Capítulo 07: Boneca

O feroz inferno verde que havia rugido tumultuosamente começou a enfraquecer. Sua intensidade outrora aterrorizante diminuiu e desapareceu como um eco distante, até que as chamas esmeraldas se reduziram a meros resquícios fumegantes, uma memória sussurrada do vibrante incêndio que já fora. Da mesma forma, o mar antes feroz e tempestuoso gradualmente cedeu lugar a uma calma serena. Era como se uma tempestade formidável tivesse sido misericordiosamente apaziguada, trazendo tranquilidade após o caos que a precedeu.

Quando a cabeça de bode, parecendo saída de um conto mítico, confirmou que o navio, conhecido como o Desaparecido, havia navegado para fora do território traiçoeiro e agora poderia velejar autonomamente, Duncan relutantemente afrouxou o aperto no leme místico. Feito de obsidiana tão negra quanto a noite mais escura, o leme estava frio sob sua mão enquanto ele a retirava. Seu olhar então se voltou para o próprio corpo agora restaurado. O convés do navio, também, estava gradualmente voltando ao seu estado original, com o resíduo espectral das outrora vorazes chamas esmeraldas sendo limpo de sua superfície de madeira.

No fundo de si mesmo, Duncan abrigava a inquietante sensação de que muitos aspectos de seu mundo haviam sido irrevogavelmente alterados.

Desde o momento em que Duncan segurou o leme do Desaparecido, ele sentiu uma transformação inefável percorrer suas veias. Embora agora fossem meros resquícios fumegantes, as chamas esmeraldas pareciam ter forjado um vínculo poderoso e invisível entre ele, o navio e a vastidão infinita do mar. Essa essência remanescente de conexão, quase tangível, permitia-lhe perceber cada minúcia e detalhe intrincado do navio sob seus pés.

Lentamente, Duncan fechou os olhos, imergindo-se mais profundamente nessa nova consciência. Seus sentidos estavam aguçados, permitindo-lhe ouvir os sussurros suaves que ecoavam pelos corredores sombrios do Desaparecido. Cada sussurro carregava uma sensação estranha de familiaridade, quase reconfortante, mas ainda assim estranha. Em sua mente, ele viu a lanterna da cabine do capitão aceso, lançando um brilho suave e tremeluzente. O ritmo das ondas contra o casco do navio sugeria a presença de olhares ocultos espreitando sob a superfície. No entanto, sempre que ele se esforçava para localizar esses observadores invisíveis, eles o iludiam, escapando como sombras furtivas…

Reabrindo os olhos, Duncan exalou calmamente enquanto observava as velas etéreas tremulando ao vento no topo do mastro do navio. Ele se aproximou da escada que levava ao convés superior do navio, observando em silêncio admirado enquanto as cordas que ladeavam a escada se moviam para liberar seu caminho.

Foi apenas agora, tendo assumido o comando do leme, que Duncan realmente sentiu que havia assumido o papel de capitão do navio.

“Capitão, estamos ascendendo das margens do reino espiritual e em breve retornaremos ao reino dos vivos”, a voz da cabeça de bode ecoou na mente de Duncan, ignorando os tubos de cobre convencionais normalmente usados para conversas a bordo do navio. Sua voz carregava um peso, uma gravidade reservada para questões de extrema importância, marcando uma ruptura com seu tom habitualmente leve e falante. “Tivemos sorte. Nossa breve estadia nas partes mais profundas do reino espiritual foi marcada por nada mais que um leve ‘choque’, mal afetados pelas pressões formidáveis do mar profundo.”

Os conceitos do mundo real, o misterioso reino espiritual, as profundezas imponentes do mar e o domínio críptico conhecido como subespaço giravam na mente de Duncan. Ele percebeu que esses termos eram a chave para compreender a verdadeira essência do incomum mundo em que fora lançado, embora seus significados exatos permanecessem tentadoramente fora de alcance, como enigmas envoltos em mistérios.

Quando a cabeça de bode o chamou de “Capitão”, a sutil, mas perceptível mudança em seu tom o surpreendeu. Ficou claro para Duncan que, mesmo que revelasse sua verdadeira identidade como “Zhou Ming”, a criatura continuaria a respeitar sua autoridade e obedecer suas ordens. Essa mudança de percepção havia ocorrido após ele assumir o comando no leme e navegar com sucesso pela investida etérea do “fogo verde”.

 

No entanto, após um breve momento de indecisão, Duncan conteve-se de fazer perguntas precipitadas. Ele resistiu ao impulso de pressionar a entidade com cabeça de bode sobre os enigmas não resolvidos do reino espiritual, as profundezas formidáveis do mar e o enigmático reino do subespaço.

Apenas alguns dias antes, ele havia sido dominado por uma ansiedade esmagadora e inquietação, uma necessidade premente de decifrar a inexplicável situação em que estava preso. Agora, no entanto, sua abordagem havia se transformado; ele não era mais movido por uma urgência frenética.

Este novo mundo, habitado por seres conhecidos como “pessoas”, com diferentes embarcações, sociedades funcionando com uma ordem estabelecida e civilizações anteriormente desconhecidas para ele, enchia Duncan de uma empolgante expectativa pelas aventuras que o aguardavam. Ele até começou a formular vagos “planos” para o seu futuro nesse inesperado reino.

Enquanto mergulhava em sua introspecção, Duncan relembrou o encontro com o navio que havia emergido misteriosamente do denso e enevoado abismo. Ele recordava a distinta chaminé daquela embarcação e as estruturas mecânicas complexas que haviam se desdobrado em sua mente quando o navio cruzou com o Desaparecido.

“Aquilo era um navio movido por maquinaria… enquanto o Desaparecido é mais parecido com um antigo navio de guerra à vela”, ponderou Duncan em voz alta. “Mas também não depende inteiramente da mecanização.”

Certas seções daquele misterioso navio pareciam carregar uma sinistra significância. A disposição dentro das cabines lembrava-lhe algum cenário ritualístico arcano, e a quilha do navio estava adornada com uma variedade de padrões e símbolos incomuns — enfeites que pareciam ter significados que iam além de um simples propósito decorativo.

Quebrando a tranquilidade de seus devaneios solitários, Duncan subitamente dirigiu-se à entidade: “Cabeça de Bode.” Ele desconhecia o verdadeiro nome da criatura, então optou pelo apelido que instintivamente lhe veio à mente. “Durante a nossa ‘interseção’ com aquele navio, o indivíduo que parecia ser o capitão gritou algo para mim. Você sabe o que ele disse?”

Sem demonstrar surpresa ou desconforto ao ser chamado de Cabeça de Bode, a criatura aceitou o inesperado apelido com naturalidade e prontamente respondeu: “A tempestade estava muito violenta; não consegui distinguir claramente as palavras dele.”

“Você também não ouviu?” Duncan franziu a testa. “… Tenho a sensação, pelo olhar dele, de que ele estava pronto para morrer tragicamente comigo ou algo assim. Deve ter sido algo realmente importante para ele gritar para mim naquele momento.”

“É normal que os humanos reajam dessa maneira diante de você, Capitão. Isso é especialmente verdade para marinheiros, então não é surpresa. Não se preocupe, Capitão, uma árvore não precisa dar ouvidos ao clamor de um gafanhoto…”

 

A cabeça de bode respondeu como se fosse algo óbvio, mas Duncan quase tropeçou com a notícia.

“Querer morrer comigo é uma reação normal para os humanos?”

Ele imediatamente se arrependeu da frase após dizê-la em voz alta. Era algo inapropriado e que poderia expor a falha em sua identidade como “capitão”. No entanto, o mesmo não podia ser dito da cabeça de bode, que continuava indiferente à estranheza no comportamento de Duncan.

“É normal que eles temam você.” O tom da cabeça de cabra agora parecia orgulhoso. “Qualquer um que navegue pelo Mar Sem Fim deve temer você, assim como temem os deuses antigos e as sombras do subespaço. Falando em sombras, você sabia que um engenheiro brilhante… ou talvez fosse um agrônomo ou um gourmet, uma vez disse algo…”

Duncan sensatamente não deu continuidade ao assunto, preocupado que não conseguiria acompanhar o tópico (claro, a razão mais importante ainda era a tagarelice interminável da cabeça de bode. Se ele incentivasse a conversa, a irritação aumentaria exponencialmente).

No momento seguinte, porém, sua atenção foi desviada por outro item no convés.

“… O que é isso?” Duncan mudou inteligentemente o assunto e perguntou, espantado. Algo estava do lado de fora da cabine do capitão.

O item era um baú de madeira do tamanho de um humano, emanando uma inegável sensação de maestria artística. Um tipo desconhecido de madeira escura havia sido fundido de forma impecável, reforçado com metal que lembrava ouro e embelezado com gravações detalhadas em suas bordas. Os desenhos eram uma fusão única de escrita críptica e símbolos pictóricos deliberadamente distorcidos. Duncan tinha certeza de que o baú não era um artefato do Desaparecido. Ele sabia que aquilo não estava lá na última vez que saiu da cabine do capitão.

Após um momento de silêncio, a voz da cabeça de bode ecoou: “Eu também não consigo identificá-lo, mas parece ser um espólio de guerra…”

“Espólio de guerra?!” Duncan demorou a processar. Ele circulou ao redor do baú, examinando-o com cuidado. “Isto parece mais um sarcófago luxuosamente ornamentado… Espere, um espólio de guerra? Você está insinuando que pegamos isso do navio que encontramos mais cedo?!”

 

“De fato, Capitão”, respondeu a cabeça de bode1, sua voz carregando um tom de gravidade mesclado com uma sutil aprovação. “Suas viagens sempre rendem algo de valor. É uma prática comum.”

Duncan estava prestes a protestar, alegando que nunca teve intenção de saquear outra embarcação. O que era todo esse papo de “captura” e “voltar com um prêmio”? No entanto, ele conteve seus pensamentos, preocupado que seu descontentamento pudesse colidir com sua persona como “capitão”. Além disso, o navio mecânico já havia desaparecido no nevoeiro enevoado. Refletindo sobre o capitão barbudo que o encarara desafiadoramente, Duncan percebeu que não havia como devolver o objeto. Ele decidiu manter esse ocorrido inesperado em segredo.

Não demorou muito para que ele se visse frente a frente com o imponente baú de madeira, cujo design intrincado e estrutura robusta evocavam sinistramente um caixão. Ao inspecionar mais de perto, notou uma fina fenda entre o baú e sua tampa maciça, indicando que ela não estava tão bem lacrada quanto parecia e poderia ser aberta com facilidade.

Movido pela curiosidade, ele afastou sua inquietação inicial e ousou colocar a mão sobre a tampa do magnífico baú. Era evidente para ele que as respostas que buscava sobre a intrigante “Corrida do Reino Espiritual” e sua relação com a carga do navio estariam dentro.

Para sua leve surpresa, ele descobriu que sua força era mais potente do que imaginava. Apesar de sua aparência imponente e exterior robusto, a tampa não era tão pesada quanto temera. Com um esforço mínimo, o sinistro tampo negro começou a se mover, e logo ele conseguiu removê-lo completamente do baú.

O que viu lá dentro deixou Duncan completamente atônito.

“Uma pessoa?”

Incrivelmente, o conteúdo do baú era inspirador: uma jovem deslumbrante estava serenamente acomodada dentro do recipiente. Seus cabelos, de um prateado radiante, espalhavam-se ao redor como prata líquida sob uma suave luz. Seu rosto era uma obra-prima artística, exibindo traços delicados tão perfeitos que eram quase surreais, e sua expressão irradiava uma aura de desdém real. Ela estava vestida com um elaborado vestido de corte em tons ricos de roxo e preto. Sua postura era serena, com as mãos cruzadas modestamente sobre o peito, parecendo imersa em um sono pacífico e ininterrupto.

Sua aparência impecável fazia com que parecesse tão imaculada quanto uma figura esculpida com maestria.

“Não, isso na verdade é uma boneca!”

 

Ao examinar a figura com um olhar mais atento e detalhado, Duncan rapidamente percebeu que sua impressão inicial estava errada. A entidade incrivelmente realista não era, de fato, um ser vivo. O indício decisivo era a formação anormal das articulações, algo que jamais se encontraria na anatomia humana. A revelação de que ele estava diante de uma boneca incrivelmente detalhada e realista, e não de uma pessoa, o atingiu como uma onda avassaladora.

  1. Ah, só para esclarecer, caso não tenha ficado claro ainda, quando ‘cabeça de bode’ não está sendo tratado em letra maiuscula ou no masculino, quer dizer que não está sendo dito o nome dela, é como se tivesse falando ‘humano’ no lugar de Zhou Ming. É mais um termo genérico e não o nome, só quando eu colocar como ‘respondeu o Cabeça de Bode’, é que o nome estará sendo dito.⤶

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