Circle of Inevitability – Capítulo 1 - Anime Center BR

Circle of Inevitability – Capítulo 1

Capítulo 1 – Estrangeiros

Sempre é cobrado um preço pelo que o destino concede — adaptado de Mary Queen of Scots, de Zweig.

— Sou um ninguém, sem tempo para perceber o brilho do sol.

— Meus pais não podiam me ajudar e eu não tinha muita educação. Não tive escolha a não ser sobreviver sozinho na cidade.

— Eu me candidatei a muitos empregos, mas ninguém nunca me contratou. Talvez seja porque não sou bom em me expressar e não sou o melhor comunicador. Acho que simplesmente não demonstrei habilidade suficiente.

— Certa vez, comi dois pães durante três dias. A fome me manteve acordado à noite. Pelo menos paguei um mês de aluguel adiantado, para não ter que enfrentar o vento frio do inverno lá fora.

— Finalmente consegui um emprego no necrotério do hospital, vigiando os mortos.

— A noite no hospital era mais fria do que eu jamais poderia imaginar. As luzes das paredes do corredor estavam apagadas, deixando tudo envolto em escuridão.

— Mon Dieu1, cheirava a algo forte. O cheiro da morte permanecia no ar. E de vez em quando, tínhamos que ajudar a transportar os corpos para o necrotério.

— Não era o trabalho mais glamoroso, mas colocava pão na mesa. Além disso, o tempo livre da noite me permitia estudar. Poucas pessoas se aventuravam no necrotério, mas quando se aventuravam, estavam lá entregando corpos ou levando-os para a cremação. Tive de me virar sem livros, pois não tinha dinheiro para comprá-los, nem via qualquer esperança de economizar o suficiente para comprá-los.

— Mas tive que agradecer ao meu antecessor por ter saído tão repentinamente, pois isso me permitiu conseguir este emprego.

— Eu sonhava em trabalhar no turno diurno. Dormir durante o dia e ficar acordado à noite fazia meu corpo ficar fraco e minha cabeça latejar.

— Um dia, um novo cadáver foi trazido.

— Pelo que ouvi, é o corpo do meu antecessor que partiu de repente.

— Fiquei intrigado com o misterioso desaparecimento do meu antecessor e, assim que os outros saíram da sala, puxei o armário e abri silenciosamente o saco de cadáveres.

— Ele era um homem velho, com pele branco-azulada e rugas cobrindo o rosto. A pouca iluminação só servia para torná-lo mais assustador.

— Ele não tinha muito cabelo. A maior parte da pele era branca. Ele havia sido despido e não sobrou nem um pedaço de pano nele.

— Como um homem morto e sem família, os responsáveis pela mudança não resistiram à oportunidade de lucrar com o cara.

— Eu vi uma marca estranha em seu peito. Era preto-azulado. Não consigo explicar. A luz estava muito fraca naquele momento.

— Estendi a mão e toquei a marca, apenas para perceber que não havia nada de especial nela.

— Olhando para meu antecessor, não pude deixar de me perguntar se acabaria como ele quando envelhecesse…

— Prometi ao corpo dele que estaria com ele em sua última viagem, o levaria ao crematório e depois ao cemitério gratuito mais próximo. Eu não poderia permitir que os burocratas o jogassem no rio ou em alguma terra abandonada como lixo.

— Eu sabia que teria que sacrificar um pouco o sono, mas, graças a Deus, era domingo no dia seguinte. Eu poderia recuperar o sono perdido então.

— Depois de dizer isso, fechei o zíper do saco e coloquei-o de volta no armário.

— A sala ficou mais escura e as sombras se alongaram…

— Desde aquele dia, toda vez que fecho os olhos, sou engolido por uma névoa espessa.

— Algo me diz que não estou sozinho. Algo não muito humano está vindo em minha direção. Mas ninguém vai ouvir. Eles acham que perdi a cabeça neste trabalho; dizem que preciso de um médico…

Um cliente do sexo masculino sentado no bar olhou para o narrador, que parou de repente e perguntou: — E?

O narrador interrompeu repentinamente sua história, fazendo com que um cliente do bar notasse. Este sujeito de trinta e poucos anos usava um casaco de lona sem graça e abotoaduras amarelo-claras. Seu cabelo estava penteado para trás e ele tinha um chapéu-coco escuro e áspero ao lado.

Ele parecia comum, como o resto dos clientes da cervejaria, com cabelos escuros e olhos azuis penetrantes. Não era particularmente bonito, mas também não era repugnante. Nada nele gritava por atenção.

O narrador era um rapaz robusto no final da adolescência, com membros longos e feições esculpidas que poderiam fazer qualquer moça ficar com os joelhos fracos. Seu cabelo curto e preto e olhos azuis brilhantes apenas aumentavam seu charme.

O rapaz olhou melancolicamente para a taça de vinho vazia à sua frente e soltou um suspiro profundo.

— E então?

— Aí larguei meu emprego e voltei para o campo para poder contar essa besteira para vocês, — respondeu o rapaz com um sorriso malicioso se espalhando por seu rosto.

O cliente de sexo masculino ficou surpreso.

— Você estava apenas brincando com a gente?

— Haha! — A risada irrompeu no bar.

No entanto, durou pouco, pois um homem de meia-idade olhou severamente para o cliente um pouco envergonhado e comentou: — Você não é daqui, é? Lumian conta uma história diferente a cada dia. Ontem ele era um pobre cara que foi abandonado pela noiva e hoje é vigia dos mortos!

— Sim, ele fala sobre passar trinta anos a leste do rio Serenzo e depois trinta anos à direita dele. Ele é cheio de papo furado, esse aí! — acrescentou outro frequentador do bar.

Todos os homens eram agricultores da aldeia de Cordu, vestindo túnicas de cor desbotada.

O rapaz de cabelos negros, Lumian, inclinou-se sobre o balcão do bar e levantou-se. Ele deu um sorriso atrevido e proclamou: — Como todos sabem, não sou eu quem está inventando isso. Minha irmã escreve essas histórias. Ela é redatora de alguma coluna de jornal conhecida como Novel Semanal ou outra.

Com isso, Lumian se virou, abriu bem os braços e sorriu para o cliente estrangeiro.

— Parece que ela criou uma história e tanto.

— Sinto muito que você tenha entendido mal.

O homem comum de camisa tweed marrom sorriu e se levantou.

— Que história intrigante.

— E como posso me dirigir a você?

— Não é uma cortesia comum apresentar-se antes de perguntar aos outros? — Lumian respondeu, devolvendo o sorriso do homem.

O estrangeiro assentiu.

— Meu nome é Ryan Koss.

— Estes são meus companheiros, Valentine e Leah.

A última frase referia-se ao homem e à mulher sentados ao lado dele.

Valentine, um homem de quase trinta anos, cabelo loiro empoado e penetrantes olhos azuis, usava um colete branco, uma jaqueta tweed azul e calças pretas. Era evidente que ele havia feito um esforço considerável em seu traje, como se estivesse se preparando para um encontro especial.

Ele tinha uma expressão bastante fria no rosto, nem mesmo olhando para os fazendeiros e pastores ao seu redor.

Leah, por outro lado, era uma jovem atraente, com longos cabelos presos em um coque elaborado e um véu branco no topo da cabeça.

Seus olhos combinavam com seus cabelos e ela olhava para Lumian com um sorriso aberto, claramente divertida com a conversa deles.

À luz das lâmpadas a gás dentro do bar, a mulher chamada Leah exibia seu nariz pontudo e lábios incrivelmente curvados. Ela era definitivamente uma maravilha numa aldeia como Cordu.

Ela usava um vestido branco de caxemira plissado com um pequeno casaco esbranquiçado e um par de botas Marseillan. Havia dois sininhos de prata presos ao véu e às botas. Eles tilintaram quando ela entrou no bar, chamando a atenção de muitos — especialmente dos homens.

Aos olhos deles, esse era o tipo de roupa da moda que você só veria nas grandes cidades, como a capital da província de Bigorre ou mesmo a capital de Trier.

Lumian acenou em reconhecimento aos três estrangeiros.

— Meu nome é Lumian Lee. Podem me chamar de Lumian.

— Lee? — Leah deixou escapar.

— Qual é o problema? Vocês têm algum problema com meu sobrenome? — Lumian perguntou com uma expressão curiosa no rosto.

Ryan Koss decidiu explicar em nome de Leah: — Seu sobrenome é totalmente assustador. Quase perdi o controle da minha voz agora há pouco.

Observando as expressões perplexas dos agricultores e pastores ao seu redor, ele continuou:

— As pessoas que cruzaram o caminho de marinheiros e mercadores marítimos estão familiarizadas com um ditado que está circulando nos Cinco Mares:

— Prefiro ficar cara a cara com almirantes piratas ou mesmo com reis do que encontrar um cara chamado Frank Lee.

— O sobrenome dessa pessoa também é Lee.

— Ele é realmente tão assustador? — Lumian perguntou.

Ryan balançou a cabeça em resposta.

— Não tenho certeza, mas se tal lenda existe, então não pode estar longe da verdade.

Ele mudou de assunto e disse a Lumian: — Merci2 pela história. Merece uma bebida. O que você deseja?

— Um copo de La Fée Verte3. — Lumian não fez rodeios e recostou-se em seu assento.

Ryan Koss franziu a testa.

— La Fée Verte… Absinto? 4

— Devo lembrá-lo que o absinto é prejudicial ao corpo humano. Esse tipo de álcool pode levar à loucura e alucinações.

— Eu não esperava que as tendências de Trier chegassem até aqui, — Leah entrou na conversa com um sorriso.

Lumian reconheceu seu comentário concisamente.

— Então o povo de Trier também gosta de La Fée Verte…

— Para nós, a vida já é bastante difícil. Não há necessidade de nos preocupar com mais danos. Esta bebida pode acalmar nossas mentes.

— Tudo bem. — Ryan recostou-se na cadeira e virou-se para o barman. — Uma taça de La Fée Verte e outra taça de Cœur Épicé5.

Cœur Épicé era uma famosa bebida espirituosa à base de frutas que era destilada com perfeição.

O homem magro e de meia-idade que expôs as mentiras de Lumian falou. — Dê-me um copo de La Fée Verte também. Afinal, fui eu quem disse a verdade agora há pouco. Posso até contar a verdade sobre a situação desse garoto! — Ele olhou para Lumian, desafiando-o a se opor. — Estrangeiro, posso dizer que você ainda tem dúvidas sobre a autenticidade dessa história.

— Pierre, você faria qualquer coisa por um copo de álcool de graça, — retrucou Lumian, carrancudo.

Antes que Ryan pudesse responder, Lumian acrescentou: — Por que não posso contar minha história e pegar um copo extra de La Fée Verte?

— Porque ninguém sabe se deve acreditar em você, — Pierre sorriu. — A história favorita da sua irmã para contar às crianças é ‘O Menino que Clamou ao Lobo’. Pessoas que mentem o tempo todo acabam perdendo credibilidade.

Lumian encolheu os ombros e observou o barman colocar um copo de álcool verde claro na sua frente. — Ça va6, disse ele, despreocupado.

Ryan virou-se para Lumian.

— Esta tudo certo?

— Claro, contanto que sua carteira aguente, — Lumian respondeu alegremente.

— Nesse caso, outro copo de La Fée Verte, — disse Ryan com um aceno de cabeça.

O rosto de Pierre se iluminou com um sorriso.

— Estrangeiro generoso, você deveria ficar longe deste aí, — disse ele, apontando para Lumian. — Ele é o cara mais travesso de toda a vila.

— Há cinco anos, sua irmã Aurore o trouxe de volta para a aldeia, — continuou Pierre. — Ele está aqui desde então. Você pode imaginar? Ele era apenas um garotinho de treze anos na época. Como ele pôde ter feito a jornada até o hospital para se tornar um vigia de cadáveres? O hospital mais próximo fica em Dariège, no sopé da montanha. Levaria uma tarde inteira para chegar lá a pé.

— Trazido de volta para a aldeia? — Leah perguntou, sua voz cheia de suspeita.

Ela inclinou a cabeça, fazendo seus sinos tilintarem.

Pierre assentiu em confirmação.

— Aurore se mudou para cá há seis anos. Um ano depois, ela viajou e trouxe esse rapaz de volta com ela. Disse que o encontrou na estrada, uma criança faminta e sem teto. Ela planejava adotá-lo.

— Então, ele adotou o sobrenome de Aurore, Lee. Até seu nome, Lumian, foi dado por Aurore.

— Eu nem me lembro qual era meu nome antes de Aurore me dar o nome, — Lumian, imperturbável com a revelação, deu um sorriso e tomou um gole de absinto.

Estava claro que seu passado não o incomodava nem um pouco.

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