Capítulo 2
Querido Matador de Goblins,
Espero que esteja bem quando essa carta chegar. A época dos espíritos da neve chegou, e o frio também. A saúde de um aventureiro é o seu recurso mais importante nessa época do ano. Por favor, tome cuidado para não ficar doente.
Quanto a mim, estou surpresa, mas feliz em dizer que depois de nosso último encontro, não tive nenhum sonho com goblins, e de fato, as coisas tem corrido pacificamente. É tudo graças a você e seus amigos. Envio-te minha sincera gratidão. Gostaria de ter escrito mais cedo e estou envergonhada por nem conseguir alegar falta de tempo para desculpar a intempestividade dessa carta.
Aliás, sinto que é bastante inapropriado de minha parte incomodá-lo de imediato novamente; então devo pedir seu perdão, pois é exatamente o que pretendo fazer. Acontece que há uma missão que gostaria de pedir-lhe para aceitar.
É uma história bastante comum: uma certa nobre jovem fugiu da casa de seus pais para se tornar uma aventureira. Ela pegou uma missão, após a qual todas as comunicações dela cessou; um desfecho triste, mas também não incomum. A de seus pais que visitaram a Guilda para oferecerem uma missão para encontrar a garota, também não é especial.
A única coisa que quero registrar é que a missão que a garota empreendera era uma de goblincídio.
Tenho certeza de que está vendo onde isso vai parar.
A missão de busca que seus pais deixaram, estabelecia que “os aventureiros mais confiáveis e de alto níveis” devem ser aplicados. Mas é claro, dificilmente alguém nos ranques avançados assumem missões de goblincídio. Quando a Guilda me consultou sobre o assunto, não pude pensar em ninguém além de você.
Conhecendo-te, tenho certeza de que está muito ocupado (ouvi sobre o que se passou no festival da colheita), mas se possuir um pouco de tempo livre, pedir-lhe-ia que usasse ele para proporcionar ajuda a uma jovem infeliz.
Rezo pela sua boa saúde e segurança.
Atenciosamente,
— É de Donzela da Espada. Ela diz que está rezando por você… Cartas humanas são tão fervorosas. — A voz de uma elfa animada soou claramente na estrada nevada.
A estrada se estendia sem parar pela planície varrida pelo vento. A única coisa que poderia ser vista eram as árvores mortas e moitas cobertas de neve até o horizonte. O céu fora pintado de cinza por traços grandes e largos de nuvens; não havia nada de interessante para olhar para qualquer lugar.
Nesse mundo monótono, a voz animada e contente da elfa se destacou. Sua forma magra estava envolta de um traje de caçadora. Um arco estava pendurado em suas costas, e suas orelhas longas se agitavam alegremente.
A curiosidade felina de Alta-Elfa Arqueira não se limitava de modo algum as aventuras. Ela dobrou jovialmente a carta em sua mão, segurada com seus dedos longos, e a passou para trás.
— Não vejo muitas cartas. Elas são todas assim? — perguntou ela.
— Hmm…
A garota humana a qual passou a carta deu um sorriso ambíguo, parecendo um pouco acanhada. Mesmo quando pegou o pedaço de papel, ela parecia hesitante em ler.
Seu corpo esbelto estava coberto de cota de malha, sobre os quais pendiam vestes clericais, e em sua mão, ela portava um cajado de monge: ela era uma sacerdotisa. Era isso; essa missiva possuía o cheiro de uma carta de amor. Seria errado dizer que ela não se perguntou sobre isso, mas ela também não se sentia muito confortável em ler a correspondência de outra pessoa. Se alguém fizesse isso com ela, ela consideraria muito difícil de responder.
— Mas… Mas está ficando muito frio, não é?
Então, por isso, ela resolveu mudar o assunto da conversa, à força se necessário.
Quanto mais ao norte eles avançaram, mais pesado as nuvens no céu se tornaram, até que a luz do sol não pudesse penetrá-las. O vento estava ficando implacável, e às vezes trazia algo branco com ele.
Era inverno. Isso ficava óbvio o suficiente pela neve que começara a acumular ao longo da estrada.
— Estou com frio — disse Sacerdotisa. — Talvez seja culpa minha. Malha não me ajudará a me manter quente…
— É por isso que produtos metálicos não são bons! — Alta-Elfa Arqueira deu uma risada triunfante e estufou seu pequeno peito, com suas orelhas balançando para cima e para baixo orgulhosamente. Era verdade: sua capa de caçadora não possuía nada de metal.
— Feche a matraca — disse um conjurador anão. — Sinceramente, estou espantado por você estar confortável em roupas tão finas.
— O que é isso que ouço? Elfos são mais resistentes do que pensava?
— Resistentes e lentos para pegar resfriados são coisas diferentes, moça — disse o anão, passando a mão na barba, e provocando um “o quê?!” raivoso da elfa vermelha.
Sua discussão foi tão barulhenta como sempre. Sacerdotisa sorriu. — Algumas coisas nunca mudam!
— Hm — uma homem-lagarto enorme assentiu ao lado dela. — Eu os invejo pela energia para fazer tanta confusão. — O sangue de seus antepassados, os temíveis nagas, fluía em suas veias; e ele era da tribo do sul. O corpo escamoso de Lagarto Sacerdote tremia no frio congelante da neve.
Sacerdotisa achou isso difícil de se observar e olhou para ele com preocupação. — Você está bem?
— É uma questão de meus ancestrais, que eram igualmente vulneráveis ao frio. Eu poderia estar em vias de extinção. — Lagarto Sacerdote revirou seus olhos imensos e sua língua saiu rapidamente para fora da boca. Ele continuou em tom de brincadeira: — Meu senhor Matador de Goblins parece bem calmo. Você deve ter bastante experiência nisso, imagino.
— …Não.
Lagarto Sacerdote falara com um guerreiro humano que liderava a coluna. Ele usava uma armadura de couro encardida e um capacete de aço de aparência barata. Uma espada de tamanho estranho estava em seu quadril, e um escudo redondo e pequeno estava atado em seu braço. Até mesmo um aventureiro novato provavelmente teria um melhor equipamento.
Matador de Goblins: era assim que as pessoas chamavam esse aventureiro, um homem do terceiro ranque, Prata.
A única coisa que era diferente do habitual era as flechas produzidas grosseiramente que ele segurava em cada mão.
— Antes eu aprendi meu ramo em uma montanha nevada. — Ele mexia nas pontas das flechas enquanto caminhava, sem olhar para seus companheiros.
— Oh-ho — disse Lagarto Sacerdote encantadoramente. — Não é um tipo de prática que poderia imitar. — Sua cauda sibilou.
Matador de Goblins, sem abrandar o ritmo, disse: — Não gostaria de fazer de novo.
Como sempre, não havia qualquer hesitação em seus passos; ele caminhava com coragem, quase com uma impetuosidade indiferente.
— Hum, Matador de Goblins, senhor! — Sacerdotisa foi apressadamente até ele com passos curtos como um passarinho, segurando seu cajado com ambas as mãos. — Obrigada, hum, por isso. — Pedindo desculpa por fazê-lo interromper sua atividade, ela passou a carta de volta para ele. Foi uma boa oportunidade, já que Alta-Elfa Arqueira e Anão Xamã ainda estavam ocupados discutindo.
— Você entendeu o essencial da missão? — Ele segurou as flechas com uma das mãos, pegando jovialmente a carta com a outra e dobrando. Sacerdotisa apanhou um vislumbre do interior da bolsa de itens que ele colocou a carta. Como de costume, estava repleta de todo o tipo de coisas aparentemente aleatórias. Mas para ele, havia uma ordem nela, uma organização, e ele certamente considerava tudo ali necessário.
Talvez eu devesse tentar organizar meus itens com um pouco mais de cuidado também…
Sacerdotisa fez uma nota mental para perguntá-lo sobre isso e assentiu. — Hum… Precisamos resgatar uma mulher, certo? Dos goblins.
— Isso mesmo. — Matador de Goblins assentiu. — Em outras palavras, é uma missão de goblincídio.
E isso, mais ou menos, não passava disso. Pouco depois do festival da colheita na cidade fronteiriça, uma carta chegara da cidade da água. Era da arcebispa do Deus Supremo de lá — conhecida como Donzela da Espada — e tal como antes, a carta endereçava Matador de Goblins pelo nome.
Esse aventureiro excêntrico certamente não recusaria qualquer trabalho envolvendo goblins. E assim Sacerdotisa, que trouxera notícias para eles desde o templo, juntamente com Alta-Elfa Arqueira, Anão Xamã e Lagarto Sacerdote, foram para o norte com Matador de Goblins.
Era o início da tarde, e eles logo chegariam na pequena aldeia ao pé da montanha nevada.
— Espero que esteja tudo bem com a garota…
— Espero que esteja tudo bem com a garota…
— Sim. Detesto pensar nisso… — Alta-Elfa Arqueira, aparentemente cansada de discutir, balançou a mão como que para enxotar o pensamento terrível. Seu tom era leve, mas suas orelhas caídas falavam em nome da tristeza que sentia. — Honestamente, duvido que qualquer refém de goblin esteja segura.
— Bem… Hum…
Sacerdotisa e Alta-Elfa Arqueira deu uma a outra um sorriso tenso, e estava claro do que estavam se lembrando.
— Se ela estiver viva, iremos resgatá-la. Se estiver morta, traremos parte do seu cadáver, ou seus pertences de volta.
Tais horrores, claro, não eram de forma algum exclusiva de goblins. Seja goblins ou quer se trate de um dragão, nenhum aventureiro estava seguro nas garras de qualquer monstro. Então, a resposta de Matador de Goblins foi perfeitamente natural. Ele falou com uma voz calma e — quase mecânica — desapegada.
— …Deve existir uma forma mais agradável para dizer tudo isso — disse Alta-Elfa Arqueira com um aborrecimento compreensível, mas Matador de Goblins não pareceu notar.
— O que podemos fazer? — disse Sacerdotisa encolhendo os ombros e dando um sorriso impotente.
Lagarto Sacerdote interveio no tempo perfeito, não que ele estivesse necessariamente tentando facilitar as coisas para as garotas.
— Gostaria de saber qual motivo que os goblins teriam para atacar uma aldeia no meio do inverno. — Seu corpo imenso tremeu, quase teatralmente, como que para salientar o frio. — Não seria mais agradável para eles ficarem tranquilamente nas cavernas?
— Bem, Escamoso, isso se parece com os ursos, não? — respondeu Anão Xamã, afagando a barba branca. Ele destampou o frasco em seu quadril, tomando um gole e então estendendo para Lagarto Sacerdote. — Aqui. Aqueça um pouco seu interior.
— Ah! Tem a minha gratidão. — O sacerdote abriu suas mandíbulas enormes e deu um gole, depois recolocou a tampa e entregou o frasco de volta para Anão Xamã.
O anão deu uma sacudida no recipiente, ouvindo o som para julgar quanto sobrava, então pôs de volta no quadril. — Precisa de bastante comida, bebida e doces guardados para sobreviver ao inverno.
— Oh? Então parece que o outono seria o melhor momento para atacar uma aldeia. — Alta-Elfa Arqueira fez um círculo no ar com o dedo, e com toda a confiança de patrulheira que possuía, disse: — É isso que ursos e outros animais que hibernam fazem.
— Mas até os ursos se esgueiram de vez em quando no inverno — disse Anão Xamã. — E quanto a isso?
— Às vezes não têm escolha, como se não conseguirem encontrar uma boa caverna para dormir, ou se a caça foi magra no outono.
Ninguém sabia mais do que os elfos no que se refere à caça e armadilhagem. Tal é o fato que até o anão argumentador só pôde resmungar “acho que faz sentido” e assentir.
A conversa fez Sacerdotisa colocar o dedo nos lábios refletidamente e murmurar “hmm”. Ela sentia que possuía todas as peças na cabeça. Agora só tinha que uni-las…
— Oh! — exclamou ela quando a compreensão surgiu.
— O que foi? — perguntou Alta-Elfa Arqueira.
— Talvez — respondeu Sacerdotisa — seja exatamente porque o festival da colheita já acabou.
Sim, tem que ser. Mesmo enquanto falava, ela ficava cada vez mais certa.
— A colheita acabou — continuou ela — então os armazéns nas aldeias e cidades estão cheios. E os goblins…
— …querem tudo para si próprios — disse Lagarto Sacerdote, concluindo seu pensamento.
— Exato — disse Sacerdotisa assentindo levemente.
— Entendo. Então até mesmo os goblins são capazes tomar decisões lógicas ocasionalmente.
— Muito provavelmente só estão tentando causar o maior problema possível — disse Anão Xamã, puxando a barba.
— Não — disse Matador de Goblins, balançando a cabeça. — Goblins são estúpidos, mas não são tolos.
— Você soa muito seguro disso — disse Alta-Elfa Arqueira.
— Estou — disse Matador de Goblins, assentindo dessa vez. — Goblins não pensam em nada além de roubar, mas aplicam sua inteligência ao roubo.
Ele deu uma boa olhada nas flechas que vinha mexendo, depois as colocou em uma aljava em seu quadril. Ele pareceu satisfeito com o trabalho feito enquanto caminhavam. — Já experienciei.
— Entendi… — disse Sacerdotisa com um pouco de admiração.
Alta-Elfa Arqueira acrescentou o seu próprio hmm, mas não era nas palavras dele que estava interessada. O que chamou sua atenção foi o arco e flechas; que ela geralmente considerava sua própria especialidade.
— …Então, Orcbolg, o que fazia com essas flechas?
— Preparando-as.
— Oh, sério? — Ela estendeu a mão com um movimento tão suave que quase não pôde ser notado e pegou uma das flechas da aljava.
— Tenha cuidado. — Matador de Goblins parou com um aviso e não repreendeu a elfa, mostrando que ele estava acostumado com sua curiosidade. Ele, contudo, parecia um pouco irritado.
Alta-Elfa Arqueira fungou em confirmação e inspecionou a flecha. Era uma flecha perfeitamente normal e barata. A qualidade nem de longe se comparava a uma flecha élfica. A ponta possuía um brilho obscuro na luz do sol de inverno. Alta-Elfa Arqueira tocou levemente com o dedo.
— Não parece estar envenenada nem nada…
— Hoje não.
— Aw, seja legal! — A elfa franziu a testa com as palavras bruscas, mas fez um som de interesse quando virou a flecha. — A ponta da flecha não está fixada com firmeza. Ela vai soltar, sabe.
E, de fato, estava exatamente como Alta-Elfa Arqueira disse. Talvez por causa de Matador de Goblins futricando nela, a ponta da flecha barata já não estava fixada no lugar. Mesmo que ele conseguisse acertar o alvo, a ponta da flecha poderia muito bem romper, e quase certamente viria a traçar o ângulo errado.
— Orcbolg, você é um caso perdido. — Alta-Elfa Arqueira deu de ombros e balançou a cabeça, acrescentando “céus” para efeito.
Ela decidiu ignorar o anão atrás de si, que disse: “Você está demonstrando sua idade”.
— Aqui, me dê essa aljava. Vou consertar elas para você.
Ela estendeu a mão, mas Matador de Goblins apenas olhou para ela. Então disse: — Não — e balançou a cabeça. — Elas estão boas.
Alta-Elfa Arqueira olhou fixamente para ele, atônita. — Como assim?
— Porque não sabemos onde os goblins estão dormindo dessa vez.
— E como isso está conectado a essas flechas?
Não faz sentido!
Quando havia algo que Alta-Elfa Arqueira não concordava, ela poderia ser terrivelmente chata com isso.
Eles já se conheciam há quase um ano. Matador de Goblins suspirou. — Quando a flecha acerta, a haste se rompe, deixando apenas a ponta.
— Então?
— A ponta se tornará venenosa. — Ele estendeu a mão. Alta-Elfa Arqueira grunhiu e devolveu a flecha educadamente. Matador de Goblins pôs cuidadosamente de volta à aljava. — Enquanto eles não retirarem, mas simplesmente voltarem para seus buracos, sua carne começará a apodrecer, e a doença se espalhará.
E goblins não possuíam conhecimento em medicina; pelo menos por enquanto.
Um ninho apertado e sujo. Feridas que não curam. Putrefação. Uma doença grave. Isso significava…
— Provavelmente não irá matar todos, mas será um duro golpe.
— Como de costume, Orcbolg, seu plano não faz qualquer sentido para mim — murmurou Alta-Elfa Arqueira, com o rosto abatido. Ao seu lado, Sacerdotisa olhou para o céu como se estivesse angustiada.
Deuses. Ó deuses. Ele não diz por mal… bem, exceto com os goblins. Mas, por favor, perdoe-o.
Era muito tarde para ela ficar chocada com qualquer coisa que ele dissesse ou fizesse, mas ainda assim, ela se sentiu compelida a oferecer uma oração ocasional.
Matador de Goblins, se movendo rapidamente, olhou para ela. — Está assim tão surpresa?
— …Éé, bem, hum… — Sacerdotisa não pôde decidir bem para onde olhar. — Quero dizer, sendo você, Matador de Goblins, senhor…
— É mesmo? — disse ele calmamente, evocando uma risada de Lagarto Sacerdote.
— Não deixe isso te incomodar. É certamente um costume de meu senhor Matador de Goblins.
— Não deixe isso te incomodar. É certamente um costume de meu senhor Matador de Goblins.
— Verdade, não é como se tivéssemos alguma ilusão sobre como Corta-barba pensa. — Anão Xamã pegou a garrafa de seu quadril e agitou o vinho para evitar o congelamento. Vinho de fogo podia praticamente queimar; isso foi o suficiente para trazer o cheiro de álcool no ar.
Alta-Elfa Arqueira se engasgou discretamente, apertando o nariz com uma das mãos e balançando o odor com a outra. Anão Xamã limpou algumas gotas da barba.
— Ainda não possuímos resposta para a nossa preocupação original — disse ele.
— Preocupação original? — perguntou Matador de Goblins. — Qual é?
— Não tem como a garota estar ilesa.
— Está falando das chances da garota raptada ainda estar viva.
— Correto. — Ele olhou para Matador de Goblins e esfregou mais energicamente a sua barba. — Eles estão aptos a comê-la, não estão? Caso contrário, terão apenas mais uma boca para alimentar. Eles não possuem qualquer razão para a deixar viver durante o inverno.
— O inverno é longo — disse Matador de Goblins, assentindo. Ele disse friamente: — Eles desejarão algo para passar o tempo.
Não muito depois, eles notaram uma coluna de fumaça subindo da aldeia na base da montanha.
— Orcbolg…!
Alta-Elfa Arqueira foi a primeira a falar, com as orelhas se contraindo.
Seguindo a estrada, não muito longe, um pouco de fumaça subia. Porventura era de alguém fazendo comida? Não.
— Goblins?
— Uma aldeia. Fogo. Fumaça. O cheiro de queimado. Ruído, gritos… Parece provável!
— Então são goblins.
Matador de Goblins assentiu em resposta, e sem um momento de hesitação, ele pegou o pequeno arco em suas costas. Agora movendo-se rapidamente, ele pegou a corda com uma mão hábil, então ajustou uma flecha e puxou.
Ninguém teve que dar a ordem: o grupo inteiro seguiu atrás dele de imediato. Os goblins que atacavam a aldeia estavam obcecados no roubo; eles não destacaram nenhum sentinela e tampouco sabiam sobre os aventureiros que se aproximavam.
Como é que o grupo puniria os goblins por lhes dar estupidamente essa vantagem?
— Matador de Goblins, senhor — disse seriamente Sacerdotisa, a despeito do rosto tenso de nervosismo e respirar profundamente — devo preparar meus milagres…?
— Faça.
— Certo!
Sacerdotisa já era aventureira por um ano. Verdade, tudo o que fizera foi matar goblins, mas a densidade de suas aventuras era muito maior do que a maioria dos novatos. Essa foi a razão pela qual não tinha que perguntar qual milagre preparar, mas sim se ela deveria se preparar. Ela, afinal, conhecia Matador de Goblins a mais tempo do que qualquer outro membro do grupo.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, pelo poder da terra conceda segurança para nós que somos fracos.
Ela segurou seu cajado de monge no peito e rezou à sua deusa. Foi uma atividade intensa o suficiente para consumir parte de sua alma. Um verdadeiro milagre, um que permitia sua consciência tocar a dos deuses nos céus.
Uma luz tênue, mas pura, desceu do céu, abraçando Matador de Goblins e Lagarto Sacerdote. Esse era o milagre Proteção, que salvara Matador de Goblins e os outros em diversos momentos de crise.
Lagarto Sacerdote correu, esmagando o chão, e entrecerrando os olhos enquanto a fosforescência o cercava.
— Hmm! Sua Mãe Terra é realmente capaz de milagres. Se ela fosse uma naga, talvez eu me convertesse para seu culto. Então…
Ele já havia acabado sua oração para seus terríveis antepassados, os nagas, e uma presa polida como uma lâmina estava em sua mão. Lagarto Sacerdote possuía agilidade o bastante para investir no inimigo a qualquer momento. Agora ele olhava suspeitosamente para a aldeia e gritou: — Meu senhor Matador de Goblins, devemos atacar os goblins ou proteger os aldeões?
Ele respondeu calmamente: — Ambos, é claro.
Alta-Elfa Arqueira deu um suspiro, admirada. Ela olhava cada centímetro à frente enquanto corria, com arco em mãos.
Mesmo enquanto avaliava a situação por si mesmo, Matador de Goblins disse a Lagarto Sacerdote: — O que você acha?
— …Não muito bom, receio. — O lagarto era um sacerdote guerreiro veterano, e seu discernimento carregava o poder da autoridade. — Não ouço o ressoar de espadas. Isso quer dizer que a batalha terminou; agora eles estão focados em roubar.
— Se acreditam que venceram, isso os tornará vulneráveis. Não sabemos a força deles, mas…
Mas isso era normal para esse grupo. Matador de Goblins não hesitou.
— Vamos pela frente.
— Guerreiros Dragãodente?
— Não. Explicarei por que depois. — Então Matador de Goblins acelerou o passo. Sacerdotisa estava completamente ocupada tentando acompanhar, enquanto Anão Xamã fortaleceu sua determinação, correndo o mais rápido que podia.
Matador de Goblins não era de enganar. Se dissesse que iria explicar, então iria. Foi por esse motivo que nenhum dos membros do grupo se opuseram. De qualquer forma, não havia tempo para discutir. Seu grupo não possuía um líder em si, mas quando se tratava de lutar com goblins, quem mais iriam seguir?
— Não usem poções. Mas não se segurem com suas magias.
— Vocês entenderam! — A resposta veio de seu conjurador, Anão Xamã. — Presumo que cabe a mim que magias usar? — Enquanto ele corria o mais rápido que suas perninhas conseguiam, o anão já alcançava sua bolsa e fuçava atrás de catalisadores.
Mesmo que fossem um grande número de inimigos, as chances de alguém conseguir usar magia eram pequenas; e não só porque lidavam com goblins. Era simplesmente assim que o mundo funciona. O fato de que três de seus cinco membros de grupo serem conjuradores era um sinal de quão abençoado eles eram.
— Sim, deixarei com vocês. — Matador de Goblins assentiu, então olhou para Alta-Elfa Arqueira. — Encontre um lugar alto e veja o que está acontecendo. Você será nosso apoio.
— Parece bom. — Ela deu um sorriso de satisfação parecido com um gato feliz. Com um movimento elegante, ela preparou seu arco grande e pôs uma flecha.
Tudo estava pronto. Mantendo os olhos em frente enquanto avançavam, Matador de Goblins disse: — Primeiro, um.
Uma flecha voou silenciosamente pelo ar, se enfiando na base do crânio de um goblin que estava recostado na entrada da vila.
— ORAAG?!
O goblin com morte cerebral avançou, mas não ficou claro se algum de seus companheiros notou.
— N-nããão!! Me… me ajude!! Mana! Irmãzona!!
Naquele momento, eles estavam ocupados arrastando uma garota de um barril onde estava se escondendo. Ela gritava e chutava, mas eles a agarraram pelo cabelo; os goblins não pareciam ter entendido ainda a situação.
No mesmo instante que o primeiro goblin caiu morto, flechas ponta-broto começaram a cair como chuva, adentrando olhos e pescoços.
— Ei, Orcbolg! Não é justo começar cedo! — Alta-Elfa Arqueira, com os lábios contraídos, ofereceu quase tantas queixas quanto flechas. Quando ela abatera os goblins, ela saltou, de barril, pilar, ao telhado. Foi um feito que apenas seria possível para um elfo, nascido e criado nas árvores, uma demonstração incrível de acrobacia.
— O quê? Hã…? — A aldeã encarava, incrédula.
Quando Matador de Goblins foi até ela, ele disse sucintamente: — Somos aventureiros.
A garota ainda era jovem; ela dificilmente seria mais velha que dez anos. Suas roupas eram simples, mas feitas de pele; ela estava claramente bem cuidada. Quando viu a insígnia de prata que estava ao redor do pescoço de Matador de Goblins, seus olhos se encheram de lágrimas.
Prata. Isso significava um aventureiro do terceiro ranque. O ranque de um aventureiro representava suas capacidades, assim como o quanto de bem social ele fizera. Era a forma mais importante de identificação na fronteira.
Matador de Goblins não se distraiu nem por um segundo; ele olhou em volta, falando rapidamente. — Onde estão os goblins? Quantos são? O que aconteceu com os outros aldeões?
Matador de Goblins não se distraiu nem por um segundo; ele olhou em volta, falando rapidamente. — Onde estão os goblins? Quantos são? O que aconteceu com os outros aldeões?
— É, hum, eu… quer dizer, eu não… eu não sei… — Terror e lamento drenou a cor do rosto da garota, e ela balançou a cabeça. — Mas… todo mundo… eles se reuniram na praça da aldeia… Minha irmã mais velha, ela disse… ela disse para se esconder…
— Não gosto disso — cuspiu Matador de Goblins, preparando uma nova flecha de sua aljava. — Não gosto nada disso.
Seu sussurro continha um manancial de emoções. Sacerdotisa lhe deu um olhar observador, mas isso não a impediu de se ajoelhar em frente à menina.
— Está tudo bem — disse ela. — Vamos ajudar a sua irmã, tenho certeza disso.
— Sério?
— Sério! — Sacerdotisa bateu em seu próprio pequeno peito e deu um sorriso como uma flor desabrochando. Ela afagou suavemente a cabeça da garota que tremia, olhando em seus olhos enquanto lhe mostrava o símbolo da Mãe Terra. — Vê? Eu sirvo a deusa. E…
Sim, e.
Sacerdotisa balançou a cabeça. A garota seguiu seu olhar quando ela olhou para cima. A armadura imunda. O capacete de aparência barata. Um guerreiro humano.
— E Matador de Goblins nunca perderia para um goblin.
Matador de Goblins deu uma olhadela na garota e em Sacerdotisa, depois encarou a aldeia, onde sons de saques podiam ser ouvidos.
— O inimigo ainda não nos notou. Vamos lá.
— Esperem; existe perigo. — Lagarto Sacerdote apresentou sua perspectiva da situação soturnamente. — Goblins ou não, o inimigo parece ser organizado. Não podemos supor demais.
— Sua disposição de atacar em plena luz do dia sugere que pode haver tipos avançados de goblins com eles — disse Matador de Goblins.
Então, talvez eles não devessem deixar qualquer informação voltar ao ninho.
Depois de um momento, Matador de Goblins pegou as flechas, sugerindo matar aos poucos, e as devolveu às suas costas. Em troca, ele sacou a espada familiar com um tamanho estranho.
— Não quero arriscar que alguns deles escapem, mas vai ser difícil mantê-los encurralados na praça.
— Nesse caso, deixe que eu cuido da praça da cidade… pegar todos com magia. — Anão Xamã bateu em sua barriga como um tambor.
— Hmm — murmurou Matador de Goblins, rolando o cadáver do goblin de costas com seu pé.
Um couro bruto. Como arma, uma machadinha que deveria ter roubado de algum lugar. Sua cor estava boa; não mostrava sinais de fome.
— Depende da quantidade. — Matador de Goblins pegou a machadinha da mão do goblin, a colocando em seu quadril. Ele olhou para cima e viu Alta-Elfa Arqueira acenando do telhado. Suas orelhas longas estavam balançando; ela devia estava tentando perceber a situação pelo som.
— Há cinco ou seis deles na praça! — gritou ela de forma clara, e Matador de Goblins assentiu.
— Quantos na aldeia como um todo? Mesmo apenas o que consegue ver.
— Existem muitas sombras, por isso é difícil de contar. Mas diria não mais que vinte.
— Então essa é só uma unidade avançada — disse Matador de Goblins e começou rapidamente a formular uma estratégia.
Supondo que houvesse menos de vinte goblins, incluindo os três que mataram antes. Havia seis na praça. Isso significava que menos de catorze no perímetro, empenhados em pilhar. Era só um palpite, mas provavelmente não era descabido.
Face ao grande número de inimigos, dividir sua própria força era a coisa mais estúpida a se fazer, mas a situação era o que era.
— Vamos nos separar. Praça e perímetro.
— Nesse caso, vou ir para a praça com o mestre conjurador — Lagarto Sacerdote propôs.
— Muito bem. — Matador de Goblins assentiu.
Alta-Elfa Arqueira, que ouvira a conversa do seu local no telhado, falou sem tirar os olhos ou orelhas da aldeia. — Acho que vou dar apoio para você, anão!
— Parece bom, orelhuda! — Anão Xamã deu um gole em sua garrafa e limpou a boca em sua manopla, então bateu em sua barriga como um tambor. — Bem então, escamoso! Vamos?
Enquanto saía, Lagarto Sacerdote bateu forte no ombro de Matador de Goblins. — Lhe desejo sucesso na batalha, meu senhor Matador de Goblins.
— ……
Matador de Goblins não disse nada além de por fim assentir e começar a se mover. Seu andar era indiferente, mas seus passos não faziam som algum. Ele se aproximou do lado da casa, onde Sacerdotisa estava com a menina que salvaram.
— …A garota está bem?
— Sim. Acho que ela está um pouco menos assustada agora… — Sacerdotisa deu um sorriso otimista. Atrás dela, a garota estava deitada no chão, dormindo. Aventureiros vieram, e ela lhes contou sobre sua irmã; porventura ela precisava dar um tempo à consciência depois de tudo.
— O que devemos fazer…?
— Não temos mais tempo para se preocupar com ela.
— Oh… — Mas antes que pudesse dizer algo mais, uma mão bruta e enluvada pegou a garota. Matador de Goblins a colocou no barril próximo. Depois pegou um cobertor de sua bolsa e colocou sobre ela. Ela não estava exatamente segura, mas esse foi o lugar que sua irmã mais velha escolhera. Talvez a ajudasse a relaxar.
Onde estava a Mãe Terra e o Deus Supremo para que não respondessem as preces de uma menina?
— …Isso vai ter que servir — murmurou Matador de Goblins.
— Certo — disse Sacerdotisa com um aceno. Sua mão direita segurou o cajado de monge, mas a esquerda vagou pelo ar, até que a colocou vacilantemente nas costas de Matador de Goblins. — Tenho certeza… de que não há problema.
— …Sim. — Matador de Goblins assentiu. Então ele reforçou a mão na espada, ergueu o escudo e olhou para frente. A aldeia estava queimando e existia goblins para matar. — Vamos.
— Sim, senhor! — respondeu Sacerdotisa sem hesitação enquanto segurava seu cajado com as duas mãos. Ela não se oporia a qualquer coisa que ele a pedisse para fazer. Afinal de contas, ele era a pessoas que lhe salvou a vida.
Ela estava perfeitamente ciente de que suas capacidades ainda não eram grandes, e que ainda era terrivelmente inexperiente. Mas, mesmo assim…
— Não se preocupe. Vou cuidar da retaguarda!
Assim, a batalha começou.
Matador de Goblins e Sacerdotisa passaram como sombras ao longe de um caminho nevado repleto de troncos e casas. O sol, espreitando intermitentemente através das nuvens, já havia começado a se pôr, e logo seria crepúsculo. A hora dos goblins. Essa aldeia não possuía muito tempo sobrando.
Sacerdotisa engoliu o ar enquanto corria. — Nunca lutei… em uma aldeia antes…
— Não existem tantos obstáculos como em uma caverna. Observe as sombras e tenha cuidado com ataques de cima. — Ainda enquanto falava, Matador de Goblins levantou sua espada e arremessou. Ela voou pelo ar, perfurando o peito de um goblin que subira em um telhado.
— ORAAG?!
A criatura gritou e tombou no chão. Matador de Goblins pegou uma machadinha do cinto. Um movimento de seu pulso era mais forte do que uma espada de uma mão. Ele a enfiou no crânio do goblin que se retorcia.
— GAAROROROOOOOOORG?!
Ele deu um longe e sufocado último suspiro. Matador de Goblins pareceu satisfeito com o som. Nada mal.
— Esse é o quarto.
— Dado que existem seis na praça, isso quer dizer menos de dez sobrando, não é?
Sacerdotisa fechou os olhos com força, oferecendo uma oração à Mãe Terra para que o pequeno demônio não perdesse o curso no caminho para o além.
Todos os seres mortais morriam uma e única vez; nisso, todos eram os mesmos. A morte era a coisa mais gentil e mais igualitária nesse mundo.
— Sim. E não temos muito tempo para procurar. — Matador de Goblins correu até uma esquina, depois se aproximou de Sacerdotisa como se para ela cuidar de suas costas. Estar tão perto dele de repente; seu coração começou a acelerar, mesmo sabendo que era totalmente platônico.
— Eles devem ter notado o grito. Eles virão logo. Se prepare.
— Ah, ce-certo!
Sacerdotisa assentiu, agarrou firmemente seu cajado de monge, e levou as mãos ao peito.
Talvez fosse toda a corrida e nervosismo que explicavam seu ritmo cardíaco elevado e rosto estranhamente quente. Não havia tempo para pensamentos inúteis agora, ela disse a si mesma.
— Cuidado por onde anda. Se você escorregar na neve, vai morrer. E cuidado com lâminas envenenadas.
— Certo. Hum… — Sacerdotisa olhou para ele questionadoramente. Cobrir. De cima. Seus pés e armas envenenadas. — Então, o que quer realmente dizer é… apenas se atente a tudo, como sempre.
— Hm — grunhiu Matador de Goblins.
Ela o sentiu acenar em vez de olhar, o que trouxe um sorriso ao seu rosto.
— Isso não é grande coisa como conselho.
— Sinto muito.
— Nossa. Você… você realmente não tem jeito, não é? — Ela riu, mas foi principalmente na esperança de mascarar o quão assustada estava.
Essa era apenas uma das muitas vezes que ela e Matador de Goblins lutavam juntos, só os dois. Mas era, porventura, a primeira vez que ela estava na frente com ele assim.
Seu grupo incluía cinco pessoas agora. Matador de Goblins era o único especialista de linha de frente, mas Lagarto Sacerdote era um lutador também. Uma especialista de retaguarda como si mesma possuía poucas chances de experimentar o peso completo do combate. Ela tinha que admitir que de vez em quando, ela ficara impaciente sendo protegida pelos outros, mesmo assim…
Não importa. Tenho que garantir de fazer o meu trabalho.
E de qualquer forma, ela apreciava que todos cuidavam dela.
Ela agarrou seu cajado ainda mais forte; ela via formas se movendo, encobertas pela neve à deriva.
— Parece que estão aqui…
— Faça movimentos pequenos com sua arma. Só preciso de uma distração. Posso dar o golpe final.
— Sim, senhor…!
E assim não havia mais tempo para conversas.
Os goblins, vendo que seus adversários eram apenas dois, e um era uma mulher, assaltaram a esquina das quatro direções ao mesmo tempo.
— GAAORRR!!
— GROOB!!
— Cinco…! — disse Matador de Goblins, atingindo com sua machadinha o primeiro goblin a atacar, tão facilmente quanto se estivesse cortando lenha.
— GOROB?!
O monstro caiu no chão, com a machadinha ainda enfiada na testa. Sem abrandar, virou seu escudo para a criatura da esquerda. A borda afiada e polida serviu como uma arma, e assim evocou um grito estrangulado do segundo goblin quando lhe dividiu a cabeça.
A segunda criatura tropeçou para trás. Matador de Goblins não hesitou em pegar a adaga que o goblin escondera em sua tanga suja.
— Hrr!
Ele chutou o goblin no estômago e o mandou voando, depois canalizou o impulso para atirar a adaga que roubara. Ela voou direto ao goblin que estava correndo em sua direção com uma lança. A criatura começou a apanhar a adaga que brotou repentinamente em sua garganta, depois caiu.
— Seis.
Ele pisou no corpo do primeiro goblin que matou e arrancou a machadinha, então a plantou prontamente na cabeça da segunda criatura infeliz, que esteve lutando para se levantar.
— Sete!
A luta era de muitos contra apenas dois, mas um dos dois era Matador de Goblins. Ele se focou no que estava em sua frente, deixando a sua, senão, vulnerável costas para Sacerdotisa. Não havia paredes de onde os monstros poderiam atacar; ele podia ver em todas as quatros direções, e isso era tudo que precisava. Não existia inimigo mais fácil de subjugar do que goblins que deixaram seu território.
— Uoo! Iaa!
Sacerdotisa, com suor por toda sua testa, estava fazendo movimentos rápidos e curtos com seu cajado. Não eram muito diferentes da dança que aprendeu para o ritual que apresentou no festival; ela recorreu as suas longas horas de prática enquanto lutava.
Ela não estava dando aos goblins nenhum golpe sério; ela estava apenas os mantendo afastados. Garantindo que ficassem para trás. Dando a eles algo para pensar. Ela só queria garantir que não conseguissem se aproximar demais. Ela poderia ser capaz de mantê-los ainda mais longe se fizesse movimentos amplos, mas isso arriscava um deles achar uma abertura, e então tudo acabaria.
Além do mais, estou com Matador de Goblins atrás de mim.
Ele estava cuidando de suas costas, e ela a dele. Ela sentia tanto alívio quanto sentido de dever, os dois se misturavam em um estranho sentimento.
— Ah…! — Subitamente, ela sentiu Matador de Goblins se mover para a direita. Sem um momento de hesitação, ela o seguiu. Eles se viraram, como em uma dança, assim ele estava agora de frente para onde ela estivera.
— Oito… Nove!
A machadinha de Matador de Goblins começou a ceifar os goblins que Sacerdotisa afastara. Não importava quantas vezes ouvisse, a garota nunca poderia se acostumar bem com o som de uma lâmina pesada cortando carne e osso. Especialmente não depois de se deparar com goblins, com os olhos brilhando com ganância e ódio, rastejando sobre os corpos de seus companheiros para chegar até ela.
O terror de tremer os ossos daquela primeira aventura ainda não a deixara. E provavelmente nunca deixaria.
— Ia… ah?!
Houve um toc quando um dos goblins pegou a ponta do seu cajado de monge. Alguns momentos de luta logo começaram a contar a favor do goblin. Até mesmo o monstro fraco pôde sobrepujar os braços finos de Sacerdotisa. Com a sua força, o goblin poderia facilmente lhe puxar, agarrar seu pescoço.
Sacerdotisa ficou pálida; a imagem de um de seus antigos membros de grupo, uma maga que conheceu um fim horrível, passou pelo fundo de sua mente.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, conceda tua luz sagrada para nós que estamos perdidos na escuridão!
— GORRUURUAAAA?!?!
Mas ela não deixaria acabar assim. Ela adquirira muita experiência desde então. O milagre Luz Sagrada queimou sem piedade os olhos dos goblins. A criatura caiu para trás, agarrando o rosto, e o cajado de Sacerdotisa praticamente saltou de volta para ela.
O milagre não causou nenhum dano, mas tudo tinha seus usos. Aqueles sem imaginação eram os primeiros a morrerem. Isso foi algo que aprendeu com Matador de Goblins.
— Dez…!
E Matador de Goblins, claro, não era de perder um goblin que lhe deixara uma abertura. A machadinha pareceu trocar de lugar com Sacerdotisa; ela cortou perfeitamente a garganta do goblin. O monstro espasmou e rolou no chão. Seu pescoço pendia em um ângulo estranho. Outro golpe. O último.
Matador de Goblins produziu essa pilha de cadáveres tão naturalmente quanto respirava. Agora, ele se virou inexpressivamente para Sacerdotisa.
— Você está machucada?
— N-não.
Sua pergunta foi direta como sempre. Sacerdotisa se tocou para ter certeza. Mesmo que não achasse estar ferida, era possível que tivesse sofrido uma escoriação em algum lugar. Com os goblins usando armas envenenadas, até mesmo uma ferida pequena poderia ser mortal.
— A… acho que estou bem.
— A… acho que estou bem.
— Entendi. — Matador de Goblins assentiu. Ele inspecionou a machadinha ensanguentada e estalou suavemente a língua. Não estava gordurenta, mas a lâmina começava a cegar de tanto cortar ossos. Ele a jogou fora e, pela segunda vez, sacou o arco pequeno de suas costas.
Quase que como uma reflexão tardia, ele disse: — Luz Sagrada. Foi uma boa escolha.
— Hum…? — Demorou alguns instantes para perceber sobre o que ele falou. Ele está… me elogiando? — Oh! Uh… hum, o-obrigada…? — Ele realmente está, não é?
Ela sentiu um calor de felicidade surgir em suas bochechas, mas antes que pudesse se espalhar mais, ela suprimiu o sorriso iminente. — Heh-heh.
Apenas esse risinho lhe escapou. Não era hora para apreciar o elogio. Em vez disso, ela manteve seu rosto normal, agarrou seu cajado quase que implorando e ofereceu orações pelos mortos. Matador de Goblins não a impediria de fazer isso.
— Três antes, sete aqui, e isso dá dez. — Ele possuía uma flecha pronta e estava analisando a zona.
Uma análise cuidada do caminho ensanguentado e enlameado revelava uma série de corpos no chão. A maioria eram de humanos, mas vários eram de goblins. Os aldeões deviam ter resistido. Os monstros pareciam ter sido mortos com enxadas ou ferramentas agrícolas similares. Havia dois — não, mais três — cadáveres de goblins.
— Então, a contagem final é treze.
Matador de Goblins foi chutando cada um dos corpos para ter certeza de que estavam mortos. Um dos cadáveres largou uma adaga; ele a pegou e colocou no cinto. Ele não discriminava quando se tratava de armas. Uma simples pedra poderia matar um goblin. Mesmo de mãos limpas, existia formas. Ainda assim, havia momentos em que uma arma real era o fator decisivo. Era importante recolher sempre que a oportunidade surgia.
— Foi dito que havia cinco ou seis na praça, se bem me lembro.
— Isso tornaria dezoito ou dezenove no total, certo? — Sacerdotisa acabara suas preces; ela se levantou, retirando a poeira dos joelhos.
A expressão de Matador de Goblins estava escondida atrás do capacete, mas Sacerdotisa, por sua vez, parecia confusa. — Não é bem vinte…
— Não estou gostando da maneira como estão mantendo todos os seus reféns em um só lugar, tampouco. Nem de como os corpos dos aldeões que reagiram parecem intocados.
Sacerdotisa pôs o dedo nos lábios refletidamente, depois murmurou: — Não é muito… goblinesco, não é?
Muitas coisas aconteceram em cavernas, ruínas e outros lugares profundos que ela não queria se lembrar. Mas, quando e onde os goblins sobrepujavam seus inimigos, eles tendiam a ter sua diversão com eles lá mesmo. Eles viam tais lugares como o seu ninho, por assim dizer. Território onde poderiam relaxar. E quanto mais alguém reagia, mais violentos e cruéis os goblins ficavam.
Goblins eram astutos e covardes, malvados e cruéis, e acima de tudo, eles eram leais aos seus apetites. Eles provavelmente nem sabiam o que significava adiar a satisfação de seus próprios desejos. Para eles pegarem reféns em solo inimigo e continuarem a pilhar sem pôr a mão em seus prisioneiros…
— Acha que há outro ogro ou elfo negro por trás disso?
— Não sei — disse Matador de Goblins. — Pode ser apenas goblins.
Ele falou com uma forma sua muito característica; por alguma razão, Sacerdotisa achou isso tranquilizador. Matador de Goblins era um pouco perverso, um pouco estranho, um pouquinho bizarro e certamente teimoso. Ela esteve frequentemente correndo muito perigo durante seu ano com ele. E, às vezes, ela sentia que não poderia deixá-lo sozinho ou que ele não tinha jeito.
— Você pode estar certo — disse ela, e sua voz foi muito gentil. Mas então…
— Hã…?
Algo atiçou o seu nariz, um odor quase indetectável no vento. Um aroma doce e estimulante muito parecido com álcool.
— Ele deve estar usando Estupor — disse ela.
— Então ele decidiu colocar os reféns e os goblins para dormir. — Matador de Goblins olhou ao redor, depois para a praça da cidade, de onde o cheio presumivelmente vinha. De fato: fumaça se levantava da área, demais para ser causada por algo além de magia.
— Muito eficiente.
— Ha… Ah-ha-ha-ha… — Um sorriso bonito surgiu no rosto de Sacerdotisa, e ela desviou os olhos.
Nada mais eficiente do que colocar um ninho inteiro para dormir. Claro…
Ela pensou essas palavras, mas não as disse.
— Orcbolg, pensei que nunca viria aqui!
— Não?
Alta-Elfa Arqueira estava com o pequeno peito estufado; Matador de Goblins respondeu com um toque de aborrecimento. Quando ele e Sacerdotisa chegaram, a praça da cidade já estava nas mãos de seu grupo.
Toda a pilhagem que os goblins fizeram foi empilhada ao redor dos reféns. Os próprios aldeões, dezenas deles reunidos no centro da praça, ainda estavam dormindo, mas até onde Matador de Goblins conseguia ver, ninguém estava ferido. Tendo confirmado isso, ele assentiu.
Em seguida, ele voltou sua atenção para os cadáveres dos goblins.
— Seis deles aqui para você. — Anão Xamã arrastara os corpos para um lugar e agora estava limpando as mãos com um olhar de desgosto. — Aagh! Deus do céu, mas como os goblins fedem.
— Você tem certeza?
— Certo de que fedem ou que estão mortos? A resposta é sim, em ambos os casos. Enfim, todos as minhas magias acertaram. Como está, Escamoso?
— Hum. — Lagarto Sacerdote, que ainda estava observando vigilantemente do outro lado da praça, assentiu com seriedade. — Dei cabo de três com minhas garras e presas. A senhora patrulheira levou três com seu arco. Seis entre nós. Sem dúvida, penso.
— Entendi. Dezenove, então — murmurou Matador de Goblins, alcançando o monte de cadáveres. Ele estava checando se algum dos goblins mortos carregava uma espada.
Ele achou uma e a extraiu, checando a lâmina, e quando a considerou aceitável, pôs na bainha. Por fim, ele pareceu ter se acalmado.
— Hum, ei, Orcbolg. Onde está a garota? — A queixa anterior de Alta-Elfa Arqueira pareceu ser esquecida. Quando ela disse a garota, ela só queria dizer uma pessoa.
— Eu a mandei para trazer a criança.
— Acha que ela vai ficar bem?
— Sim. — Matador de Goblins assentiu. — Não acho que vai ter problema. Essa tem sido minha experiência, pelo menos.
Ele olhou mais uma vez para os aldeões. Ele localizou a pessoa que parecia tanto a mais velha quanto a mais bem vestida e foi até ela.
— Você é o chefe da aldeia?
— Ér, bem, sim. Quem são todos vocês…? — Ele olhou para Matador de Goblins, com a suspeita multiplicando as rugas que havia no rosto já idoso.
Matador de Goblins respondeu mostrando a sua insígnia.
— Somos aventureiros.
— Aventureiros… E você é ranque prata…
O chefe da aldeia piscou os olhos várias vezes, depois a compreensão surgiu em seus olhos. — Poderia ser você o matador de goblins?
— Sim — murmurou Matador de Goblins, evocando um grito do chefe.
— Oh-ho! Estou tão, tão feliz por ter vindo! Obrigado! Obrigado…!
O velho grato pegou a mão de Matador de Goblins com as suas duas, as quais pareciam como galhos retorcidos. Suas mãos e braços, uma vez desenvolvidos pelo trabalho agrícola, já não possuíam sua grossura ou força antiga. Ainda assim, Matador de Goblins poderia certamente sentir o aperto de mãos quando o homem moveu a mão para cima e para baixo.
— Existem algumas coisas que quero lhe perguntar.
— Com certeza. Qualquer coisa.
— Em primeiro lugar, vocês possuem um herbalista ou curandeiro em sua aldeia? Um clérigo de algum tipo? Alguém capaz de fazer milagres?
— Em primeiro lugar, vocês possuem um herbalista ou curandeiro em sua aldeia? Um clérigo de algum tipo? Alguém capaz de fazer milagres?
— Hum-hum… Dependemos de sacerdotes visitantes quando precisamos de um clérigo. Quanto a um herbalista, bem, temos uma… — O líder parecia pesaroso. Talvez achasse que os aventureiros solicitassem algum pagamento, ou ao menos apoio. — Mas ela é apenas uma jovem. Ela se tornou a nossa curandeira recentemente, quando os pais morreram em uma epidemia. Ela não…
— Entendi — disse imediatamente Matador de Goblins, como se isso fosse perfeitamente natural. — Nós vamos ajudar a cuidar dos feridos. Meu grupo… — Ele pausou por um segundo. — …tem dois clérigos.
— O qu…?
— Sinto muito por dizer que não posso ceder qualquer poção. — Ele tocou em sua bolsa de itens. Os pequenos frascos de dentro sacudiram. — Se o que disse sobre a sua curandeira é verdade, duvido que ela vá ser de muita ajuda. Só posso lhe oferecer alguns milagres e primeiros socorros.
Quando Matador de Goblins perguntou “Isso te chateou?”, o chefe balançou a cabeça vigorosamente. A suspeita em seus olhos se tornou primeiramente em espanto e depois em respeito.
Os menestréis errantes contavam contos maravilhosos de um aventureiro que corria em auxílio de qualquer aldeia que fosse atacada por goblins; em suas canções, esse herói era bem-falante e bonito. Havia mesmo um pingo de verdade no que cantavam?
— Ha-ha-ha! Agora sei por que me impediu de criar um guerreiro dragãodente — disse Lagarto Sacerdote, se aproximando dos dois.
— As pessoas da fronteira são supersticiosas — disse Matador de Goblins. — Especialmente sobre ossos.
— Que atencioso.
— Eu era igual, em tempos.
Lagarto Sacerdote revirou os olhos mediante o entendimento. — Verdade. Naga ou não, muitos podem pensar que só um necromante poderia controlar um guerreiro esqueleto. — Depois disse: — Temos que classificar os feridos pela gravidade de seus ferimentos — e com um balançar de sua cauda, ele se afastou.
Os homens-lagarto sempre foram combatentes. Como raça, muitas vezes criavam médicos superiores.
— Estou surpresa — murmurou Alta-Elfa Arqueira, observando a conversa de longe. Ela tinha finalmente o arco em mãos e estava examinando a área, mas estava se esforçando para manter Matador de Goblins no canto de sua visão.
Ele estava agora sentado entre os aldeões, cuidando deles com os itens que pegou de sua bolsa. Ele estava enfaixando as feridas com ervas que pararia o sangramento e neutralizariam o veneno, aplicando pressão sobre os ferimentos. Até aqui, ele parecia de alguma forma diferente.
— Sinto muito, muito obrigada. — Ao lado dele, uma mulher de túnica curvava a cabeça; a curandeira de quem falaram, provavelmente.
As orelhas pontudas de Alta-Elfa Arqueira se contraíram, e um sorriso felino veio ao seu rosto. — Pelo visto Orcbolg realmente consegue conversar, quando quer.
Ao lado dela, Anão Xamã acariciou a barba e concordou. — Bom, Corta-barba é o mais bem conhecido de todos nós. — Ao contrário de sua companheira elfa, que ficou de guarda quando a luta terminou, o anão não tinha quase nada para fazer.
Não que ele fosse pouco útil. Ele não sabia primeiros socorros, mas andava com muitos pequenos itens que serviam como catalisadores para sua magia. Um deles era o vinho de fogo, que ele descrevia como “bom para beber e bom para curar”. Era um destilado poderoso, que também fazia dele um excelente desinfetante. Ele concedera um jarro dele para a curandeira, que aceitou com abundante gratidão, para o claro embaraço do xamã. O estilo dos anões era lembrar as dívidas e gratidão bem como rancores, embora não se preocupassem com pequenas coisas.
— Matador de Goblins, o aventureiro mais amado na fronteira… Não é essa a canção que te fez recrutá-lo?
— Bem, é, claro. Mas acontece que a canção e a realidade não têm muito em comum… — Alta-Elfa Arqueira estufou a bochecha com desagrado enquanto pensava na balada que ouvira.
Ela dizia que ele foi feito das coisas mais severas, que ele era taciturno e leal. Um homem sem ganância, que não desprezaria até a menor recompensa. Quando goblins apareciam, ele iria até mesmo nos lugares rústicos e mais remotos para encontrá-los, e sua espada mataria todos eles. Ele era mantido quase como se fosse um santo ou ranque platina.
— Mas quando você pensa nisso… Ele se dá muito bem com aquela garota na guilda.
— Dizem que aqueles que não conhecem a verdadeira situação são rápidos em ficar com ciúmes. É igual em todos os lugares. — Anão Xamã olhou para a elfa com um sorriso provocador. — Então você não devia a invejar só porque ela te faz sentir vergonha da tábua que você chama de peito.
Ele podia praticamente ouvir a raiva se apoderando do rosto de Alta-Elfa Arqueira.
— Afinal, ao contrário de uma certa clériga, elfas levam séculos para se desenvolverem!
— Oooh, não acredito que disse isso! Seu grande barril de…!
— Ho-ho-ho-ho! Dentre os anões, um belo corpo é uma exigência para um homem de verdade!
E lá estavam eles discutindo, o mesmo de sempre; mas não era um sinal de que haviam baixado a guarda. Anão Xamã não retirara a mão de sua bolsa de catalisadores, e as orelhas de Alta-Elfa Arqueira ainda se moviam, ouvindo. Ela ouviu os dois conjuntos de passos de aproximando.
Um era uma criança, o outro era os passos familiares de Sacerdotisa. Alta-Elfa Arqueira sabia tudo isso muito bem.
— Irmãzona!
— Oh…!
Um brilho surgiu no rosto da curandeira, que estava se movendo entre os feridos. A menina foi correndo até ela, e a curandeira a pegou com as duas mãos, a abraçando no peito. Ambas desataram a chorar, sem ligar para os olhares ao redor.
Matador de Goblins observava isso em silêncio, até que por fim, ele olhou em outra direção. Ele não pôde olhar mais porque Sacerdotisa, que fora buscar a criança, tinha um sorriso no rosto por algum motivo.
— O que foi? — perguntou ele.
Ela entrecerrou os olhos um pouco com a pergunta direta e respondeu inocentemente: — Heh-heh. Ah, nada… Só estava pensando que você parecia… feliz.
— É mesmo?
— Sim, é.
— É mesmo………?
Matador de Goblins checou para se garantir que seu capacete ainda estava em boas condições. Não havia nenhum sorriso na viseira.
— Muito bem. Cuide do tratamento dos aldeões. E os funerais.
— Os funerais… — Sacerdotisa colocou o dedo magro e pálido em seus lábios, pensando por um momento. — Os únicos ritos funerários que conheço são os da Mãe Terra. Acha que vai ficar tudo certo?
— Duvido que vão se importar. Desde que seja o ritual de um deus da ordem.
— Está bem. Deixe comigo — respondeu prontamente Sacerdotisa, então ela olhou em volta e partiu, segurando seu cajado de monge. — Desculpem o atraso!
— Ah, você veio. — Lagarto Sacerdote, cuidando de uma lesão com sua mão áspera e escamada, virou a cabeça com seu longo pescoço para olhar para ela.
— Sim — disse ela acenando firmemente com a cabeça, e começou a pegar ataduras e pomadas de sua bolsa. — Ainda tenho um milagre sobrando, se houver algum ferimento grave, eu posso usar Cura Menor nele…
— Nesse caso, vou deixar esse paciente com você. Ele parece ter sido espancado brutalmente, e todos as minhas artimanhas pouco serviram.
— Tudo bem!
Quando ela vivia no templo, a função de Sacerdotisa era o tratamento de aventureiros feridos. Quando ela dobrou as mangas e começou a se mover entre os feridos, ela projetava mais autoridade do que sua idade sugeria.
Matador de Goblins a seguiu com os olhos, refletindo sobre uma pergunta na mente.
Certamente esse não pode ser o fim, mas…?
— Orcbolg!
O grupo inteiro olhou para Alta-Elfa Arqueira com o aviso claro e incisivo.
Ele deve ter ficado observando da sombra de um barril. Agora, ele saltara das sombras e corria pela estrada; um único goblin tentando escapar.
Ele corria como uma lebre assustada; quase escorregando e tropeçando, ficando cada vez menor ao longe.
Ele corria como uma lebre assustada; quase escorregando e tropeçando, ficando cada vez menor ao longe.
Mas, só por um momento.
— Pixies, pixies, rápido e depressa! Sem guloseimas para vocês; travessuras é o que preciso!
Anão Xamã entoou a magia Vincular, e uma corda se envolveu como uma cobra ao redor do goblin que fugia. Ela o pegou ao redor das pernas e o jogou no chão.
Essa era toda a abertura que Alta-Elfa Arqueira precisava. — Pensou que deixaríamos você se safar?! — Com um movimento drástico o bastante como o de um pintor, ela puxou o grande arco das costas e saltou. Do barril para a parede e então para o ar, ela deu salto após salto, apontando em seu alvo.
— Então era vinte…!
Foi então que Matador de Goblins sacou uma flecha de sua própria aljava. — Não o mate! Queremos que ele leve o veneno para a casa e o espalhe.
Alta-Elfa Arqueira levantou a mão e pegou a flecha no ar em um movimento acrobático. Instantes depois, a flecha assobiou, parecendo um feixe de luz. A elfa pousou no chão ao mesmo tempo em que, ao longe, o goblin tombou. Como ela havia carregado, puxado e disparado o arco nesse tempo, ninguém sabia. Era realmente uma habilidade tão avançada que parecia magia.
— Está feliz agora? — Ela colocou seu arco de carvalho de volta nas costas quando pousou.
— Sim. Mas… — Matador de Goblins estava quase resmungando consigo mesmo, com o olhar fixado no goblin ao longe. Ele retirara a haste de seu ombro, cortou a corda em suas pernas e estava correndo de novo. Ele ia para o norte, em direção a montanha nevada de onde um vento gelado soprava.
— …ainda não acabou.
Isso era algo que o grupo todo sabia bem.
Os goblins haviam reunido os aldeões na praça porque queriam saquear; eles reuniram os espólios na praça também. E ainda assim, eles não tocaram nas mulheres. Isso significava que eles planejavam levá-las de volta para seu ninho. Os vinte goblins que atacaram a aldeia eram apenas uma unidade avançada. Existiam mais delas, embora não houvesse como saber se iriam lançar um novo ataque ou simplesmente se retirar.
Matador de Goblins concluiu seus cálculos e disse sua conclusão sem relutância:
— Assim que nossas magias tiverem sido repostas, vamos iniciar o ataque.
Ele se ajoelhou diante do chefe da aldeia sentado no chão, depois olhou em seus olhos. O rosto do chefe estava contraído só de pensar em outra batalha, mas Matador de Goblins só disse: — Gostaria de solicitar preparativos para um ataque noturno, bem como um lugar para descansar uma noite. Se importa?
— O-o quê? N-não mesmo! Se pudermos fazer alguma coisa para ajudar, é só me avisar…
— Então me fale sobre o grupo de aventureiros que veio antes de nós. E vocês possuem algum rastreador nessa aldeia?
— S-sim, temos. Apenas um… Ele é jovem, mas está aqui.
— Preciso conhecer a geografia da montanha. Preciso de um mapa, mesmo que simples.
O chefe estava assentindo avidamente, mas então ele pareceu pensar em algo, e um sorriso obsequioso veio ao rosto. — Ah, mas… No que toca a uma recompensa, não podemos…
— Os goblins são mais importantes — disse categoricamente Matador de Goblins. Ignorando o líder atordoado, ele ficou olhando para as montanhas ao norte. Em algum lugar por trás do véu das nuvens, o sol já havia se posto atrás dos picos e o vento feroz carregava traços da noite.
— Tão logo tudo estiver pronto, iremos e os mataremos.
Felizmente, considerando tudo, o estrago à aldeia foi mínimo. Claro que houve aqueles que foram feridos ou mortos lutando contra os goblins. Algumas casas foram incendiadas, outras quebradas; naturalmente. Mas os aventureiros chegaram antes do saque ou as mulheres capturadas serem levados para o ninho. Então talvez fosse o melhor. Ou ao menos, assim pensava Sacerdotisa.
E mesmo assim… e mesmo assim, ela não conseguia bem aceitar isso como o melhor resultado possível, ela pensou, enquanto olhava para o cemitério da aldeia.
Quando terminaram de cuidar dos feridos, ela, a garota médica, e Lagarto Sacerdote tiveram que lidar com os enterros.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, por favor, com sua venerada mão, guie as almas desses que deixaram este mundo.
Com seu cajado de monge em mãos, ela murmurou sua oração, fazendo o sinal sagrado quando cada corpo era colocado no solo e coberto com terra.
Essa era a coisa mais óbvia a fazer, ainda que não existisse um risco dos corpos se tornarem mortos-vivos se fossem deixados expostos. Se os vivos falhassem em dizer adeus aos mortos, como poderia continuar com as suas vidas? Esses enterros eram mais necessários para os vivos do que eram para os mortos.
Desde que os mortos estivessem entre aqueles que possuíam palavras, suas almas seriam designadas ao deus que cada um deles acreditavam. Assim, o mundo continuaria girando.
— Duvido que um ataque virá hoje à noite, apesar de não possuir certeza — disse Matador de Goblins, após ter deixado os aldeões completar os enterros. — Você deve estar exausta. Descanse.
Como sempre, sua fala não tolerava argumento; e, ainda assim, Sacerdotisa ao menos entendia que essa era a sua forma de mostrar preocupação. Mesmo que ela ainda o achava uma pessoa bem irremediável.
Não importava quantas vezes ela o repreendesse, ele nunca aprendia. De fato, se ela tivesse recusado, ele não teria ouvido. Então ela achou que seria melhor apenas concordar com ele, apesar de um pouco de irritação.
— Ahh… Ufa.
Ela disse isso porque estava nesse momento relaxando em um banho quente. Ela expirou, a respiração parecia vir de todos os lugares de seu corpo, com cada músculo relaxando.
Ela estava em uma terma. A montanha nevada nas proximidades, parecia ter sido outrora um vulcão, e os espíritos do fogo ainda aqueciam a água através da terra (ou algo assim).
A terma ficava sob um telhado suspenso, rodeado por rochas enquanto o vapor flutuava suavemente. O familiar ícone da Deidade da Bacia presidia a água de banho. Mas retratava dois rostos, possivelmente porque era um banho misto aberto para homens e mulheres. Por essa razão, Sacerdotisa se enrolara cuidadosamente em uma toalha.
Quando ela se posicionou na água turva, contudo, seu corpo, até há pouco rígido de frio, pareceu derreter. Ela não pôde impedir o gemido relaxado escapar.
— Mmmmm…
Alta-Elfa Arqueira, ao que parecia, era outro assunto. Seu corpo magro, sem qualquer cobertura, parecia tão fino quanto a de qualquer fada. Contudo, ela continuava a andar ao redor da borda do banho, parecendo um coelho assustado. Ela apertaria os punhos, determinada, então, hesitantemente, mergulharia o dedão do pé na água antes de saltar para trás.
— Oooh… Ohh… Tem certeza disso? — Ela parecia uma criança que não queria tomar banho; na verdade, ela parecia tal como as clérigas mais jovens que Sacerdotisa conhecia, o que trouxe um sorriso ao seu rosto.
— Estou te dizendo, está tudo bem. É só uma fonte com um pouco de água quente.
— É um lugar onde os espíritos da água, terra, fogo e neve se juntam. Isso realmente não te incomoda…?
— Deveria? Acho que é maravilhoso…
— Hummm…
O olhar de Alta-Elfa Arqueira se movia entre si e Sacerdotisa, e suas orelhas se contorcia de incerteza. Depois de um tempo, ela mordeu seus lábios repentinamente, e…
— I-iaaaah!
— Oooi!
…tudo além dela voou da piscina, provocando um esguicho que acertou Sacerdotisa.
— Pff! Pff! — Alta-Elfa Arqueira, que se afundou até o topo da cabeça, emergiu parecendo um gato encharcado, cuspindo e retirando água de seu cabelo. Por fim, ela olhou para Sacerdotisa com uma expressão de surpresa e então deu um suspiro.
— …Hum. Essa água está quente. É bem… agradável.
— Céus! Não é isso que estava tentando te dizer? …E você não deveria saltar nela.
— Sinto muito por isso. Estava com bastante medo de fazer de outra forma.
— …Hee-hee.
— …Ha-ha-ha!
Elas olharam uma para a outra, ambas ensopadas da cabeça aos pés, e desataram a rir alegremente.
Elas olharam uma para a outra, ambas ensopadas da cabeça aos pés, e desataram a rir alegremente.
Não importa quão alto o ranque um aventureiro alcance, a ansiedade de combate nunca desaparece. Alta-Elfa Arqueira poderia ser ranque prata, mas ela ainda era jovem e inexperiente; e Sacerdotisa, ainda mais. Elas poderiam ser de raças diferentes, mas mentalmente possuíam quase a mesma idade.
Elas se sentaram uma ao lado da outra, olhando para o céu. As estrelas estavam cobertas por nuvens cinzentas e espessas, e só a sombra de uma das duas luas podia ser vista.
Ele disse uma vez — quando foi? — que os goblins vinham da lua verde.
As roupas das garotas estavam amontoadas cuidadosamente ao lado da água, juntamente com as armas e ferramentas que usaram na batalha de antes. Matador de Goblins as avisara para serem cautelosas com um ataque surpresa durante o banho.
Talvez ele use aquela armadura e capacete mesmo no banho…
A imagem era engraçada demais e fez as garotas rirem de novo.
— Queria que todos os outros pudessem ter se juntado a nós — disse Sacerdotisa.
— Ah, você sabe. “A lama é mais receptível para um lagarto”. Sério, quem se lava na lama? — Eu simplesmente não entendo o povo lagarto. O sorriso de Sacerdotisa aumentou com a imitação da elfa. — E o anão estava todo: “Vinho é o caminho para revitalizar seus espíritos!”. Quanto a Orcbolg…
— …Está de vigia. Claro. — Sacerdotisa piscou os olhos, com as pestanas umedecidas pelo vapor, e abraçou os joelhos. — Porém, estou um pouco preocupada. Ele não tira um descanso…
— É, bem, ele possui toda essa energia. Tem que matar os goblins, diz ele.
— Isso não… te parece estranho?
Com certeza essa era uma conclusão que ambas poderiam concordar. Era fácil de imaginá-lo, mantendo a vigia nas planícies nevadas e resmungando: “Goblins, goblins”.
— Se deixássemos ele à sua própria sorte, ele passaria a vida toda desse jeito — disse Alta-Elfa Arqueira.
— Acho que… tem razão. — Sacerdotisa concordou avidamente como resposta.
Era realmente verdade. Matador de Goblins havia mudado consideravelmente no ano em que ela o conheceu. Tal como ela. Mesmo assim…
— Bom, graças ao andar com ele que eu consigo visitar o Norte assim, então acho que não me importo — disse a elfa. Ela batia na água impacientemente como se estivesse ganhando tempo para pensar. O movimento agitava o vapor. Sacerdotisa olhou para ela.
— Hum… Você disse que saiu de casa porque queria ver o que havia além da floresta, certo?
— Aham. — Alta-Elfa Arqueira esticou seus braços e pernas, relaxando. Sacerdotisa voltou a se sentar. — Nós dizemos: “Se está vivo até morrer”, mas se tudo o que conhece é a floresta, qual é o sentido?
— Nem consigo imaginar viver por milhares de anos.
— Não é nada de especial. É como ser uma árvore velha e enorme. Você só está… aí.
Não era uma coisa ruim por si só. Alta-Elfa Arqueira traçou um círculo no ar com o dedo indicador. Sacerdotisa naturalmente seguiu o movimento com os olhos. Até o menor dos gestos de um elfo era elegante e requintado.
— Então — disse Sacerdotisa, deslizando na água para esconder o embaraço de quão impressionada ficou com o movimento. — Você partiu por que… ficou entediada? Digo, ouvi dizer que isso acontece muito…
— Você está meio certa. — Ela pausou. — É verdade, senti que existia algo que tinha que fazer.
Ela relatou como caçaria animais abundantes e os devolveria à terra, colheria frutas que existiam em grandes quantidades, molharia a garganta e geralmente manteria os olhos fixos nos ciclos da natureza.
Isso é o suficiente para fazer você pirar. Sempre há trabalho a fazer. E a floresta nunca para de crescer. Mas sabe que mais?
Então, ela piscou e sorriu maliciosamente. — Certa vez, eu vi uma folha sendo levada por um rio. E me perguntei: para onde ela vai? E depois não consegui parar de me perguntar isso. — Ela riu.
Ela havia corrido de volta para sua casa e pegado seu arco, e depois saiu entre as árvores, rápida como uma corça, atrás daquela folha. Quando ela depois olhou em volta, percebeu que deixara a floresta. Ela saltou de rocha em rocha do outro lado do leito do rio, seguindo a folha.
— E… o que achou?
— Nada de interessante, posso lhe dizer isso — disse ela, entrecerrando os olhos como um gato contente. — Um dique. Um que os humanos construíram. Foi a primeira vez que tinha visto um; achei bem interessante. — A folha, carregada pelo riacho, fora apanhada pelo dique.
Nem era como se ela tivesse recebido alguma revelação. Alta-Elfa Arqueira sorriu vagamente. Então ela abriu os lábios bem levemente e assobiou. Ela estava cantarolando uma canção com sua voz clara.
O que é que espera no final do rio?
O que é que floresce onde os pássaros voam?
Se o seio do vento está para além do horizonte
Então de onde desce o arco-íris do céu?
Muito devemos caminhar para descobrir as respostas
Mas justo são as coisas que encontramos no caminho
Sacerdotisa pestanejou, provocando um “Heh!” satisfeito de Alta-Elfa Arqueira.
Dizia-se que não existia raça tão elegante quanto os elfos.
Alta-Elfa Arqueira olhou para o peito de Sacerdotisa e suspirou.
— Você ainda continua se desenvolvendo… Sorte sua.
— Ér… Quê?! — Sacerdotisa só pôde produzir uma série de ruídos estranhos, e seu rosto ficou completamente vermelho. — D-do que está falando?! E assim do nada?!
— Estamos falando do tempo. A passagem do tempo. Foi sobre isso que era a canção, e foi sobre isso que era o meu comentário.
Ela riu entredentes. Parecia como um sino tocando em sua garganta. Enquanto ria, ela estendeu a mão e passou pelo cabelo encharcado de Sacerdotisa.
— Digo… Eu, ainda tenho algum tempo, mas…
— Só algum? — Sacerdotisa olhou para baixo, sem resistir a mão em seu cabelo.
É, assentiu Alta-Elfa Arqueira. — Humanos… Eles envelhecem e morrem depois de apenas cem anos, não é?
— An-ham…
— Me pergunto por que todo mundo não pode viver por um longo tempo. Talvez fosse algo que fizesse sentido para mim se eu fosse humana.
— …Se fosse nascer como uma humana, você só iria querer que tivesse nascida tão bonita quanto uma elfa — murmurou Sacerdotisa. Ela não lamentava sobre quem era, mas existia sempre o fascínio de se, o desejo em aberto.
Naquele dia, por exemplo. Ela havia lutado lado a lado com Matador de Goblins; ele cuidara de sua retaguarda. E se ela pudesse ter lutado mais? E se ela fosse mais talentosa em milagres ou magias? Ela seria de mais ajuda para ele?
Ela prometera uma vez que se ele estivesse em apuros, ela o ajudaria. Ela fez isso hoje? Nesse ritmo…
Se deixássemos ele à sua própria sorte, ele passaria a vida toda desse jeito.
Ela sentia como se um acerto de contas estivesse vindo, um que não podia ser evitado.
— …
— E se tivesse nascida como uma elfa, aposto que iria querer que fosse uma humana. — Alta-Elfa Arqueira pontuou sua observação dando um pequeno abraço na cabeça de Sacerdotisa antes de soltá-la. Sacerdotisa pensou que podia sentir o cheiro da floresta preenchendo seu nariz.
Certamente ela estava imaginando isso. Esse lugar deveria ser a morada da terra, água e fogo.
Mas… E se ela não estivesse imaginando isso?
Os elfos devem estar ligados com a floresta mesmo quando a deixam para trás…
— Você provavelmente está certa — disse Sacerdotisa, soltando um suspiro. Ela sentiu como se algo profundo em seu coração, algo estagnado e rígido, tivesse começado a ceder.
— Deveríamos pensar em sair? — perguntou ela. — Não temos muito tempo para ficar por aqui.
— Verdade. — Alta-Elfa Arqueira se levantou bruscamente. — O mundo se recusa a ser bonzinho, não é?
— A situação não parece boa — disse Matador de Goblins. Ele estava em frente a uma lareira crepitante na taverna da aldeia. O segundo andar era uma pousada, as quais eram típicas de tais lugares.
O calor do fogo preenchia o edifício de troncos, com as sombras dos troféus na parede dançando à luz do fogo. Os aventureiros, de volta aos seus respectivos relaxamentos, se sentavam ao redor de uma grande mesa com copos cheios até a borda de hidromel.
A curandeira e sua irmã, juntamente com quase todos na aldeia, instaram seus socorristas descansarem em suas respectivas habitações, mas Matador de Goblins recusara.
— Vamos todos pagar por um lugar na pousada. Divididos, não podemos responder rapidamente o que quer que aconteça.
Sacerdotisa ficou ligeiramente perplexa com a onda de alívio que sentiu quando ele disse isso.
No momento, os aldeões rodeavam os aventureiros à distância. Eles estavam meio ansiosos e meios curiosos. Alguns também olhavam as mulheres do grupo com interesse indevido. Sacerdotisa se movia desconfortavelmente sob seus olhares de soslaio.
Acho que é uma pequena benção que não haja ninguém que pareça ser um problema sério…
— Acham que… eles não nos querem aqui? — perguntou ela, olhando para a comida na mesa.
Batatas cozidas, batatas normais, batatas e mais batatas… Tudo em oferta eram batatas. Sacerdotisa, é claro, de forma alguma esperava luxo. Ela estava acostumada com comida humilde. E sim, era inverno; havia neve no chão e seria necessário conservar provisões. Mesmo assim… nada além de batatas?
— Nem — disse Anão Xamã balançando a cabeça. — Pelo que ouvi, os últimos aventureiros que passaram compraram todos os suprimentos.
— Tudo?
— Disseram que precisavam para matar goblins, se é que dá para acreditar nisso. — Anão Xamã apoiou o queixo nas mãos.
— Ha-haa! Acredito… — A cauda de Lagarto Sacerdote balançou ao longo do chão como se dissesse que não era deles julgar. — É dito que se deve atrair os goblins antes de se poder matar. Um pouco de coerção, sabe. Talvez precisassem mesmo desses suprimentos…?
Hmm. Sacerdotisa colocou o dedo nos lábios enquanto pensava, com seu cabelo se agitando como uma onda quando inclinou a cabeça. Era claro a quem levar uma questão como essa.
— Era necessário?
— Depende da hora, do lugar e das circunstâncias — respondeu categoricamente seu especialista em goblincídio. — Vez ou outra, encontrará tribos errantes sem ninho. A perseguição pode levar bastante tempo.
— Mas tempo é algo que não temos, certo? — disse Alta-Elfa Arqueira, lambendo alegremente o hidromel. Suas bochechas já estavam um pouco vermelhas; o banho poderia ter algo a ver com isso, mas era principalmente o álcool. — Não sabemos o que está no ninho e não sabemos quantos deles há. Além disso, existe a possibilidade de os aventureiros ainda estarem vivos.
— Só tivemos sorte de os aldeões não terem sido levados. Quem sabe se conseguíssemos tê-los ajudado a tempo?
Matador de Goblins assentiu, depois desenrolou uma folha de pele de carneiro. — Não podemos esperar até que a doença das flechas se torne fatal, mas eles podem estar um pouco enfraquecidos essa hora. — No papel havia um mapa simples da rota da aldeia até a montanha; ele pediu ao caçador local para fazê-lo. Algumas observações rabiscadas pareciam ter sido adicionadas pelo próprio Matador de Goblins. — De acordo com seu armadilheiro, esse é o local mais provável para um ninho de goblin.
— É, mas… — Alta-Elfa Arqueira passou o dedo pelo mapa, mensurando a distância entre a aldeia e a caverna. — Se nenhum aldeão foi sequestrado, por que não vamos logo?
— Acredito que sei o que os aventureiros anteriores planejavam. — O olhar coletivo do local se fixou em Matador de Goblins. Ele pegou uma batata frita e colocou na boca. Seu capacete se moveu um pouco, emitindo sons de mastigar e engolir. — A curandeira me disse que o grupo comprou madeira juntamente com seus outros suprimentos.
— Madeira? — perguntou Anão Xamã. — Mas eles podiam… não, calma, não me diga, eu consigo. — Ele deu um gole no hidromel, ignorando o olhar que a elfa lhe deu quando ele limpou várias gotas de barba.
O velho anão sábio grunhiu consigo mesmo, e momentos depois ele estalou os dedos e disse: — Ah! Agora eu sei! Não é lenha, então não era para encher o ninho de fumaça. Estavam se preparando para alguma coisa. E trouxeram comida. Significando…
— Sim — disse Matador de Goblins como se fosse a coisa mais natural do mundo. — Eles queriam deixá-los esfomeados.
Houve um crac audível do fogo. Por algum tempo, ninguém falou nada. Lagarto Sacerdote pegou um atiçador e bateu desatentamente na lenha. Houve outro ruído quando a madeira se dividiu em dois, com faíscas voando.
— Mas então, os inimigos eram muitos e eles poucos — disse ele.
— Essa tática tem a sua utilidade — disse Matador de Goblins calmamente. — Mas não quando se está tentando exterminar um grande número de inimigos em sua própria terra.
Sacerdotisa imaginou a cena, e seu corpo se enrijeceu. O terror de enfrentar goblins esfomeados por dias a fio.
Não acho que conseguiria suportar.
Então Sacerdotisa pensou nos aldeões. Como eles pediram aos aventureiros para pararem os goblins de roubar a comida deles, e esse grupo que decidiu usar uma tática que utilizava as provisões de toda a cidade.
— Não podemos preparar sequer uma espada, uma poção ou uma provisão de alimentos por nossa conta. — Glub. Matador de Goblins tomou um gole do hidromel sem sequer ter removido o capacete. — E aventureiros sem suprimentos estão mortos até ao anoitecer.
— Orcbolg, talvez possa pensar em outra coisa dessa vez.
— Estou tentando.
Glub, glub. Mais hidromel.
Seus quatro companheiros observavam isso com o menor dos sorrisos em seus rostos. Eles sabiam que esse grupo nunca teria sido formado se esse homem não fosse exatamente do jeito que era.
— E meu senhor Matador de Goblins — disse Lagarto Sacerdote, que já estava acostumado com o papel de assessor militar. — Que estratégia está pensando?
— Nenhuma em particular. — Ele parecia estranhamente relaxado.
Eles não tinham ideia de como o ninho estava estabelecido ou quantos inimigos havia lá. Sem saber se os outros aventureiros ainda estavam vivos, eles não podiam simplesmente destruir o ninho sem rodeios. E já que os goblins atacaram uma vez, eles certamente viriam uma segunda e uma terceira vez.
Desse modo, só existia uma estratégia possível.
— Faremos uma operação relâmpago.