Cap. 70 – Sinestesia Mágica (3)
Depois que Flora saiu, Rudger recordou a conversa que tivera com ela.
“Perguntei como ela me encontrou, mas foi por causa do cheiro.”
Flora nasceu com sua constituição para sentir a magia de uma maneira diferente. Quando ela via um feitiço, enxergava cores e sentia cheiros diferentes. Eu estava cético quanto a ela no início, mas sua reação à Garrafa de Klein me convenceu.
“Tinha uma brecha no meu Ater Nocturnus.”
Não era possível evitar o olhar de todos simplesmente apagando minha existência. Ela sentiu a reverberação mágica que fluía na água mágica e o encontrou.
Ela percebe a magia através de seus sentidos de olfato e visão. De fato, devia haver uma razão para ela ser a número um do segundo ano. É compreensível que ela tenha feito graça com vários professores até agora.
O que fazer depois?
Pela sua reação, era como se ela não tivesse visto o que ele fizera na Floresta Silenciosa. Suspeitava, mas não possuía evidências sólidas.
“A oponente é uma filha do duque que é motivo de orgulho do império. Se eu tocar nela, será problemático.”
Ainda assim, a academia está zumbindo graças aos eventos recentes, e não posso fazer nada mais. É necessário ficar de olho nela mais de perto.
“Vou deixar Hans fazer a verificação de antecedentes. Mesmo assim, tenho certeza de que encontrarei alguém com esse tipo de constituição em Sören.”
Afinal, esta é a melhor academia mágica. Professores e alunos são extraordinários. Mesmo os que vi eram apenas uma pequena fração desta academia.
Tenho que viver em um lugar assim por dois anos?
“Não faz tanto tempo desde que comecei aqui, e dois grandes incidentes já ocorreram. Quantos mais acontecerão?”
Foi então que senti uma presença na frente da porta.
— Entre. A porta está aberta.
Quando ele disse isso, a porta se abriu com cautela. Uma garota de cabelos grisalhos pôs o rosto no vão.
— É a Rene?
— Sim.
— Por que veio?
— O livro… Eu terminei de lê-lo.
— Livro…
Rudger lembrou que havia entregado a ela um livro de magia sem atributos. Ela então entrou no escritório com cuidado, como se não pudesse cometer o menor erro.
— Eu pensei que deveria devolver ao senhor.
— Tá falando sério?
— Sim, senhor Rudger.
— O livro não é meu. Também estou apenas entregando o que recebi.
— Então este livro…
— Guarde com você. Você pode ter lido muitas vezes, mas sempre precisará dele. Às vezes você não vai se lembrar de certas partes, por isso é melhor tê-lo apenas no caso.
— Mesmo assim…
— Algumas coisas mostram seu valor apenas quando têm um usuário adequado. O livro brilhará mais com você do que comigo — disse, parando por um momento para recuperar o fôlego e tirar os óculos. — Acredito que você cuidará bem dele.
Ela não pôde dizer nada com as palavras dele bagunçando sua cabeça.
“Você confia em mim? Por quê? Você tem uma boa razão? Ou é só porque não tenho atributos?”
Ele conhecia o proprietário anterior deste livro. Em caso afirmativo, ouviu algo sobre?
— Eu…
— O quê?
— Bem…
Ela não pôde deixar de perguntar. Mesmo quando abriu a boca, não falava nada. Foi devido às palavras francas dele que sua cabeça estava girando.
— Se não tem nada a dizer, vá embora. As aulas começarão em breve.
— Sim…
No fim, ela desistiu e foi forçada a deixar o escritório. Ela caminhou pelo corredor com passos cambaleantes enquanto sua cabeça ainda estava uma bagunça.
* * *
“Ah, certo.”
Foi só depois que ela vagou sem rumo e chegou ao seu jardim esparso que enfim recuperou sua sanidade.
“Eu ia perguntar sobre o cargo de assistente também.”
Ela estava tão envergonhada e confusa que nem pensou em perguntar.
“A propósito, parece que Flora também foi vê-lo. Foi pelo cargo também?”
Por mais que ela viesse de uma grande família, não pertencia a uma facção, diferente de outros nobres, e ficava com sua amiga de infância.
“Não. Vou parar de prestar atenção por enquanto. Tenho que começar a me preparar para a próxima aula com o tempo restante na biblioteca.”
Pensando nisso, ela ouviu uma conversa vindo de cima das árvores no jardim.
“Hã?”
Ela não teve escolha a não ser parar quando viu os alunos que apareceram. Eram nobres que se destacavam mesmo de longe. Ela não se dava bem com eles, como de costume.
“Ah…”
Entre eles, havia um que deixou uma grande impressão nela ao sugerir um namoro antes como se estivesse fazendo um favor a ela. Ela implacavelmente o afastou, e ele, naturalmente, começou a guardar rancor contra ela.
“Eu detesto isso de verdade.”
Ademais, um grupo de pessoas invejosas quanto ao relacionamento dela com a terceira princesa se juntou à situação.
“Eu não sabia que iria encontrá-los aqui.”
Eles não a deixariam em paz. Por meio de suas experiências passadas, ela decidiu ser melhor evitar confrontos, então desviou o olhar na hora.
“Vamos entrar.”
Ela foi mais fundo no jardim. Como Sören era ampla, até o tamanho do jardim era diferente. Havia fontes de mármore, campos de flores coloridas e uma longa avenida de árvores, até algumas florestas artificiais e pequenas clareiras. Vez ou outra, os alunos socializavam ao ar livre lá.
Alguns diziam existir um lugar secreto neste grande jardim que outras pessoas não veem, mas ela não sabia disso.
A fim de se esconder, ela entrou. Vinhas e belas flores rosas bloqueavam a luz do sol, criando um longo túnel de pérgula arqueada. Caminhando, era como se ela estivesse passando por uma porta para outro mundo.
Ao sair da pérgula, viu a vegetação exuberante.
“Tinha um lugar assim aqui?”
Ela acabara de entrar e ainda não estava familiarizada; por isso, sempre que encontrava um novo lugar, ficava surpresa.
Ela aguçou os ouvidos e ouviu a situação do lado de fora.
“Eles saíram?”
Ela ainda podia ouvir a conversa deles. Estavam pensando em ficar?
“Não acho que chegarão tão longe.”
Matar o tempo ali com moderação, evitar os estudantes e voltar por um atalho eram pensamentos dela ao descansar as costas em uma árvore adequada. Mas, de repente, virou a cabeça em uma direção específica.
“É uma música?”
Uma voz de dentro da floresta.
“Quem está lá dentro?”
Era algo que ela poderia simplesmente ignorar, porém, ficou curiosa. Algumas músicas eram gostosas de se ouvir, mas essa lhe deixou com uma sensação de déjà vu.
“Parece semelhante a quando recebi o livro do senhor Rudger.”
De forma involuntária, ela se aproximou da fonte do som.
“Vou só verificar. Ainda tem tempo até a aula dele.”
Com isso em mente, uma clareira a cumprimentou. Não era um lugar natural, já que o terreno baldio estava muito limpo. Além do mais, havia um pequeno canteiro de flores nas proximidades.
“Quem é que cantava? Foi o jardineiro?”
Com esse pensamento em mente, ela caminhou ao meio do local. A melodia sumira.
— Quem é você? — indagou uma voz atrás dela. — Ninguém vem aqui.
Surpresa, ela olhou para trás, avistando alguém sentado em um galho grosso e a encarando.
— Quem é você?
— Hum?
O jovem, o aparente dono do canteiro, percebeu que ela chegara por acaso. Ele soltou uma pequena risada, depois pulou da árvore e pousou suavemente na frente de Rene, a assustando com a velocidade.
— Chegou sem querer?
— Sobre isso…
Ela foi tardiamente capaz de reconhecer quem era o segundanista de cabelo azul-escuro.
— Veterano… Freuden?
Freuden Ulburg era o filho mais velho da família Ulburg, simbolizada por um lobo, uma das três famílias duquesas do Império Exilion. Ele era considerado o líder da facção nobre de Sören.
“Este é o canteiro de flores que ele estava administrando?!”
Ela percebeu que havia entrado na cova do tigre. Os rumores a respeito dele já haviam se espalhado entre outros estudantes e sua notoriedade entre os plebeus cresceu muito, afinal, chefiava uma facção que desprezavam e importunava com a plebe.
Ele também era o filho mais velho dos Ulburgs, inigualável por qualquer pessoa, exceto a família imperial, de modo que os alunos mais comuns tinham medo dele. Os nobres não deixarem os plebeus em paz era, por rumores, ordens dele.
Ver Freuden Ulburg sozinho em um lugar desses…
“Acabou para mim.”
Ela quis fugir naquele momento.