Capítulo 89 – A Queda (Parte 1)

“O tempo acabou”, eu disse enquanto olhava para a cidade diante de mim.

“Excelente. Você quer fazer o anúncio final?” Cecília perguntou, saindo do sofá de veludo. Os criados com leques e pratos de comida recuaram com reverências.

Virei-me para Cecília enquanto ela canalizava poder em suas mãos, que brilhavam em azul à medida que a energia arcana era liberada.

Mahaila estava dando aulas de magia para ela, então agora Cecília era muito mais poderosa. Como uma Herdeira dos Primogênitos, ela podia devorar a essência dos outros para ganhar poder, mas ainda não precisava devorar nada. Se compararmos o potencial de éter de alguém a uma xícara, enchê-la não é difícil, torná-la maior é a parte complicada. Basicamente, no momento, Cecília não atingiu seu potencial natural, o que é aparentemente muito normal. Os herdeiros eram naturalmente muito poderosos para humanoides. Para dar um pouco de contexto, aparentemente, os primeiros humanoides, os Observadores, eram todos Herdeiros. Tinha algo a ver com como meus predecessores criaram os Observadores. Como os Observadores fizeram todos os outros humanoides com base neles mesmos, essa coisa de Herdeiro é algum tipo de gene recessivo que foi passado pelos Observadores.

“Estou ansiosa para realmente experimentar meus novos truques”, Cecília disse com um largo sorriso enquanto suas mãos faiscavam.

“Bem, isso deixaria uma impressão”, respondi, enquanto abria minhas asas e enviava um sinal mental para meus voadores modificados e as fênix. Eu me certifiquei de manter minhas fênix escondidas, elas tiveram apenas um grande combate, em Beralis. Então Tralis não tem ideia de que minhas fênix existem.

Um último esforço para a rendição, com um pouco de intimidação grandiosa. Decolei no ar assim que ouvi as trombetas sendo tocadas pelo exército humano. Pude sentir imediatamente a ondulação de medo através das paredes.

Voei alto no céu e, enquanto fazia isso, vi meus voadores e as fênix descendo das nuvens espessas. Eu podia ouvir gritos vindos de baixo da cidade. Meio chocante, não? Ver uma dúzia de fênix no ar acima deles. Isso mesmo, a fênix, a joia do império Elysio. O poder que fez os Volerianos ficarem longe de Elysia todos aqueles milênios atrás. Os Elysios só tinham as fênix de fogo vermelho, e Azatharine é uma fênix de fogo branco nascida nos estágios finais da era dos primogênitos.

Agora, hora de enviar minha mensagem. Ordenei que os panfletos descessem. Eles eram basicamente megafones voadores gigantes projetados para enviar uma mensagem a uma população sitiada. Eles se mostraram muito úteis durante toda a campanha, gritando demandas para as cidades entrincheiradas. Eles eram especialmente úteis como um aviso final, como um acordo do tipo “renda-se agora ou morra”.

Então agora, sem mais delongas, a mensagem:

**Atenção, escravos do falso rei.**

Esta é sua oferta final de rendição. Vocês têm dez minutos para abrir os portões.

Se os portões não forem abertos, eu mesmo os abrirei.

Se desejam se render, afastem-se das muralhas ou serão incinerados.

Meus filhos não atacarão nenhum homem, mulher ou criança desarmados.

Se estiverem armados, meus filhos festejarão.

Bem, isso é o mais claro que posso ser. Agora, vamos ver o que eles farão…

O plano é bem óbvio, honestamente. Eu sabia que eles queimariam as favelas e a cidade ao sul dos muros. Realmente não me importo, isso é problema deles. Quando vencermos, podemos simplesmente jogar tudo neles. As pessoas estarão mais dispostas a trabalhar com aqueles que reconstruirão a cidade do que com aqueles que tentaram queimá-la.

Mahaila tem nos dado uma grande inteligência. Cecília colocou uma pequena força no lado sul só para fazê-los realmente queimar as favelas. A questão é que uma parede de fogo nos mantém fora. Bem, não exatamente. Minha Colméia pode cavar, mas mantém os humanos fora. O que ela faz é mantê-los dentro. Eles estão basicamente construindo uma gaiola e removendo um caminho de fuga.

Ainda assim, algo sobre esse plano me incomodava. Sim, pode ser interpretado como um grupo de nobres corruptos fazendo tudo o que podem para permanecer no poder, mesmo que isso signifique queimar o mundo ao redor deles até o chão. Mas, ainda assim, algo sobre esse plano de defesa parecia ter uma mão invisível. Talvez seja paranoia ou intuição, mas o sentimento estava lá.

Uma mão invisível não é apenas uma teoria da conspiração. O livro que eu peguei no começo foi do meu “amigo lá embaixo”, que se chamava A. Definitivamente não é a Austrália, e há alguns demônios com nomes que começam com A. Havia Asmodeus, o Príncipe Demônio da Luxúria; Astaroth, da Ars Goetia, que é um tipo de Nobreza Demoníaca; Alastor, o Arquidemônio que serve ao Príncipe Demônio da Ganância, Mammon; e talvez Azazel, o anjo traidor.

Então havia o Sindicato, do qual eu não vi nem um pingo de sangue. A única coisa que sei sobre eles é que aparentemente estão lutando uma guerra no norte contra o céu. Aparentemente isso é muito estranho, já que o Sindicato prefere operar nas sombras. Se eles são o tipo de organização que eu acho que são, seriam bastante vulneráveis ao desgaste, pois lutariam para substituir seus números. Os rumores também dizem que eles estão procurando por algo, mas não tenho ideia sobre a precisão disso. Era como os rumores em que alguém diz “Eu ouvi de um cara que conhecia um cara”. Tenho algumas suspeitas de que Mahaila veio do norte, foi assim que ela soube sobre mim, mas, então, novamente… nenhuma confirmação.

Portanto, não sou nem de longe ingênuo o suficiente para pensar que influência externa oculta está completamente fora de questão. Mahaila me encontrou, afinal, e tem sido bem reservada sobre si mesma e sobre por que está aqui. Até agora, não divulgou exatamente muitos detalhes interessantes. Mas é útil, então decidi deixá-la como está por enquanto.

O plano básico é que, já que a coroa voleriana parece ter a intenção de se murar no centro da cidade, poderíamos deixá-los ali por um tempo. Cecília posicionará sua cavalaria no lado sul para evitar fugas desesperadas. As forças de Averlin também serão posicionadas lá para atrair o muro de fogo. Não os deixaremos realmente cair na armadilha, mas Cecília e eu concordamos que pode não ser a melhor ideia deixá-los entrar na cidade primeiro. Eles sofreram mais com os volerianos, então estar na cidade tinha a maior chance de… incidentes indesejados. Nós os deixaremos entrar mais tarde, mas isso será depois que a fúria da batalha tiver acabado.

O primeiro objetivo será proteger a Cidade Baixa, porque é onde a maioria das pessoas está. Honestamente, os humanos não me preocupam, é como a igreja se sente sobre mim que mais importa. Quando o céu inevitavelmente aparecer, precisarei que eles falem bem de mim. Então, uma ocupação relativamente humana e não destrutiva era necessária. Isso significa que os soldados mortos e os civis devem estar ilesos… principalmente…

O ataque será em duas etapas: a primeira é proteger a cidade externa, então seguimos para a cidade interna. Os defensores provavelmente tentarão disparar magia e outros projéteis na cidade externa, o que causará baixas civis. Então, quando os elysianos e minha Colméia acabarem protegendo os civis dos ataques de seus próprios soldados, isso parecerá muito bom para mim.

Além disso, Beralis foi protegida e os Vigilantes estão de volta aqui graças a uma pequena surpresa que preparei. É uma demonstração bastante dramática para o povo de Tralis que exigirá um ‘timing’ muito específico. Mas isso é para a fase final do ataque; todo o ataque pode levar alguns dias, considerando a complexidade da operação. Não tenho recursos para atacar a cidade inteira de uma vez, então, pelo menos na fase inicial, preciso me concentrar na cidade externa. Só redirecionarei as forças para suprimir a cidade interna se eles começarem a tentar queimar a cidade externa.

As forças humanas atacarão de três direções e capitalizarão na estrada principal para se moverem rapidamente pela cidade. Minha Colméia limpará o caminho; o único perigo é que os muros internos da cidade têm vista para ela, então eles essencialmente têm uma ótima posição para disparar feitiços e outros projéteis. Precisarei designar alguma bucha de canhão ou fênix para pressionar aquela seção do muro.

Bem, este também é um ótimo lugar para testar a capacidade de comando de Azatherine, o poder aéreo vencerá esta batalha por nós…

Agora então… Acho que o tempo acabou…

Com isso, dei meu comando mental e me certifiquei de que o comando fosse transmitido em meus panfletos para que toda a cidade pudesse ouvi-lo.

Todas as ninhadas comecem o ataque…

Com isso, ouvi uma resposta de cem mil vozes ecoando da mente coletiva. Esse coro quase sobrenatural ecoou pela cidade e ouvi gritos de terror das pessoas dentro da cidade.

AO SEU COMANDO!

Jolin tremeu quando olhou para cima e viu os monstros acima começarem a mergulhar em direção às paredes. Jolin era um recruta e mal tinha treinamento. Ele passou a semana passada atirando com sua velha besta de caça em bonecos de palha; não tinha ideia de como lutar contra algo como uma fera antiga ou uma fênix… ou uma dúzia de fênix…

Seus olhos se arregalaram quando ele viu a fênix branca e duas azuis mergulharem na parte da parede em que estava. Suas asas brilharam e, com um bater gracioso, um ataque de bolas de fogo brancas e azuis foi arremessado em direção à parede. Jolin olhou em horror mudo enquanto sentia suas pernas travarem. Ele queria correr, mas não conseguia se mover. Então viu as bolas de fogo impactarem essa barreira bem acima dele.

Claro… esquecera, as paredes de Tralis são encantadas. Esses encantamentos remontam ao antigo império, são tão poderosos e complexos que ninguém sabia como recriá-los. Se alguma coisa vai segurar as feras, são essas paredes.

Jolin sentiu uma onda de esperança quando viu as fênix se separarem, então ouviu gritos atrás dele. Ele se virou e viu os soldados que estavam postados no chão abaixo gritando de terror enquanto bestas emergiam do chão abaixo. As pedras pavimentadas se projetaram para cima e voaram para longe enquanto grandes monstros irrompiam do chão.

Jolin instintivamente levantou sua besta, mas sentiu alguém agarrar seu braço.

“Não, você tem uma chance maior de atingir os nossos. Guarde isso para o portão, os caras lá embaixo terão que se virar sozinhos”, disse um dos oficiais.

Jolin assentiu em silêncio enquanto observava a luta louca abaixo deles. Viu alguns indivíduos pularem nos telhados das casas próximas. Eles estavam vestidos como aventureiros, alguns dos aventureiros não gostaram da política das guildas e renunciaram em protesto. Eram todos arqueiros. Onde o resto do time estava, Jolin não tinha ideia, mas ele os viu atirando nas feras e matando algumas delas com precisão de um falcão. Então viu baforadas de fumaça quando os ladinos se juntaram à briga também, suas adagas brilhando enquanto cortavam as feras.

Então Jolin viu algo que fez seu coração cair. Ele viu um dos ladinos tentar fazer um ataque de teletransporte em uma das feras particularmente grandes. Os golpes de adaga apenas arrancaram faíscas ao atingir sua armadura grossa. A fera girou rápido como um raio e, em um piscar de olhos, golpeou o ladino no ar, fazendo-o voar para a parede de um prédio próximo. Sentiu um nó na garganta ao ver a marca vermelha que ele deixou na parede enquanto seu corpo desabava no chão se contorcendo.

“ACIMA DE NÓS!” Jolin ouviu alguém gritar.

Jolin olhou para cima e viu a Grande Besta de penas douradas mergulhando na direção deles.

“PREPAREM-SE!”, gritou o oficial enquanto Jolin sentia todos os soldados ao seu redor ficarem tensos de medo.

Para sua surpresa, ele viu a Grande Besta abrir suas asas e desacelerar antes de pairar bem na frente do muro e do portão. O muro inteiro enrijeceu enquanto eles olhavam em silêncio para a Grande Besta que estava apenas pairando no ar, suas asas não estavam batendo. Elas estavam apenas estendidas e brilhando, como se alguma mágica estivesse mantendo sua estrutura maciça no ar.

“Então você vai abrir esse portão?” a Grande Besta perguntou com um sorriso cheio de presas.

Os soldados ao redor de Jolin estavam em silêncio mortal enquanto olhavam com medo para a Grande Besta. Jolin podia sentir suas entranhas prestes a ceder enquanto olhava para o monstro. Sua boca estava cheia de presas do tamanho de espadas. Não tinha olhos, mas os soldados definitivamente podiam sentir seu olhar.

“Toc toc…” a Grande Besta disse com alegria em sua voz enquanto batia na barreira com uma de suas lâminas semelhantes a foices. A barreira faiscou e Jolin pôde ver a barreira chocando a Grande Besta, mas ela não pareceu se importar.

“Tudo bem, tudo bem…” a Grande Besta disse enquanto brandia suas garras e elas começaram a brilhar em roxo e ele as cravou na barreira, passando direto. Jolin podia ver as rachaduras na barreira enquanto ela faiscava e estalava tentando expulsar o objeto estranho.

“Acho que tenho que me ajudar, então”, a Grande Besta disse com uma risada enquanto seu corpo brilhava. Jolin viu a barreira estalar, então viu fios de luz começarem a fluir da barreira em direção às garras que estavam cravadas na barreira e, então, o mesmo brilho azul da barreira viajou pelo braço da Grande Besta.

“O quê?” Jolin gaguejou enquanto observava confuso.

“ATIREM!” gritou um dos oficiais e Jolin instintivamente levantou sua besta.

Jolin disparou sua besta e viu seu dardo se juntar a uma saraivada. Mas a saraivada de dardos e flechas de besta bateu inofensivamente na pele da Grande Besta.

A Grande Besta apenas soltou uma risada alta e estrondosa quando o brilho azul começou a inundar seu corpo.

“Vocês sabem que todos vocês foram enviados aqui para morrer, certo? Afinal, se não fosse esse o caso, onde estariam os magos?” a Grande Besta disse e Jolin sentiu um aperto no peito.

“TODOS VOCÊS PRECISAM SAIR DESTE MURO!” Jolin de repente ouviu um grito atrás dele. Ele se virou para ver um aventureiro ladino gritando com um dos oficiais. Jolin podia ver seus olhos brilhando e uma placa de prata em volta do pescoço, mostrando que ele era um aventureiro de classificação prata.

“A BESTA ESTÁ…” o ladino começou, mas então toda a parede tremeu violentamente. Jolin cambaleou e, quando olhou para frente novamente, seus olhos se arregalaram ao ver a barreira tremeluzir e desaparecer. Jolin lançou seu olhar para o resto da parede e viu a barreira desabando por toda a extensão.

“Drenando os encantamentos da muralha…” o ladino murmurou atrás de Jolin.

“Eu estou, encantamentos humanos, tão frágeis, tão facilmente superados”, disse a Grande Besta, seu corpo agora brilhando azul devido ao poder da barreira.

Foi então que a realidade finalmente atingiu Jolin. Ele iria morrer naquele muro.

“Agora então”, disse a Grande Besta enquanto Jolin via o interior de sua boca brilhar com poder.

“Posso oferecer a todos vocês uma passagem expressa para a próxima vida?”