Cap. 63 – Perseguindo a sombra (1)
Sedina estava aguardando Rudger na frente do escritório porque tinha algo a dizer a ele.
— Parece que o pessoal abaixo está fazendo as coisas por conta própria.
— Ah, isso… sim.
Sedina tentou explicar, porém, quando percebeu que não havia necessidade, assentiu. Era um fato inegável que, como ele disse, faziam as coisas por conta própria.
— O que aconteceu exatamente?
— Um Segunda Ordem… estava tentando fazer as coisas por conta própria.
— Do começo.
O corpo esguio dela tremeu com a voz mal-humorada dele, contudo isso não foi por medo. Ela se sentiu emocionada.
— Um Terceira Ordem que estava coletando informações de alguns funcionários em Sören percebeu que um deles havia contatado a fonte do boato.
A pessoa sentiu-se atraída por algo e continuou tentando descobrir mais da relíquia.
— Foi assim que eles souberam a verdade. Em algum lugar em Sören, um artefato bastante poderoso é mantido em segredo.
— E o relatório deve ter vazado.
— Isso. O Terceira Ordem informou a seu superior, a Segunda Ordem e…
— A pessoa que recebeu o relatório não me contou sobre isso.
— É…
Se fosse acerca de uma Relíquia, não seria estranho deixar a Primeira Ordem saber. Entretanto, a segunda escondeu essa informação e fez as próprias coisas.
— Ele pensou que eu não descobriria?
— Por mim, tudo bem…
— Quem é esse Segunda Ordem?
— Um homem chamado Demires.
Rudger bateu no queixo e gesticulou por mais.
— Entre a Segunda Ordem, ele está intimamente relacionado com o departamento de inteligência, e ele estava no comando dessa parte. Mas, comparando à sua ganância, ele não é tão capaz…
— Acha que ele fez isso por quê?
— É difícil julgar, mas talvez… Acho que ele está tentando se tornar um Primeira Ordem fazendo algo grande.
— Se tornar um Primeira Ordem?
— Sim. O fundador do Amanhecer Negro, Ordem Zero, criou sete assentos para a Primeira Ordem e disse que poderiam mudar a qualquer momento.
Quando a história saiu, a animação de Sedina aumentou sem que ela percebesse, visto que os Primeiras Ordens eram seus ídolos. O mesmo valia para o homem na frente dela agora.
— Agora, os primeiros estão mantendo suas posições, mas não há poucos Segundos as visando.
— Certo.
Eu assenti, pensando no sistema do Amanhecer Negro. Pensei que eram simples desgraçados notórios cruéis com os traidores, mas há outras regras rígidas.
“É certo que quem for abatido ou que não faça seu trabalho perderá seu posto.”
Dito isto, talvez até os atuais Primeiras Ordens não sejam os originais. Todavia, o que me deixa mais curioso é a existência do Zero. Quem diabos era ele para fazer essas regras loucas?
“Ele está confiante de que não perderá seu lugar.”
Deve haver uma base para essa convicção. Ele tem fé em sua própria força. Não sei que tipo de pessoa é, mas o que mais devo prestar atenção é ele.
— Qual a situação atual?
— Parece que Demires fez o trabalho chamando outros Terceiras Ordens que concordavam com ele. Antes que o artefato fosse transportado, ele invadiu o armazenamento, roubou os itens e está fugindo.
— Onde?
— Não consigo encontrá-lo, mas ele deve estar por perto.
— Parece que ele não deixou Sören, então.
— Sim.
Pus a mão no queixo. O fato dela não ter confirmado o paradeiro de Demires foi porque a situação era tão urgente que ele não teve tempo de relatar.
Considerando o tempo que a diretora entrou em contato comigo, pode-se dizer que o incidente não ocorreu há muito tempo. Contudo, vendo que ela precisa de ajuda, ele fugiu sem deixar rastros algum.
Eu virei a cabeça e olhei pela janela. O sol está pouco a pouco se pondo, e a noite tornaria o rastreamento ainda mais difícil.
— Tenho que me mover devagar.
— Isso…! Prim… não, o professor vai agir?
— Tenho que lidar com essa situação antes que ela se agrave.
— O que faço, então?
Ela reuniu coragem para perguntar, mas ele disse que não precisava fazer nada, e isso a deixou desconfortável.
— Nada.
— Hã?
— Você fez seu trabalho bem o suficiente me deixando saber esse fato.
Ela fez sua parte bem o suficiente. Não esperava que essas palavras saíssem da boca dele. Não, ela se perguntou se já tinha ouvido isso na vida inteira.
— É sério?
— Sim. Você se saiu bem.
Ela sentiu algo por dentro. Foi a primeira vez reconhecida por alguém. Sempre foi tratada como lixo, então tentou fugir de sua família.
Até o momento, ela pensou várias vezes que talvez esse fosse seu próprio limite. Seus vermelhos olhos pareciam estar prestes a inundar, porém, aguentou, desesperada. Não conseguia mostrar uma expressão tão feia na frente de quem mais respeitava.
Rudger pegou seu longo sobretudo preto pendurado em seu cabide.
— Não saia. Por favor, se limpe — disse, passando por ela.
* * *
“Só disse umas palavras, então por que fazer isso?”, pensei. Sedina estava sozinha no escritório.
Tentei aliviar o clima falando aquilo, mas parece que piorou. Mesmo que não entenda, acredito que seja porque ela passou por muitas dificuldades. Ela está se esforçando para fingir ser forte, mas é apenas uma concha para esconder seus fracos sentimentos.
“São os Rosens?”
Ouvi falar dos Rosens, uma potência emergente entre famílias prestigiadas. Por mais que não seja tão conhecida, é certo que usaram todos os meios sujos possíveis para crescer a família. Se tivesse que classificá-los, acho que o chefe da família é pior do que Bellbot Rickson, que apaguei com as próprias mãos há algum tempo.
“No entanto, não tem nada a ver comigo agora.”
Isso é assunto pessoal dela. Se ela odeia a própria família ou tem algo a ver com Julia Plumhart, não tem nada a ver comigo. Embora seja minha assistente, não somos próximos. Não preciso mesmo prestar atenção nisso.
“Deve ser outra coisa mais importante do que isso.”
A prioridade é encontrar a Pedra Onipotente. Já que ouvi as instruções de onde os outros membros do Amanhecer Negro fugiram, é fácil segui-los. Não importa quão grande Sören, posso encontrá-los.
Quando saí do prédio, desci devagar a rua e olhei para o céu. Quando o sol deixou o horizonte e a noite chegou, parei de andar e prestei atenção ao arredores. Não havia ninguém para ver.
Apesar dos alunos deixando a academia, ninguém estava interessado em mim, provavelmente, porque já estou assimilado com o ambiente.
— Ater Nocturnus.
A sombra negra que cobria meu corpo cintilou, escondendo minha existência da paisagem circundante. É o meu feitiço original — Sombra Noturna em latim.
Curiosamente, esse feitiço não era do elemento escuridão, ao contrário de sua aparência. Nem faz parte do sistema <Manipulação> que ensino aos meus alunos.
Para ser preciso, é um dos quatro tipos do sistema <Invocação>.
Existem quatro especializações nas magias de <Invocação>. [Espírito], que herda a vontade da natureza; [Golem], feito de metal e solo; [Código da Alma], que invoca e aplica a vontade; [Água Mágica], que estou usando agora.
Todos os magos lidam com mana, e esta mana é um poder misterioso que ainda não foi definido de forma devida.
Quando uma pessoa lida com esse poder misterioso, o próprio poder mágico é afetado pela inclinação, constituição, processo de vida, desejo do usuário ou talento oculto da pessoa. Seja o que for, todos esses elementos são tecidos em um, e mana em si tem uma vontade e assume a forma de uma “besta invocada”, que é a Água Mágica.
Essas bestas, que têm diferentes formas e habilidades, são diferentes dos seres vivos comuns. Mesmo a que estou chamando agora assume a forma de “roupas” e não é uma invocação normal.
— Vamos.
As sombras na borda do casaco fluíram feito tinta dissolvida na água e depois se espalharam ao longo do chão. Em pouco tempo, as escuríssimas sombras fizeram um caminho semelhante a um tapete, e eu segui.
— Sim?
— Qual é o problema?
— Parecia que algo tinha acabado de passar.
— Não senti nada.
Ninguém me viu, sequer estavam cientes da minha existência. É uma das habilidades da minha besta mágica, Ater Nocturnus, e não pode ser usada por muito tempo. Como a minha presença é ingerida, se usá-la por um longo tempo, ela devorará a minha própria existência.
Tirei uma pílula do bolso e engoli, pois o consumo extremo de mana não me permitiria usá-la por muito tempo. Obedece às minhas ordens, mas isso não significa que escuta tudo o que digo. Ela me segue porque eu a alimento, caso contrário, me devoraria a qualquer hora.
“Toda a magia que eu uso tem parafusos faltando.”
Desde que vim a Sören ensinar o básico, esse fato me tocou ainda mais. Porém, não tenho escolha a não ser usá-lo.
Com isso em mente, continuei me movendo pela escuridão.
* * *
— Sim?
— Qual é o problema, Flora?
Após terminar o estudo de hoje, Flora Lumos parou enquanto caminhava pela rua com sua amiga de infância, Cheryl. Cheryl ficou intrigada com a ação repentina, mas Flora não respondeu.
“Agora mesmo, algo passou por mim.”
Ela não pôde ver com os olhos ou mesmo sentir. Se fosse qualquer outra pessoa, teria pensado de maneira errônea que fora o vento, diferente de Flora.
“Cheiro.”
Havia um forte cheiro de magia desconhecida se afastando. Se a magia usual era doce e estimulante, essa era um pouco mais escura e profunda, como café preto, cheio de sabor.
“O que é isso? É uma magia invisível aos meus olhos.”
Ela estava um pouco orgulhosa de si mesma, mas curiosa.
“O cheiro permaneceu. Vamos lá.”
Flora pensou até aquele ponto e agiu de imediato.
— Flora? Flora!
Cheryl Wagner chamou Flora devido ao seu comportamento incomum.