.

A primeira vez que viu o vaskania dela foi quando tinha acabado de entrar no escritório da diretora.

E essa foi a segunda vez.

O homem enfrentou seu vaskania duas vezes e não mostrou nenhum sinal de ser influenciado.

Ele não conseguiu ver? Não, ela sabia que ele obviamente olhou para o vaskania, mas não mostrou sinais de ser influenciado.

Isso significava que havia resistido ao poder do vaskania com uma vontade de ferro.

Os olhos da diretora brilharam.

‘Ele é mesmo… um homem interessante.’

A diretora não teve escolha a não ser pensar assim.

Mas, claro, não podia mostrar seus sentimentos francamente.

— Senti movimentos suspeitos, então foquei nas pessoas que mais desconfio, mas não tive nenhum resultado.

Desde que descobriu recentemente que um grupo de pessoas más estava escondido em Sören, não podia nem descartar os menores detalhes.

Ludger Chelysie acabou envolvido num ataque terrorista a caminho de lá.

Não foi culpa dele…

Só que suspeitou, só por precaução.

‘E se o incidente do trem foi uma distração para alguém substituir o lugar do Ludger Chelysie?’

É por isso que a diretora enviou Wilford, seu braço direito mais confiável e um dos homens mais fortes da história da Sören…

A pretexto de buscá-lo.

— O que você acha disso, Sr. Wilford?

— Hum. Acho que não posso confiar nele imediatamente, mas também não encontrei nada suspeito.

— Sério?

Se Wilford disse isso, só restavam duas possibilidades:

Ou Ludger Chelysie era realmente inocente…

Ou era alguém incrível o suficiente para enganá-los perfeitamente.

‘Só posso esperar que não seja o último.’

Existiam muitas coisas para se preocupar no momento, então decidiu parar de se preocupar com Ludger.

— Ah, mas de uma coisa tenho certeza.

— O que seria?

— Esse Ludger Chelysie não é uma pessoa comum.

— Ele não é comum? Por que acha isso?

— Só posso dizer que é o instinto de um velho.

— O quê?

Wilford parecia muito favorável ao Ludger Chelysie.

Ela podia confiar no Wilford se ele dissesse, porque possuía olhos bons para as pessoas.

Ainda assim, não removeu completamente suas suspeitas.

Porque o pior resultado possível podia acontecer a qualquer momento.

Um mago era alguém que precisava considerar a sério essas possibilidades.

Acima de tudo, era a diretora da Academia Sören.

Não tinha outra escolha além de tomar cuidado em todos os casos, porque ocupava uma posição que exigia que fosse a pessoa perfeita que não podia tolerar nem o menor erro.

Sendo deixada sozinho, finalmente pude relaxar meus ombros e suspirar depois de confirmar que a sensação da presença dela do lado de fora da porta estava se afastando.

Fiquei mentalmente exausto.

‘Não acredito que a diretora veio me ver do nada.’

Bem, de acordo com as palavras dela, foi apenas uma conversa pessoal cara a cara com novos professores.

Mas quem acreditaria nessas palavras se uma diretora visitasse do nada?

Aposto que todos tiveram o mesmo questionamento.

‘Mas isso não é importante agora.’

Fui direto para minha mesa pessoal e me sentei.

A mesa que era feita de madeira luxuosa parecia bastante cara.

Tinha um relógio feito de engrenagens de um lado da parede; do outro lado, o mapa de Sören estava exibido em um quatro.

As cortinas vermelhas estavam abertas nos lados esquerdo e direito da janela com um modelo de antiguidade, e até mesmo a cadeira em que eu estava sentado era muito luxuosa.

Fiquei impressionado com tudo em Sören, que alocou essa quantidade de espaço para novos professores, e novamente pelo fato de que estava cheio de todos os tipos de móveis de alta qualidade.

Olhei para a lista de alunos que pegaram minha matéria.

‘Então é verdade.’

Havia alunos com nomes excepcionalmente longos e famosos na lista.

Elendil von Exileon do segundo ano…

Qualquer um sabia que alguém com o sobrenome “Exileon”, que era o nome do Império, pertencia à descendência real, a menos que vivesse em outro mundo.

‘Ela foi a aluna que me questionou durante a aula inaugural, não foi?’

Pensei que parecia familiar. ‘Então é um membro da família real…’

Isso me irritou. ‘Por que a princesa, de todas as pessoas, pegou a minha matéria?’

Ela devia ter pegado as matérias dos outros professores além de mim, mas o problema não era só esse.

Sören podia ser considerada como a terceira área onde a autonomia privada era garantida dentro do Império, mas a história era diferente se tivesse alguém da família imperial.

Eu estaria em apuros se algo acontecesse com ela.

‘Não tem como algo acontecer com ela em Sören, mas é só por precaução.’

Eu não podia descartar pequenos incidentes que poderiam ocorrer nos experimentos de química mágica, simulação de combate real ou em alquimia.

Mesmo que eu prestasse atenção na segurança dos alunos o máximo possível, havia momentos em que brigavam entre si em lugares que os professores não viam.

A fim de eliminar tal situação tanto quanto possível, os professores também eram obrigados a proteger os alunos.

Pensando bem… havia até uma sociedade secreta escondida na Sören recentemente.

‘Vou enlouquecer desse jeito.’

‘Bem, nenhum incidente deve acontecer imediatamente, então posso pensar com calma por enquanto.’

Também verifiquei cuidadosamente os outros alunos da lista.

Alguns do primeiro e segundo anos se destacaram também.

‘Flora da família Lumos também, e tem até aristocratas de outros reinos?’

Foi então que meu olhar parou no nome de um aluno.

‘Aidan.’

Um plebeu que não cresceu em uma família particularmente grande e que não foi ensinado por um mago proeminente.

Devia ser talentoso visto que conseguiu entrar; mas também era uma criança com quem eu não conseguia encontrar nada especial em comparação com outros alunos.

‘Ele parece um pouco familiar.’

Tinha algo estranho que chamou a minha atenção.

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