Capítulo 21: Anúncio, O Ritual Correu Bem
Enquanto as orações ressonantes do sumo sacerdote do culto chegavam aos seus ouvidos, Duncan interrompeu abruptamente seus esforços para romper a projeção de sua alma e retornar ao Desaparecido.
Ele fixou os olhos no sumo sacerdote, que acabara de concluir suas fervorosas invocações, erguendo um punhal negro como a noite no ar. Os devotos ao redor explodiram em um cântico uníssono, invocando sua “divindade” — uma memória distorcida do há muito esquecido “verdadeiro Sol Negro.”
Eles planejavam sacrificar Duncan ao Sol Negro, oferecendo seu coração como o tributo supremo.
Esse entendimento clareou a compreensão de Duncan enquanto ele começava a decifrar a aterrorizante cena que testemunhara na caverna, reconhecendo a loucura e a malícia dos membros do culto.
Então, ele observou o sumo sacerdote mascarado aproximar-se, com as chamas negras do punhal sombrio tremeluzindo ameaçadoramente.
Esse extraordinário espetáculo sobrenatural despertou a curiosidade de Duncan. Ele ponderou se o punhal era algum tipo de artefato “anômalo”, se o sumo sacerdote possuía poderes sobrenaturais e quantos outros indivíduos únicos existiam dentro da sociedade civilizada deste mundo, além de quais poderiam ser seus papéis.
Mantendo uma expressão neutra, ele observou o punhal coberto de chamas negras perfurar seu peito, emitindo um som abafado ao rasgar suas roupas esfarrapadas.
As chamas persistiram brevemente dentro dele, mas, além disso, nada mais aconteceu.
Atrás dele, a esfera de fogo que queimava no totem explodiu subitamente em uma série de estalos inquietantes. Em meio ao caos, um som desorientador e rasgante parecia emanar da bola de fogo. Duncan sentiu vagamente algo gélido e selvagem sendo liberado — uma “sensação” indescritível. Ele lutou para articular esse sentimento, em parte porque os sentidos do corpo emprestado estavam entorpecidos e em parte porque essa sensação ultrapassava qualquer uma de suas experiências anteriores. Uma coisa era certa — o sacrifício ritualístico do sumo sacerdote havia desencadeado uma grande perturbação nesse reino repleto de fenômenos sobrenaturais tangíveis.
A súbita transformação do “símbolo solar” no totem capturou a atenção dos fiéis ao redor. Após alguns murmúrios abafados, a atmosfera anteriormente carregada dissipou-se rapidamente. Até mesmo as duas figuras encapuzadas que seguravam firmemente os braços de Duncan soltaram-no em pânico e ajoelharam-se em reverência diante do totem. O sumo sacerdote, ainda segurando o punhal de obsidiana, permaneceu paralisado, sua mão cerrada ao redor da lâmina. No entanto, seu olhar permaneceu fixo no rosto do “sacrifício” à sua frente. Pelas fendas da máscara, Duncan pôde ver olhos agora preenchidos de confusão e tumulto.
Com esforço, Duncan forçou os cantos da boca a formarem um sorriso estranho. Laboriosamente, ele levantou a mão direita e a colocou sobre a mão estendida do sumo sacerdote, que segurava firmemente o punhal de obsidiana. De sua palma, fios de uma chama etérea e verde começaram a fluir, escorrendo sobre a lâmina como água em um riacho, eventualmente envolvendo toda a arma em uma aura fantasmagórica.
Naquele momento, Duncan sentiu uma reação peculiar do punhal. Parecia que ele segurava uma réplica mal feita, uma imitação vazia de uma arma real. A sensação era frágil e insubstancial; a arma parecia possuir apenas um traço de “poder emprestado”, semelhante a um filete de água em um leito de rio seco.
Ainda assim, Duncan permaneceu impassível. A autenticidade do punhal tinha pouca importância para ele.
Com um sorriso lupino, ele dirigiu-se casualmente ao sumo sacerdote:
“Tenho dois comentários a fazer.”
Subitamente, o sumo sacerdote sentiu uma ruptura perturbadora no vínculo místico entre ele e o punhal de obsidiana. Sua fé inabalável no poder concedido pelo Sol Negro atingiu uma barreira impenetrável e foi abruptamente cortada.
“Primeiro”, declarou Duncan, “sou uma pessoa de ampla tolerância — como evidenciado pela minha personalidade expansiva.”
Sem nenhuma cerimônia, Duncan rasgou o último pedaço de sua outrora majestosa vestimenta, já severamente danificada pelo punhal. O grande buraco exposto era intimidador, dando ao sumo sacerdote, que liderava o ritual, uma visão clara da cena se desenrolando atrás de Duncan.
“Segundo”, continuou ele, “eu recomendaria que evitassem oferecer ao seu Senhor restos requentados.”
Com um gesto displicente, Duncan empurrou a mão do sumo sacerdote. Curiosamente, depois que suas chamas verdes cobriram o punhal de obsidiana, o sumo sacerdote parecia ter perdido grande parte de sua força anterior. Isso o deixou tão enfraquecido que Duncan, apesar de seu próprio estado debilitado, facilmente o empurrou para o lado.
Surpreso com o empurrão repentino, o sumo sacerdote foi trazido de volta à realidade, uma mistura de medo e raiva dominando-o. Seus músculos tremiam enquanto ele apontava um dedo acusador para Duncan, reunindo toda a sua força para gritar na tentativa de retomar o controle sobre o ritual caótico:
“Maldito morto-vivo! Um cadáver reanimado! Você profana este ritual sagrado! Miserável… quem é o audacioso necromante que o controla?! Você não teme o poder sagrado do sol?!”
“Não entendo suas acusações”, respondeu Duncan, lançando um olhar casual à adaga de obsidiana em sua mão, sentindo o leve eco de poder ainda ressoando em sua palma. Ele então voltou sua atenção para o sacerdote mascarado, escutando o leve som crepitante que emanava do totem atrás de si. Uma ideia ousada e travessa começou a tomar forma em sua mente. “No entanto, sinto-me subitamente inclinado a saciar minha curiosidade.”
Com um gesto dramático, Duncan ergueu a adaga de obsidiana, capturando a atenção dos cultistas em vestes negras ao redor, que o observavam em silêncio atônito e terror crescente. Apontando para o sacerdote mascarado, sua voz ribombou pela plataforma cerimonial: “Ó poderoso e sagrado Sol Negro! Aceitai este sacrifício sobre Vosso altar! Apresento-Vos o coração desta oferenda, para que possais renascer do sangue e da chama!”
Nesse momento, uma poderosa explosão de chamas irrompeu da adaga de obsidiana. Simultaneamente, a aura gelada emanando do totem atrás de Duncan recuou, sua flecha espectral apontando diretamente para o sacerdote mascarado. Duncan viu os olhos do sacerdote se arregalarem de terror, seu corpo se preparando para fugir da plataforma cerimonial. No entanto, a adaga foi mais rápida.
Impulsionada por uma força invisível, a adaga disparou da mão de Duncan como um cometa, flamejando em chamas negras e verdes que ondulavam sutilmente. Ela atingiu o sacerdote diretamente no peito, arrancando um grito horrível. Em questão de segundos, o coração do líder do culto foi empalado e reduzido a cinzas.
Quase imediatamente, a adaga retornou à mão de Duncan, aparentemente tendo consumido todo o seu poder residual durante o breve voo.
No altar sacrificial do culto, estavam duas pessoas: uma com coração, outra sem. Naquele dia, uma certa divindade malévola desenvolveu um apetite por um coração humano e fez a pergunta — quem perderia o seu?
Inevitavelmente, seria aquele que ainda tinha um coração.
A simplicidade dessa lógica não preparou Duncan para o desenrolar fluido do evento. Ele não esperava que seu “experimento” caprichoso resultasse em um desfecho tão dramático. Apenas quando viu o corpo sem vida do sacerdote colapsar, ele se virou para o totem intocado atrás de si, sua voz ecoando com uma nota de surpresa: “Então, desde que a formulação seja apropriada, o sacrifício pode ser qualquer um?”
Como esperado, a esfera flamejante no topo do totem não respondeu às suas reflexões. No entanto, os cultistas ao redor do altar logo se recuperaram do choque inicial. O caos se instalou, mas um surto de fervor fanático rapidamente substituiu o medo provocado pelo comportamento peculiar do totem.
Os cultistas mais próximos do altar foram os primeiros a se recompor. Gritando em nome do Sol Negro, avançaram contra Duncan. Seu movimento audacioso inspirou outros, reunindo mais figuras encapuzadas para se juntarem ao ataque frenético. Como se possuídos, eles avançaram, alguns sacando espadas curtas e adagas escondidas sob suas vestes.
Duncan inicialmente planejava declarar: “Ofereço os corações de todos no altar ao Sol Negro”, para testar o apetite da divindade. No entanto, ao ver alguns cultistas sacarem revólveres de seus bolsos, ele rapidamente abandonou a ideia. Considerando o tempo que o ritual de sacrifício levaria para surtir efeito e a regra de “ser preciso e rápido em sete passos1”, ele simplesmente fez um gesto obsceno para os cultistas e rompeu sua projeção de alma.
Que esses fanáticos continuassem com sua loucura. Ele estava voltando para o Desaparecido.
Enquanto isso, no vasto e infinito Mar Sem Fim, passos rítmicos ecoavam no convés do Desaparecido.
Alice, a boneca vestida com um magnífico traje gótico, deixou seu quarto e dirigiu-se à cabine do capitão.
Desta vez, a bela caixa de madeira que geralmente acompanhava a Senhorita Boneca foi deixada no quarto.
O capitão havia informado a ela que era livre para circular pelas cabines no convés inferior ou caminhar pelo convés, e que, se tivesse alguma dúvida, deveria ir diretamente à cabine do capitão.
Alice se lembrava disso claramente.
- É uma referência ao ‘Poema dos Sete Passos’, segue no rodapé a explicação.⤶
O Poema dos Sete Passos (七步诗, Qībùshī) é uma história famosa da literatura e cultura chinesa, frequentemente associada a inteligência, criatividade sob pressão e crítica indireta. Ele remonta ao período dos Três Reinos (220-280 d.C.) e está ligado a Cao Zhi (曹植), um talentoso poeta e irmão de Cao Pi (曹丕), o primeiro imperador do Reino Wei.
O Contexto da História
De acordo com a tradição, Cao Pi, desconfiado e ciumento da habilidade poética e popularidade de seu irmão mais novo, Cao Zhi, acusou-o de conspirar contra ele. Para testar a lealdade e o talento de Cao Zhi, Cao Pi deu uma ordem: ele deveria compor um poema em apenas sete passos. Se falhasse, seria condenado à morte.
Cao Zhi aceitou o desafio e, em sete passos, criou o seguinte poema:
O Poema dos Sete Passos (Tradução)
煮豆燃豆萁,
豆在釜中泣。
本是同根生,
相煎何太急?
Tradução aproximada:
Queimam-se caules de feijão para cozinhar o feijão,
No caldeirão, o feijão chora.
Ambos vieram da mesma raiz,
Por que se torturam com tanta pressa?
Significado do Poema
O poema é uma metáfora para a relação entre os dois irmãos. O feijão e seus caules simbolizam Cao Zhi e Cao Pi, ambos nascidos da mesma família, da mesma “raiz”. O poema é uma crítica à crueldade de Cao Pi por tentar destruir seu próprio irmão, mesmo sendo parte da mesma linhagem.