Capítulo 119: Akasha (4)
Na Torre Mágica Vermelha, Lovellian estava tentando entender a situação em que se encontrava, imaginando como deveria reagir a ela e lutando para decidir como diabos deveria lidar com isso no futuro.
Esse problema já o fez suspirar mais de uma vez. Mas se alguém perguntasse se ele estava com raiva… Lovellian sentia que isso realmente não era um problema pelo qual ele pudesse ficar com raiva. Embora, se esse fosse o caso, ele deveria estar irritado? Ainda deve ser normal sentir-se irritado ao se deparar com um problema tão difícil.
— Por enquanto… — Lovellian hesitou.
No entanto, ele não conseguia ficar irritado. Com uma expressão angustiada, Lovellian olhou para a pessoa sentada à sua frente.
Eugene Lionheart.
O primeiro discípulo que o Mestre da Torre Vermelha, Lovellian, havia feito. Ao mesmo tempo, ele também era filho adotivo do amigo de longa data de Lovellian, Gilead Lionheart. Ser filho de um amigo não era motivo suficiente para Lovellian tratar Eugene com favoritismo incondicional. A razão pela qual Lovellian fez de Eugene seu discípulo, além de ser filho de seu amigo, era que Lovellian estava fascinado com o talento do garoto.
Era por isso que Lovellian achava tão difícil ficar com raiva de Eugene.
— Por favor, explique-me como diabos as coisas ficaram assim. — Implorou Lovellian enquanto olhava para o cajado que havia sido colocado na mesa entre eles.
Este era Akasha… O cajado pessoal da Sábia Sienna.
Lovellian se considerava um grande discípulo que herdou o legado da Sábia Sienna e se orgulhava disso. Era um orgulho que havia sido incutido nele desde tenra idade. O mestre do mestre de Lovellian era discípulo de Sienna. Então, desde que Lovellian começou a aprender magia, seu mestre lhe dizia todos os dias para tratar a mestra de seu mestre, a Sábia Sienna, como sua grande mestra e prestar seus respeitos a ela.
“Este é um sentimento estranho…”, Lovellian pensou consigo mesmo enquanto olhava para o cajado de Sienna.
Não apenas o próprio Lovellian, mas até mesmo seu mestre e o mestre de seu mestre foram incapazes de se tornarem o portador desse cajado.
“E pensar que meu discípulo… Seria realmente capaz de receber o reconhecimento de Akasha,” Lovellian se maravilhou.
Quando ele pensava assim, Lovellian simplesmente não conseguia ficar com raiva ou irritado com Eugene. Ele nem sentiu ciúmes. Apenas sentiu que Eugene era um indivíduo verdadeiramente único e se orgulhava do fato de que tal pessoa era seu discípulo.
Enquanto esperava a resposta de Eugene, Lovellian pegou a xícara de chá à sua frente e levou-a aos lábios.
Certo. Algo como uma ‘razão pela qual Akasha escolheria Eugene’ era realmente tão importante? O que era realmente importante era que o único discípulo de Lovellian já havia se tornado o mestre de Akasha. Como resultado, a família real poderia até decidir realizar uma audiência onde discutiriam se deveriam ou não punir seu discípulo.
Se isso realmente acontecesse… Lovellian usaria tudo o que tinha à sua disposição, tanto de sua posição como Mestre da Torre Vermelha quanto como Arquimago, para proteger Eugene…
No momento em que Lovellian se decidiu sobre isso e estava prestes a tomar um gole de seu chá quente, uma voz falou de repente.
— Desculpe.
Pwoosh!
Lovellian cuspiu seu chá surpreso.
No entanto, mesmo em tal momento, ele provou ser digno do título de Arquimago. Antes que o chá que cuspiu pudesse tocar Eugene, Lovellian evaporou o líquido usando magia, então agarrou sua garganta dolorida quando teve um ataque de tosse.
— Você está bem? — Eugene perguntou preocupado.
— E-Estou b-bem. — Lovellian respondeu enquanto acenava para a preocupação de Eugene.
Então, os olhos de Lovellian se arregalaram em choque quando olhou para o garoto.
Para ser mais preciso, em vez de Eugene, Lovellian estava olhando para Mer, que havia saído do manto de Eugene, de modo que apenas seu rosto estava aparecendo.
— Por que você saiu sem permissão? — Eugene a repreendeu.
Mer reclamou: — Quanto tempo eu tenho que ficar me escondendo aqui? Afinal, não fiz nada de errado.
— Olha como ele está surpreso, por que você apareceu do nada assim? — Eugene a repreendeu. — Foi por isso que eu disse para esperar até que a conversa terminasse e então lentament—
— Acho que não faz muita diferença se eu o choque agora ou depois. Mesmo que você tenha me levado para fora de lá enquanto prometia me dar liberdade, você me enfiou dentro de seu manto assim que saímos de Acryon. — Mer resmungou, suas bochechas inchadas de indignação.
Então ela torceu o corpo para frente e para trás dentro do manto, enquanto tentava ao máximo sair dele. No entanto, não importava quanto esforço ela colocasse nisso, era impossível para Mer deixar totalmente o manto sozinha.
— Você não pode me deixar sair daqui um pouco? — Mer implorou. — Pode não saber disso, mas é muito escuro e solitário aqui.
— Bem, deve estar tudo bem. — Murmurou Eugene enquanto olhava para Lovellian em busca de aprovação.
Lovellian estava olhando para Mer com o queixo caído.
— Ahem. — Eugene tossiu e abriu ainda mais o manto.
Mer rastejou para fora da abertura sozinha e, enquanto representava um ato elegante, ela cumprimentou Lovellian.
— Olá, Sir Lovellian. Acho que já faz um mês desde a última vez que nos encontramos.
— Uh… Hum… Uh… — Lovellian gaguejou antes de finalmente concordar. — Mas como… O que diabos você está fazendo fora de Acryon? Não, mas como isso faz algum sentido? A Senhorita Mer não é a familiar encarregada da Bruxaria?
— A Senhorita Sienna me pediu para fazer isso. — Explicou Eugene.
A expressão de Lovellian sofreu outra mudança com essas palavras. Ele ergueu o maxilar e tentou se acalmar.
— Então é verdade… Você realmente conheceu a Senhorita Sienna? — Lovellian perguntou ansiosamente.
— Sim. — Eugene simplesmente respondeu.
— Ouvi dizer que você esteve na Floresta Samar, Eugene. Então voltou para a propriedade principal do clã Lionheart com mais de cem elfos seguindo você. — Lovellian hesitou. — Aqueles elfos… Eles vieram do território élfico que dizem estar ao pé da Árvore do Mundo?
— Não é bem assim. — Negou Eugene. — Levei de volta alguns elfos que não conseguiram retornar ao território élfico e estavam apenas vivendo entre si.
— Ainda não consigo acreditar. — Disse Lovellian enquanto baixava a xícara com a mão trêmula. — Para você ter encontrado o território élfico onde havia rumores de que a Senhorita Sienna havia se isolado… Duzentos anos atrás, quando ela entrou em reclusão, a mestre de meu mestre, que era o próprio discípulo da Senhorita Sienna, incontáveis magos de Aroth e até mesmo a Divisão de Magos da Corte foram até Samar na esperança de rastreá-la.
No entanto, eles não encontraram o território élfico, e muito menos Sienna.
— Hm, quanto a isso… Tem a ver com quando eu fui para Nahama. — Eugene então começou sua tentativa de convencer Lovellian.
Ele já havia pensado no que dizer.
Em Nahama, Eugene afirmou ter descoberto acidentalmente o túmulo de Hamel. A história até ali era a mesma que ele havia contado no Castelo dos Leões Negros. Ele repassou o ataque do Cavaleiro da Morte e seu encontro com Amelia Merwin. Então Eugene descreveu como havia encontrado uma folha da Árvore do Mundo dentro do caixão de Hamel.
Depois de ir para Samar, ele foi guiado pela folha. Com sua ajuda, conseguiu entrar no território élfico e conheceu Sienna, que havia sido colocada sob um selo…
Eugênio hesitou. “Dizer a ele que sou Hamel seria um pouco…”
Não que Eugene não confiasse em Lovellian. Mas mesmo que Eugene confiasse, ainda havia algo o segurando. Eugene ainda não havia revelado a Gerhard e Gilead que ele era a reencarnação de Hamel. Além do Rei Demônio do Encarceramento, apenas Mer sabia que Eugene já havia sido Hamel.
Havia uma razão simples para isso. Mer era uma familiar criada por Sienna. Ela absolutamente nunca trairia esse segredo, porque era incapaz de tal traição, então ninguém seria capaz de questionar Mer e fazê-la contar a verdade.
— Então a Senhorita Sienna… Foi colocada sob um selo… — Lovellian considerou esse problema enquanto mordia o lábio inferior.
Um enorme buraco foi perfurado em seu peito e apenas o poder da Árvore do Mundo mal a mantinha viva. Como um discípulo que herdou o legado de Sienna e que a admirava profundamente como um exemplo para todos os magos, Lovellian naturalmente sentiu uma raiva extrema por esse fato.
— Enquanto transferia a propriedade de Akasha para mim, a Senhorita Sienna também me pediu para cuidar de Mer. — Eugene terminou sua explicação.
— …
Lovellian escutou em silêncio.
— Ela também me contou o método de como desfazer o selo. — Revelou Eugene. — Se pudermos de alguma forma matar Raizakia, que está preso em uma fenda dimensional, a maldição que a aflige desaparecerá—
— Eugene. — Lovellian interrompeu com uma expressão rígida. — Acho melhor não falar desse assunto na audiência.
— Sim, também sinto o mesmo. — Concordou Eugene.
A Sábia Sienna foi mortalmente ferida. Este fato por si só era o suficiente para fazer inúmeros magos enlouquecerem. Se essa informação fosse revelada, quantos magos iriam procurar por Sienna em Samar e descarregariam sua hostilidade contra Helmuth por desejo de vingança?
Além disso, o Mestre da Torre Negra, Balzac Ludbeth, também estaria presente na audiência. Embora Raizakia não tivesse nenhum tipo de contrato com o Rei Demônio do Encarceramento, isso ainda não significava que eles poderiam ter certeza de que o Rei Demônio do Encarceramento não tinha nada a ver com o selamento de Sienna.
“Duzentos anos se passaram. Nem o Rei Demônio do Encarceramento, nem os demônios contratados por ele foram procurar por Sienna,” Eugene considerou.
No entanto, se fosse revelado a eles que Sienna havia sido mortalmente ferida e colocada sob um selo… Isso poderia levá-los a um curso de ação diferente.
— Não confio em Balzac Ludbeth. — Lovellian continuou falando. — No entanto, apesar de minha desconfiança nele, Balzac Ludbeth realmente se comporta com mais decência e bom senso do que o ‘verdadeiro’ povo demônio e os outros magos negros como os que são encontrados em Helmuth. Como tal, embora eu possa desconfiar de Balzac Ludbeth, não o odeio.
Eugene hesitou, sem saber o que dizer.
— Bem, isso é…
— Tenho certeza de que você também não pode negar esse fato. — Afirmou Lovellian.
Eugene estalou a língua. No presente, havia apenas três magos negros que assinaram pessoalmente um contrato com o Rei Demônio do Encarceramento. Como Eugene nunca chegou a conhecer o Conde Edmond Codreth, que residia em Helmuth, então não poderia dizer com certeza, era verdade que, quando comparado a pessoas como Amelia Merwin, Balzac mostrava uma quantidade incomparável de decência e bom senso.
— Mesmo que Balzac não vaze esta informação, se você revelasse a condição da Senhorita Sienna durante a audiência, Eugene… A história com certeza se espalharia por toda parte. — Lovellian afirmou com certeza. — Eugene, há um grande número de demônios em Helmuth que estão interessados em ganhar prestígio. No momento, os Três Príncipes de Helmuth podem ser os mais próximos da posição de próximo Rei Demônio, mas existem inúmeros demônios abaixo deles que também cobiçam seus títulos de prestígio e a posição de próximo Rei Demônio.
Um desses demônios era a princesa Raskshasa Íris, mas além dela, havia muitos outros. A honra de tirar a vida da Sábia Sienna certamente seria cobiçada por esses demônios em busca de prestígio.
— Vou me certificar de não revelar nenhuma informação sobre a Senhorita Sienna ter sido selada durante a audiência. — Prometeu Eugene. — Eu estava pensando em dizer algo como ‘ela simplesmente se isolou por um desejo de alguma serenidade e introspecção’.
— Sim. — Concordou Lovellian. — Eu também acho que seria melhor… Quanto à transferência de Akasha e a Senhorita Mer… Se a outra parte for você, Eugene, tenho certeza de que todos na audiência não terão escolha a não ser aceitar.
Eugene era descendente do Grande Vermouth Lionheart. Ao mesmo tempo, ele também era um discípulo distante que havia herdado o legado da Sábia Sienna. Não havia muitas pessoas no continente que pudessem afirmar ser da linhagem de Sienna e possuir tantos laços com ela quanto Eugene.
“Embora o Mestre da Torre Verde com certeza vai ter uma convulsão”, pensou Lovellian como um aparte.
Jeneric Osman era o Mestre da Torre Mágica Verde, na qual Sienna já havia presidido, e o mestre de seus mestres também já foi discípulo de Sienna.
Eugene, hesitante, levantou outra questão.
— Mas, mestre Lovellian, estou um pouco preocupado em ser forçado a jurar dizer a verdade durante a audiência.
Os magos não eram capazes de enganar um juramento feito em nome de sua própria mana. Se eles jurassem dizer a verdade, mas em vez disso contassem uma mentira, sua mana não agiria mais de acordo com a vontade do mago que havia contado a mentira.
— Isso não vai acontecer de jeito nenhum. — Disse Lovellian com um sorriso malicioso. — Eugene, um juramento sobre a mana de alguém é tão absoluto que seu uso não pode ser forçado de forma tão arbitrária. Mesmo os criminosos têm o direito de permanecer calados, então como eles poderiam justificar forçar você, quando você nem cometeu nenhum crime, a fazer tal juramento?
— Bem, com este assunto sendo sério do jeito que é… — Eugene parou hesitante.
— Hm, concordo que as questões relativas à Senhorita Sienna não podem ser discutidas levianamente, mas Eugene, você não cometeu nenhum crime e ela também não pediu que a verdade fosse revelada, certo? — Enquanto Lovellian dizia essas palavras, ele gentilmente agarrou as mãos de Eugene. — Se aqueles que comparecerem à audiência tentarem persegui-lo e forçá-lo a fazer tal juramento, como discípulo da Senhorita Sienna, seu mestre e amigo do clã Lionheart, terei certeza de protegê-lo. Claro, sinta-se à vontade para usar todas as qualificações disponíveis para se proteger. Não importa o quão poderosa seja a família real de Aroth, eles não podem perseguir imprudentemente o descendente do grande herói de Kiehl, um membro do clã Lionheart.
Este era realmente o caso. Se realmente tivessem a coragem de perseguir Eugene, então Trempel teria levado Eugene para interrogatório imediatamente, em vez de deixá-lo em Acryon. O fato dele não ter querido dizer que Trempel também era um daqueles magos que realmente reverenciavam Sienna. Além disso, era porque os Lionhearts não eram um clã que pudessem perseguir tão imprudentemente.
— Além disso… Em relação ao Dragão Negro, Raizakia, usarei minhas próprias conexões pessoais e minha rede de informações para adquirir qualquer pista sobre seu paradeiro. — Lovellian prometeu.
— Por favor, verifique também qualquer informação sobre Barang — Eugene acrescentou em um tom de voz frio.
Ele havia pensado muito nisso, mas estava claro que as informações que Lovellian poderia coletar seriam qualitativamente superiores a qualquer informação que Eugene pudesse coletar correndo com seus próprios pés.
— Sim, claro que vou. Afinal, não há uma boa razão para que sua localização tenha sido exposta. — Depois de dizer isso, Lovellian ficou perdido em pensamentos por alguns momentos.
Enquanto ouvia essa conversa entre os dois, Mer lentamente esticou os dedos sobre a mesa entre os assentos. Petiscos como biscoitos, chocolates e doces foram colocados no centro da mesa. Para Mer, esses foram os primeiros doces que ela encontrou depois de centenas de anos.
Estaria tudo bem se ela os comesse? Eles foram colocados assim, porque foram feitos para serem comidos, certo? Embora ela não tenha recebido chá, ainda deve ser bom experimentar os petiscos, certo?
— Por que você está agindo de forma tão suspeita? — Eugene disse com um sorriso enquanto puxava a cesta de salgadinhos e a colocava na frente de Mer.
Até Lovellian, que ainda estava perdido em pensamentos, usou um feitiço para empurrar uma xícara de chá para Mer.
— Nossa… Já se passaram duzentos anos desde minha última xícara de chá. Eu realmente gosto de folhas de chá da região de Yukar — Mer disse enquanto levava a xícara aos lábios.
O chá estava quente. Esse calor trouxe um sorriso brilhante ao rosto de Mer. Enquanto soprava o chá preto para resfriá-lo, ela tomou um gole e fechou os olhos enquanto seu corpo tremia de prazer.
Embora Mer preferisse o chá com leite doce ao invés do preto, como o primeiro chá que ela havia bebido em mais de duzentos anos, teria um sabor doce mesmo que fosse a mistura mais amarga da história.
— Você não precisava necessariamente me dizer a verdade, Eugene. — Disse Lovellian, quebrando o silêncio depois que terminou de organizar seus pensamentos. — No entanto, você me revelou. Isso é… É porque eu sou seu mestre?
— Isso fazia parte, mas também porque sei que o mestre Lovellian é uma boa pessoa. — Eugene respondeu com um sorriso. — Além disso, a verdade é que não revelei tudo. Há algumas coisas que definitivamente não posso contar a ninguém.
— Claro que seria assim. No entanto, não vou tentar tirá-las de você, Eugene. Mesmo que não me diga o que são, o fato de você ter mencionado que está guardando segredos no final significa que está me pedindo perdão por escondê-los de mim, certo? — Lovellian perguntou com um sorriso. — Como tal, ficarei feliz em esperar até o dia em que você sentir que é seguro compartilhar seus segredos comigo.
— Bem… Talvez eu possa lhe contar algum dia em breve. — Eugene respondeu à sua confiança com um sorriso desajeitado.
Olhando para longe para esconder seu constrangimento, Eugene notou Mer comendo um biscoito achatado coberto de chocolate. A maneira como ela fechava os olhos e cerrava os punhos a cada mordida o lembrava de Sienna. Embora ela preferisse o álcool, também gostava de sobremesas doces.
“Estaria tudo bem se eu tentasse alimentar Mer com um bombom de uísque?” Eugene pensou com curiosidade ociosa.
Bombons de uísque, chocolates recheados com licor, eram uma guloseima que Sienna amava demais.
Pela aparência externa de Mer, ela parecia ter cerca de dez anos. No entanto, já existia há centenas de anos e não seria estranho tratar um familiar como um humano da mesma idade?
— Gostaria de se juntar a nós para jantar? — Eugene finalmente ofereceu.
— Não, vocês dois deveriam ir se divertir sozinhos. — Lovellian recusou com um sorriso.
Na palavra ‘jantar’, os olhos de Mer brilharam intensamente. Limpando furtivamente o chocolate de seus lábios com um dedo, Mer se virou para olhar para Eugene.
— Quero comer bolo. — Pediu Mer.
Eugene argumentou:
— Mas bolos não são comidas de verdade, são?
— Que declaração é essa? Se você come e fica satisfeito, é claro que é comida. — Insistiu Mer.
— Se é esse o caso, então esse é mais um motivo para você não considerar uma refeição. Já que não há nada que possa realmente saciá-la. — Eugene apontou.
Mer fez beicinho com essas palavras. Como familiar, embora ela tivesse a mesma aparência de um ser humano, isso não significava que o interior de seu corpo fosse o mesmo de um humano. A comida que ela comeu foi completamente decomposta por sua própria mana e se desintegrou. Em outras palavras, isso significava que não importava o quanto ela comesse, nunca ficaria satisfeita.
— Se o gosto é bom, então é comida. — Mer teimosamente insistiu, não querendo ceder.
Eugene se levantou, junto com Mer, e inclinou a cabeça para Lovellian.
Assim que deixaram a torre, Mer perguntou:
— Você não vai contar ao Mestre da Torre Vermelha sobre sua vida passada, Sir Eugene?
— Ainda não.
— Então, isso significa que os únicos que sabem que Sir Eugene é Hamel somos eu e a Senhorita Sienna? — Mer perguntou animadamente.
Eugene a corrigiu.
— O Rei Demônio do Encarceramento provavelmente também sabe.
— O Rei Demônio é diferente. Então é verdade que os únicos que você tratou como especial e ‘pessoalmente’ revelou a verdade somos eu e a Senhorita Sienna, certo? — Mer insistiu com um sorriso brilhante enquanto se aproximava ao lado de Eugene. — Pensar assim me deixa um pouco feliz.
— Mesmo que você aja toda bonitinha, não vamos comer bolo. — Eugene a advertiu.
— Você é um pedaço de lixo. — Mer xingou desapontada.
Eugene mudou de assunto.
— Enfim, você… Sabe beber álcool? Quando se tratava de álcool, Sienna sempre enlouquecia.
— ‘Enlouquecia’? — Mer repetiu. — Por favor, pare de insultar a Senhorita Sienna. Ela saboreava seu vinho com elegância, nunca enlouqueceria por isso.
— Que hilário, você realmente acha que conhece Sienna melhor do que eu? — Eugene desafiou Mer.
— Ugh… Esse… Pode não ser o caso, mas eu também sei muito sobre a Senhorita Sienna. — Mer se defendeu.
Eugene voltou ao seu ponto principal.
— Por isso eu estava te perguntando, você sabe beber?
Mer admitiu hesitantemente.
— Enquanto a Senhorita Sienna estava bebendo, uma vez eu pedi a ela um copo. Mas ela recusou, dizendo que eu era muito jovem para beber.
— Se é assim, então não devo lhe dar bebida. — Concluiu Eugene.
— Por que você não deveria me dar uma bebida? Naquela época, era só porque não fazia muito tempo que eu havia sido criada. Agora, passados duzentos anos, sou muito mais velha que o Sir Eugene. Eu deveria ser capaz de beber também. — Mer afirmou com orgulho.
Eugene não foi influenciado.
— Ainda não dá. Afinal, sua mãe disse que você não deveria beber nada.
— Minha mãe…? — Os olhos de Mer tremeram quando ela repetiu esta palavra. — Por favor, não diga isso na frente de ninguém. Isso pode criar alguns mal-entendidos estranhos sobre a Senhorita Sienna.
— É a verdade, então por que eu não deveria dizer? — Eugene disse com um encolher de ombros. — Já que Sienna foi quem criou você, então Sienna é sua mãe.
— No entanto, sou uma familiar, não uma humana. — Apontou Mer. — Quem diabos trataria uma familiar como sua própria filha? Nós, familiares, também não consideramos nossos criadores como nossos pais. Para ser franca, os familiares apenas veem seus criadores como seus proprietários.
— Por que você ser uma humana ou uma familiar faria alguma diferença? Em primeiro lugar, você é diferente dos familiares comuns, não é? — Eugene questionou.
Mer hesitou.
— É… Verdade. No entanto, ao invés de sua filha, como familiar da Senhorita Sienna… Hmm… Seria mais próximo de me chamar de seu clone. Porque fui feita com base em uma versão infantil dela mesma…
— E daí, você realmente não gosta tanto assim de ser tratada como a filha de Sienna? — Eugene perguntou com um sorriso.
Com essas palavras, os olhos de Mer começaram a disparar aqui e ali.
Eventualmente, ela disse.
— Meus próprios desejos não importam. O importante é o que ela pensa de mim. E provavelmente, não pensa em mim como sua filha.
— Então podemos perguntar a ela mais tarde. — Disse Eugene com um sorriso enquanto ajeitava o chapéu dela, que havia caído para o lado. — Sienna estava preocupada com você. Ela também se sentiu mal em te abandonar. É por isso que ela me pediu para cuidar de você. No mínimo, a Sienna Merdein que conheço não é o tipo de pessoa que pensaria em você como uma mera familiar. Se realmente fosse uma simples familiar, ela não teria feito você à sua própria imagem.
O desejo mais profundo de Sienna era levar uma vida normal, casar-se como todo mundo, ter filhos, viver feliz e, por fim, tornar-se avó.
No entanto, ainda não havia encontrado um único parceiro romântico em Aroth, muito menos se casar. Ela também não teve filhos.
Em vez disso, criou uma familiar que se parecia muito com ela em sua própria infância.
— Tenho certeza de que Sienna vai aceitá-la como filha. — Eugene prometeu a Mer.
Mer não foi capaz de dizer nada, seus lábios fazendo beicinho silenciosamente. Com ambas as mãos, ela puxou o chapéu para baixo para cobrir a expressão em seu rosto. Mesmo assim, não foi capaz de cobrir os sons fungando.
— Você está chorando de novo?
— Hic…
— Vou deixar você comer um pouco de bolo, então não chore. — Eugene concedeu fracamente com um suspiro. — Mas não vamos lá imediatamente. Quero fazer uma refeição primeiro, e aí então podemos pegar um pouco de bolo para você…
— Sir Eugene… Você realmente gosta da Senhorita Sienna, não é? — Mer acusou.
Eugene foi pego de surpresa.
— Essa menina enlouqueceu? Por que falar tanta besteira de repente?
— Você definitivamente gosta dela. — Afirmou Mer com confiança. — É-É amor, não é? Eu já li sobre isso. No conto de fadas, Hamel admitiu que amava Sienna…
— Porra, eu disse que era mentira, não disse? Você realmente acha que sou louco o suficiente para dizer que g-g-gosto daquela garota? Uuurgh…! — Eugene engasgou e depois cobriu a boca com uma expressão de nojo no rosto.
Em sua reação violenta, Mer apenas ergueu o queixo com orgulho.
— Quanto mais jovem um homem é, menos honesto ele é com a garota de quem gosta e, em vez disso, ele a intimida. — Mer deu um sermão.
— E daí? Não sou jovem. — Argumentou Eugene.
— Esse ditado se refere à idade da mente, e não à idade do corpo.
— Isso é mais um motivo para eu não ser mais jovem. Você não sabe quantos anos eu tinha na minha vida anterior?!
Mudando de assunto, Mer revelou:
— Sempre que falava de Hamel, a Senhorita Sienna parecia feliz.
Constrangido, Eugene tentou se apressar.
— Pare de bobagem e vamos nessa.
— Se ela se casar com Sir Eugene, isso significa que devo te chamar de pai? — Mer perguntou provocando.
— Não diga uma coisa dessas, eu realmente vou vomitar. — Eugene a ameaçou com uma carranca enquanto apressava seus passos.