Ó aventureiro, Ó jornada minha
Um dragão ou um golem me espera
Ou será um cavaleiro fantasmagórico?
E deve haver armamento lendário em algum lugar
Mas com apenas uma tocha e uma lança
E um cajado, a vida é fácil.
Para leste ou oeste, atravesso uma ponte
Talvez para morrer do outro lado
Mas procuro apenas amor
Um princesa poderia estimar, mas muito não peço
Apenas uma noite de prazer
Ó aventureiro, Ó jornada minha!
Capítulo 01 – Um Dia de Primavera Qualquer
A estação havia chegado enquanto um vento agradável soprava do leste.
O frio havia sumido, deixando apenas um frio refrescante no ar, e o sol estava quente e suave.
O campo de margaridas a cerca de meio-dia de caminhada da cidade fronteiriça estava igualmente agradável.
Era uma planície ondulante, cheia de uma grama rica pontilhada de arbustos – nada mais. A estrada passava por ela e, dada a distância de aldeia a aldeia, era bom saber que havia um local decente disponível para acampar.
Apenas uma coisa – ou melhor, uma pessoa – passou pelo campo.
Era um aventureiro estranho. Usava uma armadura de couro encardida e um capacete que parecia barato; em seu quadril havia uma espada de comprimento estranho e um escudinho redondo estava amarrado em seu braço esquerdo. Mesmo um novato teria um melhor equipamento melhor que o dele.
Ele caminhou pela estrada em silêncio; quando chegou ao campo, seus passos ousados e indiferentes o carregaram violentamente por trás dos arbustos. Seus passos eram tão seguros, tão determinados, era como se estivesse seguindo um sinal.
Direita, esquerda, pela grama – não poderia ter levado mais de cinco minutos, talvez nem tanto.
E então parou.
Parecia ainda não haver nada lá.
Mas, nos arbustos, sob a sola de suas botas ouviu um barulho.
Ajoelhou-se e pegou a fonte do ruído. Cinzas, de algo completamente consumido pelo fogo. As apertou entre os dedos até que não mais passassem de marcas de fuligem em suas luvas.
Algo havia queimado ali. Será uma árvore? Ossos humanos? Isso ainda não estava claro.
Impossível.
Ele balançou a cabeça, como se descartando a possibilidade com severidade.
Já passaram dez anos. Nenhum osso humano, nenhuma cinza humana seria reconhecível após uma década de exposição aos elementos. E mesmo se qualquer coisa durasse por tanto tempo – de quem seria?
— …
O vento soprou sobre o campo. Era um vento quente e suave, anunciando a mudança das estações, a chegada da primavera.
A grama farfalhava, pequenas ondulações percorriam toda a colina. Ele ouviu o débil som de água corrente. Quando virou a cabeça, pôde ver o lago, bem no lugar em que se lembrava.
Pego por um capricho, olhou para cima. O céu estava incrivelmente claro e azulado; parecia se espalhar por todo o mundo. As nuvens vagamente visíveis eram tão ralas que suas cores pareciam haver escorrido.
— Então…?
Ele bateu palmas bruscas, limpando a fuligem.
Sabia que não eram os restos mortais de sua irmã.
Sabia o que havia acontecido com ela e com seu sangue, carne e ossos.
Sabia, também, que costumava haver uma aldeia no lugar.
E, por fim, sabia que planos haviam sido feitos para construir um campo de treinamento para aventureiros naquele local.
— Acho que vou voltar…
Havia apenas outras três pessoas que sabiam que ele tinha vivido naquela aldeia que havia outrora existido.
Matador de Goblins nunca pensou em perguntar como as duas pessoas da fazenda se sentiam a respeito disso.
— Hee-hee-hee!
A Sacerdotisa sorriu, animada. A Guilda dos Aventureiros ficava ocupada o ano todo, mas, na primavera, essa animação era redobrada. Monstros despertavam da hibernação e começavam a ameaçar aldeias, enquanto aventureiros que viviam o inverno apenas com suas economias voltavam a trabalhar. Não faltavam rapazes ou moças inspirados pelo bom clima para sair em busca de fortuna.
— Próximo! Cliente número quinze, por favor, venha até a janela de recepção três!
— Missão! Eu tenho uma missão aqui! Devora-Cess nos esgotos! Alguém pode vir ajudar por alguns minutos?
— Pegou as suas armas e equipamentos? Poções? Memorizou todos os seus feitiços? Pegou sua vara de cinco pés? Ótimo, vamos!
— Com licença, mas um urso fugiu e está vagando pela nossa aldeia. Isso mesmo, um urso pardo.
Os membros corriam para lá e para cá, aventureiros gritavam uns com os outros e os responsáveis pelas missões explicavam o necessário. Não era uma atmosfera exatamente festiva, mas não havia como fingir não ouvir o zumbido pelo ar.
Cercada por este remoinho de atividades, a Sacerdotisa não pôde evitar de sorrir feliz, seu sorriso era como o botão de uma flor. Ela estava sentada no banco que havia se tornado sua verdadeira área de espera, segurando seu cajado e nem mesmo tentando esconder o quão feliz se sentia.
Ao lado dela, a Alta Elfa Arqueira estava apoiando o queixo nas mãos e olhando a multidão passar, atolada em preguiça. Ela voltou seu olhar para a Sacerdotisa.
— Parece que alguém está de bom humor.
— É porque agora estou começando meu segundo ano de aventuras. Acho que não seria estranho se começassem a me chamar de sênior!
— Ahh, já faz esse tempo todo?
— Com certeza faz! Além disso, acho que serei promovida para a nona ou oitava classificação a qualquer momento. — Ela estufou seu pequeno peito em triunfo. A Sacerdotisa era a mais jovem do grupo deles. A Alta Elfa Arqueira sabia como era ser a mais jovem, então contraiu suas orelhas em simpatia.
Acho que eu poderia agir um pouquinho como uma irmã mais velha.
— Talvez sim, mas não deixe isso te distrair. Quanto mais alta a classificação, mais crucial o seu papel, certo? — A Alta Elfa Arqueira balançou o dedo indicador graciosamente enquanto repreendia a Sacerdotisa.
— Sim, madame. Eu sei. — A Sacerdotisa acenou obedientemente com a cabeça.
A Alta Elfa Arqueira passou a mão pelos cabelos dourados da Sacerdotisa, removendo os emaranhados. A garota mais jovem soltou uma risadinha e seus olhos brilharam de felicidade. Ele era mesmo como uma doce irmãzinha – embora a Alta Elfa Arqueira tivesse a sensação de que, se dissesse tal coisa em voz alta, o Anão Xamã jamais a deixaria que isso chegasse ao fim. Em vez disso, deixou seus vagos deliberadamente vagarem pelo movimentado Salão da Guilda.
— Está bem lotado, não é?
O lugar estava cheio de pessoas morrendo de vontade de se tornarem aventureiros. Mas…
Talvez morrendo não fosse a palavra mais adequada.
Isso não soou como algo muito auspicioso para a Alta Elfa Arqueira. Que tal pessoas que esperam ser aventureiras? Sim, assim era melhor. Esperam era uma boa palavra.
Aqueles que esperavam se tornar aventureiros estavam alinhados pela recepção, havia uma enorme fila. Havia magos e guerreiros, monges e batedores, bem como pessoas de todas as raças, gêneros e idades imagináveis. As duas coisas que todos compartilhavam eram a paixão queimando em seus olhos – e o equipamento que usavam.
De equipamentos tão novos e imaculados que pareciam nem ter a etiqueta de preço tirada, até armaduras velhas, bem enferrujadas, a qualidade poderia ser baixa, mas cada peça estava tão polida que chega brilhava.
— Hmm — murmurou a Alta Elfa Arqueira, sacudindo suas longas orelhas. — Acho que poderiam aprender uma ou duas coisas com Orcbolg.
— O Senhor Matador de Goblins não gosta de coisas brilhantes, não é?
Ele pode ser bem enfadonho.
Com aquele murmúrio, as bochechas da Sacerdotisa de repente ficaram vermelhas, e ela se mexeu desconfortavelmente.
— Algum problema? — perguntou Alta Elfa Arqueira, mas a Sacerdotisa guinchou: “Não”, e desviou o olhar.
A elfa inclinou a cabeça, confusa, mas não demorou muito para juntar as peças. Isso talvez fizesse sentido.
Um aventureiro avançado, acompanhado por duas mulheres inconfundivelmente belas. Uma delas sendo uma alta elfa, nada menos.
Os periódicos olhares dos candidatos não perderam de encontrá-la.
— Uau… Que par de gracinhas…
— Cara, quando eu for um aventureiro, com certeza vou conseguir conhecer algumas garotas como elas.
— Uma elfa! Cara, eu queria conhecer uma…
A Alta Elfa Arqueira soltou uma risadinha. Pensavam que poderiam falar algo que uma elfa não ouviria? Ela gostaria que estivessem menos interessados em sua raça e mostrassem um pouco de admiração pelo fato de que era uma aventureira de classificação Prata.
— No ano passado, eu estava nessa fila…
Ao contrário da Alta Elfa Arqueira, que estufou o peito aplanado na esperança de enfatizar a placa de classificação pendurada em seu pescoço, a Sacerdotisa colocou a mão sobre o coração. Ela também tinha uma placa de nível – uma que mostrava que havia avançado de Porcelana para Obsidiana, da décima para a nona classificação.
— Naquela época não havia tanta gente.
Ela era igualzinha a eles, ouvindo as coisas ao seu redor, maravilhada.
Um campo de treinamento que estava há muito tempo em obras finalmente estava a ponto de ser inaugurado. Era, em nome, em resposta ao ataque do lorde goblin, mas o planejamento foi lento, e a batalha já havia passado há um ano.
As duas garotas que ali estavam sabiam por que as coisas de repente tomaram tanta velocidade.
— Você leu a carta? — perguntou Sacerdotisa.
— É bom que você acredite que sim! — A Alta Elfa Arqueira tirou a folha dobrada do bolso. Era nítido que estava amarrotada; devia ter lido muitas vezes.
— Você a carrega por aí?
— Você não? É uma carta de uma amiga.
— A minha está no meu quarto. Eu a confiei à Mãe Terra.
Precisamente porque é de uma amiga, acrescentou a Sacerdotisa para si mesma, sorrindo com timidez.
Um amigo. Ou seja, Nobre Esgrimista, uma aventureira com que haviam atacado uma fortaleza goblin no norte há alguns meses. As memórias dela ainda estavam frescas na mente da Sacerdotisa: Nobre Esgrimista havia perdido seus amigos e sofrido abusos grosseiros, mas se recusou a quebrar. E durante aquela experiência na qual ficou cara a cara com a morte, algo parecia ter mudado dentro dela. Após a aventura, Nobre Esgrimista voltou para a casa da qual havia efetivamente fugido e contou tudo que tinha a contar.
Desde então, trocaram várias cartas.
— Ela disse que está começando um financiamento para apoiar novos aventureiros — disse a Alta Elfa Arqueira. — Aquela garota com certeza não desperdiça o tempo.
— Sim, de fato — respondeu a Sacerdotisa.
As cartas de Nobre Esgrimista informavam que ela ajudaria na luta não como uma aventureira, mas como uma apoiadora.
A caligrafia limpa e precisa inscrita nas cartas que receberam era tão parecida com ela que era impossível não se apreciar. Ela escreveu que tinha sido capaz de se reconciliar com sua família e que queria voltar a ver, algum dia, a Sacerdotisa, a Alta Elfa Arqueira e também os outros.
— Continua teimosa como sempre, não é?
— Ha-ha…
Apesar do comentário provocador da Alta Elfa Arqueira, o cuidado com que ela dobrou a carta revelava como se sentia de verdade. Não precisava dizer isso, já que a Sacerdotisa sentia a mesma coisa.
A Sacerdotisa e a Nobre Esgrimista experimentaram a brutalidade dos goblins em primeira mão. Para cada uma delas, apenas um jogar de dados separou a salvação da destruição, perfeitamente cronometrado. E, assim, a obstinação da Nobre Esgrimista era o maior encorajamento possível para a Sacerdotisa.
Isso significava que ela ainda não estava quebrada. Que nenhuma delas estava.
— Algumas lições antes de começar as coisas fazem uma enorme diferença… — meditou a Sacerdotisa.
— Não sei, só acho que não importa tanto assim.
Não que esteja tentando negar a tenacidade dela. Em resposta, Sacerdotisa franziu a testa , e a Alta Elfa Arqueira lhe deu um aceno apaziguador antes de acrescentar:
— Digo, algumas pessoas vão fazer coisas estúpidas, não importa quantas aulas recebam, sabe?
— Mas, sem instruções, como saberão o que estão fazendo de errado?
Por exemplo… haviam muitos casos mesmo em que os novatos podiam começar a fazer tudo errado.
Podiam ficar tão absortos nas conversas que se esqueceriam de manter um espaço entre quem estivesse à frente e atrás.
Ou poderiam presumir que não precisavam cuidar da retaguarda só por estar em um túnel.
E, acima de tudo, poderiam tratar os goblins de forma muito leviana.
Parando para refletir, ela pôde ver quantas lições havia aprendido naquela primeira aventura.
— Claro, não vou discutir sobre isso — disse a Alta Elfa Arqueira. — É só que… — Ela voltou a balançar a mão, talvez incerta de como interpretar a expressão sombra da Sacerdotisa. — Algumas pessoas simplesmente não se importam em escutar. Como… os anões, por exemplo.
— Ah, eu escuto muito bem, Orelhas Compridas — resmungou uma voz atrás do banco.
A Alta elfa Arqueira mostrou um sorriso e soltou um breve bufo triunfante.
— Estava esperando que você estivesse. Se não, não seria divertido. — Ela olhou por cima do ombro, em direção ao anão xamã careca que segurava as costas do banco e a fitava. O leve rubor em suas bochechas sugeria que ele já tinha começado a tomar vinho, embora ainda fosse cedo – isso era perfeitamente normal para um anão.
Ao sentir o seu hálito, a Alta Elfa Arqueira fingiu algumas tossidas delicadas.
— De qualquer forma, isso é o que você diz — falou o Anão Xamã. — Não há ninguém no mundo que escuta menos do que um elfo.
— Como é? Qual de nós tem orelhas maiores?
— Heh! Pelo que vejo uma bigorna não entende de sarcasmo.
— Quem é uma bigorna …?
— Ponha a mão no peito e responda sua própria pergunta.
— Ora, seu…!
Era a mesma brincadeira barulhenta de sempre. A Sacerdotisa costumava ficar confusa com isso, mas agora aceitava com calma; nos últimos tempos, achava isso até reconfortante. Não tinha certeza sobre discutir realmente aproximar as pessoas, mas sabia que estava em um bom grupo.
Além disso, muitos rostos pela Guilda dos Aventureiros tornaram-se familiares para ela. Cada vez que via uma das pessoas que conhecera no ano anterior, fazia uma breve reverência.
— Heh-heh-heh. Isso está muito, bem animado, não é?
— Não mostre tanto interesse. Queremos manter uma boa aparência na frente dos novatos.
Lá estava a Bruxa com seu sorriso atraente, acompanhada pelo Lanceiro, que falava enquanto fazia uma careta. Guerreiro de Armadura Pesada caminhava pelo corredor, envolvido em uma briga verbal com a Cavaleira…
— Não te disse? Eu falei que um breve diálogo amigável nos uniria…
— Essa é uma péssima desculpa para uma briga entre bêbados. Você deveria ser leal e bom!
Enquanto o Garoto Batedor, a Rhea Druida e o Meio-Elfo de Armadura Leve seguiam atrás deles, recusando-se a qualquer envolvimento…
— Alô!
— Bom dia a todos.
— Boa sorte em suas missões de hoje!
Então soou a saudação casual do Guerreiro Novato, que logo foi repreendido pela Clériga Aprendiz.
— Ei, é o bando do Bocão!
— Ah, pelo amor da deusa! Você bem podia ser um pouco mais educado! Como vou mostrar a minha cara com você falando desse jeito com as pessoas?
Estava tudo igual a sempre.
— Ah, bom. Amigável como sempre, pelo que vejo. — Uma forma maciça pairou sobre eles. Era o Lagarto Sacerdote. Seu corpo era coberto por escamas e ele usava uma roupa incomum. Vendo a elfa e o anão tagarelando, ele revirou os olhos, feliz. Parecia contente em adiar sua costumeira intervenção e deixar que discutissem.
O Lagarto Sacerdotes se virou para a Sacerdotisa e apertou as mãos em sua saudação excêntrica de sempre.
— O clima quente parece ter despertado a energia de todos. Algo com que muito simpatizo.
— O inverno foi difícil para você, não foi? — A Sacerdotisa soltou uma risadinha da garganta, mesmo quando o Lagarto Sacerdote assentiu e respondeu sombriamente.
— De fato. Mesmo os temíveis nagas não puderam prevalecer sobre uma era glacial. A natureza, à maneira própria deste mundo, pode ser algo terrível.
Como sugerido por sua aparência, Lagarto Sacerdote era vulnerável ao frio. Isso podia ser por ele ser proveniente das selvas ao sul ou talvez porque muito de sua ancestralidade reptiliana permanecia nele. Seja qual fosse o caso, sua aventura anterior pela montanha de neve tinha sido uma verdadeira provação.
— Mas ouvi que há dragões de gelo com sopro de nevasca — disse a Sacerdotisa. — E quanto a eles?
— Não são parentes meus, sabe — respondeu o Lagarto Sacerdote. Ele estava falando sério ou brincando? Havia uma sutil leveza em seu tom solene.
Então o Lagardo Sacerdote esticou bem o seu pescoço comprido, olhando ao redor do Salão da Guilda inundado de aventureiros novatos.
— E quanto ao milorde Matador de Goblins? Onde está?
— Ah, um, ele disse que hoje se atrasaria um pouco. Pelo visto, ontem foi para algum lugar.
— Oh-ho. Bem, isso é muito incomum.
— Certamente é.
Entretanto, a Sacerdotisa, com bastante calma, acrescentou que pensava que ele chegaria em breve.
Matador de Goblins.
Era impossível imaginar aquele aventureiro esquisito indo a qualquer lugar durante as férias. A garota que cuidava da fazenda em que morava relatou que, mesmo nos dias de folga, ele se ocupava com a manutenção de suas armas e equipamentos. Recentemente, Garota da Guilda e Vaqueira o convidaram para um festival, mas ele conseguiu passar a maior parte do tempo patrulhando a cidade. Deixado por conta própria, ele desaparecia silenciosamente para matar goblins. Não podiam tirar os olhos dele.
Pela deusa. Um suspiro afetuoso escapou dos lábios da Sacerdotisa.
— Ele realmente não tem jeito, não é?
Naquele momento, um murmúrio começou a percorrer o salão. Um aventureiro abriu a porta de vaivém.
Ele marchou com passos atrevidos, indiferentes, quase violentos. Seu capacete de aço parecia barato e sua armadura de couro estava encardida. Uma espada com um comprimento estranho pendia em sua cintura e, amarrado em seu braço esquerdo, havia também um escudinho redondo. Até um novato, pelo jeito, tinha um equipamento melhor.
Mas a plaquinha pendurada em seu pescoço era de prata. A terceira classificação.
— Matador de Goblins, senhor! — gritou a Sacerdotisa, provocando um coro de risadas entre os recém-chegados. Alguém que mata goblins? O mais fraco de todos os monstros?
Alguns entre eles, é claro, não riram. Ao longo de cinco anos, o Matador de Goblins foi a salvação de um grande número de aldeias. E alguns dos que propunham se tornar aventureiros neste dia eram dessas aldeias. Sabiam muito bem sobre o aventureiro que, sozinho, enfrentava goblins. Alguns outros talvez tivessem ouvido falar sobre seus feitos em canções. Os bardos tendiam a deturpar os fatos, mas sua reputação constinuava melhorando.
Mesmo assim, o riso poderia ser perdoado. A maioria dos aspirantes a aventureiros no Salão da Guilda ainda não tinham passado pela matança de goblins; aqueles com experiência geralmente só cuidavam de um ou dois que começavam a vagar por perto de suas aldeias. Alguns deles talvez tivessem alguma vez estado em uma caverna, mas uma coisa nunca mudava: o fato de que os goblins eram os monstros mais fracos.
Matador de Goblins ignorou tudo, tanto o silêncio quanto a chacota.
— Sim — respondeu à Sacerdotisa, balançando a cabeça. O capacete se moveu sem pressa, encarando a Alta Elfa Arqueira, o Anão Xamã, o Lagarto Sacerdote e a Sacerdotisa, um a um. — Vocês já estão todos aqui.
— Você está atrasado, Orcbolg! — disse a Alta Elfa Arqueira com sua voz clara e digna. Ela interrompeu a discussão que estava tendo com o Anão Xamã, apontando um dedo elegante em direção ao recém-chegado. Suas sobrancelhas estavam arqueadas e suas longas orelhas pressionadas para trás; muito contraídas. Tudo nela apontava para quão atentamente estivera esperando.
Ela soltou um bufinho e cruzou os braços de maneira importante.
— Então. O que faremos hoje?
— Goblincídio.
— Bem! Isso não é surpresa — disse Anão Xamã, rindo e acariciando sua longa barba branca. — Quando se deixa a decisão para o Corta-Barba, já sabe que tipo de aventura será.
— Hrm…
— Se tiver alguma preferência, escutarei.
A Sacerdotisa ficou um pouco vermelha após o comentário do Matador de Goblins. Ela teve a nítida impressão de que alguns de seus pontos mais ásperos haviam sido polidos no último ano. E no seu caso? Ela mudou? Tinha crescido? Não era algo tão fácil de julgar.
— Pessoalmente, qualquer coisa que contribua para o bem é aceitável — disse o Lagarto Sacerdote, sua cauda varrendo o chão e fazendo ruído. — Sou obrigada a pensar que o goblincídio atende muito bem a esse critério. Sem dúvidas os demoninhos aparecerão aos montes conforme a estação chegar.
A Alta Elfa Arqueira soltou um longo gemidinho e então ergueu as mãos, resignada.
— Certo. Entendi. Ótimo. Goblins. Conte comigo, pelo seu bem!
— Obrigado — murmurou o Matador de Goblins, e então girou rapidamente nos calcanhares e caminhou direto para a recepção, onde todos os aventureiros estavam esperando. O basbaque coletivo dos novatos não parecia incomodá-lo em nada.
Os aventureiros que o conheciam tiveram uma reação completamente diferente, gritando com jovialidade:
— Yo, Matador de Goblins! Vai matar mais alguns goblins?
— Sim — dizia ele com um aceno de cabeça.
— Você nunca se cansa disso, não é?
— Nós, caras, estamos falando de uma viagenzinha. Checar algumas ruínas antigas.
— É mesmo?
— Apenas tome cuidado, entendeu?
— Sim.
Para os recém-chegados, isso tudo seria muito difícil de entender, já que não conheciam a dinâmica usada. Eles se entreolharam e sussurraram o mais baixinho que puderam.
A Alta Elfa Arqueira, esperando pelo Matador de Goblins no banco, franziu a testa. A Sacerdotisa se inclinou para falar à orelha longa da elfa.
— O que estão dizendo? — sussurrou ela.
— Você não quer nem saber.
Pois bem. A Sacerdotisa não precisava ser capaz de escutar para adivinhar o teor das conversas. Estufou as bochechas, aborrecida, e franziu os lábios, mas isso não serviu de nada. O fato do Lagarto Sacerdote e do Anão Xamã não parecerem incomodados com isso também serviu para de alguma forma irritá-la.
— Próximo, por favor!
Enquanto os companheiros do Matador de Goblins esperavam, os aventureiros na fila foram atendidos, um a um. Por fim, a Garota da Guilda ergueu os olhos ao obedientemente chamar pela próxima pessoa da fila e se deparar com um capacete de aço encardido.
O sorriso estampado que ela estivera usando até o momento floresceu em um rosto feliz de verdade.
— Matador de Goblins!
— Missões de goblins. Você tem alguma?
— Claro que sim! Elas estão te esperando bem aqui… er, digo, eram muitas para caber no quadro de avisos. — Ela escondeu a boca atrás de um maço de papel enquanto colocava a língua para fora, então a Garota da Guilda puxou alguns papéis de missão de uma prateleira. Seu movimento treinado e a papelada bem organizada revelavam que ela era uma excelente e experiente funcionária. Após pegar vários pedaços de papeis com suas mãos finas e bem cuidadas, os colocou diante do Matador de Goblins.
Um total de cinco folhas.
— Nenhum desses incidentes parece ser de escala muito grande, mas…
— Temos muitos deles.
— Exatamente. Acho que é assim que você sabe que a primavera chegou. Os goblins se tornam mais ativos, assim como tudo.
— Acontece todos os anos.
— Temos todas essas missões, e isso depois que vários novatos cuidaram de algumas.
— Eles pareciam capazes?
A Garota da Guilda respondeu à pergunta direta do Matador de Goblins arqueando uma sobrancelha bem formada e silêncio absoluto. Isso talvez significasse que ela simplesmente não sabia.
Para todos, exceto os grupos mais cuidadosos, voltar para casa com vida era apenas um jogar de dados. Os dados lançados pelos deuses no céu determinavam o destino e o acaso, e às vezes até os deuses se decepcionavam com o resultado.
Garota da Guilda olhou por cima do ombro do Matador de Goblins, em direção à fila de aventureiros recém-formada atrás dele. Deveria confiar algumas dessas missões e eles?
Pensou por um momento e então voltou um olhar suplicante ao Matador de Goblins.
— Posso pedir para fazer algo por mim?
— Não me importo — respondeu o Matador de Goblins de imediato. — Mostre-me as missões que os outros aceitaram.
— Muito obrigada. Lamento por sempre te incomodar com essas coisas.
A aventura exigia que os candidatos assumissem a responsabilidade por si próprios, e a Guilda dos Aventureiros não era uma instituição de caridade. Ao contrário de outras organizações profissionais, não havia um sistema de mentoria; mas também não possuía autoridade para forçar os aventureiros a qualquer coisa. Só verificava a identidade dos aventureiros que se juntavam à guilda, ajudava a conectá-los com os trabalhos e rejeitaria os que causassem muitos problemas.
Trabalhar nesta organização não era, de forma alguma, uma tarefa fácil.
Por um lado, não era possível tomar conta de todos os recém-chegados que passavam pelas portas. O que deveriam fazer quanto a um trabalho aparentemente insignificante como goblincídio? A expressão de angústia que surgia no rosto da Garota da Guilda era muito compreensível.
— Depois que a instalação de treinamento estiver concluída, talvez você não precise fazer isso com tanta frequência.
Matador de Goblins não disse nada, apenas folheou as missões em silêncio.
Seu conteúdo era muito familiar para ele. Há um ninho de goblins perto de nossa aldeia. Livre-se disso, por favor.
Em alguns lugares, o gado e as plantações estavam sendo destruídos. Em outros, não. Em alguns casos, pessoas já haviam sido sequestradas, mas em outros não.
Matador de Goblins moveu as missões envolvendo rapto de mulheres para o topo da pilha. Aquelas para as quais os aventureiros já haviam sido enviados foram para trás. Casos com apenas danos menores ficaram no meio.
Cerca de, no total, dez missões. Mas Matador de Goblins disse com frieza:
— Vou cuidar disso nesta ordem.
— Certo, entendido. Tome cuidado! Ah… alguma poção, ou…?
— Sim, por favor. — Ele olhou para seus companheiros em um relance. Precisaria de cinco – não, seis, por segurança. — Poções de cura, antídotos e poções de vigor. Seis de cada.
— Claro!
Ele pegou dezoito moedas de ouro de sua bolsa de itens e a colocou no balcão enquanto a Garota da Guilda reunia os itens.
Dezoito poções para um goblincídiozinho! A notícia se espalhou pelos novatos que viam tudo, fazendo seus sussurros aumentarem aos montes. Era isso cautela ou covardia? De qualquer forma, logo se tornou o assunto do ridículo. Algumas pessoas estavam rindo sem disfarçar – mas algumas podiam estar com inveja. Afinal, após comprar o equipamento necessário, muitos tinham pouco para se dar ao luxo de obter poções. Se todo o grupo reunisse os seus recursos, talvez conseguissem comprar um único frasco.
E veja só, o homem estava comprando dezoito poções! Uma de cada para cada um dos membros do seu grupo, mais alguns extras por segurança! E estava tão calmo com isso tudo. Será que estava tentando se exibir? Isso foi o suficiente para aumentar a inveja.
— Ahh, aqui. Aqui devem estar dezoito. Confira para ter certeza.
— Irei.
— Agora, tome cuidado!
Matador de Goblins, por sua vez, ignorou as fofocas e olhares.
A primeira coisa que fez ao deixar a sorridente Garota da Guilda e voltar ao seu grupo foi pegar um pedaço de barbante. Ele se sentou no banco e alinhou todas as dezoito poções. Seis de cada, três cores diferentes. Primeiro, amarrou um barbante às poções de cura.
Depois, a vez dos antídotos. Nestas, deus um nó a mais no barbante.
Para as de vigor, adicionou dois nós extras, com um total de três.
Assim era possível diferenciar o tipo de poção pelo número de nós.
Nunca vi ninguém fazendo isso, refletiu a Alta Elfa Arqueira. Ela se inclinou para assistir, suas orelhas tremendo e seus olhos brilhando.
— Uh, Orcbolg? O que você está fazendo?
— Recentemente, temos precisado de nossas poções com mais rapidez — disse. Suas mãos continuaram se movendo de forma mecânica; o movimento era tão natural quanto o suave cheiro de uma floresta perene. — Estou garantindo que poderemos dizer qual é qual só pelo tato.
— Ah, deixe-me ajudar! — disse Sacerdotisa ansiosamente.
— Por favor. — Matados de Goblins se afastou para abrir espaço.
Sacerdotisa sentou-se sobre seu pequeno traseiro e começou o delicado trabalho de amarrar os barbantes. Assim que um conjunto de três frascos ficou pronto, a Alta Elfa Arqueira as agarrou com um “Peguei.”
— Escuta aqui, Orelhas Compridas — disse o Anão Xamã com rispidez. — Você poderia ao menos fingir ao menos um pouco mais de contenção.
— Ah, acha mesmo? — Ela balançou as orelhas, se rosto inocente. — E isso vindo de um anão; a personificação da ganância.
Em um único movimento fluido, ela enfiou a mão na bolsa de dinheiro e retirou três moedas de ouro, colocando-as no banco e batendo nelas com o dedo.
— Hrm — disse o anão, tardiamente pegando três moedas suas e colocando-as junto.
— Eu, particularmente, não preciso disso — disse o Matador de Goblins sem desviar os olhos (ou, para ser mais preciso, o capacete) de seu trabalho.
— Bem, isso não vai rolar — disse o Anão Xamã com um aceno de cabeça. — Nunca deixe o dinheiro ou equipamento ficar entre amigos.
— Entendo.
— Deixando isso de lado, você tem algumas ideias intrigantes, não é? — disse o Anão Xamã.
— Isso é simples, mas eficaz.
— Ah; vou te pagar assim que terminar — adicionou a Sacerdotisa.
— Certo…
— Deixe-nos ver aqui… — disse o Lagarto Sacerdote, pegando algum dinheiro. Mas, no mesmo momento que o colocou no banco, algo bastante estranho aconteceu.
— Uh… Com licença — dirigiu-se uma voz hesitante ao grupo.
Lagarto Sacerdote olhou para se encontrar com uma guerreira – uma novata, a julgar pelo seu equipamento todo novo. Era uma jovem de estatura nitidamente pequena. A maneira como suas orelhas se inclinavam com suavidade a marcavam como uma das pessoas das gramas, uma rhea.
Parecia que tinha acabado de comprar o seu equipamento. Ela usava calças justas em suas pernas finas, mas dos tornozelos para baixo estava descalça, assim como seguia o costume do seu povo.
A garota rhea parecia bastante nervosa; atrás dela estava o resto de seu grupo, todos praticamente tremendo. Ela avaliou o grupo do Matador de Goblins e então, por algum motivo inexplicável, pareceu decidir que o Lagarto Sacerdote seria o melhor para se conversar.
— Um, o que…? O que você está fazendo?
— Hmm. — Lagarto Sacerdote semicerrou os olhos no que provavelmente pretendia ser uma demonstração de amistosidade. A garota rhea estremeceu com um pouco mais de força. — Estamos preparando poções — disse ele. Ele pegou um dos frascos em sua mão escamosa. O líquido dentro dele fez um splash bem audível. Uma poção de cura. — Estão sendo marcados para não confundirmos um com o outro caso tenhamos que usá-los com pressa.
— Marcados…
— Quando precisamos, não existe garantia de que teremos tempo para checar qual é a poção.
A ideia pareceu fazer sentido para a garota; ela assentiu admirada.
— Devo avisar — disse o Matador de Goblins, nem mesmo olhando para a jovem aventureira —, se tentar marcar tudo que há na sua bolsa, nunca saberá o que é o quê.
— Ah… uh, c-claro. Eu nunca faria isso… Ha-ha. — O rosto da garota congelou. Isso devia ser exatamente o que ela planejava fazer. A Alta Elfa Arqueira riu, ressoante como um sino, fazendo a garota corar e olhar para o chão.
— Marque apenas as coisas que você vai precisar em um momento de pressa. E…
Matador de Goblins terminou o último lote de poções. As enfiou com cuidado em sua bolsa, certificando-se de que estavam bem protegidas.
— Tome cuidado com os goblins… Comece matando ratos ou algo assim.
— Ah, uh, certo! C-claro!
A garota rhea baixou a cabeça várias vezes e, então, voltou correndo para o seu grupo. Formaram um círculo e na mesma hora começaram a cochichar; parecia que já tinham começado a se dar bem. Eram coordenado o bastante para se dividir em dois grupos, um para prender cordas em seus itens e outro para selecionar uma missão.
— Ótimas ovelhas que percorreram o caminho do vale, guie-as para serem uma pequena parte de sua batalha da qual já se falou. — O Lagarto Sacerdote fez um gesto misterioso, orando pelo sucesso dos aventureiros, bravos feitos e gloriosas mortes.
É verdade que alguns preferiam ficar fofocando e ridicularizando, mas outros se esforçavam para absorver o conhecimento que precisariam para sobreviver. Um não era melhor do que o outro; um não estava certo e o outro errado. Estar atento aos conselhos não era garantia de sucesso, e recusar-se a dar ouvidos às palavras alheias não era uma garantia do inevitável fracasso.
Ainda assim – de fato.
— Espero que sobrevivam.
— Quem sabe…? — As palavras pareciam ter sido ditas pelo Matador de Goblins.
A hora de cada pessoa chegaria quando chegasse, mesmo diante de ratos gigantes. E se sobrevivessem, as missões só se tornariam ainda mais assustadoras à medida que avançassem em suas classificações, e de novo e de novo.
Se as aventuras fossem uma ocupação segura, não seriam chamadas de aventuras.
Matador de Goblins terminou de organizar as poções que havia preparado, então, sem pressa, levantou-se de sua cadeira.
— Ah, Matador de Goblins, senhor, seu dinheiro. — Sacerdotisa pulou atrás dele, apressada, em busca de algumas moedas em sua bolsa.
— Certo… — Matador de Goblins mostrou o maço de papéis de missões em suas mãos, dizendo: — Aceitei esses trabalhos.
— Uau… — Pela espessura do maço, a Sacerdotisa adivinhou que ele devia ter pego todas as missões restantes que envolviam goblins. Ela lutou contra o sorriso que tentava abrir caminho para seus lábios, forçando-se a ficar concentrada nas palavras nas folhas.
“Comece matando ratos ou algo assim”, de fato!
Não sobraria nenhuma missão de goblincídio, mesmo se aquelas crianças quisessem. Sacerdotisa não fazia ideia sobre isso ser intencional da parte dele. Pelo amor da deusa!
— Então?
Nesse contexto, isso significava, estou indo. E quanto a vocês?
Ela passou a aceitar que esse era um hábito que parecia improvável de o Matador de Goblins mudar. Sacerdotisa soltou um suspiro melodramático e balançou a cabeça.
— Bem, você. Você sabe que eu vou… é por isso que estou aqui.
— Hrk…
— Se deixássemos você iria sozinho — adicionou a Sacerdotisa. — E não vamos deixar.
— Existe uma coisa chamada de não se importar o suficiente com o que as outras pensam, Orcbolg — disse a Alta Elfa Arqueira, fungando aborrecida. — Todo mundo tagarelando sobre você daquele jeito não te incomoda?
— Nada para falar — disse brevemente o Matador de Goblins. Ele balançou a cabeça protegida pelo capacete com suavidade. — Realmente não entendo o que esperam de mim.
— Esse é o meu garoto, Corta Barba. São Goblins!
— Sem dúvidas — disse o Lagarto Sacerdote, dando um tapinha nas costas do Matador de Goblins com sua enorme cauda. O Anão Xamã soltou uma risada longa e carregada.
Ficou óbvio o quão sozinha estava a Alta Elfa Arqueira com a sua opinião.
— Certo, quem se importa? — disse ela, virando-se e começando a fazer beicinho.
— Calma, calma — disse a Sacerdotisa confortando-a, e então voltou sua atenção para uma breve verificação do seu equipamento.
Equipamento, checado. Itens, checados. Provisões, checadas. Sem esquecer do Kit de Ferramentas do Aventureiro. E uma muda de roupas.
— Tudo certo. Acho que estou pronto para ir.
— Então vamos.
Um guerreiro humano, uma elfa arqueira, um anão lançador de feitiços, uma humana clériga e um lagarto monge.
Os cinco aventureiros, de raças diferentes, assim como classe e gênero, deixaram a Guilda para trás.
Um grupo de aventureiros também é composto por companheiros de viagem.
Enquanto as palavras passavam pela mente da Sacerdotisa, ela diminuiu um pouco o passo. Mesmo apenas caminhando pelo mato, ela sentia uma estranha afinidade por essas pessoas.
— Ei! Sai da frente se não quiser se machucar!
— Eek?!
Um garoto passou correndo por eles, praticamente empurrando a Sacerdotisa para o lado. sua capa se abriu, revelando um grande cajado em sua mão – devia ser um mago.
A Sacerdotisa, cambaleando após o encontrão, sentiu a mão do Matador de Goblins apoiando-a.
— O-obrigada. Sinto muito.
— Está tudo bem.
A Sacerdotisa ajeitou o seu chapéu. Matador de Goblins começou a se afastar, como se a cena não lhe significasse nada demais. O Anão Xamã, entretanto, estava todo temperamental, sacudindo o punho e gritando para o garoto:
— Ei, olha por onde anda!
— Sai fora! A culpa é dela por ficar no meio da estrada! Da próxima vez, vou deixar a minha Bola de Fogo falar por mim! — O garoto não parou de correr em direção à Guilda, mesmo enquanto gritava em resposta. A maneira como ele traçou uma linha reta em direção ao seu destino parecia uma espécie de Bola de Fogo lançada.
— Grr… Essas crianças — rosnou o Anão Xamã.
— Começando a sentir a idade, Vovô? — perguntou a Alta Elfa Arqueira.
— Diz a única pessoa aqui que é mais velha do que eu! — O xamã semicerrou os olhos e encarou a arqueira. Mais precisamente, ele olhou direto para o peito plano dela, coberto por roupas de caçadora. — Você não acha que devia usar algo mais apropriado para a sua idade, Bigorna?
— P-por… S-só você… Barril! — O rosto da Alta Elfa Arqueira ficou vermelho e suas orelhas colaram à cabeça.
A familiar troca de ofensas levou um sorriso ao rosto da Sacerdotisa. Mas…
Ela olhou para trás, em direção à Guilda dos Aventureiros. O enorme edifício ainda estava bem visível, apesar da multidão do lado de fora.
— Bem, com tantos recém-chegados, devem haver alguns indivíduos bem precipitados. — O Lagarto Sacerdote se inclinou para olhar para a Sacerdotisa. — Há algum problema?
— Ah, uh, não — disse ela, acenando com a mão para dispensar a ideia. — Nada. — E então a Sacerdotisa voltou a olhar para a frente.
Continue andando. Siga seus companheiros. Fique com o seu grupo.
Ela correu atrás dos outros, mas não conseguia tirar a imagem do ruivo lançador de feitiços de sua mente.
Talvez eu só esteja imaginando coisas, mas… ele parecia bem familiar.
— ORAGARARA?!
— Sete goblins à nossa frente! Na verdade… seis! — Uma voz clara soou pela caverna, seguida pelo grito de um goblin. A Alta Elfa Arqueira havia disparado uma flecha enquanto corriam pela passagem estreita e úmida.
Cada membro do grupo saltou sobre o cadáver do goblin, por cima da flecha que brotava do seu olho, e seguiu em frente.
— Bom — murmurou o Matador de Goblins. Enquanto conduzia todos, ele girou a lâmina em sua mão direita com um aperto reverso, em seguida, jogou-a para frente em um único movimento.
— GRAB?!
— GRROB! GRARB!!
A espada acertou a garganta de um goblin, fazendo com que a criatura começasse a sufocar com o próprio sangue. Ao lado dele, um de seus companheiros que segurava uma espada enferrujada cacarejou: Mas que aventureiro tolo. Jogando a própria arma fora!
A espada do goblin brilhou à luz da tocha do Matador de Goblins. O monstro soltou um grito e saltou adiante.
— GRAARBROOR!!
— Hmph.
Matador de Goblins bloqueou o golpe do goblin com o seu escudo. Ele logo transferiu a tocha para a mão direita e acertou o monstro com ela.
— GRAB?!
Um ganido ecoou. A dor de um nariz quebrado sendo empurrado até o cérebro, a agonia de um rosto lambido pelo fogo. O goblin morreu nas garras de um sofrimento muito menor do que aquele que havia infligido durante sua horrível vida.
— Dois, três.
Chute o novo cadáver para o lado, pegue sua lâmina e siga em frente.
Restam quatro. Ou melhor…
— KREEEEYYAAAHHH!!
Ao lado do Matador de Goblins soou o berro de Lagarto Sacerdote em sua prece. Mesmo enquanto gritava, ele balançou uma Garrespada com força imensa, quebrando os goblins à sua frente. Nenhum goblin poderia sobreviver a um golpe direto na traqueia.
— GROAROROB?!
— Quatro. Restam três.
Matador de Goblins deixou o Lagarto Sacerdote para acabar com aquele; já havia encontrado os outros inimigos. Lá longe, na escuridão, no fim do túnel, algo refletia um pouco da luz de sua tocha. Sem hesitar, o Matador de Goblins ergueu o escudo à frente do rosto.
Uma série de vibrações reverberou e alguns objetos voaram pelo escuro. Quase ao mesmo tempo, o Matador de Goblins sentiu um choque correndo pelo seu braço esquerdo, como se tivesse sido atingido. Ele estalou a língua.
— GRORB!
— GRAROROBR!
Não precisou olhar para saber o que era: uma flecha estava alojada em seu escudo. Dos outros dois disparos, um voou sobre as cabeças do grupo, enquanto o Lagarto Sacerdote defletiu o terceiro. Era bem óbvio que havia arqueiros goblins escondidos no escuro.
Inimigos armados com bestas deveriam ser temidos, mas, infelizmente, essas criaturas carregavam apenas arcos regulares.
— Tsk… — Matador de Goblins estalou a língua por ter notado tão tarde. Então casualmente pegou a flecha, com haste e tudo, e a puxou. Ele não parecia preocupado com o fato de que extrair a extremidade em forma de gancho pudesse danificar o seu equipamento. Em vez disso, estava focado no líquido escuro e sinistro que encharcava a ponta da flecha. — Veneno! — anunciou ao jogá-la fora.
Uma resposta foi disparada em retorno:
— Deixa comigo! — A Alta Elfa Arqueira já estava preparando o seu arco. O som da corda disparada era quase como música, perfurando a garganta de um goblin arqueiro. Desafiar um elfo para uma competição de tiro era loucura pura. Assim somaram cinco.
— Seis!
Matador de Goblins já estava correndo pelo túnel, fazendo contato com o inimigo. Ela facilmente alojou uma espada no pescoço de um goblin barulhento. Chutou o corpo para longe, libertando a lâmina, então ergueu o escudo para se defender enquanto se afastava dos outros inimigos que avançavam.
— Hrroooooh!! — O Lagarto Sacerdote saltou com sua espada, cortando as criaturas até que sete goblins estivessem caídos e mortos no chão.
Por um breve momento, o único som no túnel escuro e fedorento era a respiração acelerada dos cinco membros do grupo.
— E-esses são t-todos… deles? — perguntou a Sacerdotisa, lutando para manter a sua respiração sob controle.
— Provavelmente — disse o Matador de Goblins, jogando a sua tocha fora. Já havia queimado toda, talvez devido ao tratamento grotesco.
Três dos membros do grupo eram perfeitamente capazes de enxergar no escuro, mas isso não significava que poderiam ficar sem uma fonte de luz.
— Ah, Matador de Goblins, senhor, aqui… — Quando a Sacerdotisa o viu puxando uma nova tocha de sua bolsa quase na mesma hora, ela agiu rápido para preparar uma pederneira.
— Obrigado.
— Por nada — respondeu a Sacerdotisa com a sugestão de um sorriso. Ela usou a pederneira para fazer algumas faíscas, deixando um suspirinho de alívio escapar quando a tocha se incendiou.
E aproveitou a oportunidade para dar uma nova olhada ao redor. A caverna de pedra possuía alojamentos apertados, e o fedor de sangue e tripas se juntava ao fedor da podridão que era tão característico dos ninhos de goblins.
— Ugh…
Já estava acostumada com isso, sim, mas não significava que gostasse. A Alta Elfa Arqueira torceu o nariz e fez uma careta. Mesmo assim, manteve o arco em uma das mãos e suas orelhas compridas ouviam tudo ao seu redor.
— Sei que fomos bem fundo, mas a superfície ainda está longe?
— O que vamos fazer? Os números continuam aumentando…
Suas vozes carregavam uma distinta nota de fadiga. A Sacerdotisa ofereceu um odre de água para a Alta Elfa Arqueira, que aceitou com gratidão e tomou um longo gole.
Haviam entrado em uma caverna às margens de um rio perto da aldeia. Já estavam trabalhando para sair, mas não tinham a real sensação de que estavam conquistando algum progresso.
A resposta à pergunta da Alta Elfa Arqueira já estava se aproximando.
— GROORORB!
— GRAARB! GROB! GRORRB!!
Vozes horríveis ecoaram na terra. A caverna era como um formigueiro; um abismo, um labirinto, uma confusão. O suprimento aparentemente inesgotável de goblins teria sido, por si só, suficiente para quebrar o espírito de qualquer aventureiro novato.
O grupo estava praticamente sem descansar por várias horas. As seis ou sete mortes que haviam recém contado eram apenas o número de goblins do último grupo que haviam encontrado. Um total de quantos goblins tinham exterminado? Dezenas. Muitas dezenas.
— Há mais chegando… — A pela naturalmente pálida da Sacerdotisa ficou ainda mais branca assim que o sangue foi drenado do seu rosto; ela mordeu o lábio. Suas mãos, segurando seu cajado, tremiam um pouco, apenas o suficiente para que quase pudesse ser confundido com um excesso de força.
— Você pode lutar? — perguntou o Matador de Goblins.
— S-sim… — respondeu a Sacerdotisa, acenando com a cabeça com tanta firmeza quanto podia. Mesmo se tivesse respondido Não, não posso, nada mudaria… Ainda assim, era reconfortante que ele fosse atencioso o suficiente para perguntar.
Ela respirou fundo e voltou a expirar. Quando afrouxou os dedos e reajustou o seu aperto, eles quase não pareciam lhe pertencer.
— Foi bom termos assumido esta missão — observou o Lagarto Sacerdote, olhando para a Sacerdotisa enquanto sacudia o sangue de sua garra.
Os passos desordenados e indisciplinados dos goblins se aproximavam. O som ecoou pelos túneis laterais, estreitos e escuros, como se quisesse envolver os aventureiros.
— E quantos inimigos enfrentaremos desta vez?
— Diria que não mais do que trinta — disse a Alta Elfa Arqueira, mexendo as orelhas. — Mas não menos do que dez.
— Então vamos considerar como vinte — disse o Lagarto Sacerdote. — O goblincídio é visto como a vida de um novato, mas os números, neste caso, com certeza prevaleceriam.
E, ainda, tinham apenas cinco pessoas. Lagarto Sacerdote soltou um ronco de sua garganta, esticando o pescoço para ver o túnel. Então bateu com a cauda no chão. Para convocar ou não um Guerreiro Dragodente? Gastar um feitiço ou não? Era uma questão para muita preocupação.
— Hrm. Bem, isso pode ser um pouco complicado — rosnou o Anão Xamã, tirando a carga de suas costas. Era uma jovem suja, coberta de arranhões, sequer consciente. Ele a encostou à parede enquanto dizia: — Afinal, temos que nos certificar de que ela também fique segura.
Era, de fato, como as coisas costumavam acontecer. Mas, apesar do quão comum, isso era algo que facilmente destruía a vida das pessoas.
O que aconteceu foi, em essência, isto: alguns goblins fixaram residência perto da aldeia. Os jovens ficaram cautelosos, mas alguma mulher – colhendo ervas medicinais ou cuidando das ovelhas – fora sequestrada. E a aldeia desesperadamente quis os goblins mortos.
Em qualquer um dos quatro cantos do mundo seria contada a mesma história, até que se enjoasse. Os goblins era sempre um problema, por toda parte.
Quando isso acontecia, no caso do pequeno povoado ribeirinho ao qual o Matador de Goblins se dirigira a princípio, a vítima era filha de um barqueiro. Era difícil dizer se ela teve sorte ou não: Usando uma vara longa para guiar o barco de um lado do rio para o outro todos os dias, se tornara fisicamente muito mais resistente do que muitos homens desafortunados. Portanto, teve força para suportar a brutalidade e o abuso dos goblins.
Inclusive manteve a sua sanidade. Como viveria a sua vida após isso, após o que havia passado, os aventureiros não sabiam. O dever deles era resgatá-la viva.
— Se eles continuarem se multiplicando, podem começar a invadir a superfície com mais frequência. — O julgamento do Matador de Goblins foi assertivo: — Vamos matar todos os goblins.
Que outra resposta poderia haver? Sim, isso era tudo muito normal. Ao menos para o Matador de Goblins era.
— Qual é a sua opinião sobre a situação?
— Se os encontrarmos em um túnel estreito, isso neutralizará em muito a desvantagem numérica — disse o Lagarto Sacerdote, pensativo. — Mas… — Ele arranhou uma garra ao longo da parede do túnel. A terra era fofa. Estava compactada o suficiente para que um colapso não acontecesse, mas seria fácil de cavar. — Se os diabinhos aparecessem das paredes ao nosso redor, poderíamos acabar presionados. Acredito que é necessária uma mudança de local.
— Então isso resolve — disse o Matador de Goblins, verificando a sua arma. — Ainda temos feitiços, sim?
— Ah, sim. — A Sacerdotisa foi a primeira a responder. — Parecia que a luta seria longa, então guardei todos os meus três milagres.
— Quanto a mim, usei apenas uma Garrespada. — Isso significava que restavam três.
Matador de Goblins balançou a cabeça. Seria o suficiente.
— Eu ainda tenho quatro tentativas — disse o Anão Xamã, contando nos dedos. Ele abriu a sua bolsa e olhou para dentro dela, franzindo a testa. — Mas, pelo que me lembro, você disse que havia cerca de dez pontos de acesso, não é?
— Meio louco, hein?
Ignorando o comentário da Alta Elfa Arqueira, o Matador de Goblins balançou a cabeça.
— Podemos descansar um pouco.
— Sem problema.
Clérigo ou mago, milagres ou feitiços, reescrever a lógica do mundo exigia um esforço árduo. Cada um só conseguia fazer isso algumas vezes por dia. Se não fosse um usuário de magia de classificação Platina, isso talvez fosse o melhor a se esperar. Consequentemente, um dos princípios básicos da aventura era dar ao usuário de magia um bom descanso. Aqueles que ignoravam esta lei poderiam estar se colocando em perigo mortal (embora todos morressem quando a hora chegasse, independentemente de quão revigorado um lançador de feitiços estivesse).
O Lagarto Sacerdote, parado ao lado do Matador de Goblins, entendeu o que o anão queria dizer.
— É uma questão de catalisadores, não é?
— Isso aí. Ofereço o que posso, mas itens mágicos são bem… você sabe.
— Muito bem. — Matador de Goblins recuperou uma lâmina coberta de sangue e a limpou rapidamente na tanga de um goblin. Se pudesse usá-la para matar mais um ou dois inimigos, seria o suficiente. Afinal, seus inimigos trariam outras armas. Não havia nada com o que se preocupar. — Então use Túnel. Isso não requer um catalisador.
— É verdade. Mas para que usar… ahh, é nisso que você está pensando? — O Anão Xamã deu um tapinha em sua barba, mas mal teve que pensar para entender o que o Matador de Goblins queria. Seu rosto se dobrou em um sorriso. — Para bem ou para mal, Corta Barba, acho que você está me influenciando. Ei, Escamoso, me dê uma mão… er, um ombro.
— Ha ha. Sim, faz sentido. Aqui. Minhas costas serão suficientes?
Anão Xamã soltou um suspiro profundo, depois, subiu nas costas do Lagarto Sacerdote. Ele pegou um frasco preto e uma escova da sua bolsa, depois começou a desenhar um padrão à mão, bem fluido, no teto.
A Alta Elfa Arqueira ainda não tinha conseguido juntar as peças. Ela balançou as orelhas, desconfiada, e grunhiu enquanto observava o desenho do Anão Xamã.
Era incompreensível.
— Isso faz sentido para você? — perguntou ela a Sacerdotisa, mas a outra garota respondeu: “Na verdade não” e pareceu um pouco envergonhada. — Ei, Orcbolg, que coisa é essa? — perguntou ela. — Diga-nos o que está acontecendo!
Diante dessa demanda pontual, a resposta do Matador de Goblins foi tão mecânica e áspera quanto sempre.
— Devo avisá-la — disse ele.
— Sobre o quê?
— Esta é uma rota de fuga de emergência.
— O que é?
— Nós resgatamos a refém. Sem problemas até aqui.
Isso foi tudo o que ele disse, então jogou algo para a Alta Elfa Arqueira. Mesmo na penumbra, ela podia ver o que era; pegou no ar.
— Vou te mostrar a forma de usar… bem.
A Alta Elfa Arqueira continuou parecendo perplexa, mas a Sacerdotisa disse:
— Ah — como se até desapontada. — Achei que chegaria a esse ponto — acrescentou ela.
Na mão da arqueira estava um anel de respiração subaquático.
Também era algo perfeitamente comum para os goblins: aventureiros. As criaturas desagradáveis estavam sempre invadindo suas casas enquanto tentavam relaxar.
Desta vez foram cinco. E que sorte: duas eram mulheres. Ambas jovens, e uma elfa.
Por alguma razão, não cheiravam muito bem, mas um olhar foi o suficiente para despertar a luxúria dos goblins.
— GRAORB!
— ORGA!
Em seu buraco úmido, os goblins riam com suas risadas sombrias e saboreavam seus desejos sombrios.
Como somos sortudos! Duas mulheres. Podemos ter toda a diversão que quisermos e, ainda por cima, aumentar a nossa família.
Nas guerras entre aqueles com palavras, os homens eram os cativos e reféns mais valiosos. Isso, é claro, porque serviriam como melhores trabalhadores. Em uma guerra adequada, os prisioneiros poderiam ter um trabalho adequado.
Para os goblins, entretanto, as coisas eram diferentes. Os homens eram perigosos; se irritavam rapidamente e eram violentos, deixando-os com medo. Podiam até cortar os membros de um homem e jogá-lo em uma cela, mas, depois disso, serviria apenas de alimento ou zombaria. Muito trabalho para pouca coisa.
Assim sendo, as mulheres – fêmeas – eram algo bem diferente. Engravidá-las seria o suficiente para impedi-las de fugir. Poderia fazer o que quisesse com elas; uma mulher sem mãos e pés também seria útil.
E, acima de tudo, eram divertidas. Isso contava muito. E poderiam fazer mais goblins. Todo esse valor em apenas uma humana.
Caso se cansasse delas, ou se morressem, ainda serviriam de alimento. Criaturas muito mais versáteis que os homens.
— GROB! GROAR!
— GROORB!
Os goblins tagarelavam enquanto abriam caminho pela terra fofa com uma variedade de ferramentas rudimentares e muita má vontade.
Dê à garota menor duas ou três boas cutucadas e ela com certeza se tornará obediente. A elfa parecia meio esquentada. Começar quebrando uma perna, talvez…
Não, não. Quebrar os dedos para que não pudesse voltar a usar o arco. Isso seria melhor.
O gordo, o anão. Ele parecia que poderia ser comido por dias.
Uma boa e rica barrigada.
Tire as escamas do lagarto. Passe um barbante por elas e servirão como uma boa armadura. Seus ossos, garras e presas também seriam perfeitos para lanças.
E então havia o com armadura. Tudo o que ele carregava, sua espada, escudo e todo o equipamento, parecia ser do tamanho para os goblins.
Mas que tolos eram esses aventureiros!
Nem por um instante passou pela cabeça de qualquer um dos goblins que poderiam ser derrotados.
Eles não tinham força, apenas números. Entendiam isso instintivamente; era o que os tornava goblins. Se tivessem recebido o mínimo que fosse de sagacidade, não havia dúvida de que há muito já teriam sido extintos.
Por fim, a sensação da parede de terra começou a mudar. Ouviram com atenção; podiam ouvir vozes fracas.
Esse era o lugar.
Os goblins se entreolharam e assentiram. Sorrisos feios partiram seus rostos.
Todos tinham armas em mãos – os mesmos itens usados para cavar a terra. A maioria era feito de ossos, pedras ou galhos, embora houvesse uma ou outra pá que conseguiram roubar.
A esta altura, a estratégia de nada servia. Enquanto seus companheiros estavam sendo mortos, eles iriam desferir um golpe de sorte e massacrar os inimigos.
Aqueles aventureiros idiotas pareciam estar planejando algo, mas os goblins nunca deixariam que escapassem impunes. As criaturas tinham convenientemente esquecido o que haviam feito à filha do capitão do barco. Pensavam apenas na raiva que sentiam por seus vinte companheiros massacrados.
Vão pagar por marchar até aqui e revirar a nossa casa de cabeça para baixo!
Matem! Estuprem! Roubem!
— GOROROB!!
— GRAB! ORGRAAROB!!
Com um coro de gritos, a horda de goblins rompeu a parede e saltou para o espaço. Uma onda deles correu em direção aos aventureiros.
— Tolos.
Naquele instante, um pergaminho foi usado e uma onda de verdade surgiu em direção aos goblins e os engoliu.
Um tremendo estrondo surgiu do subsolo, e um pilar branco foi cuspido.
Não – o cheiro de sal que chegou junto com o cheiro de início da primavera deixou claro que se tratava de água do mar, trazida das impensáveis profundezas do oceano.
O jorro d’água subiu pelo túnel em direção à superfície – e, claro, carregou os aventureiros consigo.
— Ahhhh?! Eu odeio isso!! Eu odeio isso, eu odeio isso, eu odeio isso!!
— Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Pela deusa, isso é realmente incrível!
O grito estridente da Alta Elfa Arqueira dificilmente poderia ser afastada da risada jovial do Lagarto Sacerdote. Suas orelhas estavam eriçadas para trás e seus olhos bem fechados; a dignidade costumeira de um Alto Elfo a abandonara por completo. Na verdade, poderia ser dito que foi espremida para fora dela…
— Suponho que seja compreensível.
— Como você pode estar tão calmo?!
— Meu povo ensina que somos parentes distantes dos pássaros — respondeu o Lagarto Sacerdote.
Dito isto; respirar era uma coisa, mas pousar depois de ser lançado ao ar? O dano era assegurado. Se a Mãe Terra fosse mesmo misericordiosa, não poderia ser um crítico.
— Nós… estamos caindo! Estou caindo! Rápido, por favor…! — Sacerdotisa implorou do fundo de seu coração, mesmo enquanto desesperadamente tentava evitar que sua saia se abrisse com o vento.
Se ao menos tivéssemos um milagre que tornasse a terra macia e fofa – isso não é justo!
Este pensamento inapropriado passou pela sua cabeça, mas ela se deparou apenas com o vento forte, levando as lágrimas para longe dos seus olhos.
— Muito bem! Deixe comigo!
Ainda bem que eu sabia que isso poderia acontecer.
O Anão Xamã, aparentemente imperturbável e com a garota cativa ainda em suas costas, começou um complicado encantamento enquanto estava no ar.
— Saiam, seus gnomos, e deixem ir! Aí vem, olhem abaixo! Virem esses baldes de cabeça para baixo; esvaziem tudo no chão!
E os aventureiros, que tão logo pareciam a ponto de bater direto na implacável terra, flutuaram em direção à superfície tão suavemente quanto penas. A Sacerdotisa soltou um suspiro, aliviada por ter evitado de se tornar uma mancha sanguenta no chão.
— Agora está… está tudo bem, não é? — perguntou ela, hesitante.
— Com certeza não está! — exclamou a Alta Elfa Arqueira. — Não está nada bem! Não sei nem se vou voltar a abrir os olhos de novo! — Suas orelhas tremiam violentamente e ela balançava a cabeça.
— É claro que o Controle de Queda é bom para subir ou descer — disse o Anão Xamã. Embora tivesse sido, a princípio, planejado para ajudar ao cair de lugares altos ou preso em algum buraco.) — Mas, Corta Barba, como você sobrevivia antes de nos conhecer?
— Eu me segurava nas profundidades, e então, uma vez que estivesse debaixo d’água, andava.
— Besteira! — latiu o anão.
— Neste caso, não havia tempo.
O olhar desconfiado do Anão Xamã não parecia incomodar o Matador de Goblins.
A gravidade logo guiou o grupo até o chão, sempre com suavidade.
A explosão da água do mar transformou toda a área em lamaçal, e o cheiro de sal no ar era muito estranho. Passariam anos até que o sal fosse completamente tirado da terra e o campo voltasse a ser bom para o cultivo.
— Ah, pelo… Eu sabia que deveria ter pego uma muda de roupa — suspirou a Sacerdotisa, tomando cuidado para não deixar seus pés ficarem presos à lama. Ela enrolou a bainha do vestido, que estava encharcado, e o puxou para cima. Isso deixou suas pernas pálidas expostas até as coxas, mas havia muitas coisas que levavam prioridade sobre o constrangimento.
— Ah, mas… não olhe para cá, viu?
— Não vou.
Matador de Goblins, é claro, não havia em qualquer momento olhado em sua direção, e seria mentira dizer que isso não a incomodava um pouco.
— Claro que não — murmurou ela, e então, com um grunhido, tirou as roupas. Não havia mais nada a ser feito – de outra forma, a água salgada enferrujaria sua cota de malha.
— Ah, eh, g-grr… não! Não! Isso passou dos limites! Inadmissível. Eu definitivamente não deixarei que faça isso de novo… — A Alta Elfa Arqueira havia meio que se arrediado sozinha. A Sacerdotisa deu uma olhada rápida na elfa. Conforme ela recordava, a Alta Elfa Arqueira não tinha nenhum equipamento de metal.
Então deve ficar bem, certo?
A Sacerdotisa ainda não tinha recebido nenhum milagre para acalmar e, de qualquer forma, não seria bom depender tanto da ajuda sobrenatural. Com tempo suficiente, a Alta Elfa Arqueira se acalmaria sozinha. Assim seria melhor.
Com algo parecido a desapego, a Sacerdotisa decidiu deixar a elfa secar ao sol. O sol da primavera estava forte; com certeza um pouco dele a faria bem.
— Certo, então… — Quando a Sacerdotisa olhou para trás, para o Matador de Goblins, ele voltara ao seu próprio trabalho. E, como indicado pelo seu nome, estava matando goblins.
Conforme o efeito do Túnel passava, a terra começou a preencher o buraco de novo. A água do mar logo correria pela boca da caverna e afogaria os goblins.
Assim como os aventureiros queriam.
Matador de Goblins apertou ainda mais a espada, que nunca tinha largado, mesmo em meio ao jato violento. Ele saltava pela lama, avançando implacavelmente.
Vários goblins que foram expulsos da caverna com eles estavam deitados no chão.
— Hmph.
— ORGAR?!
Esse era um. Sem qualquer momento de hesitação, o Matador de Goblins passou a lâmina pelo seu cérebro. A criatura soltou um grito e tremeu. Matador de Goblins girou a espada e, quando confirmou que o goblin estava imóvel, puxou a arma.
— Oh-ho. Ainda vivos, eh? — disse o Lagarto Sacerdote.
— A sorte dos dados — observou o Matador de Goblins.
Às vezes acontece, acrescentou para si mesmo, e então continuou em silêncio com o seu trabalho.
Quando encontrava mais um, o esfaqueava com sua espada. Verificava se estava morto e, se não estivesse, esperava até que morresse.
Sua lâmina logo ficou cega, então a jogou fora. De qualquer forma, havia uma montanha de armas ali. Agarrou um porrete de algum goblin aleatório e em vez de gratidão, esmagou o crânio do dono.
A maioria dos monstrinhos estava morta. Mas um ou dois continuavam vivos. Essa era apenas a natureza da probabilidade. Matador de Goblins, entretanto, não tinha intenção de os ignorar.
— Quando ela recuperar os sentidos, limpe o equipamento dela e iremos para a próxima coisa.
— Pode deixar. — O Anão Xamã abriu a rolha de uma garrafa de vinho de fogo. — Pelo amor. Este deve ser o dia mais ruim que esses goblins já tiveram.
Aqui, Orelhas Compridas. Ele forçou um pouco do álcool pela garganta da Alta Elfa Arqueira, apenas para recuperar os seus sentidos, aos quais voltou com outro grito. Suas orelhas saltaram, seu rosto ficou vermelho e ela logo começou a agredir o anão verbalmente.
Matador de Goblins ignorou as tagarelices de seus companheiros, mas murmurou:
— Isso não é necessariamente verdade.