Capítulo 42: O Conhecimento Dentro dos Livros
À medida que a cidade entrava em toque de recolher, Duncan se viu confinado à loja de antiguidades durante toda a noite. Apesar das limitações impostas, a empolgação de pisar em terra firme pela primeira vez em tempos alimentava uma curiosidade insaciável. Ele explorou com entusiasmo cada canto e recanto do antigo edifício, agora seu santuário temporário.
O corpo que habitava pertencia a um cultista, mas também a um indivíduo comum que dependia de comodidades modernas para sobreviver. Como todos os outros, essa pessoa se apoiava nas conveniências contemporâneas para comunicação e necessidades diárias.
Enquanto Duncan se familiarizava com o novo ambiente, ele encontrou diversas pistas que começaram a revelar as complexidades da vida na cidade-estado de Pland. Essas pistas ofereciam entendimentos sobre os avanços tecnológicos, padrões de vida e normas culturais da época.
Durante sua exploração, Duncan descobriu um compartimento escondido atrás do balcão no térreo. Dentro dele, encontrou uma quantia modesta de dinheiro—moedas e notas em tons de azul e verde, moedas padrão em muitas cidades-estado. Essas moedas, emitidas conjuntamente pelas cidades-estado e pela Associação Bancária do Mar Sem Fim, formavam a espinha dorsal econômica da região. A unidade principal era o ‘Sora’, com uma subunidade chamada ‘Pesos’, avaliada em um décimo de um Sora. A quantia encontrada por Duncan somava pouco mais de duzentos Soras, suficiente para sustentar uma família de três pessoas no distrito inferior por cerca de um mês.
Apesar do comércio limitado da loja e da maior parte dos bens ter sido doada ao culto, era evidente que o proprietário original mantinha um padrão de vida básico, indicando um fluxo constante de clientes na loja de antiguidades.
O térreo estava dividido em duas áreas: uma loja que ocupava a maior parte do espaço e um depósito escondido atrás de uma pequena porta na base das escadas. Outra porta, na parte de trás do depósito, provavelmente servia como entrada para entregas.
O layout do segundo andar era mais complexo, abrigando um banheiro, dois quartos — um grande e outro pequeno — e um espaço utilitário compartilhado com o edifício vizinho. Ambos os quartos, localizados em lados opostos da escada, estavam relativamente organizados.
Uma pequena cozinha no segundo andar parecia abandonada há pelo menos duas semanas, coberta por uma camada espessa de poeira, sugerindo desuso.
Após uma exploração minuciosa, Duncan sentiu-se compelido a retornar ao quarto principal no andar superior. Menor que seu antigo apartamento de solteiro, o quarto continha um armário ao lado da cama que chamou sua atenção.
Sobre o armário havia uma moldura com uma fotografia em preto e branco de uma família humilde de três pessoas — um jovem casal e uma menina de cerca de quatro ou cinco anos — posando contra um fundo artificial de pátio. Embora sorrissem levemente, suas expressões revelavam um ar de alegria forçada.
Examinando a foto de perto, Duncan tentou conectar os pontos entre as pessoas na imagem e suas memórias vagas, notando a ausência do proprietário original do corpo. Parecia provável que essas pessoas fossem parentes próximos daquele que ele agora habitava.
Ao recolocar a foto, Duncan ponderou sobre o custo de uma imagem como aquela para pessoas comuns no distrito inferior e sobre o estado da tecnologia fotográfica naquele mundo.
Sua atenção então se voltou para a cama meticulosamente arrumada, provocando curiosidade. Um devoto cultista adorador do Sol teria tempo para manter um quarto tão impecável? Enquanto a loja no andar de baixo parecia negligenciada, esse quarto exalava cuidado e ordem.
Intrigado, ele entrou no quarto menor do outro lado das escadas, onde encontrou outra cama e uma escrivaninha arrumadas.
Mergulhando nas memórias adquiridas, Duncan recordou um detalhe significativo: o habitante anterior de seu corpo havia deixado o local vários dias antes, supostamente para uma reunião clandestina no local secreto do culto. Essa partida marcou a última saída da loja. Curiosamente, não havia nenhuma lembrança de preparativos para organizar o espaço antes da partida.
Isso levou Duncan a refletir: havia outras pessoas que compartilhavam esse espaço? Poderiam ter existido membros da família coabitando com esse indivíduo rotulado como ‘cultista’?
Com uma expressão de preocupação, Duncan vasculhou meticulosamente suas memórias em busca de mais pistas enquanto se aproximava da escrivaninha no quarto menor. Sua atenção foi atraída para a papelaria cuidadosamente disposta e, notavelmente, para um livro em destaque, adornado com uma capa azul-escura e ilustrações intrincadas de engrenagens e mecanismos. Seu título, escrito em uma caligrafia elegante, chamou sua atenção: “A Arte do Vapor e Engrenagens — Cartilha Universal III”.
Uma expressão perplexa tomou conta de Duncan. Embora suspeitasse que aquele quarto pertencesse a outra pessoa, sentiu-se instintivamente compelido a pegar o livro.
Em nenhum outro lugar da loja havia literatura relacionada ao Desaparecido, nem no quarto principal nem em outros lugares. O livro que Duncan encontrara por acaso poderia oferecer informações inestimáveis sobre esse reino enigmático.
Ao abrir o tomo, Duncan foi recebido por páginas adornadas com ilustrações meticulosas. A disposição lembrava o de um livro didático, explorando metodologias de engenharia e os princípios fundamentais da tecnologia a vapor. Espalhadas pelas páginas, havia numerosas anotações feitas por um leitor anterior.
A caligrafia exalava ordem e sofisticação, sugerindo uma possível origem feminina.
Massageando as têmporas, Duncan refletiu sobre o ocupante original de seu corpo atual, um ser aparentemente desprovido de vínculos estreitos — nem amigos, nem familiares. As memórias à sua disposição eram, em grande parte, marcadas pela solidão e desesperança. No entanto, após persistente esforço, ele conseguiu recordar uma única pessoa — uma jovem mulher com cabelos castanhos e lustrosos.
Ela se destacava como a única figura significativa nas recordações em declínio de um cultista chamado Ron.
Voltando sua atenção para o livro, Duncan desconsiderou a terminologia técnica e os diagramas, imergindo, em vez disso, nos prefácios editoriais e nas discussões sobre temas mais amplos.
Uma passagem em particular chamou sua atenção:
“… As chamas, especialmente aquelas geradas pela combustão de óleos oceânicos e minerais cristalizados extraídos das águas circundantes, são elementos indispensáveis ao funcionamento de nossa sociedade contemporânea e à preservação de nossa civilização…
“A estabilidade e a prosperidade de nossa sociedade dependem grandemente da utilização do fogo e do vapor… A eletricidade limpa e conveniente não pode substituir as funcionalidades abrangentes do fogo, nem pode garantir o funcionamento contínuo de máquinas de grande escala… Experimentos demonstraram que o vapor permanece como a fonte de energia mais confiável dentro da influência do subespaço…
“Este capítulo esclarece três designs fundamentais de núcleos a vapor, elucidando seus princípios mecânicos e as filosofias de design subjacentes…”
Duncan fez uma pausa momentânea.
Recordou-se da onipresença de lâmpadas a gás, tochas e lampiões a óleo nos sistemas de esgoto, bem como das lâmpadas a gás iluminando as ruas nas vias da cidade. Ele ponderou sobre a peculiaridade da iluminação elétrica dentro dos limites da loja.
Haveria uma explicação racional para essas escolhas aparentemente não convencionais?
Apesar dos riscos aparentes associados a chamas abertas nos esgotos ou lâmpadas a gás iluminando ruas em uma era de progresso elétrico, poderia ser que o “fogo” servisse como um dissuasor contra certas “ocorrências misteriosas e perigosas”?
Uma mistura de emoções invadiu Duncan enquanto ele se aprofundava, descobrindo diagramas intrincados, anotações meticulosas e observações perspicazes deixadas pelo leitor anterior do livro.
Esses eram dispositivos além de sua compreensão, com pouca semelhança com os ‘motores a vapor’ de sua existência anterior.
Duncan admirou-se com as complexidades intrincadas do motor a vapor à sua frente. A precisão das engrenagens, a complexidade desconcertante dos cilindros e a rede elaborada de tubos e válvulas interconectando os diversos componentes ultrapassavam sua compreensão. Aquilo se assemelhava menos a um motor a vapor convencional e mais a um aparelho retirado das páginas de um tomo fantástico, caracterizado por uma estética intrigante, porém aparentemente contraditória.
Esse aparato era o núcleo propulsor do avanço da civilização neste reino.
Perdido em contemplação, Duncan cuidadosamente devolveu o livro ao seu local original na estante, seu conteúdo ultrapassando seu entendimento.
Como um habitante da Terra e um ex-educador, ele se via incapaz de compreender totalmente as profundezas das intricadas mecânicas a vapor detalhadas em suas páginas.
No entanto, uma centelha de compreensão começou a surgir. A trajetória da civilização neste reino parecia divergir drasticamente de qualquer precedente que ele tivesse encontrado.
Na luta pela sobrevivência em um mundo à beira do colapso, os habitantes aqui haviam criado uma vida tanto incomum quanto fantástica. No entanto, Duncan percebeu que, por mais bizarro que esse reino pudesse parecer, se fosse considerado uma ‘civilização’, deveria obedecer a sua própria lógica subjacente e aos princípios que guiavam sua evolução.
As lâmpadas a gás piscando nos esgotos, o brilho suave das luzes elétricas nas lojas e os aparelhos a vapor representados nos livros — todos testemunhavam a sabedoria coletiva e a resiliência de inúmeros indivíduos dentro dessa sociedade.