Goblin Slayer 2 - Anime Center BR

Goblin Slayer 2

 Capítulo 02 – O Garoto Feiticeiro Ruivo

— Eu não sei. Realmente acho que é demais para uma só pessoa…

— Ah, é? Eu conheço as histórias. De como o Segundo Herói lutou contra o Lorde Demônio sozinho naqueles anos passados!

— Verdade, mas eles eram classificados como Platina. Acho que seria melhor começar um grupo ou procurar alguém para se juntar.

— Nenhum aventureiro vivo pode ganhar a minha confiança.

— Hmmm…, esta é uma pergunta difícil, muito bem.

A Garota da Guilda estava sentada atrás da mesa da recepção do agora vazio prédio da Guilda, girando preguiçosamente as suas tranças.

O sol já havia se posto e não havia aventureiros à vista. Qualquer um que não tivesse se aventurado estava dormindo ou se divertindo. Ela era a única restante da equipe que ainda estava lá.

Em circunstâncias normais, poderia – e provavelmente deveria – apenas afugentar o garoto aventureiro que estava ali procurando uma missão com o seu olhar implacável.

— Acho que não há mais nada a fazer… — disse ela.

Por que sou assim?

A Garota da Guilda se levantou com um suspiro profundo.

— Vou preparar um pouco de chá. — Ela piscou para ele e se virou para o almoxarifado aos fundos. — Afinal, eu também estou esperando.

A noite já havia caído quando o Matador de Goblins e os outros voltaram pelo portão da cidade fronteiriça.

A luz havia desaparecido da rua agora vazia; as luas e estrelas no céu produziam a única iluminação.

— Oh, uh, ah, e-estamos aqui…?

— Estamos aqui, Orelhas Compridas, estamos aqui.

— Senhora Clériga, parece que estamos perdendo o juízo.

— Hnn… Ughhh…

Todos estavam profundamente cansados. As orelhas da Alta Elfa Arqueira estavam caídas; foi tudo o que ela pôde fazer para evitar que suas pálpebras pesadas se fechassem.

Quanto à Sacerdotisa, praticamente cochilou durante o passeio nas costas do Lagarto Sacerdote.

Os três homens, cobertos de sangue, suor e lama dos dias de batalha, se entreolharam e assentiram.

— Será que posso confiá-la a você, milorde Matador de Goblins?

— Sim. E ela a você?

— Estou trabalhando nisso. Vamos lá, Orelhas Compridas, controle-se já.

— Mmph… Tantoooo sono… Só vou… tirar uma soneca…

— Primeiro espere até te levarmos de volta ao seu quarto. O meio da rua não foi feito para dormir.

O Anão Xanã colocou todo o seu pequeno corpo para apoiar a elfa relaxada.

Estavam indo para o segundo andar do Salão da Guilda, que também funcionava como uma pousada. Raro era o aventureiro com um lugar para chamar de sua casa. A maioria deles ficava em uma pousada ou alugava um quarto da Guilda.

— Então amanhã te vejo — disse o Lagarto Sacerdote com seus estranhos gestos de juntar as mãos.

— Certo. — Matador de Goblins balançou a cabeça.

O lagarto gigante saiu arrastando os pés atrás de seus companheiros, a pequena garota ainda agarrada às suas costas.

— Ah… Boa… boa… noi… te — disse ela bem fraquinho, quase em um sussurro. O Matador de Goblins colocou o seu capacete.

— Hrm.

Companheiros.

A palavra veio repentina e naturalmente à sua mente. Ele não desgostou do som disso.

Essas eram pessoas que não conhecia há um ano. Pessoas que mal podia acreditar que conhecia há um ano.

O que o velho ele teria feito em uma situação parecida?

E quanto ao seu equipamento? Suas estratégias? Seu tempo? Seus recursos? Como estariam se os quatro não estivessem presentes?

Sem eles – com aquela coisinha sendo diferente – a gama de opções do Matador de Goblins seria severamente limitada. Assustadoramente limitadas.

E pensar que seria tão diferente.

Foi com esses pensamentos passando por sua cabeça que ele abriu a porta da Guilda.

— Erk…

Algo não parecia certo neste lugar.

Luz.

Todos os funcionários já deveriam ter ido embora, mas tinha chegado para fazer o seu relatório.

Goblins?

Meio reflexivamente, a mão do Matador de Goblins foi até a machadinha que enfiara na bainha. Assumiu uma postura baixa e entrou no prédio quase silenciosamente. A porta se fechou atrás dele.

Isso era quase cômico, mas ele não via dessa forma. Quem disse que os goblins não podem aparecer na cidade?

O olhar do Matador de Goblins por acaso caiu no banco da sala de espera, atraído para lá porque pensou ter visto o movimento de uma silhueta enrolada no assento.

Não – Não era sua imaginação.

Algo estava se contorcendo ali; parecia quase com um humano coberto por um cobertor.

Matador de Goblins deu um passo à frente, fazendo o chão guinchar.

— Hr… Hrn?

Em seguida, o cobertor foi colocado de lado e a silhueta lentamente sentou-se.

Esfregou os olhos e soltou um pequeno bocejo. Era um garoto de cabelo ruivo.

Ao se sentar, derrubou o seu cajado, que estava encostado no banco; aquilo caiu no chão.

— E-ei, senhora… Só mais cinco… Hein?

Ele afastou o sono de seus olhos e viu a figura diante dele. Seus olhos ficaram então bem abertos; podia ver o Matador de Goblins parado, ali, no escuro.

O que ele viu foi um homem coberto de lama e sangue, usando um capacete de aparência barata e uma armadura suja como o mal tempo, com uma machadinha enferrujada na mão.

— Ah. — A boca do garoto se contraiu, depois se torceu e então ele gritou: — Eeeeeyaahhh!

— Hrm…

Huh. Então não era um goblin.

Esse foi o único pensamento que o grito ecoante esclareceu ao Matador de Goblins.

— Eek?! — Ao mesmo tempo, Garota da Guilda soltou um gritinho fofo, e houve o som de uma cadeira caindo. Matador de Goblins ergueu os olhos para vê-la entrar voando na sala. — Oh, uh, ah! Ma-Matador de Goblins, senhor?! Eu não estava dormindo, eu juro, eu não estava dormindo!

Ela ajeitou o cabelo com pressa, alisou os vincos do vestido e corou furiosamente antes de tossir. Seu sorriso, no entanto, não era a expressão artificial que costumava usar, mas um sorriso genuíno e espontâneo.

— Ahem. Bom trabalho hoje.

Matador de Goblins relaxou os dedos um por um e finalmente largou a machadinha.

Sem um som sequer, pegou a xícara de chá oferecida e bebeu tudo em um único gole.

Provavelmente não conseguia nem sentir o gosto, bebendo daquele jeito – mas a Garota da Guilda sorriu.

Ela seguiu a rotina familiar: prepare um pouco de papel, raspe a ponta de uma caneta de pena, abra um pote de tinta, prepare-se para registrar.

— Então, como foi? Desta vez também havia muitos deles?

— Sim — disse o Matador de Goblins com um aceno firme. — Havia goblins lá.

— Quantos? — perguntou a Garota da Guilda, sua caneta correndo pelo papel. — Ah, e divida-os por missão, por favor.

— Trinta e quatro na primeira missão. Ele de repente ficou em silêncio. A Garota da Guilda parou de escrever e olhou para cima, e o Matador de Goblins acrescentou baixinho: — E sumiram uns dez.

— Sumiram?

— Entramos, resgatamos a refém e inundamos o ninho. Confirmei trinta e quatro corpos. Não pode haver mais de dez restantes.

— Ah…

A Garota da Guilda riu, suas bochechas suavizando em um sorriso. Não era resignação, exatamente – isso era apenas algo que não poderia ser evitado. Na verdade, ela estava secretamente satisfeita em ver que ele estava como sempre.

— E quanto à segunda missão?

— Havia goblins lá — relatou ele. — Vinte e três deles…

E assim seguiu a indiferente conversa sobre goblincídio. Inundá-los, queimá-los, enterrá-los ou simplesmente atacá-los e matá-los. Armas lançadas e empurradas, roubadas, trocadas; forçados a trabalhar com qualquer equipamento que tivessem preparado de antemão.

— …

O jovem estava de costas para eles, mas parecia estar atento a cada palavra.

Ele devia ter cerca de quinze anos. Tinha o cabelo tão ruivo que parecia estar em chamas – mas estava bem aparado e sua capa também parecia nova em folha. Seu cajado não possuía nenhuma joia indicando graduação, então, presumivelmente, era um daqueles magos que havia deixado a Academia antes de terminar os seus estudos.

Afastando o desinteresse, ele vasculhou seus pertences como se tivesse acabado de pensar em algo. Sua busca rendeu um caderninho e um lápis de carvão. Iria fazer anotações? Que excelente aluno ele deve ter sido.

Mas o Matador de Goblins, aparentemente sem nem mesmo olhar para o garoto, ordenou:

— Não.

— ?!

O Garoto Feiticeiro quase saltou da cadeira. Ele não estava muito intimidado; lançou um olhar petulante para o Matador de Goblins e resmungou:

— Aw, o quê? Sei que todos pensam que os goblins não são grande coisa, mas tomar algumas notas não vai machucar, vai…?

— Pode ser. — O Matador de Goblins respondeu ao lamento quase canino do garoto com uma resposta fria, baixa e silenciosa. — E se suas notas caíssem nas mãos de goblins?

A têmpora do garoto latejava e sua carranca era evidente mesmo à luz fraca da lamparina.

— Você está sugerindo que eu posso perder para alguns goblins?!

— Há uma possibilidade distinta.

— Como você ousa…?!

O garoto saltou de onde estava sem pensar duas vezes. Matador de Goblins se virou para ele com uma palpável exasperação.

Será que é a hora certa?

A Garota da Guilda deu um sorriso forçado e indicou a xícara do jovem.

— Você precisa de mais um pouco de chá?

— Oh, uh, não, eu… — Pego no auge da sua raiva, o garoto coçou a bochecha com culpa. — Acho que eu… Preciso.

— Então aqui está. — Ouviu-se o som de um líquido fluindo enquanto a Garota da Guilda servia mais chá fumegante na xícara do garoto. O jovem feiticeiro observou atentamente. Sim, ela agora podia ver: ele parecia ter uns quinze anos, e parecia estar nessa idade.

Bem, acho que ele está se tornando um aventureiro.

Eram sonhos ou esperanças? Dinheiro ou fama? Algumas dessas razões eram adequadas, outras gananciosas e pretensiosas.

A Garota da Guilda derramou mais chá na xícara vazia do Matador de Goblins.

— Obrigado.

— De nada!♪ Não precisa me agradecer.

O Garoto Feiticeiro piscou ao ver a sua expressão radiante. Era a mesma aparência que ela tinha usado antes, quando cumprimentou este estranho aventureiro de armadura. Ele não conseguia expressar, mas era obviamente diferente do sorriso que ela lhe deu quando estava fazendo o seu registro.

O garoto engoliu em seco, então, hesitante, abriu a boca.

— Então você é… aquele que chamam de… Matador de Goblins?

— Alguns me chamam assim. — Ele assentiu. Garoto Feiticeiro se inclinou para um pouco mais perto. Atrás dos óculos, seus olhos verdes brilhavam, cada vez maiores, refletindo o rosto do Matador de Goblins.

Nervosismo, tensão, excitação, antecipação e ansiedade estavam todos evidentes no seu rosto e em sua voz quando disse:

— Então me ensine como matar goblins!

— Não — respondeu categoricamente o Matador de Goblins.

— Por que não?!

— Se você não planeja fazer nada andes de ser ensinado, meus ensinos não te servirão para nada.

— Huh?!

Com isso, o Matador de Goblins pegou a xícara de chá fresco, engolindo-o em um só gole. Gulp.

Ele colocou a xícara na mesa com um clink e se voltou para a Garota da Guilda. Nem mesmo olhou para o jovem perplexo enquanto pegava os papéis que a Garota da Guilda lhe entregava. Os relatórios estavam todos prontos; o Matador de Goblins só precisava assiná-los.

Ele pegou uma pena e escreveu o nome. Então lançou um olhar perplexo para a Garota da Guilda. Por que, mesmo tão tarde, ela ali estava? Ele levou dois ou três segundos para descobrir a resposta.

— Desculpe. Obrigado pela ajuda.

— Não há de quê. Você sempre trabalha muito para nós. Ah, a sua recompensa…

— Divida igualmente. Entregue-me apenas a minha parte.

— Claro!

A Garota da Guilda se virou com um movimento tão animado que não parecia nem com sono ou cansada. Ela abriu o cofre, pegou um saco cheio de moedas e as avaliou em uma balança. Matador de Goblins observou as tranças balançarem contra as costas dela e murmurou:

— Ah. Sobre aquele grupo que foi recentemente registrado. — Ele pensou por um momento e acrescentou: — Havia uma garota rhea nele.

— Ah, eles? — Uma pequena risada escapou de seus lábios. Ela estava feliz por ele não poder ver o seu rosto. — Estão bem. Bem, sofreram uma ou duas mordidas de ratos gigantes. Mas tinham antídotos.

— Entendo.

— Você está aliviado?

— Sim.

A Garota da Guilda se virou com um olhar feliz em seu rosto e colocou uma pequena bandeja com uma bolsa de couro cheia de moedas na frente do Matador de Goblins. Ele a pegou sem se preocupar em conferir o conteúdo. A bolsa fez um barulho pesado com as moedas de ouro lá dentro.

Goblincídio não pagava bem; ainda menos quando a recompensa era dividida em cinco partes. Mas e se esse dinheiro fosse multiplicado por dez? Seria o suficiente para igualar a recompensa total por duas missões de goblincídio. O dobro do dinheiro que os membros de qualquer aldeia da fronteira conseguiriam economizar com todo o seu suor e cuidado.

Enquanto colocava a bolsa entre seus outros itens, Matador de Goblins gesticulou com o queixo.

— Quem é ele?

— Ele acabou de se registrar como um aventureiro.

— Por que ele está aqui?

— Bem, ele… — A Garota da Guilda olhou em volta e se esticou sobre o balcão, inclinando-se perto do capacete de aço como se fosse compartilhar um segredo. O tecido de seu uniforme se esticou, distorcendo levemente a área ao redor de seu peito. — Ele diz que quer matar goblins e nada mais…

— Ele está em um grupo?

As tranças balançaram de um lado para o outro enquanto a Garota da Guilda balançava a cabeça.

— Parece que não.

— Tolice.

A Garota da Guilda olhou para ele como se não tivesse certeza do que dizer. Vocêentre todas as pessoas, está em posição de dizer isso?, parecia perguntar. Ela esfregou as têmporas.

— Então o que vamos fazer, Sr. Matador de Goblins?

— Hrm…

O olhar suplicante, a voz implorante.

O Salão da Guilda estava em silêncio. Havia apenas o som suave de respiração e o arranhar ocasional da armadura. O pavio do lampião queimava assiduamente. De cima chegava o som fraco de tábuas do assoalho que rangia. Será que o grito anterior acordou alguém, ou alguém estava simplesmente vigiando? Seja qual for o caso, qualquer coisa que pudesse interferir no tempo de descanso de um aventureiro tinha que ser muito urgente ou muito estúpida.

— Você. — O jovem, que estava fixado no chão, olhou para cima com um susto quando o Matador de Goblins falou com ele. — Você tem um quarto?

— Er, uh… — Ele não parecia saber como responder. Abriu e fechou a boca, uma e outra vez, e empurrou os óculos no nariz.

Matador de Goblins esperou por uma resposta.

— Não vejo o que isso tem a ver com nada… — disse, por fim, o garoto.

— Entendo.

Essa foi toda a sua resposta ao pronunciamento azedo do garoto, após o que ele se voltou para a Garota da Guilda. Ela cruzou os dedos indicadores para formar um X e balançou a cabeça. Estava claro o que ela queria dizer.

— Sem quartos disponíveis?

— …

— É primavera. Ele não vai pegar um resfriado lá fora, mas…

Matador de Goblins se levantou. O garoto se viu observando o aventureiro enquanto ele partia em seu ritmo ousado. O Matador de Goblins, no entanto, não deu ao jovem mago qualquer olhar enquanto abria a porta de vaivém.

— Venha comigo.

Um comando curto. Com isso, o aventureiro partiu para a cidade escura, deixando o jovem para trás.

Ele olhou apressadamente da porta para a Garota da Guilda, então correu para a saída.

— E-ei, espere por mim! O que ele pensa que está fazendo, me arrastando assim…?!

Ele de repente parou. Se virou e deu um breve aceno para a Garota da Guilda.

— Obrigado… Pelo chá.

Então saiu correndo. A porta estalou ao abrir, deixando entrar a brisa fresca.

— Uff… — A Garota da Guilda suspirou mais uma vez e se levantou. Ela recolheu a papelada e certificou-se de que o cofre estava bem fechado e trancado. Sim, o pessoal do bar do primeiro andar estava presente, e também a dona dos quartos acima, mas ela era a última funcionária da recepção.

Isso deu um novo significado às palavras horas extras, mas ela não sentiu nenhum impulso para reclamar. Pegou o sobretudo (leve que trouxera, pois já era primavera) e guardou os pertences na bolsa.

— Acho que você realmente me anima.

Ela riu e apagou o lampião quase como se estivesse dando um beijo nele.

Parecia até que havia um mar fora da porta. A brisa ondulou pela grama, e as estrelas e duas luas brilharam no céu.

— Hmph.

O Matador de Goblins olhou para a lua verde e rapidamente começou a andar. O garoto correu para segui-lo.

— E-ei, que diabos? Onde você está me levando…? — Sua voz soou um pouco tensa – talvez de nervosismo ou medo.

— Venha comigo e você verá. — Matador de Goblins caminhou decidido ao longo da estrada, não tanto quanto olhando para a paisagem. Apesar da luz das estrelas e da qualidade relativamente boa do caminho, era impressionante como nunca diminuía a velocidade.

O jovem, pouco satisfeito, chutou algumas pedrinhas que por acaso estavam próximas, deixando escapar um som de aborrecimento.

Por fim, puderam ver.

Se o campo fosse um mar, então este era um farol, um ponto brilhante à distância que gradualmente se aproximava.

Várias formas começaram a surgir da escuridão. Uma pequena porteira. Uma cerca, provavelmente feita de madeira. Vários edifícios visíveis como sombras iminentes. O jovem, com os olhos então ajustados à escuridão da noite, pensou ter ouvido o mugido fraco de vacas.

— Isso é… uma fazenda?

— O que mais poderia ser?

— Ei, eu só pensei… Quer dizer, do jeito que você estava falando, presumi que íamos para uma pousada ou algo assim.

— Não vamos. — Matador de Goblins abriu a porteira enquanto falava. Houve um baque saindo do velho trinco de madeira.

— Ah! Você voltou! — Apesar da profundidade da noite, a voz que os saudou poderia muito bem ser um sol nascente.

— Whoa?! — O garoto estremeceu de surpresa, sua cabeça girando enquanto tentava identificar a origem da voz.

Era uma jovem mulher, seu corpo voluptuoso envolto em roupas de trabalho. Ela chegou correndo de algum lugar.

Vaqueira deu um tapinha amigável no ombro do Matador de Goblins, então exclamou:

— Bem-vindo de volta — disse.

— Sim — disse o Matador de Goblins com um aceno firme. — Estou de volta.

As palavras evocaram um “Bom” e um aceno brilhante da Vaqueira.

— Dessa vez você ficou fora por algum tempo — disse ela. — Como foi? Não está ferido?

— Haviam goblins lá. Mas nenhum outro problema além desse. — Então ele inclinou um pouco o capacete. — Acordada a essa hora?

— Heh-heh. Me transformei em uma bela coruja noturna nestes últimos dias — disse ela com uma pitada de orgulho. Seu peito balançou e o jovem feiticeiro engoliu em seco.

— Uau, eles são enormes

— Hmm?

Ele tinha sido descuidado, deixando as palavras escaparem da sua boca. Vaqueira captou o seu murmúrio, e então se inclinou para frente para dar uma boa olhada nele.

— Bem, então, quem é esse?

— Ee… opa! — O garoto cambaleou para trás e caiu de costas. Ele sentiu o calor subir ao rosto. Sua boca abriu e fechou.

— E-eu sou um a-a-aventureiro!

O rosto de uma mulher mais velha tão perto do seu. O doce odor de suor se misturou com um aroma recém-detectável da grama.

— Ele é novo — disse brevemente o Matador de Goblins, em nome do garoto, que não conseguia nem dizer o seu próprio nome. — Parece que não tem onde ficar.

— Ah, é isso? — disse a Vaqueira. — Entendo, entendo. — Ela assentiu várias vezes, como se estivesse feliz com alguma coisa. — Bem, não me importo.

— Obrigado — disse o Matador de Goblins com um aceno de cabeça. — Isso ajuda.

— Sério, não se preocupe com isso. De qualquer forma, isso é tão você.

— Eu também gostaria de falar com o seu tio. Ele está acordado?

— Provavelmente.

— Entendo.

Matador de Goblins desvencilhou-se da Vaqueira e entrou na casa. Ele realmente parecia estar em casa.

Assim sobrava o jovem homem. Ele olhou da Vaqueira para a porteira da fazenda e vice-versa várias vezes.

— E quem é você…, a esposa dele?

— Sim, eu sou!

— Não, você não é — interrompeu uma voz por trás da Vaqueira.

Ela mostrou a língua como se estivesse desapontada por ter sido ouvida.

O jovem lançou-lhe um olhar desconfiado.

— Bem, então o que está acontecendo?

— Não consegue dizer? — riu a Vaqueira. — Ele quer deixar você dormir aqui.

— Não estou entendendo nada disso!

— Aw, não se preocupe. Aqui, entre.

— Pare com isso. Ei, me solte!

— Vamos lá, não precisa agir todo durão!

Um mago novato contra uma fazendeira veterana: em uma disputa de força, o vencedor era claro.

 

 

— Não.

Ainda mais um fazendeiro mais velho e ainda mais experiente.

Um homem poderoso e musculoso, sentado à mesa da sala de jantar da casa principal, recusou o pedido do hóspede com uma única palavra.

Diante dele estava o Matador de Goblins, flanqueado de lado por um garoto ruivo e do outro pela sobrinha do fazendeiro.

Foi a Vaqueira, de lábios franzidos, a primeira a argumentar.

— Ah, vamos lá, Tio. É só por uma noite. Por que não deixá-lo ficar?

— Agora, ouça… — As feições bronzeadas do homem se contraíram quando ele olhou para a sua sobrinha destemida. Como ela ainda poderia agir de forma tão infantil? Não, ele se corrigiu, a infância dela foi roubada. Ele soltou um enorme suspiro. — Um aventureiro recém-registrado não é diferente de qualquer outro vagabundo que vaga por aí.

— Ei! — Isso agitou o garoto. Ele bateu com o punho na mesa, fazendo com que os utensílios saltassem, e se inclinou enquanto dizia: — O que diabos você tem, velhote?! Você está dizendo que sou apenas gentalha?!

— Fique quieto.

Foram apenas duas palavras, ditas suave e uniformemente, mas continham uma força avassaladora. Elas teriam sido o suficiente para intimidar até mesmo um homem que passou pelo inferno de um campo de batalha e voltou.

Este era um homem que observava a terra todos os dias, não pensava em nada além de sua família e no trabalho em sua fazenda. Suas palavras carregavam a autoridade sóbria de alguém que fez isso mês após mês, ano após ano.

— Er… — O garoto engoliu em seco. O dono da fazenda o olhou como se fosse um corvo ou uma raposa.

— Explosões como essa são exatamente porque não confio e não posso confiar em você.

O objetivo do sistema de aventureiros e da Guilda era precisamente este: os aventureiros eram por natureza muito durões, e a Guilda dava a eles uma medida de credibilidade, ao mesmo tempo que os impedia de cometer qualquer crime. Isso servia para proteger a ordem pública.

Sim, o objetivo declarado deles era a eliminação de monstros, mas manter os vários andarilhos sem-teto em um só lugar era uma boa ideia. É verdade que também servia para ajudar a limitar a fofoca…

Mas se os aventureiros pudessem ficar dentro da lei, ganhar algum dinheiro e talvez até ganhar uma reputação, quem reclamaria? Ao contrário de outras ocupações, por mais perigosas que sejam as aventuras, pelo menos o esforço estava diretamente relacionado à recompensa.

E quanto aos novatos, recém-chegados e Porcelanas, a parte inferior do sistema de classificação? Nem precisamos falar sobre isso; ou melhor, dificilmente se falava sobre.

Era bastante natural, pois esses aventureiros ainda não tinham conquistado a confiança de ninguém. Sendo aventureiros, não eram exatamente criminosos fora da lei. Mas qualquer um deve saber que as boas maneiras fazem toda a diferença. Como alguém poderia confiar em um jovem com o sangue tão obviamente quente?

E havia algo mais na mente do proprietário da fazenda.

— Tenho uma jovem morando aqui comigo. O que farei se alguma coisa acontecer com ela?

— Tio, eu continuo dizendo, você se preocupa demais…

— Você também, fique quieta — ordenou ele, e a Vaqueira fechou a boca para evitar que mais palavras escapassem. Aww, mas…! Ah, fala sério…! Nenhum escárnio moveria o dono da fazenda.

— Nesse caso — interrompeu o Matador de Goblins. Com um gesto lânguido, ele indicou o pequeno prédio do lado de fora, então envolto pela escuridão. Era o antigo anexo em que o fazendeiro permitiu que ele ficasse. — E o galpão que estou alugando?

— Se alguma coisa acontecer com ela — disse o homem, indicando a sobrinha —, você poderá assumir a responsabilidade?

Não, Matador de Goblins respondeu com uma sacudida suave de sua cabeça protegida por um capacete. Então disse calmamente:

— É por isso que vou ficar de guarda a noite toda.

O fazendeiro soltou uma espécie de gemido entre os dentes cerrados.

O que diabos deveria dizer sobre isso?

O que esse homem – esse garoto triste e descontrolado – viu e fez? O dono da fazenda não podia alegar ser ignorante.

A Vaqueira gentilmente colocou a mão no punho que o fazendeiro não sabia que estava cerrando e sussurrou para ele:

— Tio…

—  Entendo… Então, certo.

Por fim, ele se decidiu. Isso era inevitável. O que deveria fazer, jogar o garoto para fora no meio do orvalho da noite? Forçar uma criança obviamente exausta a ficar sem dormir?

O fazendeiro não era um homem cruel o suficiente para fazer essa escolha.

Ele afastou a mão da sobrinha e colocou as duas na testa como se estivesse rezando.

— Para me retribuir, durma bem. Todos vocês.

— Sinto muito.

— Não se desculpe. A saúde de um aventureiro é o seu bem mais importante, não é?

— Sim. Muito obrigado. — Matador de Goblins balançou a cabeça. Ele entendia perfeitamente que nem seu pedido de desculpas nem sua gratidão trariam qualquer felicidade ao homem. Mas, de qualquer forma, não queria se tornar alguém tão à parte da decência a ponto de não os oferecer.

— Ah. Outra coisa. — Foi exatamente por isso que o Matador de Goblins remexeu em seus itens, retirando uma bolsa com moedas de ouro e colocando-a sobre a mesa. Aquilo fez um barulho pesado quando as moedas dentro assentaram. — Isto é deste mês.

— Uhum…

O dinheiro era um indicador simples. Era muito mais confiável do que a bondade de qualquer pessoa. Mas expressar-se com dinheiro era admirável? Essa era uma pergunta espinhosa.

O fazendeiro, ainda sem saber o que dizer, suspirou e pegou a bolsa de moedas. O Matador de Goblins o observou.

— Tudo bem — anunciou o Matador de Goblins, levantando-se de sua cadeira. — Vamos.

— Hã? Ah, s-sim. — O garoto descobriu que não tinha escolha a não ser seguir obedientemente.

A Vaqueira também se levantou e puxou o braço do Matador de Goblins.

— Ei — disse ela —, o que você vai fazer amanhã?

— Depende das missões, mas acabamos de voltar. Imagino que todos queiram descansar.

— Não estou perguntando sobre todo mundo, estou perguntando sobre você.

Sheesh. Vaqueira estava agora acostumada com isso; coçou a bochecha e não se esforçou mais para obter uma resposta dele.

— Bem, não importa — murmurou e deu um pequeno sorriso, liberando seu braço. Ela não se preocupou em levantar a mão quando deu um pequeno aceno. — O café da manhã estará pronto bem cedo. Durmam bem!

— Irei — concordou o Matador de Goblins. — Boa noite.

Então ele abriu a porta e saiu da casa com o garoto.

O galpão do Matador de Goblins ficava nos fundos da fazenda. Estava bem desgastado, mas ele havia feito todos os reparos necessários.

— Então, o que diabos há com eles? — perguntou o garoto mal-humorado.

— O que você quer dizer?

O recém-chegado olhou ao redor do galpão. Um lampião empoeirado lançava um brilho vermelho sobre um quarto que estava quase criminalmente desarrumado. As prateleiras transbordaram de lixo que ele não conseguiu identificar; o ar estava cheio de poeira e um leve cheiro de remédios. Era como o escritório de um dos instrutores da Academia, pensou o garoto. E ele odiava isso.

Para aumentar sua insatisfação estava a pilha de palha que lhe foi oferecida para dormir no lugar de uma cama. Quando ele perguntou como deveria dormir em algo assim, Matador de Goblins disse:

— Coloque sua capa sobre isso.

O garoto resmungou que cobriria toda a sua capa de palha, mas obedeceu.

— Então ela não é sua esposa. Ela não faz parte da sua família, não é?

— Isso é verdade…

O garoto deitou-se na palha e a achou surpreendentemente macia.

Para a sua surpresa, o Matador de Goblins só se jogou na frente da porta.

— Não posso me aventurar a adivinhar o que ela pensa, no entanto — continuou ele.

— Do que você está falando?

— São meus conhecidos de muito tempo atrás. Um senhorio e sua sobrinha. Objetivamente, esse é o nosso relacionamento.

Então Matador de Goblins ficou em silêncio. O garoto olhou para ele de cima da pilha de palha, mas não havia como saber que expressão, se alguma, estava sob aquele capacete de metal.

O garoto desistiu de se perguntar e em vez disso olhou para o teto, então se virou novamente e olhou para as prateleiras com todos os seus vários e diversos itens. O crânio de alguma criatura não identificável, garrafas cheias de líquidos medicinais e três facas de arremesso incomuns. Para que ele usava tudo isso? Estava além da capacidade de imaginação do garoto.

Depois de um tempo, se virou novamente e viu o Matador de Goblins, que não tinha se movido muito desde que se sentou. O garoto soltou um suspiro.

— Você não vai dormir…?

A resposta chegou com uma quietude terrível.

— Posso dormir mesmo com um olho aberto.

— Sheesh. Foi você quem me pediu para ficar aqui, e até mesmo você desconfia de mim.

— Não. — O capacete do Matador de Goblins se moveu um pouco. O garoto percebeu que estava balançando a cabeça. — É para o caso de algum goblin aparecer.

— Como é que é?

— Eu durmo longe da casa principal. Seria problemático se não pudesse reagir de imediato.

— O que diabos há com isso…?

— Se você quer matar goblins, isso é o mínimo que deve fazer.

O garoto ficou em silêncio. Um pouco depois, rolou de costas. A lanterna pendurada no teto lançava uma luz fraca, rangendo baixinho com a brisa. Ele fechou os olhos, mas um fio do brilho vermelho filtrou-se por suas pálpebras. E pensar, a luz nem era tão brilhante.

Olhando diretamente para a pequena chama, o garoto franziu os lábios.

— Não precisamos disso.

— Entendo — disse o Matador de Goblins. — Então ponha para fora.

— …

— Durma. Amanhã, vou levá-lo de volta à Guilda.

Com isso, o estranho aventureiro em sua estranha armadura ficou em silêncio.

O que diabos ele está pensando? O garoto olhou duvidosamente para o capacete sujo, sua mente girando. O aventureiro foi tão enérgico que o garoto se deixou levar até aquele ponto, mas parecia tudo muito bizarro. Quem convidaria um aventureiro novato que nunca viu para ficar em seu quarto? Mesmo indo tão longe a ponto de discutir com sua esposa ou família ou algo assim?

Se ele fosse algum nobre desmiolado com muito dinheiro – aliás, se fosse uma mulher jovem – então poderia ser mais compreensível. Mas o que tinham a ganhar oferecendo abrigo a ele?

Ou era uma daquelas pessoas de quem tinha ouvido falar? Aqueles que emboscam novos aventureiros e os espancam por seus equipamentos?

Mas ele é um Prata…

Parecia muito improvável que a Guilda arriscaria a sua reputação conspirando em negócios do tipo. Ele tinha até mesmo ouvido falar que antes de a Guilda der estabelecida, aventureiros às vezes eram simplesmente assassinados ao chegar nas cidades.

Mas olhe para a armadura desse cara. Esse capacete. São tão sujos e assustadores.

Ele se virou sobre a pilha de palha como se quisesse se afastar do capacete cujo olhar parecia fixo nele, mesmo na penumbra.

Será que um cara com essa aparência poderia ser… legal?

— Impossível… — O mundo não funcionava assim. O garoto acenou com a cabeça para si mesmo, então gentilmente colocou a mão na faca que havia escondido sob suas roupas.

Merda! Se ele acha que vou só rolar e morrer…

O garoto se imaginava alguém que nunca baixava a guarda. O que quer que este aventureiro pudesse estar planejando, ele estaria condenado caso se deixasse ser assassinado durante o sono.

Assim convencido, o garoto não percebeu enquanto lentamente adormecia.

 

 

— Hng… Huh…?

Quando sua consciência voltou, ouviu uma pow, pow, pow, um ruído baixo e irregular.

A primeira coisa que sentiu ao se sentar foi a palha pinicante. O quarto que flutuava em sua visão embaçada com certeza não era o seu dormitório na Academia.

Para começar, não havia nenhuma cama de palha por lá.

Ele procurou os óculos, que colocara ao lado do travesseiro – ou melhor, ao lado do ninho perto da cabeça – e os colocou.

A luz do sol se infiltrou no galpão cheio de lixo, partículas de poeira dançando no feixe.

— Ahh… Certo…

Ah, sim.

Ele estava dormindo nesse lugar por causa daquele “Matador de Goblins” ou quem quer que fosse.

O estranho aventureiro que estava dormindo perto da porta já havia partido. Mesmo assim, a julgar pelo ângulo da luz do sol, ainda era apenas um pouco depois do amanhecer.

— Sheesh. Aquele cara não faz o menor sentido. Ah, merda… Eu sabia que ia ficar coberto de palha.

Ele estalou a língua. Se levantou e pegou a capa que estava usando como cobertor.

Olhou ao redor e então – não sem um momento de hesitação – deu uma grande sacudida na roupa para tirar a palha. Quando a colocou de volta, ainda podia sentir pinicadas aqui e ali, mas simplesmente franziu a testa e saiu do galpão.

— Credo… Aqui fora está frio.

A primavera estava começando, mas o último suspiro do inverno ainda pairava sobre as primeiras manhãs. O garoto levantou a gola da capa e estremeceu.

Uma névoa branca e fina flutuava sobre o solo, como se leite tivesse sido derramado sobre toda a fazenda. Ele quase se sentiu como se estivesse no nevoeiro.

Tendo chegado no meio da noite, não tinha noção da geografia da fazenda, mas escolheu uma direção provável e começou a andar.

Como esperava, em pouco tempo, encontrou um poço aconchegante com um telhado sobre ele. Uma viga cruzada foi colocada no topo do poço, amarrada com uma corda presa a um balde em uma extremidade e um contrapeso na outra. Um simples circuito de poços.

O garoto abaixou o balde no poço, deixando o contrapeso de pedra puxá-lo para o fundo. Então relaxou a mão com a corda, e a pedra começou a afundar novamente, trazendo o balde de volta para cima.

Ele tirou os óculos e mergulhou o rosto na água fria.

— Hrrrrrrr… Fwah!

Ele se encharcou com a água chocantemente gelada, depois, ergueu o rosto e balançou a cabeça, espalhando gotas por todas as partes. Em seguida, lavou a boca com uma concha, cuspindo na grama a seus pés e, por fim, enxugando vigorosamente o rosto com a bainha da capa.

Não era muito para ficar apresentável pela manhã, mas por um momento de trabalho, bastaria.

— Hmm…?

O som voltou a soar além da névoa branca. Pow, pow.

Não parecia que alguém estava cozinhando. Nem era bem o barulho de uma construção, ou mesmo de alguém cortando lenha.

Para seguir o caminho do feiticeiro, um forte senso de curiosidade era necessário. O garoto decidiu seguir o som – mas, naquele momento, percebeu que estava de mãos vazias.

— Ah, merda!

Ele correu de volta para o galpão e agarrou seu cajado, ainda inclinado ao lado de sua cama.

O som surdo continuou inalterado; parecia que não estava longe.

Em pouco tempo, chegou a uma sombra movendo-se na névoa. O sol da manhã estava ficando mais forte, e ele não precisava usar um feitiço para ver claramente o que estava à sua frente.

— Ah…

Era o Matador de Goblins.

Ele ainda estava usando sua armadura suja e seu capacete de aparência barata; seus quadris estavam em uma postura baixa. Parecia estar enfrentando parte da cerca de madeira que cercava a fazenda. Um alvo redondo foi afixado a ela em uma posição anormalmente baixa.

A faca espetada para fora do alvo provavelmente foi enfiada pelo Matador de Goblins. O garoto descobriu o que estava causando o som com mais facilidade do que resolvera os enigmas na Academia.

— O que está fazendo…?

— Praticando. — Matador de Goblins caminhou em direção ao alvo e casualmente recuperou a arma.

Para o garoto, não parecia que a faca era especialmente adequada para arremessar; era uma adaga normal como qualquer outra.

Espere – não era apenas uma faca. Assim que olhou para o alvo mais de perto, pôde ver que tinha sido marcado por uma espada, uma lança, um machado e… aquilo era uma machadinha?

Com toda essa prática, o Matador de Goblins provavelmente poderia atirar até uma pedra que encontrasse pela grama sem dificuldades.

Arremessando.

A palavra girou em sua mente.

Achei que os guerreiros deveriam balançar as armas, não as arremessar.

— Como você pode lutar se joga todas as suas armas fora? Idiota.

— Eu simplesmente roubo mais. — Matador de Goblins passou um dedo pela lâmina da faca, inspecionando-a. — Dos goblins — acrescentou.

O garoto grunhiu com a resposta.

— Seria melhor ter armas de alta qualidade desde o começo…

— É mesmo?

— Você deveria ser capaz de cuidar de alguns goblins com um único feitiço.

— É mesmo?

— Olha, eu pensei que você deveria tirar hoje de folga. Não foi isso que você disse para aquela garota?

— Certa vez, fiz uma longa pausa. Depois descobri que minhas reações pioraram.

Ele calmamente jogou algumas armas no chão enquanto falava. Então, recuperando o fôlego, deu as costas ao alvo.

— Você nunca sabe se a próxima coisa que fará matará o seu inimigo.

Assim que ele falou, girou. Agarrou uma das armas aos pés e, sem tempo para mirar, a atirou.

A adaga voou pelo ar, girando uma vez, e pousou no centro do alvo com um baque seco.

— Hmph.

Ele pegou as armas, uma por uma, e as atirou.

Silenciosamente, sem dizer uma palavra, as jogou, depois as pegou e começou de novo.

Isso é chato. O garoto se sentou na grama e bocejou. Ele esfregou os olhos, tentando calcular os últimos grãos que o homem de terra havia deixado ali.

— De que adianta aprender a acertar um alvo imóvel?

— Não sei.

— E você também o colocou tão baixo.

— É a altura da garganta de um goblin.

O garoto ficou em silêncio. De longe, soou uma voz calorosa chamando:

— Café da manhã!

Ele percebeu então que a névoa havia se dissipado; podia ver todo o caminho até a casa da fazenda, onde Vaqueira estava inclinada para fora de uma janela e acenando.

Matador de Goblins parou e olhou em sua direção, de alguma forma brilhante, e acenou com a cabeça.

— Certo — disse ele. Então o capacete se voltou para o garoto. — Vamos.

Ugh. Não espero muito desta refeição.

O garoto acenou com a cabeça relutantemente, em seguida, levantou-se e seguiu atrás do Matador de Goblins.

Se a comida for ruim, vou derrubar aquela mesa.

 

 

Havia ensopado no café da manhã.

O garoto acabou pedindo três porções extras.

— Ergggg…

— Você comeu demais.

Haviam deixado a fazenda na periferia e estavam indo para a Guilda, mas ele caminhava vacilante pela trilha. Agarrou-se ao cajado enquanto fazia todo o esforço para se mover. Deve ser assim, pensou, depois de uma aventura especialmente cansativa e desanimadora.

Talvez fosse assim que os aventureiros se sentissem depois de caminhar por um campo infinito apenas para ver o castelo finalmente aparecer.

Quando por fim passaram pelas portas de vaivém e entraram na área de espera barulhenta, o garoto desabou em um assento.

Mais uma vez, havia muitos aventureiros visitando a Guilda. Alguns apareceram para se inscrever, enquanto outros procuravam por mais um dia de trabalho.

— Hrggg…

— Como você pôde ficar tão animado por encontrar um elevador em algumas ruínas antigas que depois foi beber e ficou de ressaca? Você é burro?

— Achei que alguns espíritos poderiam restaurar o meu espírito…

— Quão estúpido você é?

Aventureiros de ressaca não eram uma visão incomum, alguns deles estavam caídos nos bancos mesmo nesse momento. As pessoas não prestaram muita atenção ao garoto que acabara de entrar; talvez pensassem que era um dos bêbados.

— Então estou indo — disse o Matador de Goblins, olhando para o jovem largado, aquele que havia se deitado e já ocupava um banco inteiro. — Você deveria começar nos esgotos. Mate aqueles… O que são mesmo…? Ratos gigantes.

— Eu… vou… m-matar goblins…!

— Entendo.

Com isso, o Matador de Goblins se afastou do jovem. Quem era ele para interferir nos desejos do garoto? Ele afastou-se corajosamente, dirigindo-se ao seu lugar habitual: um banco no canto mais afastado da área de espera da Guilda.

Cinco – não, seis anos atrás, quando se tornou um aventureiro pela primeira vez, era o único ali.

Mas agora as coisas eram diferentes.

Estavam presentes os seus companheiros, os que tinham negócios com ele e até outros que queriam apenas cumprimentá-lo.

Esse dia era apenas mais do mesmo. Lá estava o Lagarto Sacerdote balançando o rabo. A Alta Elfa Arqueira e o Anão Xamã sentando-se um de cada lado da Sacerdotisa. E ainda…

— Matador de Goblins, senhoooor…

De alguma forma, parecia diferente do normal. No centro do círculo de rostos, as mãos da Sacerdotisa agarravam seus joelhos, e sua voz estava fraca.

— Qual é o problema?

— Parece que estavam falando sobre promovê-la — a Alta Elfa Arqueira respondeu no lugar de Sacerdotisa.

O Matador de Goblins balançou a cabeça.

— Está mais ou menos nessa época.

Os aventureiros eram divididos em dez classificações, da Porcelana à Platina. Apesar da classificação Platina, que era especial, as divisões eram feitas com base no que se chamava popularmente de “pontos de experiência”. Em outras palavras, as recompensas que alguém ganhou, combinadas com o quanto de bem fez para aqueles ao seu redor, junto com a personalidade.

Foi um ano antes que a Sacerdotisa fosse promovida a Obsidiana por derrotar o que quer que fosse nas ruínas subterrâneas. Então havia o globo ocular gigante que encontraram na cidade da água, e o líder do exército goblin que atacou a sua própria cidade.

Tendo sobrevivido à batalha com o goblin paladino no Norte, ela deveria ter mais do que o suficiente em termos de recompensas e contribuições sociais. E seu comportamento interpessoal era irrepreensível.

Sim, era mais do que apropriado que a possibilidade de promoção tivesse sido levantada.

Mas se ela estava olhando tão para baixo, isso significava…

— Ela não passou?

— Acho que não.

— E você ainda tinha uma carta de recomendação, hein? — A Alta Elfa Arqueira sussurrou para a Sacerdotisa, que simplesmente respondeu:

— Sim.

Ela parecia tão patética quanto uma cachorrinha deixada na chuva, e parecia que ia começar a chorar a qualquer momento.

— Eu acho… eles pensam… dizem que eu ainda não contribuí o suficiente.

— Suponho que seja compreensível — disse o Lagarto Sacerdote. — Afinal, o resto de nós é de classificação Prata.

O Anão Xamã soltou um bufo satisfeito e acariciou a barba.

— O que, acham que ela está sendo carregada? Quem acreditaria nisso? — Era uma coisa inadequada, mas não inédita, para um grupo de aventureiros experientes fazer.

— Hrm — resmungou bem baixinho o Matador de Goblins.

O primeiro grupo da Sacerdotisa já não existia. As pessoas com quem deveria ter se desenvolvido e amadurecido desde Porcelana até as classificações superiores já haviam partido.

O Matador de Goblins olhou para a Garota da Guilda, mas ela estava ocupada com outros aventureiros, correndo para frente e para trás como um rato em frenesi. Ela percebeu que ele estava olhando para lá, e juntou as mãos em um gesto de desculpas. Isso significava que pouco poderia ser feito. Afinal, não era ela quem comandava a Guilda. Seus superiores estavam envolvidos, assim como a papelada, os inspetores e a burocracia. Era simplesmente assim que o mundo funcionava. O esforço pessoal era indispensável, mas nem sempre bastava.

— U-um, por favor n-não se preocupe com isso — disse corajosamente a Sacerdotisa, como se fosse para confortar o Matador de Goblins e os seus outros companheiros, que haviam caído em reflexão. — Tenho certeza de que, se trabalhar duro o suficiente, posso fazer com que eventualmente me promovam…

— Esse é o espírito — disse o Anão Xamã. — Você tem muitas habilidades e está mais do que fazendo a sua parte para ajudar. Eles têm que entender isso.

— Mm — assobiou o Lagarto Sacerdote, encostado na parede, com os braços cruzados e pensativo. Sua cauda se moveu com um sussurro. — Entre o meu povo, falamos da importância de transmitir a técnica de batalha à próxima geração.

— É isso! — disse a Alta Elfa Arqueira, tentando estalar os dedos. Ela só conseguiu fazer um click suave. Então franziu os lábios novamente: Anão Xamã estava tentando segurar uma risada de sua tentativa fracassada.

— O quê…?

— Ah, nada. Eu só queria saber do que você estava falando — respondeu ele, totalmente imperturbável pelo olhar penetrante da Alta Elfa Arqueira.

— Não vou esquecer isso — disse a elfa, enquanto o anão ria e acariciava a barba. — Mas, de qualquer maneira, se a classificação é o problema, por que não encontrar alguns Porcelanas e Obsidianas para se aventurar?

— É exatamente isso — disse o anão. — Esta é a Guilda, afinal. Mostre a eles que você está orientando alguém, sabe?

— Um… — A Sacerdotisa olhou para eles, confusa. Seus olhos lacrimejaram um pouco. Ela passou a língua suavemente sobre os lábios secos, em seguida, ergueu o dedo indicador como se para se certificar de que os estava seguindo. — Você quer dizer… aventurar-se sem todos vocês?

— Sim — disse secamente o Matador de Goblins.

— Não seria uma ideia tão ruim — acrescentou o Lagarto Sacerdote.

— Bem, isso resolve tudo — disse a Alta Elfa Arqueira, suas orelhas tremendo intensamente. Ela era quase imortal; sutilezas logísticas não a preocupavam. — Basta escolher um Porcelana aleatório… bem, talvez aleatório não seja a palavra certa, mas…

O grupo dela parecia prestes a começar algo quando uma voz zombeteira soou:

— Heh! Eu sei que você fica sempre por trás, mas não há como alguém tão chorona e resmungona como você possa ser promovida!

Isso fez as orelhas da Alta Elfa Arqueira irem para trás, e ela começou a procurar pelo antagonista. O dono da voz levantou-se de um dos bancos.

Era o garoto ruivo – vestido com um robe, segurando um cajado, usando óculos. Aquele feiticeiro.

A Sacerdotisa passou apenas um segundo com a boca aberta em choque, então os cantos de seus olhos se apertaram de raiva.

— Eu… eu não estou chorando!

— Não sei quanto a isso. Vejo todos vocês, clérigos, como bons chorões. — Ele deu uma fungada desdenhosa e nem mesmo abriu os olhos completamente enquanto olhava para a Sacerdotisa. Talvez pensasse que todo esse ridículo diligente o fazia parecer legal.

(N.R.: tô falando, esse moleque vai tomar um pau, ele tá pedindo…)

Não parecia perceber que isso apenas o fazia parecer um vilão nojento.

— Sempre que você está em apuros, é: Ó deuses, por favor, me salvem! Boo-hoo-hoo!, certo?

— Ei…! — A Sacerdotisa mal sabia o que dizer a esta demonstração inesperada de maldade, mas seu rosto pálido ficou visivelmente vermelho. Ela estava estranhamente – mas muito compreensível – agitada. — Não é assim mesmo! Eu tenho todos os tipos de…

Todos os tipos de quê? Haveria alguma maneira de terminar aquela frase com orgulho, com confiança?

Ela seguia as instruções e fazia milagres, orando pela segurança de todos. Orando aos deuses. Mas ela mesma poderia fazer alguma coisa? Se sim, o quê?

A sacerdotisa descobriu que não conseguia mais falar. Ela olhou para o chão, cerrando o punho trêmulo.

O jovem estufou o peito, triunfante. Mas deu um passo hesitante para trás, depois dois, quando o Lagarto Sacerdote se aproximou dele agressivamente.

— Julgar os outros é um convite ao julgamento de si mesmo — disse o lagarto. — Pois se você insulta um clérigo, está insultando a todos.

O Lagarto Sacerdote fez um grande gesto com a cabeça. O garoto olhou em volta e só então percebeu: do mais novo ao mais experiente, todos os aventureiros no local olhavam para ele e para a Sacerdotisa, vermelha de raiva.

— Eu acho que você pode achar este mundo mais difícil de sobreviver sem a ajuda dos deuses — continuou o Lagarto Sacerdote. Quem poderia culpar o garoto pelo gemidinho que então escapou dele? Ele estava gritando na frente de todas essas pessoas, sem pensar no futuro.

— Ei, você! Que tal você me olhar nos olhos e dizer isso?

— Pare com isso, idiota. Temos ratos gigantes para caçar. Nos será uma boa prática.

— Bora! Me solta! Vou dar uma lição naquele cara! Me! Solta! Agora!

A Clériga Aprendiz se debateu, agitando seu cajado, enquanto o Guerreiro Novato a arrastava para longe.

A reação da aprendiz foi um tanto extrema, mas por toda a sala as respostas foram semelhantes. Talvez alguns favorecessem a Sacerdotisa porque era uma garota, outros porque o rosto dela era familiar contra um que não conheciam. Mas a maioria dos olhares de reprovação dirigidos ao garoto foram motivados por mais do que isso.

Alguns aventureiros ridicularizavam os clérigos, que não ficavam na linha de frente, como nada além de máquinas de cura. Mas havia muitos aventureiros que foram salvos por esses mesmos clérigos. Todo mundo se machucava uma vez ou outra. Contorcendo-se de dor, envenenados, amaldiçoados, abandonados: nada disso era agradável.

Se tivesse um clérigo em seu grupo, estaria em uma boa posição e, claro, qualquer pessoa que oferecesse esmolas poderia ser tratada em um templo. Como alguém poderia desprezar aqueles que trabalhavam para eles, oravam por eles, faziam milagres acontecerem para eles?

— E-ei, eu… — Mas nenhum aventureiro recuaria apenas com isso. — Eu também sou um aventureiro!

O garoto se anunciou com ousadia, embora soubesse que estava em desvantagem. Sua paixão fez com que alguns dos olhos observadores se arregalassem de admiração.

O negócio da aventura era, em uma última análise, aquele em que todos deveriam assumir a responsabilidade por si mesmos. Portanto, se houvesse uma pessoa que tivesse mesmo força para se manter completamente por conta própria, sem a ajuda divina, poderia muito bem zombar dos clérigos e se safar.

— Goblins? Hah! Eles não são nada! Então, o que isso faz do Matador de Goblins?

Ele apontou seu cajado na direção do Matador de Goblins, como se pudesse lançar um feitiço no aventureiro, uma pose clássica do desprezo dos feiticeiros.

— Não faça anotaçõesNão vou te ensinar meus segredos para matar goblinsComece pelos ratos! Isso é tudo baboseira!

Todas as emoções que conteve até aquele momento foram à tona.

— Eu posso muito bem matar goblins, saco!

Diante de toda a gritaria agressiva, o Matador de Goblins apenas inclinou a cabeça um pouquinho, curioso. Ao lado dele, as orelhas da Alta Elfa Arqueira se contraíram e ela cruzou os braços enquanto olhava para o Matador de Goblins.

— Quem é este, Orcbolg? Seu irmãozinho?

— Não — disse Matador de Goblins com firmeza. — Eu só tinha uma irmã mais velha.

— Eh? — A arqueira soltou um suspiro e encolheu os ombros com o tipo de graça alcançável apenas por elfos. — Acho que ouço tanto esse tipo de conversa hoje em dia que não me surpreende mais.

— É mesmo?

— Então, quem exatamente é esse garoto?

— Um recém-chegado — disse o Matador de Goblins. — Um feiticeiro, pelo que parece.

O Matador de Goblins não estava olhando para o cajado empunhado, mas para a Sacerdotisa. Ela ainda estava olhando para o chão, tensa, com os ombros rígidos, completamente silenciosa. Ela tinha quinze anos – não, dezesseis agora. Tinha sido uma aventureira por um ano inteiro, mas ainda era jovem. O que ele poderia dizer a ela, quando o trabalho daquele ano foi tratado como se não tivesse feito nada de importante?

— Bem, isso torna mais fácil, não é? — uma voz animada e ansiosa interrompeu. Todos se viraram para olhar para o novo falante. — Eu ouvi tudo. E como uma cavaleira Boa e Leal, não posso deixar isso passar!

A Cavaleira estava lá, bufando triunfantemente. Seu sorriso enorme deixava muito claro que se intrometeu principalmente por diversão. Atrás dela, o Guerreiro de Armadura Pesada murmurou, “Não pude pará-la,” e levantou uma mão pedindo desculpas.

— Que diabos? …Quem é você? Isso não te envolve.

— Heh-heh! Um dia serei uma paladina famosa, mas não o culpo por não me reconhecer agora. — A descrença do garoto não pareceu perturbar a Cavaleira, que estufou o peito de maneira importante. — Mas ouça-me agora, meu jovem. Tenho uma excelente ideia!

A Cavaleira não era a pessoa mais refinada na sala, mas estalou os dedos com elegância, o barulho foi audível por todo o Salão da Guilda. Ela não pareceu notar a expressão de desprazer que surgiu no rosto da Alta Elfa Arqueira. Em vez disso, apontou diretamente para o jovem.

— Se você está tão confiante, então vá matar alguns goblins.

— I-isso é exatamente o que eu quero fazer!

— Todos vocês o ouviram — disse a Cavaleira, seus olhos brilhando perigosamente. — Contudo! — Ela empunhava o dedo indicador como a ponta de uma espada. — Sua líder será aquela garota clériga!

— Quêêêê?! — A Sacerdotisa, fixada por aquele dedo, voltou a si com um grito. Ela mal conseguia entender o que estava acontecendo, enquanto olhava para frente e para trás entre o dedo indicador estendido e o garoto feiticeiro. — E-e-eu devo dar… ordens? Para… Para este garoto?

— O que você quer dizer com “este garoto”? E ei, adicionar condições é injusto!

— Não seja ingênuo, meu jovem. Os cavaleiros sabem fazer mais do que mostrar a mão. Melhor se amaldiçoar por ter sido enganado!

— U-um, eu ainda não disse que vou aceitar…

— E você nem precisa!

As tentativas de rejeição da Sacerdotisa foram adoráveis. O Guerreiro de Armadura Pesada olhou para o teto sem dizer uma palavra. Não havia nenhum raio caindo. Pelo visto, o Deus Supremo estava admitindo que a Cavaleira era realmente Leal e Boa. Hoje em dia deixam qualquer um ser um agente da Ordem…

— Hrm — murmurou Matador de Goblins, que manteve distância da comoção. — O que você acha?

— Presumo que o fato de o garoto não ser reflexivo deriva de uma falta de experiência — respondeu o Lagarto Sacerdote com um aceno sombrio. Ele revirou os olhos uma vez. — Não sei quantos feitiços ele pode usar, nem quantas vezes pode usá-los, mas gosto do seu espírito.

— Não sabemos sobre seus feitiços — concordou o Matador de Goblins, e depois de um momento acrescentou: — Presumo que ele possa usar um, ou talvez dois.

— O que você acha, mestre lançador de feitiços?

— Para o bem ou para o mal, ele não é polido — respondeu o Anão Xamã sem nem pensar duas vezes, acariciando a barba com alegria.

Profundamente envolvido em sua discussão, o garoto não fazia ideia de que estava sendo avaliado assim.

— Ele é rude — continuou o anão. — Apenas saiu do chão. Ainda tem pedaços de terra agarrados a ele. Não saberemos o que está lá até que seja um pouco polido.

— Vamos polir um pouco?

— Sou a favor disso.

— Então está decidido.

Uma mão calejada pousou no ombro do Matador de Goblins. Pertencia a um gigante – o Guerreiro de Armadura Pesada.

— Você geralmente não é do tipo que elogia outro aventureiro, Matador de Goblins.

— Eu não estava tentando elogiá-lo… — Era impossível dizer se estava sendo irônico ou apenas honesto. Porque não sabia dizer, Matador de Goblins inclinou a cabeça. — Elogiei?

— Elogiou.

— Entendo… E acho que é incomum você se preocupar com outra pessoa.

— Ei, não era eu que estava preocupado. Culpe ela. — O Guerreiro de Armadura Pesada sacudiu o queixo na direção da Cavaleira, observando a Sacerdotisa e o garoto junto com ela.

À primeira vista, talvez parecesse que estavam simplesmente discutindo. Mas no final, o Matador de Goblins não foi capaz de dizer nada a ela.

Por que a Sacerdotisa agora fazia parte do seu grupo, e o que havia acontecido com seu primeiro grupo: essas eram coisas que só ela e ele sabiam.

E, mesmo assim, foi o Lagarto Sacerdote que intercedeu contra o jovem, e a Cavaleira que mudou de assunto.

Ele não tinha sido capaz de fazer nenhuma dessas coisas.

— Desculpe pelo problema… Isso é uma ajuda.

— Não se preocupe — respondeu o Guerreiro de Armadura Pesada com franqueza. Ele desviou o olhar, coçando a bochecha. — Devo a você mais do que isso. Vou pagar de volta, mas um pouco de cada vez.

Isso fez com que o Matador de Goblins voltasse aos pensamentos. Ele não tinha memória de uma dívida. Mas isso parecia importante para o Guerreiro de Armadura Pesada.

— É mesmo…?

— Sim, é.

— Entendo — disse o Matador de Goblins brevemente. Dentro de seu capacete, ele seguiu o Guerreiro de Armadura Pesada com o olhar. — Acho que também tenho uma dívida com você.

— Então retribua um pouco de cada vez.

— Entendo.

— Então… O que se passa na sua mente?

— Estou pensando em como matar goblins.

O Guerreiro de Armadura Pesada parecia preso entre uma carranca e o mais leve dos sorrisos.

— Devia ter adivinhado — murmurou. Foi a reação natural de qualquer aventureiro familiarizado com este homem.

Esse Matador de Goblins.

As pessoas o chamavam de estranho ou esquisito por falar sobre goblins sem parar, mas o chamavam assim por afeição, pois o conheciam bem.

— No entanto — disse Matador de Goblins calmamente enquanto olhava ao redor da Guilda.

Havia a Cavaleira e o novo garoto, ainda discutindo, enquanto a Alta Elfa Arqueira desistiu de tentar estalar os dedos e se contentou em reclamar.

Havia o Lagarto Sacerdote e o Anão Xamã, observando tudo e rindo enquanto faziam planos.

Havia vários aventureiros, alguns rostos conhecidos, outros não, parados à margem do grupo e ocasionalmente trocando golpes ou zombarias.

Um inspetor na recepção estava rindo, enquanto a própria Garota da Guilda não conseguia conter um sorrisinho.

Lá estava Lanceiro, que acabara de aceitar uma atribuição, exclamando “Yahoo!” e correndo, apenas para ser repreendido pela Bruxa.

E no meio de tudo isso, parecendo completamente confusa, estava a Sacerdotisa.

Ela estava dizendo: “Eu também posso fazer isso”, e estalando os dedos para a tristeza da Alta Elfa Arqueira. A clériga parecia um pouco em pânico, um pouco confusa e mais do que um pouco estranha, mas também parecia estar se divertindo – sendo verdadeiramente feliz.

Era assim que as coisas sempre pareciam neste local. As pessoas, os rostos, podiam mudar, mas a cena continuava.

— No entanto — disse mais uma vez o Matador de Goblins. — Será melhor se tudo correr bem.

— Nisso você está certo — disse o Guerreiro de Armadura Pesada com um sorriso, e bateu de coração no ombro de Matador de Goblins.

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