Capítulo 181: Ariartelle (6)
Eugene estava tonto e enjoado. Ouvir duas vozes ao mesmo tempo fez sua cabeça já tonta doer.
— Sir Eugene, Sir Eugene! — Mer fez barulho quando agarrou os ombros de Eugene.
Imaginando quanto tempo havia passado, Eugene ergueu a cabeça enquanto enxugava as lágrimas de sangue que escorriam por seu rosto. De acordo com o relógio na parede, pouco mais de dez minutos se passaram desde que ele começou a ressoar com a Espada do Luar. Eugene sentiu como se estivesse observando a escuridão projetada dentro de sua cabeça por um longo momento, mas apenas dez minutos se passaram.
— Até quando você vai continuar me sacudindo? — Eugene perguntou, gemendo.
— Tem certeza de que está bem? — A voz de Mer resmungou.
— Estou bem. Sim, acho que estou bem. — Respondeu Eugene e desceu da cama.
No entanto, suas pernas cederam por um momento e ele quase desmaiou, fazendo Mer parecer que ia começar a chorar. Ela desceu da cama e tentou ao máximo ajudar Eugene, embora fosse muito maior do que ela.
[Foi por isso que eu te avisei…!] Tempest gritou dentro da cabeça de Eugene.
— Não é a primeira vez que eu ignorei um aviso e levei uma surra, certo? — Eugene deu de ombros.
[Hamel…!] Tempest cerrou os dentes.
— Tudo bem, tudo bem, me desculpe. Eu deveria ter sido mais cuidadoso e verificado de antemão. — Eugene ergueu os braços.
Primeiro, ele deu uma olhada em Akasha, porque estava preocupado que os feitiços dracônicos tivessem sido quebrados devido ao incidente, mas Akasha estava felizmente intacto, assim como a Espada do Luar. A espada sem lâmina ainda estava emitindo uma pálida luz da lua.
Bem… A espada estava emitindo luz para fora, mas projetava uma escuridão total na cabeça de Eugene. A noite após o pôr-do-sol, sombra, tinta… Eugene podia pensar em muitas coisas sombrias, mas a escuridão que acabara de ver era a mais escura e a mais sinistra de todas.
Havia também o barulho de correntes de ferro e o par de olhos vermelhos que se abriram no centro da escuridão; olhos pertencentes ao Rei Demônio do Encarceramento, que Eugene nunca poderia esquecer, mesmo que tivesse encontrado o Rei Demônio apenas uma vez.
“Por quê?” Eugene se perguntou.
—Não olhe.
As palavras que o Rei Demônio do Encarceramento sussurrou passaram pela cabeça de Eugene. O Rei Demônio estava relacionado com a Espada do Luar? Não… Sua aparição na visão de Eugene foi devido à interferência do próprio Rei Demônio, não teve nada a ver com o novo feitiço de detecção de Akasha. Quando o Rei Demônio lhe disse para não olhar… Ele estava falando sobre a escuridão? Por quê?
— Então… O Rei Demônio do Encarceramento está definitivamente relacionado ao desaparecimento de Vermouth. — Eugene assentiu.
Ele não tinha intenção de se surpreender ou ficar com raiva agora. Embora Sienna tivesse ficado com um buraco no peito e quase morrido por causa daquele filho da puta, ela disse a Eugene que Vermouth tinha seus próprios motivos como seu ex-companheiro e amigo.
O próprio Juramento era uma evidência de que Vermouth e o Rei Demônio do Encarceramento haviam feito algo juntos. O Rei Demônio do Encarceramento poderia ter matado todos que chegaram antes dele, não, os Reis Demônios poderiam ter destruído o continente.
A única razão pela qual uma guerra ocorreu em vez de um massacre unilateral trezentos anos atrás era que o Rei Demônio do Encarceramento e os outros Reis Demônios não haviam deixado Helmuth. Embora controlassem bestas demoníacas, demônios e magos das trevas, os Reis Demônios nunca deixaram Helmuth. Se os próprios Reis Demônios tivessem lutado na guerra, ou mesmo se dois Reis Demônios unissem forças… Teria sido impossível para o grupo de heróis matar um Rei Demônio, muito menos três.
“O Rei Demônio do Encarceramento… Está mantendo o Vermouth cativo?” Eugene se perguntou.
Não foi a primeira vez que Eugene pensou nisso. Na verdade, ele pensou em Vermouth várias vezes. Por que tomou tantas esposas e teve tantos filhos? Por que quase matou Sienna, assinou um tratado de paz com o Rei Demônio e fez Hamel reencarnar?
O Vermouth de que Eugene se lembrava não expressava realmente o que estava em sua mente. Eugene sentiu isso quando conheceu Vermouth em sua vida passada; ele realmente não sabia o que Vermouth estava pensando.
—E o que… Você pretende fazer em Helmuth?
—Nós vamos matar os Reis Demônios.
Vermouth havia dito isso.
—Primeiro, vamos matar o Rei Demônio da Carnificina. Então vamos matar o Rei Demônio da Crueldade, e depois disso vamos matar o Rei Demônio da Fúria. Depois de matarmos o Rei Demônio do Encarceramento, tudo o que resta é matar o Rei Demônio da Destruição.
Vermouth estendeu a mão enquanto falava, e Hamel nunca pensou que Vermouth estivesse mentindo. Não se aplicava apenas a Hamel, fosse Sienna, Anise ou Moron, todos acreditavam na determinação de Vermouth e tinham a mesma determinação que ele.
Seus países, gêneros, origens e habilidades eram diferentes, mas todos tinham um lado distorcido. Em vez de seguir a liderança de alguém, todos eles trabalhariam sozinhos ou se tornariam líderes.
A única razão pela qual essas cinco pessoas puderam formar um grupo foi que elas tinham Vermouth como líder. Desde que Vermouth disse que matariam os Reis Demônios, os cinco vagaram por Helmuth sem duvidar dele nem um pouco enquanto matavam o Rei Demônio da Carnificina, o Rei Demônio da Crueldade e o Rei Demônio da Fúria.
“Mas você assinou o tratado, porque precisava”, Eugene pensou enquanto olhava seu reflexo no espelho.
Ele parou de derramar lágrimas de sangue, mas ainda havia vestígios de sangue em suas bochechas.
—Só não queria deixar você passar na minha frente, Hamel.
—Você ficou satisfeito com sua morte? Se realmente ficou, então você é um filho da puta. O que lhe dá o direito de ir e se matar por autossatisfação? Não podíamos simplesmente aceitar sua morte e não queríamos deixar sua alma ir para seu lugar de descanso final antes de nós.
—Mas Hamel, você não deve culpar o Vermouth.
Eugene pensou em Sienna.
—Hamel.
—Por que Vermouth deveria ter abandonado seus companheiros?
—Ele não queria que você morresse.
—Ele também não queria ver Sienna, Anise ou Moron morrerem. É por isso que, quando todos os outros foram derrotados, Vermouth se conteve para não desferir o golpe mortal com a Espada do Luar.
—Naquele momento, o Rei Demônio do Encarceramento ainda seria capaz de matar todos, exceto Vermouth… No entanto, isso não aconteceu, porque o Rei Demônio do Encarceramento foi forçado a fazer uma promessa com ele.
—Essa promessa não foi feita para o bem do mundo. Era para salvar os companheiros que haviam permanecido com ele até aquele momento final, e para recuperar sua alma, que por direito deveria ter sido aniquilada.
Eugene pensou em Tempest.
—Obrigado.
—Obrigado a todos… Por virem comigo sem morrer.
Eugene pensou em Vermouth, que puxou a Espada Sagrada do cadáver do Rei Demônio com as costas contra a luz do amanhecer.
— Prefiro… — Dando um longo suspiro, Eugene limpou as manchas do rosto. — Prefiro a hipótese de que Vermouth fez uma promessa que não pôde evitar, arranjou minha reencarnação e foi capturado vivo pelo Rei Demônio do Encarceramento.
Tempest permaneceu em silêncio.
— Eu sei como meus pensamentos são absurdos e ridículos. O Rei Demônio não é um idiota, então por que ele apenas manteria Vermouth como refém, e não o mataria? E por que me deixaria, justo eu, alguém que reencarnou para matar os Reis Demônios, viver? — Eugene esfregou os olhos.
[O Rei Demônio fez uma promessa.]
— Para quê? Não sei. Eu realmente não vejo um porquê. Por que o Rei Demônio do Encarceramento me impediria de ver as memórias de Vermouth em nome de Vermouth? Não sei. — Eugene cobriu o rosto com as mãos.
O que teria acontecido se Eugene continuasse olhando para a escuridão?
Eugene olhou para a Espada do Luar que ainda estava em sua mão. A destruição na forma de uma espada emitia um luar pálido, que era lindo, mas ameaçador.
O que foi… A escuridão que Akasha obteve da Espada do Luar e projetou dentro da cabeça de Eugene? Vermouth estava além da escuridão? A voz disse ‘não olhe…’
“Como se…” Eugene mordeu os lábios.
Por causa da interferência do Rei Demônio do Encarceramento, Eugene foi capaz de parar de olhar para a escuridão. Se o Rei Demônio não tivesse interferido, por quanto tempo Eugene teria encarado a escuridão, não, ele teria apenas procurado dentro dela?
— Porra. — Murmurou Eugene.
Quando Eugene conheceu Amelia Merwin na masmorra do deserto, ele não conseguiu vencê-la. Sabia que não seria capaz de escapar de Amelia na masmorra subterrânea do deserto profundo, mesmo se tivesse usado Ignição e a Espada do Luar. No entanto, o Rei Demônio do Encarceramento também interferiu na época; ele desceu e impediu Amelia Merwin.
“Não há nada além. Nada aconteceu aqui”, pensou Eugene enquanto voltava para a cama, mordendo os lábios.
Quando desabou na cama, podia sentir Mer, que estava sentada no canto, se aproximando furtivamente. Colocando uma toalha morna e úmida em cima das bochechas de Eugene, Mer limpou cuidadosamente as manchas de sangue e os coágulos de sangue nos cantos dos olhos. Depois disso, o vento quente de Tempest secou o rosto molhado de Eugene.
Sem falar mais com ele, ficaram em silêncio ao lado de Eugene.
— Obrigado. — Eugene falou baixinho.
— Vamos dormir juntos hoje? Eu seguro sua mão. — Mer ofereceu.
— Você não consegue dormir de qualquer maneira. — Eugene apontou.
— Mas posso ficar ao seu lado até você acordar. — Mer deu de ombros.
— Você não está com medo de ficar sozinha no manto? — Eugene sorriu levemente.
— De jeito nenhum, não tenho medo de nada. Bem… Não exatamente nada… Estou com medo de que algo aconteça com as pessoas que são legais comigo, como a Senhorita Sienna, você e a Senhora Ancilla. — Mer murmurou baixinho enquanto aconchegava Eugene e rastejava no edredom para deitar ao lado dele como se fosse a coisa mais natural. — Portanto, não fique bravo ou triste, Sir Eugene. Não faça algo perigoso demais ou se machuque. Mantenha-se saudável até que a Senhorita Sienna volte.
— Estou bem. — Assegurou Eugene a Mer.
— Você está mentindo. Eu vi você derramando lágrimas de sangue e senti uma parte de suas emoções. — Mer fez beicinho, lembrando-se da dor, desespero, solidão e… Raiva de Eugene que ela sentiu. Mer não sabia o que aconteceria com Eugene se ele tivesse que suportar o fardo de todas essas emoções ao mesmo tempo, então não poderia simplesmente deixá-lo sozinho.
[Posso cantar uma canção de ninar para você.]
— Desapareça, Tempest. — Eugene rosnou.
Ele tinha certeza de que teria um pesadelo horrível se ouvisse a canção de ninar cantada com a voz rouca de Tempest.
* * *
—Hamel. — Anise disse.
Eugene não tinha certeza de quando isso havia acontecido. Como ele poderia saber com certeza? Embora tivesse lutado com bastante frequência antes mesmo de chegar a Helmuth, uma vez que seu grupo chegou ao país do Rei Demônio, as lutas aconteciam com mais frequência do que as refeições. Os inimigos não se importavam com que horas eram e usavam todos os métodos que podiam pensar para atacar o grupo de heróis.
O tempo no inferno horrível rapidamente tornou o grupo de heróis mais forte, mas as lutas do grupo não ficaram mais fáceis. À medida que ficavam mais fortes, o número de inimigos fortes aumentava.
O grupo de heróis foi capaz de lutar em batalhas sem fim, porque três pessoas dos cinco membros do grupo podiam usar magia de cura. No entanto, os feitiços de cura que os três usavam eram diferentes uns dos outros.
Embora a magia de cura de Vermouth fosse muito eficaz em si mesmo, ele não podia curar outras pessoas. A magia de cura só poderia ser usada por um sacerdote devoto em primeiro lugar, então a magia de cura de Vermouth era mais como uma espécie de bênção do herói.
Sienna também não sabia usar magia divina de verdade, mas sabia como usar magia de cura élfica, tendo crescido em uma vila élfica desde bebê. Como Sienna era uma maga muito talentosa, sua magia de cura era tão forte quanto a maioria dos sacerdotes de alto escalão, mas não chegava aos pés de Anise; a Fiel Anise, a Santa da Luz.
—Você está bem? — Hamel perguntou.
A magia de cura lançada por Anise Slywood era extraordinária demais para ser chamada de mero feitiço mágico; não, sua magia era literalmente um milagre. Quando Anise reconectava membros amputados a seus donos, ela não apenas conectava a carne, mas conectava tudo, desde ossos e músculos até nervos e veias. Portanto, quem era tratado com a magia de Anise não sofria sequelas e nem precisava passar por reabilitação. Quando ela conjurava seus feitiços de cura, os coxos andavam, os leprosos eram purificados e os cegos recuperavam a visão.
Mesmo que todos os ossos do corpo de uma pessoa fossem quebrados, seus intestinos fossem arrancados ou o coração rompido, os milagres de Anise curavam qualquer ferida em um piscar de olhos. Ela poderia consertar absolutamente qualquer coisa, a menos que a pessoa estivesse realmente morta. As únicas pessoas que ela falhava em ajudar eram os mortos… E Hamel, cuja alma estava se dissipando devido à maldição do Lich, Belial.
—Não estou bem. — Respondeu Anise.
Eugene não tinha certeza em qual campo de batalha Anise havia dito isso. Foi depois que mataram o Rei Demônio da Carnificina? Foi depois que eles mataram o Rei Demônio da Crueldade ou o Rei Demônio da Fúria? Quando lutaram contra Kamash e os gigantes? Enquanto evitavam o bombardeio de Raizakia? Quando estavam lutando contra os vampiros suicidas… O exército de demônios liderado pela Lâmina do Encarceramento?
Ele não tinha ideia, porque lutou muitas batalhas trezentos anos atrás. Na verdade, podia contar nos dedos o número de vezes que terminou uma luta ileso. Hamel sempre esteve ocupado tratando de seus ferimentos após as batalhas, não, ele até tratava de seus ferimentos durante as batalhas. Pessoas morriam todos os dias nos campos de batalha trezentos anos atrás, então, é claro, também havia muitos feridos. Muitas pessoas que perdiam alguém para monstros, bestas demoníacas ou demônios lutavam nesses campos de batalha por ódio e desejo de vingança, em vez de qualquer crença fantasiosa sobre salvar o mundo.
Essas pessoas eram terrivelmente fracas, mas foram de campo de batalha em campo de batalha para acalmar sua raiva e buscar vingança. Embora quisessem dar tudo de si para alcançar esses objetivos nos campos de batalha, subconscientemente sabiam que nunca poderiam fazê-lo, então apenas esperavam que pudessem morrer lutando.
Anise, a santa, nunca foi capaz de sentar e vê-los morrer. Apesar do eu normal e nada santo de Anise, ela era mais devota e santa do que qualquer outra pessoa quando precisava.
Quando o grupo de heróis chegou ao castelo do Rei Demônio do Encarceramento, todos os cinco membros estavam vivos e aptos para lutar. Eles enfrentaram várias crises que quase os deixaram incapazes de lutar, mas apenas cicatrizes inapagáveis foram deixadas em seus corpos. Durante anos, eles travaram batalhas todos os dias, mas ainda estavam em plena forma graças aos milagres dela.
—Você se sobrecarregou. — Hamel murmurou, olhando para Anise.
No campo de batalha, eles podiam sentir o cheiro do sangue… E o cheiro de cadáveres em decomposição e queimados.
—Sabe, eu sei que você é tão teimosa que nunca daria ouvidos a ninguém. — Disse Hamel.
—Não quero ouvir isso de alguém como você. — Resmungou Anise.
—Por quê? É porque eu também sou um maldito teimoso que nunca escuta? Bem, você está certa. Mas ao contrário de você, eu escolho quem salvar, Anise.
Hamel deu de ombros.
Anise não respondeu.
Clique.
Em vez disso, ela desabotoou o manto de sacerdotisa, então Hamel suspirou e se aproximou dela.
—Eles estão implorando para serem mortos, porque realmente querem morrer. Deixá-los morrer será a salvação deles, em vez de curá-los, então por que… Por que você está assumindo todo esse sofrimento passando pelo trabalho de salvá-los? — Hamel perguntou.
—Por que uma sacerdotisa precisaria de um motivo para salvar alguém? — Anise respondeu sem se voltar para Hamel. — O fato de que eles não querem ser salvos não é da minha conta. Eu apenas os salvo, porque posso salvá-los. Não salvá-los quando posso significaria que estou fechando os olhos para tudo.
Um por um, ela desabotoou o resto dos botões de seu manto enquanto continuava.
—Não posso, não, não vou fazer isso. Você perguntou por que sofro perdas, certo? Não, não estou sofrendo perdas, Hamel. Farei muitas boas ações salvando muitas pessoas para que eu possa ir para o céu.
Seu manto sacerdotal caiu no chão.
—Claro, já fiz boas ações o suficiente para ir para o céu. Como Deus deve estar observando minhas boas ações, ele concederá uma luz tão brilhante quanto o número de minhas boas ações. — Explicou Anise calmamente.
Quando uma pessoa morria, as boas ações que ela havia feito antes de morrer tornavam-se luz e suas más ações tornavam-se trevas. Se sua luz fosse brilhante o suficiente para ofuscar a escuridão, então a pessoa poderia ir para o céu, onde não havia trevas. Todos os pecados deste mundo foram criados nas trevas, onde não havia luz, e como não havia trevas no céu governado pelo Deus da Luz, não havia pecado. Portanto, ninguém sofria.
Essa era a história em que os cidadãos do Império Yuras acreditavam.
—Deus não sangra em nome de ovelhas. Embora Deus seja uma luz brilhante o suficiente para ofuscar toda a escuridão, não está iluminando a escuridão que agora está tentando engolir o mundo.
O cabelo comprido de Anise era a única coisa que cobria suas costas nuas. Ela o levantou enquanto continuava a falar em um tom amargo.
—Sou a Santa da Luz, e como santa de Deus, tenho que ofuscar as trevas deste mundo se Ele não o está fazendo. Eu deveria derramar sangue sagrado e iluminar a escuridão com minha luz em Seu nome, Hamel. Eu… Acho que nem todo mundo que morreu depois de viver nesta era horrível pode ir para o céu.
As costas de Anise estavam ensanguentadas. Por ter visto isso várias vezes, Hamel já estava acostumado. Sempre que Anise usava muito de seu poder divino ou realizava grandes milagres muitas vezes, as costas dela sempre ficavam ensanguentadas. Sempre que isso acontecia, ela chamava Hamel, mas ele tinha certeza de que não planejava fazer isso no começo.
Houve uma época, muito tempo atrás, em que Vermouth, Sienna e Moron saíram para cuidar dos remanescentes próximos das forças demoníacas depois de terminarem uma batalha, mas Hamel e Anise ficaram para trás, porque ele havia sido muito ferido e ela estava muito cansada. Em vez de pedir à já cansada Anise para usar sua magia de cura nele, Hamel tentou prestar os primeiros socorros a si mesmo, mas enquanto cuidava de seu ferimento, Anise desmaiou.
—Vou me tornar a segunda luz mais brilhante, depois do deus que sirvo.
Anise entregou a Hamel uma toalha molhada.
Segurando a toalha molhada, Hamel limpou cuidadosamente as costas ensanguentadas de Anise.
—Assim também iluminarei a escuridão das pessoas que não puderam ir para o céu. Nem todas as pessoas que morreram nesta geração poderão ir para o céu, mas guiarei o maior número possível de pessoas até lá.
Quando Hamel enxugou o sangue, suas feridas foram reveladas, não, não feridas, mas uma escrita divina gravada em suas costas inteiras. Sempre que Anise realizava um grande milagre, a escrita divina se aprofundava em sua pele, fazendo-a sangrar. A escrita foi crescendo pouco a pouco. A primeira vez que Hamel viu as costas dela, as letras divinas estavam esculpidas apenas perto de seus ombros, mas toda vez que realizava um milagre, a escrita divina tornava-se mais longa e mais larga. A escrita divina que Hamel podia ver agora já havia alcançado sua cintura.
—É interessante como você não pode curar suas próprias costas quando pode usar todos os tipos de milagres.
—Esse é o meu estigma, que por si só já é um milagre, então não seria absurdo tratar um milagre com outro milagre?
Levando a garrafa de água benta da cintura até os lábios, Anise sentou-se, para que Hamel pudesse enxugar o sangue com mais facilidade.
Hamel geralmente visava a água benta de Anise, mas não em tempos como estes, porque ele descobriu o motivo dela beber a água benta sem parar.
—Me diz se doer.
—Não está doendo.
Anise riu e bebeu a água benta como de costume.
Como ela era boa em esconder seus sentimentos e pensamentos, sempre dizia algo totalmente diferente do que estava pensando e sempre sorria, não importava o quão grave fosse sua dor.
Depois de limpar todo o sangue, Hamel aplicou pomada em suas escrituras profundamente esculpidas. Como seus supostos estigmas não podiam ser curados por um milagre, a pomada obviamente não poderia curar as feridas, mas elas sangravam menos se Hamel a aplicasse.
—Ainda bem que foi você quem descobriu sobre meus estigmas. — Anise murmurou enquanto colocava de lado sua água benta. — Eu não quero mostrar isso para Vermouth, e Moron… Eles começariam a lutar passivamente, desistindo de sua força. Quanto a Sienna… Heh, ela me conteria fisicamente para me impedir de fazer algo perigoso.
—E quanto a mim?
—Você tenta me entender. — Anise riu. —Embora você diga ‘não faça nada perigoso’, você entende o porquê estou sendo teimosa, então não me impede. Sabe que quanto mais violentamente você luta, mais eu sangro, mas sempre luta da mesma maneira.
—Assim será melhor para você.
Quando Hamel terminou de limpar o sangue e aplicar a pomada, enfaixou o ferimento de Anise.
—Você não vai ouvir, não importa o que eu diga, mas as batalhas serão mais longas se eu lutar passivamente. Então, terminar as batalhas rapidamente nos trará menos dano geral, mesmo que seja perigoso.
—Hehe, e você é hábil em tratar ferimentos. Você envolve as bandagens muito bem, então não me sinto desconfortável, e não sente nenhum desejo físico quando vê minhas costas nuas.
Hamel franziu a testa.
—Que tipo de maldito sentiria luxúria ao olhar para as costas ensanguentadas e cheias de cicatrizes de alguém?
—Eu aprecio como você considera uma companheira de equipe como uma companheira em vez de uma mulher, mas por que você não pensa em outros assuntos para variar?
Anise riu.
—Sobre o quê?
—Bem, você sabe, como eu poderia estar sangrando dolorosamente por sua causa.
O tom de Anise era brincalhão.
—Eu disse que é melhor lutar agressivamente do que passivamente…
Anise caiu na gargalhada com o comentário de Hamel.
—Não temos Moron para isso? Hamel, a quantidade de sangue que derramei cairia pela metade se você e Moron se machucassem menos.
—Hmm…
Incapaz de dizer qualquer coisa, Hamel acabou de enrolar as bandagens.
—Vou tentar…
Recordando essa conversa de muito tempo atrás, Eugene pensou em Anise, a quem ele tinha visto pela última vez com oito pares de asas.
—Há menos asas.
Eugene observou a estátua divina de Anise em Yurasia, a capital do Império Sagrado. Uma estátua que ostentava apenas um par de asas.