Capítulo 49: Problemas em Dobro

As escrituras antigas do Reino de Creta delineavam meticulosamente a hierarquia estruturada deste domínio celestial. A camada fundamental, protegida por verdades eternas e pela ordem cósmica, ocupava o mais alto patamar de todas as dimensões reconhecidas. Os deuses eram agraciados com a imortalidade simplesmente por sua presença nesse local exaltado.

Logo abaixo deste domínio celestial, situava-se o plano terrestre, o berço de todas as formas de vida. Aqui, sob a influência sutil, mas persistente, do divino, a humanidade prosperava em uma realidade estável e florescente, moldando o mundo em sua forma atual.

Mais abaixo, o reino espiritual existia como um domínio enigmático e evasivo, lar de fantasmas e espíritos. Nesta camada, a influência dos deuses diminuía, dando origem a entidades sobrenaturais estranhas e, muitas vezes, assustadoras.

Ainda mais profundo, nas correntes sombrias do oceano, havia um abismo hostil e desolado, um mar profundo e insondável, inalcançável até mesmo pelos mais poderosos deuses. Dominado por forças demoníacas, este reino refletia a desolação de um vazio infinito.

Enterrados ainda mais profundamente sob este reino abissal, encontravam-se os deuses esquecidos da antiguidade. Estas formidáveis divindades carregavam a amargura e o pesar daqueles perdidos no vazio, sua existência apagada da memória ao longo dos milênios.

De acordo com as lendas do antigo Reino de Creta, os deuses haviam estabelecido as leis que governavam toda a vida. No entanto, sua influência enfraquecia a cada camada descendente, permitindo que entidades malignas no subespaço — o reino mais baixo — desafiassem sua supremacia.

Assim, a estrutura do mundo contemporâneo era definida desta maneira: o ápice da ordem e da luz contrastando fortemente com a profundidade da escuridão e do caos, com o mundo mortal servindo como o palco para essas forças opostas.

Essa estrutura em camadas, originária da civilização que dominou a Era do Mar Profundo há 10.000 anos, foi amplamente estudada por estudiosos que validaram sua autenticidade, agora reconhecida como o ‘Modelo Padrão do Mundo’.

Este modelo sugere que, enquanto os humanos podiam explorar reinos mais profundos, a ascensão a níveis superiores era extremamente rara.

O reaparecimento do ‘Desaparecido’ do subespaço lançou dúvidas sobre a confiabilidade do Modelo Padrão, alinhando-se à teoria de que tais anomalias e aparições eram transitórias e não duradouras.

 

Nem o Bispo Valentine nem Vanna acreditavam que o capitão fantasma possuísse a capacidade de confrontar a Deusa da Tempestade. Privados de meios diretos, já que nenhuma evidência acadêmica havia ligado o fundamento divino diretamente ao plano mortal, os deuses podiam exercer sua influência apenas de forma indireta, por meio de símbolos e metáforas. Portanto, a ideia de um navio fantasma atacando os reinos superiores parecia altamente improvável.

Quando o Desaparecido percebeu a incapacidade de vingar-se diretamente contra a invulnerável Deusa da Tempestade, voltou seu foco para seus devotos seguidores no mundo mortal.

A Grande Catedral da Tempestade, reverenciada como um santuário central para os devotos da Deusa da Tempestade, assemelhava-se a uma Arca navegando pelo Mar Sem Fim. Esta Arca sagrada não deixava rastros enquanto navegava pelo reino espiritual, sua santidade encarnada pelo poder do Papa, que possuía a autoridade divina para comandar tempestades — um alvo potente, mas perigoso, dada a possibilidade de incitar a ira do mar.

Consequentemente, o Desaparecido se direcionou para a cidade-estado de Pland, uma ilha comercial isolada pelas águas, mas ansiosa por se engajar com o mundo exterior. Predominantemente habitada por fervorosos seguidores da Deusa da Tempestade, Pland representava o local ideal para sua retaliação.

Vanna especulava que o capitão do navio fantasma era movido por uma sede de vingança, originada de seu próprio destino trágico, quando o Desaparecido foi lançado no subespaço durante uma feroz tempestade um século antes. Ela não via outra explicação para o ressurgimento repentino do navio fantasma, e todas as evidências apoiavam sua teoria.

Ainda assim, Vanna era atormentada por uma pergunta persistente, levando-a a consultar o Bispo Valentine:

“Você acha que há uma conexão entre o Desaparecido e as recentes atividades sinistras dos discípulos do Sol Negro aqui em Pland?”

Refletindo brevemente, acrescentou:

“Na noite passada, sonhei que o sol escaldante e o Desaparecido apareceram juntos em Pland. Poderia a emergência simultânea deles ser um sinal divino?”

“Essa é uma suposição razoável”, respondeu o bispo. “No entanto, também devemos considerar o ‘sacrifício’ corrompido que assassinou um sacerdote do Sol Negro em circunstâncias clandestinas. Esse indivíduo era um mensageiro santificado do Sol Negro, o que sugere que o Desaparecido e os seguidores do Sol Negro podem, na verdade, ser adversários.”

 

Vanna concordou com a análise do bispo, não encontrando motivos para contestar sua lógica.

Após uma pausa, o bispo revelou informações confidenciais vindas da cidade-estado de Lansa. Ele informou que os hereges do Sol haviam reaparecido não apenas em Pland, mas também em outras cidades-estado, utilizando os portos de Lansa e Mok como bases estratégicas para acumular forças em outros lugares.

Surpresa, Vanna questionou: “Isso é uma dica?”

Com uma expressão solene, o bispo elaborou: “Os hereges estão procurando por um ‘fragmento do sol’. Eles acreditam que partes de sua divindade solar obliterada estão escondidas em algum lugar de Pland.”

Vanna expressou sua consternação e raiva: “Esses fanáticos! Quantas vidas eles precisam tirar em sua busca para ressuscitar aquele sol sombrio e blasfemo!”

O Bispo Valentine observou gravemente que os hereges consideravam sua divindade como o Sol Negro, um símbolo de ordem absoluta em sua perspectiva distorcida. Seu zelo extremo os deixava indiferentes ao caos que provocavam. Ao lidar com tais indivíduos, as opções eram claras: subjugá-los ou eliminá-los completamente.

Reconhecendo os desafios iminentes, Vanna percebeu que precisaria enfrentar tanto as ameaças dos seguidores do Sol Negro quanto o enigmático capitão fantasma. Se realmente existisse uma aliança secreta entre o culto do Sol Negro e o Desaparecido, a situação havia acabado de se tornar ainda mais complicada.

Com um suspiro cansado, o Bispo Valentine concordou com a avaliação de Vanna. “De qualquer forma, precisamos garantir que nosso clero e os sentinelas colaborem estreitamente com as forças da lei da cidade. Nosso principal objetivo deve ser descobrir os hereges do sol que entraram secretamente na cidade-estado e erradicar essa ameaça antes que outro perigo surja”, propôs Vanna. Sua estratégia enfatizava lidar com os problemas de forma sequencial, reduzindo, assim, o risco geral representado por ameaças múltiplas. “Quanto ao navio fantasma, dado o nosso atual desconhecimento de suas motivações, nossa melhor abordagem, por enquanto, deve ser manter uma vigilância atenta sobre os mares ao redor da nossa cidade…”


 

“Eu poderia por um pouco mais de ketchup…” Duncan sinalizou para Nina do outro lado da mesa de jantar. “Não precisa levantar, só me passe, por favor.”

 

Nina rapidamente entregou o ketchup a Duncan, respondendo: “Claro, tio Duncan.”

Era meio-dia, e Duncan e Nina estavam desfrutando de um almoço tranquilo juntos na aconchegante cozinha do segundo andar de sua charmosa loja de antiguidades. A refeição consistia em uma iguaria local — panquecas salgadas que podiam ser apreciadas com ketchup ou molho picante, acompanhadas por uma sopa de legumes um tanto simples. Apesar da simplicidade da refeição, ambos valorizavam profundamente o momento. Cenas de simplicidade e união haviam se tornado raras e preciosas em suas vidas cada vez mais ocupadas.

Por essa razão, Duncan sentia um apego crescente por esse canto acolhedor do mundo.

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