Capítulo 57: Alice Covarde

As palavras do capitão eram como a fria brisa noturna que atravessava a escadaria escura, fazendo Alice abraçar os próprios braços enquanto seguia de perto atrás de Duncan. Finalmente, ela entendeu o que o capitão queria dizer com ‘as luzes são escuras’.

Havia, de fato, luzes na cabine inferior — ao menos em termos de estrutura e disposição. A cabine tinha as mesmas colunas de sustentação que a parte superior, com lâmpadas a óleo penduradas nas laterais. No entanto, as chamas que ardiam ali não iluminavam a área ao redor, mas tornavam o espaço nas proximidades mais escuro do que as regiões distantes.

Isso mesmo, quanto mais próximo da lâmpada, mais escura a luz se tornava, como se a própria lâmpada sugasse a luz e transformasse tudo em escuridão.

Alice encarou a cabine por um longo tempo, sem encontrar palavras para descrever sua lógica:
“Isso… não faz sentido…”

“Uma boneca anormal está me dizendo que isso é irracional?” Duncan lançou um olhar para Alice, questionando se ela falava sério. “Abaixo do nível do mar do Mar Sem Fim, qualquer racionalidade é coisa do passado. Essa anormalidade é o que é normal.”

Ao dizer isso, sua expressão era bastante indiferente, como se a situação estranha já fosse algo rotineiro para ele. Mas qual era a verdade? Na realidade, a mente de Duncan não estava muito melhor, pois ele também estava igualmente assustado.

“Isso mesmo, isso mesmo…” Ai, a pomba em seu ombro, interveio no momento exato, apoiando a explicação do capitão.

Ignorando o barulho da pomba em seu ombro, Duncan observou cuidadosamente a cabine onde nunca havia pisado antes. Ajustando o ângulo da lanterna em sua mão para conseguir uma visão melhor, ele tentou compreender o que estava diante dele.

Abaixo da linha do mar do Desaparecido… As luzes estão “invertidas”. Quanto mais perto das lâmpadas, mais escuro fica, como uma espécie de imagem espelhada do mundo. Mas minha lanterna é normal, então essa regra não se aplica a ela…

Haveria algum princípio por trás dessa estranheza? Seria apenas a influência do Mar Sem Fim ou algo misturado às características do próprio Desaparecido que causava esse fenômeno? O ‘ambiente iluminado’ na cabine era real? E se aquelas lâmpadas a óleo fossem apagadas, o lugar ficaria mais claro novamente?

 

Por um momento, Duncan realmente quis testar sua ousada teoria e apagar as lâmpadas usando seu poder. Mas, no instante seguinte, a sanidade o conteve diante dessa má ideia. A experiência o havia ensinado que tudo no mundo deve ter um propósito, incluindo aquelas assustadoras lâmpadas negras.

Então, algo lhe ocorreu. Na cidade-estado de Pland, o conhecimento dizia que a luz de uma chama poderia afastar males perigosos. Mas agora Duncan tinha uma nova teoria. Talvez o que afastasse o mal não fosse a luz produzida pela chama, mas o próprio fogo. Sob certas condições, luz e escuridão poderiam se inverter. Nesse caso, a única coisa digna de confiança seria a chama em si, e nada mais, pois apenas ela permanecia verdadeira.

“Capitão?” A voz de Alice veio de repente ao lado, com nervosismo e preocupação. “Há algo incomum aqui?”

“Não há anormalidades”, respondeu Duncan, com a expressão inalterada, enquanto avançava lentamente.

Ao passar pelas lâmpadas absorventes de luz penduradas nas colunas de sustentação, Duncan também notou pilhas de cordas espalhadas na base, que poderiam ter causado problemas de tropeço — se não fosse o fato de que as cordas se moveram sozinhas para abrir caminho para o capitão.

Por alguma razão, um pensamento surgiu em sua mente: Luz e sombra são ilusões do mar profundo, e a realidade não é mais confiável ao nível do mar. A única coisa digna de confiança são as próprias chamas, que sempre guardam fielmente as riquezas do Desaparecido.

Ele observou as chamas silenciosas com uma nova perspectiva e assentiu, expressando aprovação e gratidão.

Por isso, as lâmpadas a óleo em toda a cabine se inflamaram, saltando e tremeluzindo com vida, cobrindo o salão inteiro em uma escuridão ainda mais densa…

Duncan: “…”

Ele imediatamente se arrependeu de sua avaliação inicial, pois isso era o que se chama de dar um tiro no próprio pé.

 

Alice se aproximou por trás e começou a observar cuidadosamente os arredores. Ela podia ver os grandes barris de madeira e algumas caixas empilhadas nos cantos da cabine, assim como algumas salas fechadas e corredores que não levavam a lugar algum. Sussurrando: “Parece que isso também é um armazém… Será que este já foi um navio de carga?”

“Se fosse um navio de carga, a mercadoria não seria armazenada em um lugar tão profundo — existe um conceito chamado custo de manuseio”, Duncan balançou a cabeça e disse casualmente. “Estes são suprimentos oceânicos, destinados a serem consumidos pelo próprio Desaparecido durante suas longas viagens.”

Alice piscou: “Suprimentos oceânicos?”

Duncan não se deu ao trabalho de explicar e seguiu em frente para inspecionar alguns dos carregamentos mais próximos.

Alguns dos barris continham um tipo de gordura, marrom-escura e viscosa, mas que não tinha o cheiro forte de petróleo bruto. Possivelmente algum tipo de combustível para o navio, aparentemente armazenado ali por um longo, longo tempo. Duncan até suspeitava que o combustível havia sido “estocado” antes de o Desaparecido se tornar um navio fantasma, podendo ter sido usado para iluminação e exorcismo. Desde que o navio se transformara em uma embarcação fantasma, muitos dos itens no porão de carga agora eram efetivamente inúteis.

Então, em outra parte dos barris empilhados, Duncan viu algo familiar — queijo mais velho que ele e bacon duro capaz de rachar pedras.

Duncan silenciosamente fechou a tampa.

A maior parte dos locais nesse nível estava preenchida com materiais de reserva. Embora uma parte considerável deles parecesse inútil pelos padrões de hoje, isso era suficiente para comprovar o julgamento anterior de Duncan sobre o Desaparecido. Pelo menos no início de sua construção, o navio havia sido projetado com o propósito de realizar uma longa viagem de exploração. Os compartimentos também eram todos isolados para evitar a propagação de fogo e infestações. Esse tipo de design não seria necessário para viagens curtas.

Agora, no entanto, esse ambicioso plano de exploração havia desaparecido, junto com sua tripulação. O que restava era um desastre natural conhecido pela humanidade como a praga dos mares: O Desaparecido…

Duncan e Alice continuaram caminhando sob essas condições, e, após atravessarem mais alguns armazéns separados, chegaram a um novo corredor com uma escada que levava a outro nível inferior.

 

“Eu sinto que… está ficando cada vez mais sombrio…” A Senhorita Boneca abraçou os braços e sussurrou para o capitão: “Você ouviu o vento? Como pode haver som de vento dentro da cabine?”

“Eu também ouvi, mas não fique nervosa, isso é normal”, Duncan disse casualmente e, em seguida, lançou um olhar para a boneca novamente. “Como é que sua coragem é tão pequena? Você é conhecida como Anomalia 099. Não deveria ter medo dessas coisas.”

Enquanto falava, Duncan também pensou nas informações que recebera de Nina. Nesse mundo, existem muitas listas de ‘anomalias’ e ‘fenômenos’ acessíveis ao público. Essas listas existem para ajudar as pessoas a evitar perigos que possam encontrar no dia a dia ou identificar sinais de comportamento anormal ao seu redor. Claro, tais listas nunca são completas, frequentemente omitindo algumas das variáveis mais perigosas e únicas do conhecimento geral.

Ele já havia tentado perguntar a Nina sobre a Anomalia 099, é claro, mas a garota nunca vira esse número no livro escolar.

Isso mostrava que a ‘boneca amaldiçoada’ Alice ou tinha algum segredo especial envolvido — daí o bloqueio de informações pela igreja e autoridades — ou… era simplesmente perigosa demais para ser mencionada na sociedade civilizada. Seja qual fosse a razão, não podia ser algo inocente ou inofensivo.

Mas essa misteriosa boneca apenas encolheu o pescoço após ouvir o comentário de Duncan, fazendo uma expressão nervosa: “Não é como se ter um número maior significasse que eu teria mais coragem. Eu sou a Anomalia 099, não a Coragem 099…”

Duncan suspirou, pensando que a boneca podia não ser a mais corajosa de todas, mas era certamente a mais covarde. Ainda bem que nenhum marinheiro realmente viu a aparência nervosa e assustada de Alice, caso contrário sua imagem estaria arruinada…

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