Cap. 55 – Cobra Vermelha na Lama (2)

Hans, que escapou da escuridão, agachou-se do lado de fora da porta da taverna, esperando que a luta terminasse. Não havia razão para ele interferir no combate. Mesmo que estivesse na forma de um lobisomem feroz com mais de dois metros de altura, não sabia como lutar.

“Acabou.”

De ouvidos eriçados, Hans, focado nos sons de lá dentro, levantou-se. A última coisa que ouviu foi o grito cheio de dor de Dutri, o líder da Sociedade Vermelha, que talvez tenha sido torturado por informações.

Como esperado, quando ele entrou no pub, foi recebido por um forte cheiro de sangue.

— Ugh.

Hans moveu-se com cuidado para não pisar em nenhum cadáver.

Rudger estava no balcão, bebendo com calma uma bebida em um copo transparente.

— Já acabou?

— Sim — respondeu sem olhar para trás.

— Onde estão os dois quase-cavaleiros?

— Debaixo de você.

Havia muitos corpos ao redor, então ele decidiu não perguntar o que aconteceu.

— Se continuar assim, ficarei sensível aos cheiros e minha cabeça começará a girar.

Ele pôs a ampola que Rudger lhe dera no antebraço, então encolheu e voltou à forma humana. Ele logo colocou a jaqueta, que havia preparado de antemão.

— Você é incrível por poder beber em um lugar desses.

— Já me acostumei.

— Que bebida é? Cheira muito bem.

Seu olfato, um pouco mais sensível devido à transformação, mesmo após retornar à forma humana, capturou o cheiro do álcool que Rudger estava bebendo.

O aroma era bastante doce, e o líquido no copo estava limpo o suficiente para não ter impurezas. Devia ter um sabor bastante profundo e um altíssimo preço.

— É Gorgonne, trinta e oito anos.

— Me dê um pouco também!

— Você não disse que está se sentindo mal?

— Mesmo que isso me faça vomitar, eu quero beber isso!

Rudger entregou a garrafa para ele, Hans pegou um copo vazio e o serviu ele mesmo.

Em um bar cheio de mortos, onde o cheiro de sangue se misturava com o da bebida de modo estranho, os dois sentaram-se lado a lado e beberam uma obra-prima.

— Você matou aquele Dutri?

— Ele ainda não foi morto, porque preciso extrair as informações necessárias. E ele ainda tem mais usos.

— A Sociedade Vermelha ganhou notoriedade pisando nos outros… Se você o entregar vivo, as outras gangues ficarão muito felizes.

A Sociedade Vermelha em si ainda não fora eliminada, visto que continha bem mais que mil integrantes. Todavia, os cem reunidos no pub eram o núcleo da organização.

—  Agora que o cabeça se foi, o resto vai se dispersar. O que fará, irmão? Acabará com os que sobraram?

— Não. — Negou com a cabeça. — Usaremos apenas os poucos necessários. Óbvio, precisaremos subcontratar uns, mas só os com uma boa cabeça e caráter.

— Humm… Vamos voltar um pouco.

— Hans, eu fiz tudo o que pude. Para o resto dos dados, vá até o escritório no segundo andar; todos os documentos e livros secretos estarão lá. Veja-os e prossiga.

— Ficarei ocupado de novo.

Hans suspirou. Ele trabalhou duro por dias e dias para recolher informações e organizá-las, e Rudger completou todos os procedimentos necessários em apenas uma noite. Foi possível porque Rudger era ótimo, mas Hans achou um pouco injusto.

“Não. Escolhi um caminho seguro sem arriscar a vida em lutas, então não posso reclamar.”

Ele teve, sim, que correr riscos ao coletar informações perigosas, porém, também poderia tomar emprestado o poder dessa constituição incomum. Por isso achava que Rudger era melhor, caso contrário não haveria razão para segui-lo.

— Mesmo que o esconderijo esteja decidido, somos apenas nós dois, certo? O que você fará?

— Vou chamar mais pessoas.

— Mas há um tempo você disse que…

— Hans, você deve saber que tenho alguns conhecidos.

— Ah… Está falando sério?

— Por quê?

— Porque…

— Ah. Pensando melhor, você não se dava bem com essa pessoa.

— Hummm. Não é que não nos dávamos bem…

Hans estava hesitante porque conhecia quem Rudger chamaria. Como ele os chamaria diretamente, era certo que eles eram talentosos em seus campos.

— Não, a propósito, a teimosia está vindo?

— Já enviei uma carta. Surpreendentemente, virá para terminar o que estava fazendo.

— Ah, tá.

Só de pensar nisso o deixou desconfortável, então Hans continuou a resmungar até esvaziar a bebida.

— Que ódio é esse?

— Eu me sinto desconfortável com pessoas anormais. Bem, eu também sou.

— Não podemos apenas nos dar bem?

— Uau. Irmão, parece que você não sabe do que está falando, mas todos eles têm personalidades muito ruins. Como podemos nos dar bem? Alguns deles me trataram como cobaia.

— Sério?

— Ele é um pouco dócil quando estou com você, mas enquanto você estiver fora, posso morrer. Ele ficará aqui?

— Estou ocupado mantendo meu status de Rudger agora.

— É isso aí! Já pensou no quanto vou sangrar quando você ir embora como um sábio professor?

— Isso é para você descobrir. Você gostaria de morrer?

Claro que ele não morreria, mas poderia estar sob o estresse de quase morte.

— Se eu pensar nisso — suspirou Hans —, não acho que haja outras pessoas que possam fazer coisas tão estúpidas quanto aquelas crianças.

— Porque têm grandes habilidades.

Uma delas fez uma enorme contribuição para criar todos os tipos de equipamentos usados por Rudger.

— Irmão, você é melhor do que eles?

— O que você quer dizer?

— Estavam um pouco desconfiados de você. Não tem problema em apenas andar por aí assim?

— E estavam. É por isso que estou me movendo assim agora.

Era com essa parte que Hans estava preocupado. Se Sören estava desconfiada, Rudger não deveria se abster de ir para a cidade assim? Em especial porque o oponente era um mago, podiam estar monitorando-o em segredo de alguma forma. Era necessário agir com cautela em tudo.

— Não precisa se preocupar com isso.

— Sério? Seu oponente não é um mago?

— Hans, o que você acha dos magos?

— Humm… O que é um mago? Se você usa magia, você é um mago. Ainda assim, se eu tivesse que responder à pergunta… um buscador muito racional e calmo?

— Acho a mesma coisa. Como você disse, os magos são bastante racionais. Eles têm que ser, já que não querem cometer nenhum erro.

Uma mente calma era essencial para usar magia. Como um mago também era um ser humano, estava condenado a erros, e por isso precisavam dar o seu melhor para reduzir erros ao máximo.

— A diretora é uma maga do sexto ranque. Como alguém assim suspeita de mim, entendo suas preocupações.

— Você está bem com isso?

— Se a diretora desconfia de mim, digamos que ela mantenha os olhos fechados.

— Digamos que sim.

— E se eu notar? Se eu perguntar a ela por que ela me observava em segredo? Em caso afirmativo, como os outros se sentiriam em relação a ela?

— Sobre isso…

Hans não respondeu de primeira. Imagina se você perseguisse alguém secretamente e fosse pego? Seria uma situação muito ruim, não é? E se a pessoa fosse direta e falasse: “eu estava desconfiado de você”?

— Não está tudo bem se você não descobrir?

— Não é “certo” passar despercebido. Existe a possibilidade de ser descoberto. Hans, o que você considerará aqui?

 Hummm… Tenho certeza de que é a última opção. Não o seguiriam, a menos que tivessem certeza de que passarão despercebidos.

— O alvo é um professor de Sören, e suas verdadeiras habilidades não são bem conhecidas. Se fossem pegos seguindo tal alvo de forma imprudente, até mesmo a diretora ficaria bastante envergonhada.

— Então é melhor não fazer isso, já que não vai custar nada?

— É assim que um mago pensa. Além disso, fiz um bom trabalho como professor até agora. Se ela cometer um erro aqui e me decepcionar, ela ficará numa posição bem embaraçosa.

Ela não confiava no professor e seguiu o exemplo. Isso só pioraria a situação dela. Claro que, considerando a personalidade dela, tentaria manter a situação o mais estável possível.

— Mesmo ela não pode fazer nada a um professor em um momento em que as facções opostas não se comportam.

— Aha. Acho que sim. Então, você está dizendo que não importa se você se move livremente assim?

— Mas claro que se eu deixar muito na cara, serei pego.

Foi por essa razão que ele fortaleceu sua integridade como professor. Graças a isso, mesmo que fizesse o que queria, a diretora não o perseguiria, embora ficasse meio desconfiada. Ainda mais quando o conflito recente entre nobres e plebeus na escola fosse levado em consideração.

— Eu entendo. Então não tem por que se preocupar agora.

— É tipo isso.

— Então, se todos se reunirem e formarem uma organização, você já decidiu qual será o nome?

— Nome?

— Agora, você e eu estamos tentando nos estabelecer adequadamente em Leathervelk. Se assim for, você deve decidir o nome da organização. Bem, mesmo que você se livre de classes e coisas assim, a atmosfera não faria jus a você sem um nome.

— Acho que sim.

Após despejar toda a bebida no copo, a garrafa esvaziou.

— Quantas pessoas virão?

— Humm… contando com nós dois, não seria umas seis ou sete?

— Pouco.

— É absurdamente insuficiente formar uma organização com tão poucas pessoas.

— Mas mais pessoas virão. Se eu chamar mais alguns, talvez dez não seja tão ruim.

— Dez pessoas? Já decidiu um nome?

— Nome…

Rudger de repente se lembrou de um poema presente em um romance de mesmo nome que ele havia lido na vida anterior. Havia um personagem que suprimiu os próprios pecados e julgou aqueles que não podiam ser tratados pela lei. No fim, ele até se livrou de si mesmo.

— U.N. Owen.

— U.N Owen? Tipo “unknown”? É um trocadilho com o significado da palavra?

[N/R: Unknown é “desconhecido” em inglês.]

— Sim.

— Gostei do jeito que soa. Vamos mais uma?

— Sim.

Comemorando o nascimento da nova organização, Rudger e Hans beberam o que sobrou.

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