Capítulo 17: Caverna
Duncan foi tomado por um frio cortante e um ar úmido e azedo, impregnado pelo cheiro repugnante de corpos em decomposição. Ele enfrentava uma provação sensorial perturbadora. O som constante de correntes de ferro arrastando-se pelo chão duro intensificava seu desconforto, provocando calafrios. Naquele momento, ele se viu incapaz de abrir os olhos, sentindo como se sua essência tivesse sido despedaçada. Parecia que uma parte de sua alma ainda estava presa ao Desaparecido, enquanto outra habitava um corpo que lhe parecia estranhamente alienígena. Esse corpo emprestado era como uma máquina antiga e desgastada, que resistia ao seu controle. Atordoado por uma confusão de sensações caóticas, ele sentia-se entorpecido e desconectado de si mesmo. Apesar de seus esforços para abrir os olhos e mover os dedos, descobriu, desolado, que mal conseguia perceber essas partes familiares de seu corpo.
Esse intenso sentimento de estranhamento durou vários segundos excruciantes antes que a misteriosa dormência começasse a se dissipar, e o efeito amortecedor sobre seus sentidos diminuísse lentamente. Era como se o “corpo” de Duncan estivesse despertando de um longo estado de dormência, recuperando gradualmente sua mobilidade perdida.
Com muito esforço, ele conseguiu abrir os olhos e observar seus arredores.
Duncan percebeu que estava confinado em um espaço vasto e semelhante a um calabouço. A luz oscilante das tochas nas paredes de pedra distantes lançava um brilho fantasmagórico, revelando a cena sombria ao seu redor. Seu olhar caiu sobre inúmeros corpos — restos de vidas extintas há muito tempo, espalhados descuidadamente pela terra úmida e o terreno irregular. Muitos dos cadáveres estavam seminus, e alguns ainda tinham fragmentos de roupas.
Gotas de umidade acumulavam-se no teto frio do calabouço, caindo constantemente, enquanto, em algum lugar ao longe, ele ouvia o som de água correndo, provavelmente de um rio subterrâneo ou dreno escondido. O som sinistro de correntes de ferro parecia vir de um profundo corredor conectado à caverna, gradualmente desaparecendo na distância.
Piscando os olhos, Duncan tentou entender essa reviravolta desconcertante. Ele olhou para sua mão direita e viu a aparência esquelética e desconhecida de sua palma. Roupas esfarrapadas pendiam frouxamente de seu braço. A bússola de latão que ele segurava antes não estava em lugar algum.
Seus olhos se voltaram para o lado, lembrando-se da forma vaga de uma sombra que o acompanhara através da luz estelar e do emaranhado de luzes. A sombra assumira a forma de um pássaro, mas um olhar rápido confirmou sua ausência.
Parecia que a aparição em forma de pássaro não o havia seguido para essa realidade física.
Tentando controlar sua crescente ansiedade, Duncan fechou lentamente a mão e tentou esfregar os dedos.
De repente, uma fraca chama verde surgiu na ponta de seus dedos.
Apesar de a chama ser significativamente mais fraca do que Duncan estava acostumado, ela ainda lhe trouxe algum conforto. Enquanto a delicada chama tremulava, sua mente desorientada experimentou um momento de clareza, tornando-o cada vez mais consciente de uma desconexão espiritual e de um vínculo desconhecido.
Ele tornou-se intensamente ciente de uma estranha divisão em sua consciência; parte de sua percepção estava ausente nesta realidade. Em vez disso, ele sentia um eco da presença do Desaparecido e uma inquietante sensação de ver seu outro eu sentado em uma mesa, segurando a bússola de latão.
Essa sensação era profundamente desconcertante, mas Duncan rapidamente compreendeu a natureza incomum de sua situação: sua consciência havia passado por uma espécie de projeção ou extensão. Uma parte de sua psique atravessara uma imensa distância e encontrava-se em um corpo completamente estranho.
Nesse estado projetado, Duncan ainda conseguia sentir claramente a existência de seu “eu original”.
Isso deve estar relacionado à bússola de latão! Seria essa a forma como o “item anômalo” manifestava seu poder?
Duncan considerou essa possibilidade, mas decidiu não se aprofundar nesse pensamento por muito tempo. Após se certificar de que seu eu original estava seguro e que sua consciência permanecia intacta, apesar de temporariamente residir em um corpo distante e sem nome, ele recuperou certa calma. Ele decidiu desvendar os mistérios desse “novo corpo” que agora ocupava.
Primeiramente, uma coisa era clara: ele definitivamente não estava em um navio.
Ele estava em terra — uma terra que havia lhe escapado, apesar de seus dias à deriva no mar!
Segundamente, a caverna sombria e opressiva parecia longe de ser acolhedora, e os corpos espalhados de forma descuidada ao seu redor não se assemelhavam a um típico local de “sepultamento”. Como ele havia acabado preso neste lugar terrível dentro do corpo que agora habitava? Que sequência de eventos desafortunados o levaram a essa situação?
Respirando fundo, Duncan conseguiu se empurrar para uma posição sentada. Seu corpo estava encostado em uma grande rocha irregular, longe de ser confortável.
Ao inspirar e se endireitar, Duncan sentiu uma sensação estranha em seu corpo. Era como se o ar que ele respirava desaparecesse imediatamente, deixando uma sensação oca e fantasmagórica em seu peito. Mesmo o simples ato de sentar-se parecia distorcido.
Intrigado com essa anomalia, Duncan olhou para baixo e viu um buraco escancarado.
O buraco, localizado onde deveria estar seu coração, estava completamente vazio. Uma brisa fria fluía do vazio, misturando-se com o ar que ele acabara de inspirar e não exalou completamente, antes de finalmente se dissipar no ar úmido.
De certo ângulo, Duncan podia até ver com clareza alarmante a cena atrás de si.
“… Mas o que é isso?!”
Apesar de sua natureza resiliente e das experiências que teve a bordo do Desaparecido, Duncan não conseguiu conter o suor frio que surgiu naquele momento. Sentiu sua pele arrepiar enquanto um calafrio percorria sua espinha!
No entanto, após experimentar uma onda de terror intenso, Duncan percebeu que ainda estava de pé, sua vitalidade intacta, a ponto de ainda ter energia para xingar em voz alta.
Apesar da óbvia ausência de seu coração e de um vazio cavernoso em seu peito, aquele corpo não registrava nenhuma sensação de dor.
“Será que isso é… um cadáver?”
Após um breve momento, Duncan conseguiu reunir seus pensamentos e compreender melhor sua situação peculiar.
Habitar um corpo sem vida e possuir a habilidade de se mover e funcionar talvez não fosse tão perturbador quanto parecia à primeira vista. Afinal, ele ainda era capaz de comandar um navio espectral, e seu primeiro imediato era um bode de madeira com um talento sobrenatural para tirá-lo do sério. Recentemente, ele até mesmo encontrou uma boneca amaldiçoada capaz de agir independentemente e navegar pelo Mar Sem Fim. Alguma dessas experiências poderia ser menos desconcertante do que “um cadáver que conversa”?
Pelo menos agora, ele havia perdido apenas o coração. Pensou em Alice, cuja cabeça frequentemente se desprendia do pescoço…
Com esses pensamentos passando por sua mente, Duncan rapidamente recuperou a compostura e começou a avaliar as habilidades de seu corpo atual. Ele se adaptou à mecânica peculiar de movimento ditada pela anomalia em seu peito antes de se dirigir aos corpos inertes espalhados pela caverna.
“Como eu suspeitava…”
Duncan se aproximou do primeiro cadáver e não ficou surpreso ao ver a grotesca cavidade em seu peito.
O falecido era um homem de meia-idade com aparência desgastada e roupas esfarrapadas, lembrando um mendigo que se poderia encontrar nas ruas. O homem havia morrido há algum tempo, mas o brilho fervoroso ainda preso em seus olhos testemunhava as lutas e a desolação que ele deve ter enfrentado em seus momentos finais.
Duncan continuou, encontrando um corpo sem coração após o outro, cada um espalhado de forma lamentável sobre as pedras frias. Apenas duas exceções se destacaram — dois cadáveres com ferimentos horríveis na cabeça, provavelmente causados por uma violenta colisão com o chão rochoso, resultando em suas mortes imediatas.
Duncan ponderou — talvez esses fossem indivíduos que escolheram a morte ao invés do sofrimento agonizante de terem seus corações arrancados.
Admitidamente, o conteúdo daquela caverna era avassalador, até mesmo para um marinheiro experiente como Duncan. Após examinar todos os corpos, encontrou uma pedra relativamente mais limpa em uma parte mais isolada da caverna para se sentar e organizar seus pensamentos. Aos poucos, acalmando seus nervos, ele começou a montar o quebra-cabeça daquela realidade sombria.
Era evidente que ele havia se deparado com uma cena terrível de assassinato em massa. Contudo, a forma metodicamente fria e uniforme dos assassinatos sugeria uma intenção sinistra e ritualística por trás dos atos.
Duncan conjurou novamente a chama fantasmagórica, sentindo de forma aguda o vínculo psíquico que o conectava ao seu “eu original”. Ele estava consciente de sua capacidade de cortar os laços com este “estado projetado” à vontade e retornar à segurança do Desaparecido.
Ainda assim, Duncan sentiu que era crucial entender os eventos que haviam ocorrido ali, mesmo que fosse apenas para reunir informações sobre a terra.
Ele respirou fundo, sentindo a sensação do vento passando pelo vazio em seu peito. Levantando-se da pedra que escolhera como assento temporário, voltou sua atenção para o caminho que se estendia mais profundamente na caverna. Ele se lembrou que o som inquietante de correntes de ferro raspando umas nas outras vinha daquela direção.
O reino subterrâneo não era habitado apenas por corpos sem vida; havia outros que se moviam por ali. Esses seres, que podiam atravessar livremente aquele terreno de pesadelo, talvez possuíssem as respostas que ele procurava.
Embrenhar-se mais fundo para explorar a situação envolvia, sem dúvida, riscos, mas Duncan não se deixava intimidar. Afinal, ele estava em um estado de relativa tranquilidade.