Goblin Slayer 3 - Anime Center BR

Goblin Slayer 3

Capítulo 03 – Recursos Mágicos

Primeiro, devemos elucidar o erro que cometeram.

Eles tinham todo o equipamento. O grupo estava bem equilibrado.

Estavam vigilantes e decididos, e não permitiram que nada atrapalhasse a formação.

Entretanto, foram destruídos. Por quê?

O deus Verdade, sentado lá no alto, sem dúvidas sorriria e diria:

“Só porque hoje eu estava decidido a causar a queda de um grupo.”

 

 

A missão que haviam assumido era de eliminar os monstros ao redor da área central de onde o campo de treinamento seria construído.

A batalha com os que Não Rezam era interminável, remontando à Era dos Deuses. A maioria das fortalezas e castelos construídos naquela época eram agora nada mais do que ruínas.

Os cinco tinham desafiado um desses lugares antigos.

Eram uma mistura de Obsidianas de nona classificação e Porcelanas de décima, mas eram todos aventureiros novatos. Tiveram sucesso em uma série de aventuras e se aproximaram dessas ruínas enquanto realizavam outras missões.

E atacaram os goblins que faziam seus ninhos por ali.

Formando suas linhas de batalha, prepararam seus feitiços e irromperam pela porta. Suas espadas brilharam, raios e bolas de fogo voaram, cadáveres foram pisoteados e baús de tesouro foram abertos.

Uma verdadeira demonstração didática do corta e massacra.

— Heh! Eu falei, os goblins são simplesmente insuficientes — disse um homem-lagarto, embainhando sua espada serrilhada dente de tubarão e soltando um suspiro. Seus tão zelados músculos incharam sob suas escamas, o corpo de um verdadeiro guerreiro. — Contanto que os mantenha na sua frente, não tem como perder.

— Eh? — riu uma jovem garota humana. — Eu realmente me diverti. — Ela parecia saudável e elegante, mas bastante feminina; estava vestida com uma armadura que dificilmente poderia ser considerada outra coisa senão uma roupa íntima. O enorme machado de batalha a seus pés indicava que era mais do que aparentava. Uma sacerdotisa guerreira e serva das Valquírias, parecia estar exibindo seu corpo em triunfo.

Outra pessoa do grupo olhou para ela e suspirou. Era um mago humano de meia-idade. Ele levou a mão ao que lhe restava de cabelo e focalizou os olhos cansados e enrugados diretamente na jovem mulher.

— Estou feliz que você esteja se divertindo, mas, por favor, não pule no meio dos inimigos desse jeito. Isso torna impossível mirar os meus feitiços.

— Ah, nosso querido geral está chateado? — A Sacerdotisa Guerreira parecia impassível ao olhar de reprovação do mago; seu sorriso não mudou nadinha. — Qual é o problema? Você pode guardar os seus feitiços e eu fazer o que faço de melhor.

— Não é isso… bem, tanto faz. Vou deixar o sermão para depois. Mais importante, qual é a nossa condição?

— Espera.

Quem deu a resposta não foi a Sacertotisa Guerreira, mas sim um homem usando uma roupa preta, que se agachou diante de uma arca do tesouro que os goblins haviam deixado para trás, e ele falou em um tom baixo e sombrio:

— As criaturinhas atrevidas nos deixaram uma armadilha — disse. Ele estava coberto da cabeça aos pés e, dada a habilidade com que trabalhava na fechadura do baú, seria fácil dizer que se tratava de um ladrão.

Sua habilidade era sobre-humana – não, ele na verdade nem era humano. Orelhas pretas escapavam por sua bandana. Ele era um elfo negro que se tornou um dos Que Rezam.

— Você pode abrir isso? — perguntou o líder.

— Não me trate com condescendência — bufou o elfo negro. — Comparado com o trabalho dos meus colegas, isso é brincadeira de criança.

— Bem, espero que contenha mais do que os tesouros de uma criança.

Houve um clique suave e o baú foi aberto. Uma clériga bem dotada se inclinou para dar uma olhada.

Pendurada em seu pescoço estava uma corrente com uma roda de ouro, o símbolo do Deus Comerciante, que protegia viajantes e mercadores.

A acólita franziu a testa, triste, e levou a mão à bochecha, sua expressão de desânimo.

Todo o conteúdo do baú consistia em moedas antigas. Tirá-las dali seria uma tarefa árdua.

— Se vocês não tivessem tantas armas, itens e provisões, esse dinheiro não seria problema algum — disse ela.

— Ei, só um tolo zomba de provisões. — Uma mão grande e escamosa pousou em seu ombro. — Como podemos lutar de estômago vazio?

— Sim, sei muito bem disso — disse ela, colocando a mão sobre a do homem-lagarto e revelando um sorriso íntimo. — É exatamente por isso que precisamos ganhar mais do que ganhamos.

— Poxa, esses dois pombinhos… — A Sacerdotisa Guerreira fez uma cara de nojo proposital e disse: — Vamos, vamos para a próxima. Ainda tem mais três portas nesta câmara mortuária.

— Então vamos — disse o mago. — Vamos lá, verifique as portas. Comece pelo lado norte.

— Sem armadilhas — respondeu o elfo negro, rapidamente pressionando o ouvido contra a porta e apalpando-a com os dedos. Ele não precisava prestar muita atenção para ouvir a respiração áspera do outro lado. — Nossa próxima presa está bem aqui.

Todos os olhos do grupo brilharam diante disso.

Batalha, monstros, tesouro, vitória. Era tudo o que queriam de uma aventura. Não havia melhor trabalho no mundo.

Eles tomaram as suas familiares posições de batalha. Homem-Lagarto e Sacerdotisa Guerreira estavam na dianteira, General e Acólita no meio, e o Ladrão na parte de trás, com uma adaga em punho, esperando por ataques furtivos.

— Vamos lá! — Com um grito alto, Homem-Lagarto irrompeu pela porta velha e apodrecida. Ele a quebrou para o lado de dentro e o grupo amontoou-se na sala.

Uma enorme sombra apareceu bem no meio da câmara mortuária escura.

Algum monstro não identificado.

Enquanto ele se sentava sem pressa, porém, com clava em mão, o General percebeu o que era, então arregalou os olhos, e o homem geralmente tão reservado gritou um aviso a plenos pulmões:

— Troooooooooll!

Um troll. O monstro era um troll. Estúpido, mas forte. Lento, mas incrivelmente poderoso. Não tinha escamas, nem pele pontuda. Mas quaisquer feridas que sofresse, exceto aquelas infligidas por fogo, não demoravam a sarar.

Como pode haver um troll aqui…?!

Por um instante, o General não conseguiu pensar direito. Passou por sua cabeça que os goblins às vezes contratavam guarda-costas. Era isso um desses?

Podemos vencê-lo?

Um troll não era nada comparado a um ogro, que podia usar magia, mas também não era uma ameaça insignificante.

Não; podemos vencer. Vamos ganhar!

O General forçou o medo e o espanto que o assaltaram para longe e começou a dar ordens como se fosse qualquer outra batalha.

— Vanguarda, interceptem-no. Acólita, empodere eles. Ladrão, use uma emboscada. Vou deixar o fogo preparado.

— Então eu não preciso proteger a retaguarda?

— Se não nos prepararmos com tudo o que temos, vamos pagar caro por isso!

— Entendido. — O ladrão se mesclou com as sombras da câmara mortuária, enquanto a Sacerdotisa Guerreira exclamou:

— Estou indoooooo! — e a batalha começou.

 Traga-nos a vitória!

— OLRLLLLRT?!

O golpe do machado de batalha, impulsionado pelo Golpe Sagrado, atingiu a canela do monstro, e o troll cambaleou como uma árvore em um furacão.

— Heh! Não gosta disso, não é?

— Yaaaaaah…!! — Homem-Lagarto não perdeu a oportunidade de levar a sua lâmina à luta. Esculpida das presas de um monstro marinho, literalmente abocanhou a pele cinza do troll. Mas então… — H-hein?! Essa coisa é dura! — O entorpecimento subiu por seu braço, era a mesma sensação que sentia quando batia com uma espada de madeira em uma pedra.

— Por que você sempre está à minha frente? — reclamou a Acólita.

— A culpa é sua por ser tão lenta — gritou o Homem-Lagarto enquanto caía para trás, a clava do troll estava quebrando o chão onde estivera há apenas um momento.

— TOOOORLLL!!

A câmara mortuária, que durou cerca de mil anos, se encontrava sob pressão; a sala tremeu e pedras caíram do teto.

— Hrh… Essa coisa é toda musculosa! — disse a Acólita. Com uma mistura de desapontamento e desgosto, ela juntou as mãos e fechou os olhos. Rezar assim rasgava uma certa parte da alma de uma pessoa, mas permitia que implorasse por um milagre direto dos deuses no céu.

— Ó meu deus do vento que vai e que vem, que a sorte sorria em nosso caminho!

Houve um whoosh quando o vento sagrado da Bênção milagrosa soprou através da câmara. A lâmina do homem-lagarto foi afiada por sua brisa pura e o poder dos deuses.

— Agora, é assim que eu gosto! Ó meu antepassado Yinlong, veja minhas ações em batalha!

— Se você vai chamar por alguém, deve ser pelo Deus Comerciante!

Um único golpe dos músculos reforçados do Homem-Lagarto acertou a clava do troll.

— OLLLT?!

— Isso aí, caralho!

As duas armas se encontraram com um crack, mas o ímpeto fez com que se afastassem uma da outra. No instante em que o troll tropeçou, uma explosão de luz acertou seus tornozelos: um ataque furtivo do elfo negro.

Houve um estalo desagradável quando o golpe cortou os seus ligamentos. Em qualquer outro caso, isso teria encerrado a luta.

— TOORRRRROO!!

— Eita! Cuidado, cuidado, cuidado! Acho que o irritamos!

Eles, no entanto, estavam lidando com um troll.

Sacerdotisa Guerreira caiu e rolou gritando, esquivando-se por pouco da clava balançada.

A pele do monstro borbulhou, as feridas se fechando. Foi uma visão aterrorizante para a guerreira. Quanto dano seus ataques realmente causaram? E foi então que receberam um milagre sagrado do seu lado – um milagre que não duraria para sempre.

— Onde está a magia?! — exigiu a Acólita, suor escorrendo pela testa.

— Estou trabalhando nisso! — gritou de volta o General, em seguida, procurou em sua própria consciência, então puxou as palavras de verdadeiro poder gravadas em sua mente, e as usou para substituir e reconfigurar o mundo em si.

 Carbunculus… Crescunt… Iacta!!

Assim, ele foi o primeiro a morrer.

A Bola de Fogo que lançara voou em uma direção aleatória, queimando pedras e desaparecendo em uma chuva de faíscas. Acha que o General reconheceu, no momento de sua morte, a origem do som contundente que acompanhou o golpe em sua nuca?

O machado de pedra do goblin espalhou aquele cérebro brilhante por todo o chão da câmara mortuária.

— GROORB!!

— GORR!

— Um ataque pela retaguarda?!

Quem foi que gritou?

Por fim viram os goblins entrando pela porta de trás. Era tarde demais para amaldiçoar os deuses. Fechar a porta seria o mesmo que cortar a rota de fuga. Que outro resultado, então, poderia haver?

— GORBBBO!!

— OOOTLLTL!!

Homem-Lagarto, vendo a rapidez com que a situação do campo de batalha mudava, afastou a clava do troll e gritou:

— Nós dois cuidamos disso. Para trás!

Em vez de uma resposta, ele viu uma forma escura deslizando ao redor da câmara mortuária. O elfo negro ficou atrás do troll e deu uma cambalhota, aparentemente em uma tentativa de proteger a Acólita.

— Você, para trás também! Com essa armadura, só está pedindo para morrer!

— Sem chances! Não posso, não posso, não posso! — gritou a Sacerdotisa Guerreira. Ela estava trabalhando o máximo que podia com a sua arma, mas a situação não parecia boa.

O grupo de três que estava lutando contra o monstro contava agora com apenas dois. E tudo isso enquanto ainda cuidavam da retaguarda.

Os goblins deixaram o troll distrair os aventureiros e então saíram das outras câmaras mortuárias para uma emboscada. Que inteligente e cruel.

Às vezes é um crítico, às vezes algo normal.

— Hng…

Acólita desesperadamente desviou o olhar do General, seu cérebro ainda vazando em direção ao chão; ela mordeu o lábio com força o suficiente para sair sangue. Naquele momento, a verdadeira tragédia era a perda dos recursos mágicos. Ela tinha que pensar no campo de batalha em que estava. Se quisesse sobreviver, se quisesse reivindicar a vitória, então tinha que, neste momento, afastar a morte de seu camarada da mente.

Ela repetiu essas coisas várias vezes para si mesma enquanto juntava as mãos e começava a tentar rezar de novo.

— GRORORB…!

Afinal, ela mesma ainda não estava fora de perigo. Havia um monte de goblins chegando por trás – na verdade, quase uma dúzia. E os goblins não eram famosos pela misericórdia que demonstravam por prisioneiros.

Eles dividiam o mundo em três categorias: brinquedos pessoais, coisas para saquear e inimigos. Assim como os aventureiros matariam quaisquer goblins que encontrassem, eles com certeza não deixariam aventureiros vivos para trás.

— Ah… Ahh! — Acólita tropeçou para a frente enquanto se esquivava de uma adaga enferrujada.

— Continue dando suporte! — disse o elfo negro ao aparecer para cobri-la. Ele defletiu a arma do goblin com uma saraivada de faíscas, em seguida, administrou um segundo golpe que cortou a garganta do monstro. Houve um som de chiado e um jato de sangue; Ladrão deu um chute implacável na criatura. — Assim não vamos durar muito!

— Certo! Milagre, chegando…! — Acólita agarrou a marca sagrada que havia caído entre seus seios saltitantes, o suor escorria por suas bochechas privadas de sangue enquanto entoava mais um milagre. — Ó meu deus do vento que vai e que vem, que a sorte sorria em nosso caminho!

O dinheiro faz o mundo girar, assim como os viajantes. O Deus Comerciante supervisiona ambos, e enviou um vento fresco para soprar pela câmara mortuária, afastando o fedor de mofo que prevalecia na sala.

— H-hrraaahhh! Graaahhh! — berrou o Homem-Lagarto.

— TOOTLOR!!

O troll ergueu o seu porrete. Os dois bateram de frente.

Sacerdotisa Guerreira, com o cabelo em completa desordem, se preparou para balançar seu machado de batalha em direção ao pé do troll.

— T-toma isso! Agora os dois juntos!

— Vamos fazer isso!

O machado sagrado e a lâmina serrilhada Abençoada rasgaram sem piedade através da carne e dos músculos.

— TOORL?!

Houve um jato de sangue e um grito ensurdecedor do troll, e os gritos dos dois guerreiros ecoaram pro toda a câmara.

Nada disso mudou o fato de que a situação era muito, muito terrível.

Todos os ferimentos que infligiram ao troll foram relativamente pequenos. E uma luta de três contra um foi reduzida a uma de dois contra um – ou talvez, mais precisamente, cinco contra um virou quatro contra onze.

Sem um mago, o grupo não tinha mais como desferir um golpe decisivo. Entretanto, ao mesmo tempo, a rota de fuga foi cortada e não podiam recuar. Poderiam esperar fazer algo que pudesse reverter a situação?

— Droga… Droga! Saco!!

Enormes lágrimas se formaram nos olhos da Sacerdotisa Guerreira e começaram a escorrer pelo seu rosto. Ela e o Homem-Lagarto lutaram como leões, mas eventualmente alcançaram o seu limite.

Não havia medo. Apenas arrependimento.

Se tivessem seu batedor, o elfo negro, vigiando a retaguarda, talvez não tivessem sido pegos desprevenidos. E, mesmo assim, se tivessem feito isso, não teriam uma boa forma de atacar o troll. O resultado, suspeitou ela, seria o mesmo.

A Sacerdotisa Guerreira entendia bem que não existia nenhum se em uma batalha. Mas isso, de alguma forma, só fez o arrependimento doer ainda mais. Onde foi que errei? Por que acabou assim? Ela odiava todas as perguntas que não conseguia responder.

— Grr…!

O segundo a cair em batalha naquele dia foi o ladrão elfo negro. Ele parou um goblin, matou outro, finalizou um terceiro – mas então uma adaga de goblin roçou a sua bochecha. O fato de que reconheceu o líquido aparentemente não identificável na lâmina como veneno era talvez uma prova de que era um elfo negro.

Com a mão livre, ele se esticou para pegar um frasco no cinto. Um antídoto.

— GRORB!

— GROB! GRRRORB!!

Os goblins, naturalmente, não estavam dispostos a lhe dar tempo para tomar aquilo. Confiando em seus números, se atiraram nele sem dó nem piedade. Os movimentos do elfo negro começaram a ficar visivelmente mais lentos, e então…

— Grgh… hagh!

Ele foi subjugado, arrastado para o chão, e lá, os goblins o fatiaram até que não possuísse mais vida restante.

— Ahhh! — Homem-Lagarto ouviu o grito involuntário da Acólita com clareza.

Infelizmente.

— Ei, está tudo bem?!

Foi um lapso de descuido. Bem, quem poderia culpá-lo? A paixão pela batalha do homem-lagarto era alimentada por aquela bela acólita.

No instante seguinte, ele notou a clava subindo e descendo, e não havia como evitá-la.

Um troll nasce com força suficiente para envergar uma árvore; e seus poderes regenerativos também são naturais. No que diz respeito às armas, a clava é bastante grosseira – mas muito poderosa.

A criatura era forte, um inimigo a ser temido. Isso não era suficiente? Tinham sido bons companheiros e este era um bom inimigo. Foi uma vida boa.

O troll lhe faria o desfavor de comer o seu coração?

Essa era a sua única decepção. Mas, mesmo se não o fizesse, seus restos mortais apodreceriam e retornariam ao grande ciclo.

O que mais poderia dizer, então, no final?

— Brilhante…!

O crânio do guerreiro homem-lagarto acabou dentro da armadura em seu peito, e ele morreu. Parecia quase que seu corpo havia sido decapitado, mas desabou sem qualquer espirro de sangue. Sua arma caiu da mão e foi ao chão.

— N… — Acólita viu tudo. Ela ficou muda e com olhos arregalados, e então, contra todos os esforços da sua vontade, deixou um grito estrangulado sair: — Nãoooooo! Isso não é real! Não pode ser…! — Estava prestes a correr para onde jazia o seu companheiro caído.

— Não faça isso, idiota! Já é tarde demais!

Bem, ela estava prestes a correr em direção ao troll.

O grito foi mais do que o suficiente para a chamar a atenção tanto do monstro quanto dos goblins. Os horríveis sorrisos em seus rostos deixavam claro o que estava em suas cabecinhas sujas.

— S-seus filhos de umas…! — A Sacerdotisa Guerreira gaguejou um pouco antes de avançar para o meio deles.

Se tivesse pensado em fugir, talvez conseguisse. Se estivesse disposta a abandonar a Acólita, poderia ter voltado viva para casa.

Em vez disso, iria jogar tudo no lixo: tudo, desde o momento em que nascera até o atual. Todo o treinamento. Todos os amigos. Seus sonhos. Seu futuro.

Ela sabia muito bem disso. E, ainda, em sua mente, a escolha de não fazer nada era inexistente.

— Sai da frente!

— Ah!

Ela empurrou a Acólita para o lado. A última expressão que a jovem mulher viu no rosto da Sacerdotisa Guerreira foi a de uma garota já sem forças.

Então, com um som esmagador, ela desapareceu, o que restou de seu corpo respingou nas bochechas de Acólita. Debaixo da clava que agora repousava com firmeza no chão, apenas alguns fios de cabelo e um único membro se contorcendo podiam ser vistos.

A clava foi erguida, puxando alguns fios de sangue, e tudo que restou foi um monte de carne trêmulo.

— Ah… ahh… ahh… ah…

As pernas da Acólita tremeram e sua força a abandonou. Ela mal conseguia se levantar. Sentia como se houvesse algo quente escorrendo por suas pernas.

— GRRROR…!

— GROB! GROB!

Um por um, passo a passo, os goblins se aproximaram com uma lentidão agonizante. Seus olhos amarelos e sujos ardiam com um desejo cruel; seus olhares nojentos percorreram o corpo da Acólita de cima a baixo. Tudo que conseguia fazer, após cair de bunda, era balançar as duas mãos na direção dos monstros que se aproximavam.

— N-nãão! Parem… parem com isso, por favor…!

Ela resistiu e lutou.

Um dos goblins deu um aceno irritado para o guarda-costas, o troll.

— GROB!

— TOOOORLL!

Whooosh. Um único golpe da clava. Foi tão fácil quanto quebrar uma vareta.

Soou um estalo seco e a perna da Acólita quebrou, virada em uma direção nada natural.

— Eeeyyaaaarrrrrghhh?!?!! — Seu grito lamentável ecoou por toda a câmara mortuária.

Passaram-se apenas alguns instantes antes que Acólita desaparecesse atrás de uma parede de goblins.

Triste de dizer, mas para ela e seus amigos, sua aventura acabava aí.

 

 

Repetimo-nos, mas vale a pena reiterar. Devemos elucidar o erro que cometeram.

Eles tinham todo o seu equipamento. O grupo estava bem equilibrado.

Estavam vigilantes e decididos, não permitiram que nada atrapalhasse a formação.

Entretanto, foram destruídos. Por quê?

O deus Verdade, sentado lá no alto, sem dúvidas sorriria e diria:

“Só porque hoje eu estava decidido a causar a queda de um grupo.”

Ó aventureiro, Ó jornada minha

Um dragão ou um golem me espera

Ou será um cavaleiro fantasmagórico?

E deve haver equipamento lendário em algum lugar

Mas com apenas uma tocha e uma lança

E um cajado, a vida é fácil levar.

Para leste ou oeste, atravesso uma ponte

Talvez para morrer do outro lado

Mas procuro apenas amor

Um princesa poderia estimar, mas muito não peço

Apenas uma noite de prazer

Ó aventureiro, Ó jornada minha!

Os seis membros do grupo dirigiram-se ao local pretendido do centro de treinamento, acompanhados pela Sacerdotisa cantarolando uma pequena canção. Antigamente, era suposto que havia uma pequena aldeia ali, mas o campo estava agora coberto de tendas, com pessoas se movimentando sem parar.

Alguns dos presentes possuíam marcas de velhas feridas em seus corpos; deviam ser aventureiros aposentados. Estavam felizes por ainda haver trabalho, mesmo depois de terem parado as suas aventuras? Ou ficaram frustrados por terem de continuar trabalhando mesmo após a aposentadoria?

Sacerdotisa, incapaz de decidir, olhou de uma pessoa para a outra, então viu uma mulher andando em sua direção e piscou.

Era uma elfa. Uma mulher especialmente bonita, seu corpo sensual envolto em roupas reveladoras. A insinuação do perfume que ficava para trás quando ela passava logo a marcou como uma prostituta.

— Uau… — suspirou o garoto. Pelo visto, a Sacerdotisa não foi a única que teve sua atenção atraída pela elfa.

Um olhar de soslaio para a Alta Elfa Arqueira mostrava que seu rosto estava todo vermelho; ela se virou e tentou fingir que não estava acontecendo nada.

Sacerdotisa, aliviada ao descobrir que Matador de Goblins não parecia ter demonstrado nenhuma reação em particular, tentou suprimir o rubor em suas próprias bochechas.

— S-sabe, eu tinha ouvido os rumores, mas…

— Ha ha ha ha. Homens são criaturas simples, não são? — disse Lagarto Sacerdote gargalhando, batendo o rabo contra a terra. — Quando há uma maneira de gastar o dinheiro, gastam como água. E então trabalham para ganhar mais para gastar mais.

— Sim — disse a Alta Elfa Arqueira, olhando para o Anão Xamã ao seu lado. Quase como num passe de mágica, ele tirou um espeto de carne de algum lugar e começou a comer com vigor. — Entendo o que você quer dizer…

— É essa sua nobreza insuportável que a impede de desfrutar dos prazeres de uma boa comida de rua — disse o Anão Xamã, ainda mastigando. Ele terminou o espeto inteiro com a voracidade de um homem faminto, então casualmente quebrou a vareta de madeira em duas. Então lambeu a gordura dos dedos, depois, soltou um suspiro e olhou para o corpo magro da Alta Elfa Arqueira. — Sei que vocês elfos gostam de manter o peso, mas você poderia colocar um pouco de carne nos seus ossos, se é que me entende…

— Hmph…! Vou fingir que não escutei! É bom que você saiba que os elfos…

E lá estavam eles, brincando como sempre. O resto do grupo considerava isso normal, mas o Garoto Feiticeiro não estava acostumado. Ele puxou a manga da Sacerdotisa, parecendo um pouco em pânico.

— Er, uh, e-ei. V-você não acha que devemos pará-los ou coisa assim?

— Ah, eles são bons amigos — disse ela sorrindo, e era isso.

O garoto olhou para os dois semi-humanos sem nem acreditar. Os vários transeuntes repararam neles, mas não pareciam lá tão incomodados; era só mais um dia comum para um bando de aventureiros.

O Garoto Feiticeiro olhou em desespero para o Matador de Goblins, mas ele estava agindo como se nada disso o afetasse, e o Lagarto Sacerdote fazia o mesmo.

— De fato, mesmo assim. Aqui, me dê um desses — disse o Lagarto Sacerdote. Ele parecia estar comprando algo com queijo. Comeu em uma única bocada e anunciou: — Néctar! Mm, doce néctar. Se alguém perguntasse qual é a alegria da minha vida, teria que responder: é esta.

Completamente radiante (sim, os homens-lagartos podem radiar), acenou com a cabeça, feliz.

— Suponho que, como diz a canção, uma noite para amar um aventureiro nunca é apenas uma noite.

— Bem, uh, quero dizer, entendo isso, mas…

A Mãe Terra era a deusa da colheita e intimamente também relacionada ao casamento e ao nascimento. Sacerdotisa exalou e balançou a cabeça, só tentando limpar a mente por um momento.

Afinal, havia um trabalho sério pela frente. Ela precisava se concentrar.

Então agarrou seu cajado com as duas mãos e respirou bem fundo, revisando o procedimento em sua cabeça. Tudo bem.

— Er, bem, então, Matador de Goblins, senhor. Podemos ir?

— Sim. — Ele fez um breve aceno de cabeça, provocando o mais leve dos sorrisos de Sacerdotisa. Ela parecia estar certa: sem problemas com o primeiro passo.

— Impressionante! Então vamos começar a chutar o traseiro de alguns goblins, hein? — Sacerdotisa não sabia exatamente o que o Garoto Feiticeiro pensava que estava a acontecer, mas ele golpeou o solo, todo enfático, com o seu cajado.

— Er, receio que ainda não… — disse ela.

— Não seja estúpido — disse o Matador de Goblins, menos diplomaticamente do que Sacerdotisa. — Temos que reunir informações. Vamos ver quem estabeleceu a missão.

 

 

Primeiro, devemos observar as suas habilidades.

O poder do Garoto Feiticeiro e a habilidade de comando da Sacerdotisa. Era a oportunidade perfeita para descobrir ambos.

Não houve qualquer objeção à proposta do Matador de Goblins, e logo o grupo marchou com o garoto ruivo na cola.

A missão desta vez chegava do capataz que liderava o trabalho no centro de treinamento, uma figura importante dentro da Guilda dos Carpinteiros. Ele estava sentado em uma tenda na borda da área de construção, um anão com uma barba preta que parecia tão bruta quanto se tivesse sido esculpida em pedra.

Ele despejou algo de uma bela garrafa de vidro em alguns copos e os ofereceu aos aventureiros. Era vinho de uva gelado e caía maravilhoso na garganta, que estava seca de tanto falar.

— Por que você não serviu o vinho de fogo, irmão? — perguntou Anão Xamã.

— Seu maldito idiota. Apenas anões podem começar a se animar ao meio-dia e ainda trabalhar. Você tem humanos aí, não tem, irmão?

Após esse bate-volta, o Anão Xamã e o capataz compartilharam algum tipo de saudação na língua dos Anões. Isso aconteceu de tomar a forma de três brindes:

— À sua longa barba Anã, aos dados dos deuses, aos aventureiros e monstros!

O capataz enxugou algumas gotas que caíram na sua barba escura e disse:

— Muito bem. Alguns dias atrás, um grupo que vem fazendo nome pegou essa missão.

O Matador de Goblins tomou um gole de vinho e interveio:

— E não voltaram.

— Mais certo impossível — respondeu o capataz sem qualquer rodeio.

Ele estava lidando com um aventureiro de classificação Prata, mas ainda era um anão, amado pelo aço e pelo fogo. Não havia como deixar de reconhecer o homem à sua frente; era um equipamento muito original.

— É você que chamam de Corta Barba — disse ele.

— Sim. — Matador de Goblins deu um aceno de cabeça. — Alguns me chamam assim.

— Matador de Goblins… — disse o capataz com suavidade, então sorriu e esvaziou o copo que estava segurando em um único golpe, como se fosse água. — O que quer saber?

— Goblins. — Foi menos uma pergunta do que uma afirmação.

— Sim. Bem, talvez não só goblins, mas muitos deles, com certeza. — O capataz cruzou os braços curtos e musculosos e grunhiu, revelando caninos bem afiados. Aqueles malditos goblins. — Por enquanto, só estão roubando ferramentas… Bem, não há nada de “só” nisso, estamos em um canteiro de obras, mas, de qualquer forma, teríamos problemas se eles começassem a machucar alguém.

— Então são goblins.

— Sei que um bando de trabalhadores não são a mesma coisa que uma boa esposa ou comerciante sequestrada. E sei que o trabalho por goblins não paga muito.

— Sim. Essa é a natureza disso. — Matador de Goblins balançou a cabeça.

— Ei, Orcbolg… — A Alta Elfa Arqueira o cutucou com o cotovelo. O capataz franziu a testa ao ter sua conversa interrompida por uma elfa, mas não disse nada. Ele conhecia o mundo bem o bastante para saber que os aventureiros tinham seus próprios modos.

— Pois não? — Após a pergunta direta, o capacete virou em direção dela.

A elfa balançou as orelhas e sussurrou:

— Até agora está indo tudo bem, mas você não está esquecendo que é ela que está dando as ordens hoje, certo?

— Não estou.

— Tem certeza…?

— Entretanto, em caso de emergência, vou assumir.

— Sim, por favor. Eu apreciaria muito se fizesse isso — disse a Sacerdotisa com um sorriso e uma reverência de cabeça educada. — Assim seria muito mais seguro.

Era bem assim mesmo que Sacerdotisa se sentia. Ela preferia ser mostrada como incompetente do que ver seu grupo destruído por sua culpa. A habilidade pode melhorar com a experiência, mas um companheiro caído não pode ser trazido de volta.

Observando a jovem franca e corajosa, o capataz anão deixou um som de admiração escapar.

— Então, um — começou ela.

— Ahem. O que posso fazer por você, minha moça?

— Obrigada, senhor. Eu gostaria de assumir os questionamentos, caso não se importe. — Ela se inclinou e ficou à altura dos olhos dele. — Esses goblins… er, sejam lá quais monstros possam ser. Pode descrever as ruínas em que eles vivem?

— Posso. Um dos malditos idiotas que teve as ferramentas roubadas ficou todo estressadinho e tentou segui-los, mas eu o impedi. — O capataz bufou. Ele parecia mais chateado com o carpinteiro que perdeu as ferramentas do que com o goblin que as roubou.

— É assim que são os anões — sussurrou o Anão Xamã, inclinando-se em direção da Sacerdotisa. — Não vemos aqueles que tratam as ferramentas de qualquer jeito com bons olhos.

Isso fazia sentido. Sacerdotisa acenou com a cabeça.

— Nesse caso, com certeza devemos trazer todas as ferramentas roubadas que pudermos encontrar — disse ela.

— Eu agradeceria por isso — disse o capataz, seu rosto se dobrando em um sorriso. — E da próxima vez aquele idiota talvez seja mais cuidadoso.

Ah, bom. A Sacerdotisa se permitiu a fazer um movimento interno de triunfo. Era preciso formar um bom relacionamento com o fornecedor da missão e com os locais. Esse era um pensamento que formou por conta própria, mas também era um dos preceitos do Matador de Goblins. Os aventureiros nunca poderiam chegar a lugar algum sem o apoio das pessoas.

— De qualquer forma, é um lugar um pouco ao norte daqui. Posso fazer um mapa para você. Suspeito que seja um…

— Mausoléu — interrompeu o Matador de Goblins. Ele tomou outro gole de vinho e, aparentemente alheio aos olhares que recebia, continuou: — Ouvi dizer que tem um estilo comum, uma coleção de câmaras mortuárias conectadas por vários caminhos.

— Ora essa, você sabe a respeito?

— Há muito tempo — disse o Matador de Goblins suavemente —, avisaram para eu não me aproximar.

Então ele voltou a ficar em silêncio. Sacerdotisa piscou em sua direção.

Há muito tempo.

Assim que ela pensou sobre isso, percebeu que passou um ano inteiro ao seu lado, mas não sabia quase nada sobre o seu passado.

Ele tinha uma irmã mais velha. Já é aventureiro há uns cinco ou seis anos. Mata goblins.

Ela estava familiarizada com algumas das suas qualidades pessoais, como a sua surpreendente gentileza e consideração pelos outros, mas o quanto realmente sabia sobre ele?

— …

Não. Agora não é a hora. Não pode ser. Ela balançou a cabeça. Não devia fugir de seus deveres como a pessoa encarregada da missão e matar os goblins que aparecerem.

— Ahem — disse Sacerdotisa. — Então, há algo de estranho a respeito da entrada desse mausoléu? Ossos, pinturas ou algo assim?

— O idiota não mencionou nada do tipo, isso presumindo que não esqueceu de prestar atenção.

Então, nada de totens.

Sacerdotisa bateu um dedo pálido contra os lábios e murmurou:

— Certo, certo.

Isso sugeria a ausência de quaisquer xamãs, uma classe avançada. Claro, um ano de aventuras a deixou dolorosamente ciente de que eles não eram a única ameaça possível. Não subestimar o inimigo era algo crucial.

Então, o mais importante era…

— Por acaso sabe a classificação e composição do grupo que entrou antes de nós?

— Não me lembro da classificação, mas era uma mistura de Porcelanas e Obsidianas. Quanto às classes, a julgar pelo que vi… — O capataz cruzou os braços e olhou para o teto da tenda. Procurou pela memória, dobrando os dedos enquanto tentava listar. — Um guerreiro homem-lagarto e um clérigo… um sacerdote guerreiro. Havia também um mago, outro clérigo e um tipo de ladrão ou assassino.

— Alguma mulher?

— Duas delas. A sacerdotisa guerreira e a clériga… ou, er, será que não seria melhor chamar de acólita?

Algo frio sussurro dentro da Sacerdotisa: Isso significa que podemos esperar por duas sobreviventes… na melhor das hipóteses.

Ela mordeu o lábio, não tendo escolha a não ser aceitar o fato.

— Existe alguma chance de você ter algumas poções sobressalentes? — perguntou. — Vamos pagar por elas, é claro.

Tinham se preparado com antecedência, é claro, mas ter itens de cura sobrando jamais machucaria. A habilidade de curar sem usar um milagre, mas sim poções, é altamente recomendada.

— Claro, sem problemas — respondeu o capataz com generosidade. — Precisa de mais alguma coisa?

— Hmm… Bem, se houver um médico por perto, por favor, peça que espere aqui…

Enquanto eles conversavam, Matador de Goblins murmurou um “Hrm” bem baixo. Então se virou para o Lagarto Sacerdote.

— O que você acha?

— Acho que o julgamento dela está correto — respondeu o Lagarto Sacerdote, que havia até então ficado de fora da conversa.

— Duas, no máximo. Mas tenho certeza de que foram eliminadas.

— O qu…?! — O Garoto Feiticeiro arregalou os olhos com a declaração da clériga.

Os olhos bulbosos e reptilianos do Lagarto Sacerdote se viraram e o encararam.

— Algum problema?

— N-não…

— Mm, realmente? Ah, que graça, isso é queijo. Que pessoas atenciosas. Perdão.

Lagarto Sacerdote ignorou o olhar perturbado do garoto e estendeu a mão escamosa. Ele agarrou um prato próximo da Sacerdotisa e do capataz e o puxou para perto, felizmente agarrando um pouco do que estava nele. Era queijo, quase com certeza servido como acompanhamento do vinho. Um sorriso apareceu em suas enormes mandíbulas.

— Ahh, néctar, doce néctar! Que maravilha! Este queijo também é da sua fazenda, senhor Matador de Goblins?

— Provavelmente.

— Perfeição!

Ele agiu com genuína tranquilidade e, na verdade, assim estava. Para os homens-lagarto, era bem natural que todos os seres vivos algum dia pudessem morrer. Mais cedo ou mais tarde, o momento chegaria. Podiam ter diferentes estilos de vida – alguns poderiam ser mais fortes do que os outros – e cada um morreria à sua maneira. Mas eram essas as únicas diferenças.

Ele engoliu a bocaça de queijo e lambeu a ponta do nariz.

— Acho que podemos suspeitar da presença de algo além dos goblins lá embaixo — disse ele.

— Sim — concordou o Matador de Goblins. — Se não há totens, entretanto, significa que provavelmente não há xamãs.

— Mesmo assim, os aventureiros não voltaram. Espero que não seja outro Paladino.

— Um hob seria uma presa mais fácil.

— Ou quase qualquer outro tipo dos que Não Rezam.

— De qualquer forma, as armadilhas é que são o perigo real.

— Um mausoléu é feito de pedra. Talvez possamos supor que não haverá nenhuma explosão pelas paredes.

— Roubaram algumas ferramentas de construção, mas não é como se fossem trabalhar com elas. Suspeito que estamos lidando com cerca de vinte deles.

— Ainda assim, acho que podemos presumir que seus números diminuíram um pouco. Não consigo imaginar que cinco aventureiros não conseguiram matar nem mesmo um goblin.

— Apesar de tudo, não temos tempo. Quando se cansarem de suas cativas, aparecerão com tudo.

— Então devemos lidar com eles de uma só vez. Acha que podemos fazer isso?

— Vai depender do julgamento da garota.

— Mesmo assim.

A conversa entre eles aconteceu tão rápido que deixou o garoto piscando feito louco.

Era sabido que os homens-lagarto eram guerreiros poderosos, mas ele nunca tinha visto um tão de perto. E então havia o aventureiro conversando com o homem-lagarto, com sua armadura suja e capacete de aparência barata. Era aquele que chamavam de homem mais gentil da fronteira.

Entretanto, havia uma enorme diferença em saber de algo e ver o mesmo em pessoa. Então, quando ouviu a Alta Elfa Arqueira soltando um bocejo preguiçoso, olhou em sua direção.

— O que há com você…? — perguntou ele. — Você não faz nada por aqui?

— Só na hora certa — disse ela. A elfa então enxugou uma lágrima no canto do olho, toda preguiçosa, e suas orelhas se contraíram. — Sou uma batedora e uma arqueira. Deixo os outros cuidarem do resto.

— Ela está certa nisso, garoto — interrompeu o Anão Xamã. Ele já parecia completamente embriagado; estava se servindo de um pouco de vinho de fogo do cantil em seu quadril.

— E-ei, nós estamos prestes a começar uma aventura!

— Não seja estúpido, criança. Um anão que não está bêbado é como uma pedra à beira da estrada. — Ele tossiu. Mesmo de onde estava, o Garoto Feiticeiro podia sentir o cheiro de álcool em seu hálito. — Pela primeira vez, concordo com essa Orelhas Compridas aí. Quem lança feitiços precisa ser capaz de modular as suas emoções.

— Você não precisava dizer pela primeira vez — disse a Alta Elfa Arqueira fungando. — Só digo as coisas mais sábias e sofisticadas.

— Sério?

— Sério.

O Anão Xamã pareceu de repente ficar sem palavras. Ele abriu a boca para responder, mas então percebeu o olhar incrédulo do garoto, isso fez com que resolvesse dar uma limpada na garganta.

— De qualquer forma. Cada um de nós tem um papel a desempenhar — disse ele.

— Papel? — disse o garoto, franzindo os lábios, desconfiado. — Quer dizer sobre como ele é um guerreiro e eu um feiticeiro?

— Não! Nem de longe! — disse o Anão Xamã, gesticulando como se estivesse espantando uma mosca. — Corta Barba e Escamoso são nossos lutadores de frente, então cabe a eles elaborar a estratégia com antecedência.

— Hoje a garota está falando por causa de como decidimos abordar essa missão — disse a Alta Elfa Arqueira, usando um dedo indicador estendido para desenhar um círculo no ar. — Ela normalmente cuida da carga, garante que temos suprimentos suficientes. E cuida de todos os detalhes.

— Você também podia ser um pouco mais diligente, Orelhas Compridas.

As orelhas da Alta Elfa Arqueira caíram para trás e ela rosnou com raiva, mas o Anão Xamã simplesmente colocou a mão no ombro do garoto.

— Dê uma boa olhada, garoto — disse. — Lembre disso.

— …

O Garoto Feiticeiro estudou o Anão Xamã em silêncio, em seguida, afastou a sua mão calejada.

— Levar a carga é o mesmo que cuidar de todas as tarefas, não é?

A Alta Elfa Arqueira riu ao ver o Anão Xamã sendo rejeitado desse jeito, mas o anão, destemido, soltou uma enorme gargalhada.

Quando Sacerdotisa terminou a conversa, o grupo todo se juntou e começou a discutir. O garoto observou atentamente de um canto da tenda.

— Se puder matar alguns goblins, já não é bom o suficiente…? — murmurou ele, tão baixinho que ninguém do grupo ouviu.

O mausoléu estava enterrado entre algumas colinas pequenas, era como uma boca escancarada. Acima da entrada havia uma colina onde crescia grama e árvores; se a colina fora construída sobre a entrada ou se a entrada fora escavada na colina, era impossível de dizer. O lugar havia resistido por muitos anos e meses.

Já passava do meio-dia quando os aventureiros chegaram. Já estavam perdendo a luz da primavera, o sol havia passado do zênite, seus raios agora inclinados sobre a terra. O crepúsculo em breve chegaria, e então seria tudo engolido pela escuridão.

O momento perfeito.

— Agora entendi — disse a Alta Elfa Arqueira ao Matador de Goblins, rindo, suas orelhas se contraindo com distinto interesse. — Este é definitivamente o tipo de lugar em que as crianças iriam brincar.

— Sim. É por isso que me disseram para não fazer isso.

— Mas suponho que fez — disse o Anão Xamã com um sorriso malicioso, como se esperasse alguma história sobre uma travessura juvenil, e então cutucou o Matador de Goblins com o cotovelo, para dar ênfase.

Matador de Goblins vasculhou suas memórias nebulosas, tentando se lembrar de algum dia distante. Já fazia mais de dez anos – não, exatamente dez anos, e ele era uma pessoa diferente.

— …

Tinha entrado lá? Não conseguia se lembrar.

Entretanto, duvidava. Fazer isso teria lhe rendido uma severa repreensão da sua irmã. Ele sabia que causar problemas para ela era errado. Portanto, não chegaria perto do mausoléu. Provavelmente.

— Não importa — disse o Matador de Goblins com um leve aceno de cabeça.

— Tudo bem — disse logo o Anão Xamã. — Então não há nada que possa nos dizer sobre o interior?

— Disseram que foi construídos com corredores e salas mortuárias. — Sim. Matador de Goblins balançou a cabeça. Ele então se lembrou. — Isso foi o que a minha irmã disse.

Ela disse isso porque ele queria saber o que havia ali dentro. Sua irmã tinha pesquisado de quem era o túmulo e então lhe contou.

Foi por isso que ele não entrou nem chegou perto do lugar.

Desejava muito poder se lembrar. De tudo. Não queria esquecer.

Mas suas memórias eram agora como roupas comidas por traças. Os detalhes mais sutis já haviam sido apagados e ficara tudo ambíguo.

Dez anos – dez anos inteiros. E pensar que uma vez houve ali uma aldeia.

— Seja lá qual for o caso, foi há muito tempo — disse Matador de Goblins, e então forçou uma mudança de assunto. — Então, o que acha?

— Hmm… Bem, não há nenhum totem, e também nenhum guarda — respondeu Sacerdotisa. Ela bateu um dedo contra os lábios, avaliando as ruínas logo adiante.

Perto da entrada, viu as pilhas de lixo que eram características de buracos de goblins. Mas era só isso. Não viu nenhum dos símbolos animalescos infantis dos quais eles gostavam.

Pelo menos podemos ter certeza de que não há xamãs…

— Vamos lá, vamos logo! Eles estão com aquelas outras aventureiras presas, não estão?!

Diante da exclamação apaixonada do garoto, Sacerdotisa sentiu uma pontada no coração.

Ele é do mesmo jeito que eu era há um ano.

Ela estava tão pronta para ir e ajudar quando o garoto, a monja e a maga disseram “Vamos nos apressar e ajudar aquelas pessoas!”

Ainda se lembrava muito bem de como aquilo tinha acabado. Mesmo não querendo. Isso assombrava os seus sonhos.

E quem era ela agora? Ainda estava ansiosa, acovardada e assustada, mas…

— Bem, espere aí. — Foi a grande mão do Lagarto Sacerdote que apareceu ao socorro de Sacerdotisa enquanto ela estava lá, presa no turbilhão dos seus próprios pensamentos. A mão escamosa e com garras descansou em seu ombro. — Há muito tempo se diz que a pressa é inimiga da perfeição.

— Certo… — Sacerdotisa acenou com a cabeça. Calma. Você pode usar o tempo necessário. Seja precisa.

Primeiro, precisavam… fazer uma verificação final do equipamento.

— Pessoal, o equipamento está todo em ordem? — perguntou ela, checando o próprio equipamento enquanto falava.

Ela estava com seu cajado e usando a sua cota de malha. Em sua bolsa estavam suas poções, assim como seu Kit de Ferramentas do Aventureiro. Não devia esquecer disso.

Havia, na verdade, toda uma variedade de coisas. Cunhas e cordas, pregos e um martelo, cal e velas, além de muito mais.

Não posso deixar nada para trás.

Era assim que sempre começavam, mas, ainda assim, estava feliz em ver que ninguém questionava sua liderança temporária.

Armadura de couro suja, um capacete de aço de aparência barata, uma espada de comprimento estranho e um escudo redondo pequeno, junto com uma bolsa cheia de uma variedade de coisas.

Enquanto Matador de Goblins inventariava seu equipamento, Alta Elfa Arqueira recolocou a corda de seda de aranha em seu arco. Anão Xamã verificou sua bolsa de catalisadores, e Lagarto Sacerdote contou quantas presas de dragão possuía.

Apenas o garoto fez menos: olhou para o cajado e depois para o robe, e só.

— E o que quer que façamos a seguir, milady líder?

— Ah, pare com isso. Você está gostando disso, tenho certeza. — A Sacerdotisa estufou as bochechas.

— Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! — Lagarto Sacerdote riu, sua enorme mandíbula aberta.

— Tenha piedade — murmurou Sacerdotisa, mas era verdade que o entrosamento estava bom. Teriam que decidir a respeito da formação. — Podemos ter que modificar isso com base na largura das passagens — disse —, mas como desta vez estamos em seis, acho que duas fileiras de três, ou três de dois, seria o melhor.

Parece bom. Alta Elfa Arqueira balançou a cabeça. Então apontou para a entrada, avaliando o tamanho.

— Meu palpite, supondo que os caminhos tenham a mesma largura que a entrada, é que filas de três serviriam.

— Hmm. Certo, então três filas de dois — disse Sacerdotisa, então bateu palmas. Se as passagens fossem um pouco mais largas, seria mais fácil. — Se houver espaço suficiente para que três andem lado a lado, caso necessário, podemos mudar a nossa formação.

— Perfeito — respondeu Alta Elfa Arqueira. — Não podemos discutir com a nossa líder, podemos? — Ela piscou e riu.

— Ah, para… — Sacerdotisa deixou um outro suspiro escapar. — Quanto a como vamos nos alinhar…

Ela refletiu um pouco, mas, no final, continuou com a formação de sempre. Matador de Goblins e Alta Elfa Arqueira estariam na frente de combate. A própria Sacerdotisa e o garoto feiticeiro ruivo estariam no meio, e o Lagarto Sacerdote e Anão Xamã cuidariam da retaguarda. Se encontrassem inimigos à frente, Alta Elfa Arqueira e Lagarto Sacerdote trocariam de lugar. Se houvesse algum ataque pela retaguarda, Anão Xamã e Matador de Goblins fariam isso.

Isso deve funcionar… Tenho certeza…

— Você não vai colocar os usuários de magia na retaguarda?!

— Os inimigos não atacam só pela frente, sabe — disse a Sacerdotisa, sorrindo de forma ambígua e balançando a cabeça. Ela, de todas as pessoas, não poderia dar a retaguarda como garantida. — Ah, e… — acrescentou.

— O quê…?

— Temos que nos certificar de esconder o nosso cheiro.

Ela voltou a bater palmas. A Alta Elfa Arqueira franziu a testa. O garoto fez um som de incompreensão.

Tinham três pessoas vestindo roupas limpas. Em contraste, tinham apenas duas bolsas de perfume.

E as jovens não estavam com humor para desistir delas.

 

 

— GROB?!

— GROOROB!!

Os aventureiros se amontoaram feito uma avalanche no mausoléu. Este complexo, o local de descanso de heróis, agora não era nada além de um esconderijo para goblins. Os caixões foram derrubados, as oferendas roubadas e todos os tipos de lixo e sujeira espalhados pelo chão de mármore.

O guerreiro estava na frente. Armadura de couro suja, um capacete de aparência barata, uma espada de comprimento estranho e um escudo redondo pequeno, segurando uma tocha.

— Goblins — disse Matador de Goblins. — Cinco deles.

Ele mal tinha terminado de falar quando a sua espada saiu voando. Seu objetivo era certo; perfurou a garganta de um dos goblins.

— GORB?!

A criatura deixou a boca bem aberta, prestes a chamar por seus companheiros, mas, em vez de um grito, só saiu uma espuma ensanguentada pela sua boca. Ele soltou um grito sufocado enquanto se afogava em seu próprio sangue, fazendo gotas escuras voarem.

A velocidade, acima de tudo, era a chave para o corta e esmaga.

— Um.

Claro, os outros quatro goblins não estavam dispostos a continuar em silêncio diante do assassinato de um camarada.

— GROOR!!

— GROB! GOORB!!

Estavam chamando por reforços? Não, isso era pura loucura. Vingança. Queriam pulular sobre os aventureiros, derrotá-los, fazer o que bem entendessem com eles. As cabecinhas dos goblins ficaram repletas de ódio e, com adaga, lança e clava em mãos, avançaram contra os invasores…

— Com esse, dois! — Assim que a voz clara soou, uma das criaturas caiu contra a parede, parecia não estar mais do que cansada. Seu crânio foi perfurado por uma flecha ponta-broto; com o disparo alojado em seu cérebro, tremeu uma vez e morreu.

Nem é necessário mencionar que foi Alta Elfa Arqueira quem disparou. Ela deu um gracioso salto para trás enquanto preparava a sua próxima flecha.

— GORO?!

— Hrmph.

Matador de Goblins ergueu o escudo para cobrir a sua retirada, usando-o para afastar um dos goblins que avançou. Ao mesmo tempo, pegou a clava que um monstro deixou cair e bateu no crânio da infeliz criatura.

— Três.

O goblin morreu sem soltar sequer um grito. Matador de Goblins deu uma sacudida na arma para limpar os miolos.

Três goblins mortos no tempo de uma piscada. Tinham tirado o melhor da oportunidade.

— Filhos da puta! — Um membro do grupo, com sua capa nova coberta de resíduos que são melhores enquanto não descritos, parecia pensar que seria um bom momento para se juntar a eles. Então teatralmente ergueu o seu cajado. — Carbunculus… Crescunt…

— Não use os seus feitiços ainda! — disse Sacerdotisa com firmeza.

— O qu…?! — exclamou o garoto, mas não era hora de discutir. Conservar as suas magias era o mais básico dos fundamentos. Sacerdotisa estava pensando rápido, suor escorria por sua testa.

Com este grupo, mais do que com qualquer outro, ela não esperava ter que dar instruções detalhadas no meio da batalha.

Leve a situação em conta. Mesmo que o campo de batalha fosse caótico, era muito melhor fazer algo logo do que pensar nisso mais tarde.

A imaginação também é uma arma… como diz ele.

Todo o conhecimento que ela adquirira até então, as muitas experiências que acumulou, borbulharam em sua mente. Havia mais dois goblins, ambos aproximando-se com suas armas grosseiras em mãos. Sem contar pela qual entraram, a câmara mortuária contava com três portas, uma em cada direção.

— As portas!

— Certo! — disse Alta Elfa Arqueira. Quando passou por Sacerdotisa em seu caminho para trás, a líder entregou o Kit de Ferramentas do Aventureiro. Enfiariam as cunhas sob as portas para mantê-las fechadas. Era algo que apenas a elfa, com toda a sua agilidade, poderia fazer. — Com apenas dois deles, acho que por enquanto vamos ficar bem — disse. Afinal, o Anão Xamã ainda tinha seus quatro feitiços. Precisariam que ele mantivesse alguns disponíveis, só por garantia.

Assim como o garoto ouvira, às vezes o melhor que um lançador de feitiços poderia fazer era nada.

— Pois bem, espero ter uma chance de me juntar à luta — disse o Lagarto Sacerdote, balançando o rabo.

— O inimigo ainda é numeroso — respondeu Matador de Goblins.

Era neste momento que precisavam da força de luta de seus guerreiros.

Matador de Goblins estava em uma posição baixa, seu escudo em punho; ele segurava uma clava na mão direita. À sua maneira, era uma figura cômica.

Considerando que estavam lutando contra goblins, entretanto, ninguém presente ousou rir.

— Nesse caso, dificilmente podemos desperdiçar o nosso tempo aqui — disse o Lagarto Sacerdote, e estava o mais certo possível. Ele abriu os braços, e então com garras, presas e cauda, destroçou os dois goblins restantes, rasgando-os membro a membro.

Mas isso não merece qualquer menção especial.

Ainda havia goblins por chegar.

 

— Podemos mesmo nos dar ao luxo de desperdiçar o nosso tempo assim?

— Se não formos em cômodo por cômodo, podemos nos colocar em perigo.

Eles tinham eliminado os goblins de duas ou três câmaras. Neste mausoléu, no qual várias salas estavam interligadas, a organização era fácil de se seguir, mas também havia muitas câmaras a verificar. O constante trabalho de encontrar e eliminar goblins estava marcado até em seus ossos.

O Garoto Feiticeiro cutucou o chão de pedra com seu cajado, irritado, fazendo com que Sacerdotisa adotasse um tom reconfortante.

— Mas pense nisso — disse o garoto, carrancudo. — As cativas podem estar em perigo…

Isso com certeza era verdade. Sacerdotisa também estava preocupada com os aventureiros anteriores a eles. Havia vestígios – sangue seco aqui, um cadáver de goblin ali. Mas não mais do que isso. Isso não dava a garantia de seus predecessores ainda estarem vivos ou não.

Mas… quase certeza que não, sussurrou uma voz fria no fundo do seu coração.

Mesmo assim… Ela deu uma mordidinha nos lábios. Isso não era motivo para perder as esperanças.

— Como estão as outras salas? — chamou por Alta Elfa Arqueira, empurrando o amontoado de pensamentos desagradáveis para o fundo da mente.

A elfa pressionou a orelha contra uma porta de madeira, procurando algum som; espiou pelo buraco da fechadura e finalmente concluiu:

— Destrancada e vazia. — Entretanto, apontou para a borda superior da porta com um dedo fino. — Mas olhe aquilo.

Havia o que parecia ser um pedaço de barbante preso na brecha. Se abrissem a porta, o barbante cairia e algo poderia acabar desabando sobre eles.

— Uma armadilha? — perguntou Matador de Goblins.

— Parece que sim — respondeu ela.

Matador de Goblins soltou um humph baixo. Ele jogou a tocha gasta fora, trocando-a por uma nova, a qual acendeu com uma pederneira, então puxou uma lança enfiada em um cadáver de goblin, verificou a ponta e a jogou fora. A adaga no quadril da criatura seria mais útil.

Ele pegou a arma e levou à bainha. Estava um pouco enferrujada, mas ainda era possível apunhalar algo com ela. A considerava descartável, de qualquer forma.

Por último, examinou a pilha de saques roubados e encontrou um machado de guerra com uma aparência agradável. Era uma arma de uma mão, mas surpreendentemente pesada.

— Problemático — declarou enquanto descansava o machado em seu ombro.

— Vai saber — disse a Alta Elfa Arqueira, encolhendo seus ombros esbeltos.

Sacerdotisa caminhou até ao lado deles, ficando na ponta dos pés para olhar para o topo da porta. O barbante não era muito grosso, e a estrutura era simples. Mas isso não significava que poderiam relaxar.

Isso podia estar conectado a algo besta como um prego enferrujado, mas se o prego acertasse o rosto de alguém, ainda poderia causar a sua morte. Ou podia ter veneno envolvido.

Sacerdotisa franziu as sobrancelhas finas, podia pensar em várias possibilidades.

— Pensando bem… o capataz disse que os goblins roubaram algumas ferramentas, não foi?

— Não que eu queira imaginar o que goblins podem fazer com boas ferramentas de carpintaria — rosnou o Anão Xamã, cruzando os braços. Ele passou a mão por cima do cabelo e então inspecionou o barbante. — Não parece que esteja ligado a algo. Seja lá o que for, não é algo muito elaborado.

— Também poderíamos considerar seguir um caminho diferente. — Lagarto Sacerdote bateu com o rabo no chão de pedra. — Havia outras duas portas além daquela que nos trouxe a esta. Os goblins parecem ainda não saber que estamos aqui.

— Hmm…

O que fazer? Qual direção seguir?

Com o olhar de todo o grupo sobre ela, Sacerdotisa vasculhou em sua bolsa e pegou o mapa. Era um trabalho simples, feito à mão, com pena em pele de carneiro. Este grupo não tinha alguém dedicado à cartografia. Se passassem por algumas das câmaras fechadas para chegar à sala com a armadilha…

Seus pensamentos foram interrompidos pelo grito do garoto.

— Arrrgh! Não aguento mais isso!! — Ele não estava mais tentando esconder o seu aborrecimento, apontando o seu cajado para a porta. — É aí que os goblins estão, certo?! Eles não sabem nem armar uma armadilha direito!

— Ah! Não, espera! Não…

— Sai da frente! Vou abrir essa porta!

Alta Elfa Arqueira podia ser uma Prata, mas o garoto ainda assim foi facilmente capaz de colocá-la de lado.

— O qu…? Ah, uh, ummm…!

Ela tinha que impedi-lo. Entretanto, apesar deste pensamento desesperado, Sacerdotisa não conseguia formar sequer uma palavra completa. O que deveria dizer e como deveria dizer? Assim que pensou nisso, percebeu que todos tinham, até o momento, obedecido todas as suas ordens. Ela não fazia ideia de como lidar com alguém que se recusava a escutar.

— …

Sacerdotisa olhou desesperada para Matador de Goblins, mas ele não disse nada. Ela não sabia que tipo de expressão estava escondida naquele capacete de aço. Pareceria desinteressado? Ou…

Se… Se ele desistir de mim…!

O simples pensamento foi mais do que o bastante para sacudir Sacerdotisa toda. Uma voz fria e calma começou a, em algum lugar de sua mente, provocá-la.

O que eu faço? O que eu faço? O que eu faço oqueeufaçooqueeufaçooqueeufaçooqueeufaçooqueeufaço…?

Seus pensamentos correram, mas não conseguiu dizer nada. Ela estendeu a mão, esperando ao menos segurá-lo, mas o garoto já estava abrindo a porta…

— Eeyaaaahhhhhh?! — gritou ao ver algo caindo.

Seu grito ecoou pela câmara mortuária; parecia alto o suficiente para chegar até as profundezas do mausoléu. O Garoto Feiticeiro caiu para trás, desviando do objeto que caía.

— O-o-o-o-o-o-o-o-o-o que diabos é isso…?!

Era uma mão e um braço. Foram arrancados com tanta violência que parecia quase que tinham sido enfiados em um moedor de carne. Já tinham pertencido a uma mulher.

Eram adoráveis membros com músculos bem desenvolvidos, mas pareciam agora horríveis. Era quase impossível imaginar o que devia ter acontecido à sua antiga dona.

— Um pouco das travessuras goblinescas — disse Matador de Goblins com um estalo de língua. — Só queriam nos assustar.

— U-ugh… — Sacerdotisa deixou um gemido involuntário escapar. Ela sentiu algo amargo e ácido subindo pela garganta; com lágrimas nos olhos, engoliu tudo de novo.

Não era a hora para perder a coragem, já não tinha visto outras coisas semelhantes?

Desesperadamente falou a si mesma para manter o controle, então agarrou seu cajado tão firmemente quanto podia com as suas mãos trêmulas.

— Tenho um mau pressentimento quanto a isso — disse a Alta Elfa Arqueira, dando um tapinha encorajador nas costas da Sacerdotisa. Ela não parecia muito melhor do que a sua líder, que levantou as golas para esconder o rosto e lábios pálidos. — Aquele grito pode muito bem ter funcionado como um alarme da porta.

— Acho que a ideia era essa — murmurou o Matador de Goblins sem qualquer sinal de agitação; ele assumiu uma posição de combate com o machado na mão. — Acredito que em breve teremos companhia.

— Não tenho certeza, mas…

— GY-GYAAAH…!!

Alta Elfa Arqueira acabou dando uma sacudidela em suas orelhas compridas enquanto o grito estridente de uma mulher ecoava pelo mausoléu.

Todos os aventureiros congelaram, mas por um só instante; um segundo depois, cada um deles preparou as suas armas.

A única exceção foi o Garoto Feiticeiro.

— Soou dali…!

— Não! Você não pode ir sozi…

O garoto saiu correndo, sem dar qualquer atenção à voz que tentava impedi-lo. Ele chutou a porta da câmara mortuária, irrompendo para a próxima sala, virando de um lado para o outro até encontrar o que estava procurando.

— Só pode ser isso…!

Ele bateu com o ombro na porta, forçando-a a abrir.

No momento em que fez isso, um fedor úmido e sufocante o assaltou. Parte disso era graças aos resíduos de goblins espalhados por toda parte. Um pouco era de sangue e vômito.

Então o garoto viu.

O goblin.

A mulher.

A mulher estava amarrada a uma cadeira, pedaços de arame perfuravam sua pele pálida e carne macia.

Seus olhos, tão abertos quanto o possível, deixavam lágrimas escorrerem.

O machado na mão do goblin estava coberto por manchas vermelho-escuras.

E então ali estava a sua mão ensanguentada.

O líquido vermelho escorria pelo braço da cadeira.

E na poça de sangue, vários pálidos e delicados…

— Ee… yaaaaaaaaaahhhhhhhhh!! — uivou o garoto.

Ele continuava berrando quando caiu sobre o goblin, golpeando-o com seu cajado. Seu coração e sua mente estavam queimando de raiva, e o fogo de suas emoções fez com que palavras de verdadeiro poder espontaneamente tomassem rumo por seus lábios.

 Carbunculus… Crescunt… Iacta!! Voe, ó esfera de fogo!

A Bola de Fogo disparou pelo ar, deixando um rastro de chamas para trás. E ela voou bem, acertando o crânio do goblin. Cérebro, sangue e pedaços de ossos estilhaçados voaram por todas as partes, e o goblin agora sem cabeça desabou no chão.

— Ah, ah, ah… Tome… isso…!

Isso era… nada. Nada de nada.

Ele matou outro ser vivo sem sequer aproximar um dedo. Não parecia algo real, havia enviado um goblin para o seu fim com um único golpe, assim como queria – foi surreal.

Toda a sala de interrogatório, toda a horrível cena, tudo girou ao seu redor; ele não conseguia compreender.

— De qualquer forma, tenho que ajudá-la… Ei, está tudo bem?!

Mas ele deveria ter prestado mais atenção a suas ações.

O único feitiço que podia usar era Bola de Fogo, e só podia usar uma vez por dia.

Devia ter lembrado do alarme de antes. E do fato de que era um ninho de goblins.

— Ahhh… hhh… Errr… g…

— Espera aí! Vou te tirar daqui agora mesmo!

O garoto estava totalmente concentrado em cortar o fio que prendia os membros da mulher à cadeira.

Foi por isso que não percebeu. O garoto não registrou o óbvio fato de que devia haver ali algo que eliminou o outro grupo de aventureiros.

— Errgh… Nngh… Ah…

— …?!

Não foi nenhuma de suas habilidades, e sim pura sorte, que o fez cair para trás, evitando a clava que balançou um instante depois.

— O… whoa…?!

Todo o sangue deixou a sua cabeça. Ele descobriu que em momentos de verdadeiro pânico, as pernas de uma pessoa tornam-se muito moles.

— OLRLLT…?

E viu uma enorme forma irregular coberta por cicatrizes. Ele sentiu o odor corporal forte o suficiente para deixá-lo nauseado.

A cabeça careca da criatura parecia a própria personificação da estupidez, e seu rosto exibia um sorriso irônico e idiota.

A coisa tinha braços do tamanho de troncos de árvore e carregava uma enorme clava. E os inúmeros pregos cravados na clava, ali só para rasgar e destroçar a carne, falavam da sede no coração do monstro.

Um troll.

A criatura ergueu a clava como se não tivesse certeza do motivo pelo qual seu ataque errou. O garoto avistou algumas manchas vermelho-escuras na arma e pedaços de cabelo que pareciam ter pertencido a uma mulher…

— Errg… Ugghh…!

Ele então apertou a mandíbula para evitar que seus dentes batessem.

Segurando o seu cajado, levantou-se.

Atrás dele estava uma mulher ferida, quase inconsciente e cativa.

Ele não podia fugir. Nem mesmo se quisesse. E, ainda assim, o que deveria fazer?

Como um feiticeiro em treinamento, estava naturalmente familiarizado com os trolls, mas de uma perspectiva acadêmica. Claro que estava.

Eles eram enormes. Poderosos. Idiotas. E tinham poderes regenerativos – lidar com isso exigia fogo ou ácido.

Porém, aí estava um problema.

Sem feitiços.

— GRORB!

— GRB! GROBRORO!!

E não era só isso.

Ele ouviu o tagarelar dos goblins ecoando pela câmara mortuária, e sabia que as coisas tinham piorado.

Colocaram uma isca, e ele engoliu o anzol, linha e chumbada.

Por que sairiam do próprio caminho para torturar uma prisioneira em um lugar como este? E (como aconteceu) logo após algum intruso estúpido ter gritado!

As portas de todos os lados da câmara mortuária foram abertas. Goblins apareceram aos tropeços, rindo sem parar.

Eu devia ter ouvido quando aquela elfa sugeriu dar a volta pelo outro lado…!

Mas já era tarde demais para se arrepender.

Foi tudo uma armadilha. Uma projetada para pegar aventureiros que avançassem de sala em sala.

Quando percebeu isso, o jovem sem feitiços tinha apenas um curso de ação possível.

Ele lambeu os lábios. Respirou bem fundo e começou a gritar:

— Fujam! É uma armadilha…!

Essa seria a ação final do garoto.

Um instante depois, um machado de mão passou voando, uma flecha cortou o ar e uma Garrespada brilhou.

— GRBRR?! — gritando e uivando, os goblins desabaram feito trigo sob a foice.

— Vinte deles. Restam dezessete.

A voz soou tão calma quanto o vento soprando acima do solo e, com ela, Matador de Goblins entrou em combate. Sua mão direita vazia moveu-se com a precisão de uma máquina, sacando sua adaga e fazendo uma transição instantânea para um golpe no pescoço de um goblin confuso.

— GROORORB!!

— Hmph… Quatro. Restam dezesseis.

A lâmina enferrujada, incapaz de suportar a força do impacto, estilhaçou-se e saiu voando, mas foi o suficiente para desferir um crítico na espinha da criaturinha.

Matador de Goblins estalou a língua e jogou o cabo de lado, agarrando a espada que o goblin em colapso carregava. Ele a puxou dando um chute descuidado no monstro enquanto ele morria. Então girou o pulso, assumindo uma postura de luta cautelosa.

— Tem vida?

Garoto Sacerdote assentiu várias vezes.

— Uh, s-sim… T-tenho…

— Não você — disse friamente o Matador de Goblins, interrompendo-o.

— Acredito que ele está curioso a respeito da jovem senhora ali — disse Lagarto Sacerdote, correndo e assumindo uma posição defensiva diante do garoto aliviado.

— Sim! — exclamou ele, engolindo em seco. — Ela tem vida! Claro que tem!

— Entendo — disse Matador de Goblins e, por trás de seu visor, fixou um olhar de reprovação no garoto. Não que o Garoto Feiticeiro tivesse alguma noção de onde o homem estava olhando por trás de seu capacete de metal. Mas ele achou que sentiu. Então fechou os olhos e tentou dar uma desculpa.

— Eu só… Só queria ajudá-la assim que possível…

— Também temos mulheres do nosso lado — disse Matador de Goblins, sua voz fria e cortante. — Duas delas.

Isso fez com que o garoto respirasse fundo e olhasse na direção das duas.

— Ugh. É por isso que odeio goblins…

— Hrk…

Alta Elfa Arqueira estava pálida diante da visão da câmara de tortura, mas disparou uma flecha atrás da outra para manter o troll longe.

Ao seu lado, Sacerdotisa só podia oferecer uma espécie de suspiro aflito; as mãos que agarravam o seu cajado tremiam suavemente.

— Mas…! — O garoto estava prestes a oferecer uma réplica, mas o Anão Xamã apareceu pulando e gritou com raiva:

— Agora não é hora para conversa, garoto! Pegue a garota, a cadeira e tudo, e vamos dar o fora!

Os dois guerreiros e a arqueira abriram um caminho, e o xamã e a sacerdotisa o seguiram.

— Estamos sem tempo!

E de fato estavam.

— GROROB! GROB! GROORB!!

— OOOORLLLLT!!

Sua rota de fuga havia sumido.

Dezesseis goblins. Um troll. Não era bem uma multidão, mas os aventureiros foram cercados.

Lenta, mas seguramente, os monstros avançaram, sorrisos perversos apareciam em seus rostos enquanto ficavam cada vez mais seguros da vitória.

Os aventureiros se aproximaram para proteger o garoto, a acólita capturada e a Sacerdotisa.

— Mas como devíamos levá-la…? — O garoto hesitantemente colocou a mão na cadeira; vários gemidos indecifráveis vazaram da boca da mulher. Sua mão estava coberta de sangue, escorregadia e pegajosa. Foi o suficiente para fazer seu estômago revirar; ele sentiu como se fosse vomitar ali mesmo.

Lagarto Sacerdote, observando, revirou os olhos, um amplo campo de visão era uma das características do seu povo. Sua língua então deslizou para fora da sua boca.

— Não se esqueça dos dedos. Se tudo correr bem, podemos ser capazes de curá-la.

— Ah…!

O garoto se jogou ao chão, rapidamente procurando pelo líquido vermelho.

O machado enferrujado havia cruelmente cortado tanto carne quanto ossos. Mas ele não tinha tempo; nenhum. Os dedos teriam sido tão fáceis de esquecer, mas se certificou de encontrá-los, contá-los e embrulhá-los em um pano.

Tentou limpar o suor da testa com a mão suja e manchada de sangue, e mordeu os lábios.

— Peguei!

— Excelente! Você, pegue aquele lado… sim, aquele! — comandou o Lagarto Sacerdote.

Houve um barulho quando a cadeira foi erguida, misturando-se aos gemidos da mulher.

Alta Elfa Arqueira ficou atrás dela, protegendo-os, seu arco sempre disparando e suas orelhas agitadas.

— Eles ainda estão vindo dos fundos! — Ela olhou para a Sacerdotisa. — O que faremos?!

— Eh… ah…!

Sacerdotisa se viu incapaz de falar na mesma hora. Suas mãos congelaram em seu cajado, que agarrou com tanta força que suas mãos doeram e os nós de seus dedos ficaram brancos.

O que fazer? Qual seria a coisa certa a se fazer? Lutar? Fugir?

Ela tinha que dar uma resposta, e logo. Sim, mas… mas…

Caímos em uma armadilha de goblins.

Não só caímos, corremos para ela.

E foi ela quem disse: Vamos segui-lo!

Não havia arrependimento. Claro que não. Mas foi o suficiente para fazer suas pernas ficarem instáveis.

Ela podia ver Maga, aquela adaga venenosa enterrada nela.

Lutador, sendo feito em pedaços pelos diabinhos.

Monja, presa, espancada sem qualquer misericórdia, violada das formas mais terríveis.

Calma. Cada vez que tentava afastar a memória, simplesmente se deparava com a próxima à sua espera.

A vez em que o campeão goblin quase a esmagou – o terror, a dor, o desespero.

O ponto em seu pescoço que fora mordido latejava.

— Uh… Um… um…!

Os goblins, aproximando-se. Aquele troll gigantesco.

Sacerdotisa precisava falar, mas sua língua se recusava a se mover.

As lágrimas começaram a brotar nos cantos de seus olhos; seus dentes não paravam, criando uma terrível vibração.

E tudo isso enquanto sabia tão bem quanto qualquer um que não era hora para essas coisas…!

— Milorde Matador de Goblins!

Sua salvação surgiu na forma do Lagarto Sacerdote, que rapidamente avaliou a situação e chamou.

— Certo — respondeu Matador de Goblins sem qualquer paixão. — Podemos?

Mesmo nesse momento ele procurava pelo consentimento dela. Sacerdotisa assentiu sem forças, não sabia o que mais poderia fazer.

As instruções do Matador de Goblins foram curtas e rápidas.

— Use Luz Sagrada. Avançaremos para dentro. Vou deixar a linha de frente para o resto de vocês. Pegarei a retaguarda e lidarei com aquela coisa gigante e rosnante.

— Excelente! — respondeu de imediato o Lagarto Sacerdote.

— C-certo! — Sacerdotisa, por outro lado, lutou para reprimir o senso de quão patética era.

O Garoto Feiticeiro, trabalhando duro para levar a cadeira consigo, estava ansioso. Ele pode lidar com isso?!

— Você é um guerreiro, certo?! Aquela coisa é um troll!

— Idiota — disse a Alta Elfa Arqueira, conscientemente estufando o peito. — É em momentos assim que Orcbolg mostra o seu melhor.

Lagarto Sacerdote soltou uma risada. Este homem não seria derrotado por goblins.

Sacerdotisa, entretanto, não riu. Se ela não pudesse fazer mais nada, ao menos cumpriria o dever que lhe foi confiado.

Então agarrou o cajado com as duas mãos. Elevou a sua consciência, apelando diretamente aos deuses lá no céu.

— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, conceda tua luz sagrada para nós que estamos perdidos na escuridão!

E, assim, recebeu um milagre.

— GGRORRRROOB?!

— TOOLR?! OORTT?!

Houve um flash de luz branco-azulada, como um sol explodindo. E queimou os olhos dos goblins e do troll.

Sacerdotisa, seu pequeno peito arfando com o esforço desta súplica rasgalma, gritou, tanto para se inspirar quanto a qualquer outra pessoa:

— Vamos!

Quando começou a correr, ergueu seu cajado, e o Lagarto Sacerdote apareceu ao seu lado.

Os goblins deixaram as câmaras mortuárias, preenchendo todo o caminho, a visão. Lagarto Sacerdote atacou com garras, unhas, presas, cauda, varrendo-os para o lado sem qualquer piedade.

Seguindo atrás dele por todo o caminho criado estavam Anão Xamã e Garoto Feiticeiro, carregando consigo a cativa. Não tinham a liberdade para lançar feitiços.

Alta Elfa Arqueira tinha as suas flechas sempre prontas, salpicando a estrada criada com uma chuva de projéteis enquanto corria.

E então…

— Um troll? — murmurou o Matador de Goblins, deixado para trás, na retaguarda. — Então não é um goblin.

— OOOORLLT!!

Os pregos da clava do monstro brilharam quando ele a balançou. Mas, cego como estava, sua força pouco lhe valeu. Sem pânico ou pressa, Matador de Goblins saltou para trás. Então procurou em sua bolsa de itens e pegou uma pequena garrafa.

Quando o recipiente se espatifou contra a pele do troll, enviando fragmentos por todos os lados, não fez mal à criatura.

Claro, não precisava.

O importante era o que havia ali dentro.

— TOORL?! TOORRL?!

Um líquido preto viscoso e não identificável agarrou-se ao corpo gigante do troll. A coisa exalava um cheiro que formigava pelo nariz. O troll se debateu, desesperadamente tentando limpar a substância ardente, espalhando-a ao redor.

Os monstros não faziam ideia de que o material era o Óleo de Medeia, gasolina à base de petróleo.

— Até mais.

Sem qualquer momento de hesitação, Matador de Goblins lançou sua tocha na criatura, aproveitando o mesmo movimento para se virar.

— TOOOOROOOOROOOOOORRRT?!?!

— GROROOB?!

Uivos e gritos escaparam do troll, totalmente envolto pelas labaredas de chamas, e também dos goblins que foram pegos na conflagração.

Matador de Goblins já estava correndo em outra direção; enquanto o fazia, pegou uma arma de um dos goblins mortos, um dos que seus companheiros deixaram para trás. Era uma lança de mão. Ele segurava a espada com a mão esquerda e a lança com a direita, agachando-se enquanto avançava.

— Aquilo talvez tenha pego metade deles. Então…

A lança saiu voando. Ela acertou o estômago de um goblin que enfrentava as chamas, matando-o.

— GGRORR?!

— Com esse, quinze.

Matador de Goblins girou com habilidade, mais uma vez partindo atrás de seus companheiros.

Não havia como confundir a rota. As portas foram deixadas abertas; cadáveres de goblins estavam espalhados por todas as partes. Só tinha que seguir os traços de batalha. Seu verdadeiro problema eram os goblins que continuavam a aparecer pelas portas laterais.

— GBGOR?!

— GRORB! GORORRB?!

Flechas voavam de longe, acertando-os. E assim foram mais três. Dezoito.

Matador de Goblins correu para a frente, saltando entre os corpos que caíram à sua frente.

Logo avistou Alta Elfa Arqueira, seu cabelo trançado balançando atrás dela como se fosse um rabo.

— Orcbolg, o que está acontecendo? Ouvi um tipo de fwoosh lá atrás!

— Era uma situação de emergência.

— Poderia ter ao menos avisado!

— Não pensei tão longe. — Enquanto corria, Matador de Goblins se virou, como se estivesse lançando uma emboscada pelo meio do caminho. — Dezenove.

O goblin, que por fim o alcançou, foi pego de surpresa por sua ação. Uma espada foi cruelmente cravada em sua garganta. Quando se retorceu, o goblin espumou sangue e morreu. Um chute no peito do monstro voltou a libertá-la.

— Como está à frente?

— O de sempre! Yargh! Blargh! Todos os tipos de loucura. — Alta Elfa Arqueira disparou mais duas ou três flechas enquanto falava, confiando na sorte para acertar o tiro. Três goblins desabaram no chão, contorcendo-se, flechas cravadas em suas órbitas oculares. Vinte e dois. — Você tem um plano? — perguntou.

— Claro. — Matador de Goblins mudou de posição no instante em que a elfa levou para matar aqueles três monstros; estava agora ao seu lado. — Sempre tenho.

Havia apenas uma porta na câmara mortuária para a qual os aventureiros fugiram. Os outros três lados da sala eram paredes. Tudo o que restava ali eram os detritos espalhados dos goblins.

A sala era completamente estranha às criaturas, que não pensavam em nada, exceto em como aproveitar ao máximo o que a qualquer momento tinham em mãos.

Quando colocaram a mulher no chão, ainda amarrada à cadeira, o Garoto Feiticeiro de repente exclamou:

— Acabamos de deixar que nos encurralem…!

— Ah, não é o necessário caso — disse Lagarto Sacerdote ao lado da entrada, totalmente em guarda. Ele segurava uma Garrespada, a qual já havia amolado com Dente Afiado. E estava sangrando: havia literalmente comprado a fuga com sangue.

— Mas onde estão o Matador de Goblins e…? — Sacerdotisa, por sua vez, estava apoiada contra a parede mais interna, respirando pesado. Manter o milagre Luz Sagrada, mesmo enquanto corriam pelo labirinto, era pedir muito de uma jovem tão fisicamente frágil. Seu rosto estava pálido, sem qualquer sangue, exausto.

Anão Xamã esfregou as mãos ensanguentadas e encontrou uma poção em sua bolsa de itens.

— Tenho certeza de que a Orelhas Compridas e o Corta-Barba nos alcançarão em breve. Aqui.

— Obrigada…

Segurando a poção com ambas as mãos, Sacerdotisa abriu o frasco e bebeu sem pressa, deixando cada gole umedecer os seus lábios. Cada vez que engolia, sentia um pouco de calor retornando ao corpo. Não era tão restauradora quanto um milagre dos deuses, mas os efeitos benignos de uma poção não eram nada desprezíveis.

Ela fechou os olhos e soltou um suspiro. Sim, agora se sentia um pouco melhor. Sacerdotisa ajustou o aperto em seu cajado.

— Temos que cuidar dessa mulher agora mesmo… — falou, mas quando estava prestes a lançar Cura Menor, Anão Xamã a parou.

— Pega leve. Você precisa descansar. Esses ferimentos não vão matá-la tão cedo.

A pequena clériga cambaleou um pouco, então escorregou pela parede e caiu no chão com um baque surdo.

— Obrigada — disse voltando a respirar, mas Anão Xamã só acenou com um “Não pense nisso” em sua direção.

De qualquer forma, com seu nível de habilidade, Sacerdotisa acharia muito difícil recolocar os dedos decepados. Então seria muito melhor guardar o seu milagre.

— Você está bem, criança?

— Sim, sem proble…!

— Bom — disse categoricamente Anão Xamã. Ele sem dúvidas podia ver através da bravata do garoto. E então semicerrou os olhos. — Apenas um conselho — acrescentou. — Ninguém será capaz de ajudar, mesmo se você entrar em apuros de novo, porque você está exausto demais.

— Eu não estou exausto…! — Ao contrário daquela garota ali, parecia sugerir – mas mesmo o garoto não conseguia dizer isso em voz alta.

Ele também se aproximou e se encostou à parede, embora mantivesse distância de Sacerdotisa. E então abaixou os olhos para as mãos. O sangue nelas havia secado e formado manchas vermelhas; esfregou as mãos para tentar removê-las.

Clérigos devem ficar na retaguarda e fazer as suas preces.

Ele percebeu as coisas idiotas que havia dito. Ela havia dado ordens, erguido seu cajado para iluminá-los e correu tanto quanto qualquer um dos outros.

Então olhou para o lado, onde podia ver Sacerdotisa, ainda respirando com dificuldade e tomando a sua poção. Até Garoto Feiticeiro podia entender que ela estava tentando restaurar a sua vitalidade para ficar pronta para a próxima luta.

Ele parcialmente abriu os lábios e voltou a fechá-los. Sua língua parecia grande demais para a sua boca. Então engoliu um pouco de saliva e voltou a tentar.

— Me… des…

— Estão aqui! — A voz aguda de Lagarto Sacerdote o interrompeu.

Garoto Feiticeiro piscou várias vezes, virando-se para olhar para a escuridão do corredor por onde passaram. Ele rapidamente discerniu a luz de uma tocha se aproximando.

— Droga, Orcbolg… ainda está vivo!

— Parece que é mais resistente do que eu esperava.

Alta Elfa Arqueira entrou na sala pulando, elegante como um cervo.

Matador de Goblins correu atrás dela.

E atrás deles…

— OOOLRTTTTR!!

O troll gigante soltava fumaça e balançava a sua clava.

O simples peso dava aos aventureiros uma vantagem na velocidade. Mas se algum deles perdesse o equilíbrio e caísse, seria o fim.

Matador de Goblins e Alta Elfa Arqueira correram, sendo os únicos que ouviram uma enorme clava quebrando as paredes e o chão logo atrás deles.

— Estou cansada disso! — exclamou Alta Elfa Arqueira enquanto irrompia na câmara mortuária. — O que diabos é aquela coisa?! Já cansei! Quero lutar com um monstro legal ao menos uma vez!

— Acho que os legais são ainda mais fortes do que esse — adicionou Anão Xamã.

— Eu mesmo preferiria um dragão — ofertou Lagarto Sacerdote.

Anão Xamã sabia, entretanto, que enquanto estivessem zombando ou reclamando, não havia nada com o que se preocupar. Ele soltou um suspiro.

— Então, o que faremos, Corta Barba?

— Estou pensando nisso — disse Matador de Goblins, olhando ao redor da sala e pelo seu grupo.

Lagarto Sacerdote, Anão Xamã e o garoto ruivo pareciam estar bem.

Alta Elfa Arqueira respirava com dificuldade e Sacerdotisa estava cansada.

Matador de Goblins enfiou a mão na bolsa de itens e pegou duas garrafas, passando-as para as garotas.

— Tomem isso.

— O qu…? Ah…

— Uma poção de Vigor, eh? Obrigada.

Sacerdotisa parecia um pouco confusa, mas Alta Elfa Arqueira abriu a garrafa de bom grado e tomou todo o seu conteúdo.

Cada um deles tinha o seu próprio suprimento de poções, mas, naquele momento, não havia tempo para questionar o que era de quem.

— E-então tá… Obrigada… — Sacerdotisa hesitou muito mais do que Alta Elfa Arqueira, mas acabou levando a garrafa aos lábios. Era a sua segunda poção de Vigor. A cor cada vez mais saudável de suas bochechas contrastava com a expressão sombria ainda em seu rosto.

— Bom, estamos todos preparados — disse Matador de Goblins, percebendo a mudança dela com o canto do olho. — Quero água. Pode produzir com um feitiço?

Embora a pergunta não tivesse sido dirigida especificamente a ele, Garoto Feiticeiro fez um barulho de desconforto. Bola de Fogo era o único feitiço que sabia, e já havia usado toda a magia que podia naquele dia. Ele de alguma forma achou que esse homem saber esse tanto era profundamente humilhante.

— Não adiantaria aprender um feitiço desses — descobriu-se falando o garoto, quase fazendo bico.

— É mesmo? — respondeu Matador de Goblins.

Percebendo a situação, Anão Xamã logo interveio.

— Água? Bem, se a da chuva for boa o suficiente, podemos dar um jeito. Pode ser um pouco fraca, mas aqui tem um teto e tudo mais.

O rugido e os estrondos do troll estavam se aproximando.

— Pronto — sussurrou Lagarto Sacerdote.

— Mas escuta, Corta Barba. Agora você não pode só usar um dos seus truques de sempre.

— Não importa — disse bruscamente Matador de Goblins. — Um banho será o bastante.

— Então tá.

— E precisaremos de mais Luz Sagrada. Consegue fazer isso?

— Eu… — A voz da Sacerdotisa tremia, e ela teve que morder o lábio para forçar as palavras a saírem. — Sim, eu… Eu consigo. Eu farei!

— Bom. — Isso resolve tudo. Assim que Matador de Goblins fez esse pronunciamento, o inimigo já estava sobre eles.

— OLTROOOR!!

As salas e passagens do mausoléu eram grandes o suficiente para que um troll se movesse com facilidade. A visita de quem os construtores esperavam neste lugar?

— Eeyah!

— Olha a…

Sacerdotisa demorou um pouco para se agachar e Alta Elfa Arqueira saltou para cobri-la.

Os pregos de metal da clava roçaram o seu cabelo, cortando as fitas que usava para amarrá-los para trás.

— Você está bem?! — perguntou Sacerdotisa.

— Não se preocupe comigo! — gritou Alta Elfa Arqueira, seu cabelo em desordem. — Só faça!

— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, conceda tua luz sagrada para nós que estamos perdidos na escuridão!

Ela ergueu o seu cajado o mais alto que pôde, de onde estava jogada no chão, oferecendo súplicas misericordiosas à deusa. E, claro, a Mãe Terra estava longe de negar o pedido rasgalma de sua devota seguidora.

— RRLLRTTOOR?!

Houve uma explosão de luz quase solar. O flash preencheu a câmara, inundando-a com iluminação sem fim.

O troll cambaleou para trás e, na mesma hora, pôde-se ouvir o grito de Matador de Goblins:

— Água!

— Certo! Vá agora, kelpie, é hora de se ocupar! Terra no rio e mar no céu, torne tudo confuuuso! — entoou o Anão Xamã, segurando uma pequena estatueta de cavalo que tirou da sua bolsa de catalisadores. Assim que ele falou, ouviu-se um relincho agudo e um vento úmido galopante, logo transformando-se em uma garoa.

Como havia dito o Anão Xamã, o ato de invocar um kelpie para produzir uma precipitação não era nada mais do que Chamar Chuva.

— Todo seu, Corta Barba!

— Depois… Isso. — Enquanto falava, Matador de Goblins pegou uma coisa de sua bolsa de itens e a jogou no troll.

— ORLTLRRLR?!

Na mesma hora o monstro começou a berrar. Sua pele acinzentada e porosa começou a rachar e quebrar enquanto olhavam, iniciando pelas partes queimadas.

Quando alguém deve limpar algum lote e precisa se livrar de uma pedra enorme, a rocha às vezes é aquecida até ficar muito quente e, depois, água fria é aplicada a ela. Isso faz com que a rocha acabe rachando, e depois fica fácil quebrá-la com um martelo.

E quanto ao troll? Era feito de rocha, dizia-se que se transformava em pedra quando exposto à luz do dia. E era exatamente como um hipotético pedregulho.

— TLRORL?!

O troll, entretanto, não entendeu o que acontecia. E pensar que a bruma desceria sobre ele só por ser salpicado com um pouco de água!

— TTLLOOTTTTTL?!

— Simples, mas surpreendentemente eficaz — comentou Matador de Goblins, observando o troll enquanto ele agarrava o próprio rosto e se debatia.

Não estava totalmente claro se mesmo Matador de Goblins entendia a ciência por trás do que havia feito. Mas o que importava era o resultado das suas ações.

O pó de fogo – chamado pelos alquimistas de salitre – absorveu a água e o calor do troll, acelerando o processo de resfriamento.

— Onde no mundo ele aprendeu a fazer isso…? — perguntou Alta Elfa Arqueira com um toque de aborrecimento.

— Ah…! — Sacerdotisa se pegou pensando em sua visita à cidade da água.

Lembro dele perguntando sobre como fazer guloseimas geladas…

— ORLT?! TOORLRLOT?!

Talvez fosse isso uma evidência de poderes curativos ou não, ser resfriado por um choque e imediatamente depois superaquecido era demais para se suportar. O troll, angustiado por seus ferimentos não mostrarem sinais de regeneração, começou a se debater em um surto de loucura.

Com uma risada sibilante, Lagarto Sacerdote torceu as suas mandíbulas em um sorriso bestial.

— Muito impróprio, isso. Devemos poupá-lo de sua miséria? — Ele saltou no monstro, rapidamente seguido por um disparo de Alta Elfa Arqueira.

— O que quer que seja essa grande criatura — disse Matador de Goblins, jogando sua arma para longe, mas imediatamente pegando outra espada entre os detritos —, assim que terminarmos, iremos matar todos os goblins.

O destino do troll dependeria sempre do que acontecesse com os goblins restantes. Em meio a tudo isso, porém, o garoto, escondendo-se atrás da retaguarda, observava Matador de Goblins com real intensidade.

Agora entendo. Ele está certo – o que eu disse para aquela garota foi terrível.

Mas quem era esse homem, que parecia considerar um troll pouco mais do que um incômodo, mas tão ansioso para caçar goblins?

Sim, o jovem foi descuidado. Ele agiu como o novato que era. Tinha uma parte na responsabilidade e culpa.

Mas eu simplesmente não posso admitir que este homem, dentre todas as pessoas, estava tão certo…!

 

 

— Ah, vamos lá. Se um anão não tomar um gole agora, quando é que isso vai rolar?

— Certo, muito bem então. Este é pelo nosso retorno seguro; pelo futuro daquela acólita, e por um monte de monstros mortos!

Ouçam, ouçam! Suas vozes ressoaram, seguidas rapidamente pelo barulho de copos e respingos de vinho.

Há uma razão pela qual aventureiros e álcool começam com a mesma letra; estão inextricavelmente ligados.

Muitos grupos estavam relaxando na taverna da Guilda após mais um dia de trabalho.

Nossa, mas o inimigo daquele dia foi difícil. Bem, quem usaria a espada encantada que encontraram? Que graça, aquela garota da aldeia era linda.

A pior parte foi quando você errou aquele ataque. Mas então houve aquele golpe final. Muitas chances para usar feitiços.

A celebração da vitória tinha que chegar primeiro. Em seguida, uma consideração cuidadosa do que poderia ter saído melhor. Eles riam dos erros de seus companheiros e regavam seus sucessos com elogios.

Dividiam o saque obtido, discutiam sobre a possibilidade de vender ou usar qualquer equipamento obtido e falavam com entusiasmo sobre a próxima aventura.

Por convenção, os aventureiros não discutiam ou reclamavam sobre equidade durante a aventura em si. Ninguém queria uma briga no meio de uma masmorra. Esses detalhes eram reservados para “depois da sessão”, o tempo após o término da aventura. Nessa fase, o grupo deixava tudo rolar, para que nada ficasse não dito, para que, se na próxima vez morressem, pudessem fazê-lo sem arrependimentos.

O grupo de Matador de Goblins seguia essa tradição.

— O que há de errado com você, Orcbolg? Sei que você não é muito de conversar, mas podia dizer ao menos algo em um momento como este!

— É mesmo?

— Com certeza!

Embora Alta Elfa Arqueira estivesse apenas bebendo do seu próprio vinho aguado, estava mais do que feliz em servir aos outros enquanto esvaziavam os seus copos. Era menos pela função do que por diversão pessoal – talvez não o melhor lado da sua personalidade; mas a bebida talvez já estivesse subindo à cabeça.

Em contraste, Matador de Goblins calmamente derramou vinho entre os sarrafos de seu visor, como sempre.

— Sinto muito, milady garçonete, mas posso incomodá-la por um pouco de salsicha?

— Claro, mestre lagarto! O de sempre? — Garçonete Felpubro apareceu abrindo caminho através da multidão de aventureiros, ziguezagueando entre assentos e mesas. — E queijo por cima, correto?

— Ah, doce néctar! Sim, indubitavelmente! — E então Lagarto Sacerdote, tendo pedido um acompanhamento para a sua bebida, bateu com o rabo no chão. Tudo isso foi como de costume, mas…

— Ahh, vamos lá, seu copo está ficando solitário! Beba!

— Certo…

Sacerdotisa, por exemplo, não parecia consigo mesma, sentada com ombros caídos.

Na verdade, era ela quem sempre assiduamente servia todos, certificando-se de que todos os copos continuassem cheios. Caso contrário, seria de se esperar que Alta Elfa Arqueira ficaria totalmente libertina com sua comida e bebida.

— Eu só… Sabe, hoje… — Sacerdotisa parecia que ia começar a chorar a qualquer momento. Seu olhar sombrio não era o mais adequado para uma clériga, muito menos para um grupo como este.

Então, mais uma vez, seria difícil culpá-la. Foi a sua primeira experiência como líder de um grupo, e foi razoavelmente bem – até que ela se atrapalhou. Funcionou, mas só porque um dos outros membros do seu grupo conseguiu assumir tudo. Mas se ele não tivesse o feito, certamente seriam eliminados.

Assim como em sua primeira aventura.

— Aww, vamos lá! Ainda estamos todos aqui, não estamos? Não se preocupe! — Elfos que viveram dois mil anos não estavam inclinados a se preocupar com detalhes tão triviais. — O que, você esperava entrar no jogo e ser capaz de administrar tudo com perfeição? — O tom e a expressão da Alta Elfa Arqueira (como testemunha a grande contração de suas orelhas) deixaram claro o quão bobo ela achava que era isso. — Isso está além até mesmo de um elfo. Se você encontrar um elfo capaz disso, puxe as suas orelhas, porque garanto que estarão presas.

— Pela primeira vez você está fazendo sentido, Orelhas Compridas!

— Pfft! Eu sempre faço sentido! — respondeu ela, estufando seu pouco peito.

Mas isso durou apenas um momento. Seus olhos ficaram semicerrados e ela virou o rosto vermelho para o outro lado da mesa.

— Enfim, e quanto a você?

Além do Matador de Goblins e Sacerdotisa, havia mais uma pessoa à mesa que não falava muito. Era o jovem, que apoiava o queixo em uma das mãos, amuado, e empurrava um pedaço de salsicha por todo o prato.

Fazia certo sentido: fora sua primeira aventura e não tinha quase nada do que se orgulhar. Ele correu à frente, pensando muito de si, e caiu direto em uma armadilha. Sua magia seria o ás na manga, e a usou na hora errada.

Sua experiência parecia quase o oposto da glamorosa aventura com que tantos sonhavam.

Bem, acho que é a sua realidade. Alta Elfa Arqueira soltou um suspiro e voltou a cuidar da sua bebida, como se já tivesse perdido o interesse.

— Não há necessidade para tanta consternação — disse o Lagarto Sacerdote. — Você voltou da sua primeira aventura em segurança, e isso é motivo suficiente para comemorar.

— Ele está certo, garoto. Nem todo mundo encontra um troll logo na primeira vez. — Por bem ou por mal. Anão Xamã deu um tapinha nas costas do garoto emburrado e tomou um gole de vinho.

— Se aquele troll idiota não estivesse lá — disse o garoto —, então nem eu teria problemas com aqueles goblins…

— Em todo caso, há uma só coisa a fazer — disse o anão, generosamente enchendo o copo do garoto. — Beba! Este é um vinho decente.

O garoto olhou para o copo como se fosse mordê-lo, então virou tudo em um só gole.

— Guh?! Cough! Hack! Ugh! — Ele engasgou com o álcool que feriu a garganta.

— Então, vê? Na primeira vez que você tenta não dá certo! — A risada do Anão Xamã foi um pouco maldosa e um pouco encorajadora. O garoto lançou-lhe um olhar ressentido e abriu a boca como se fosse dizer algo.

Antes que pudesse falar, entretanto, se viu com a boca cheia de salsicha e surpreendeu-se com um prato da coisa.

— Vamos, agora, acalme a sua língua com o gosto da minha salsicha coberta com queijo.

A carne, tão quente que chegava a fumegar, estava parcialmente enterrada em um queijo derretido e pegajoso. Lagarto Sacerdote pegou um pouco da sua própria porção (visivelmente maior que qualquer outra) e enfiou na boca. A pele da salsicha estalou enquanto ele mastigava; sua boca enchendo com os ricos sucos. O salgado dos condimentos realçava a doçura do queijo, uma perfeita combinação.

— Néctar! — exclamou ele, juntando as mãos como se em adoração. Então ofereceu um prato para Sacerdotisa. — Pegue um pouco. Delicioso, isso garanto. E auspicioso também. Afinal, uma refeição deliciosa é a coisa mais encorajadora após uma experiência difícil.

— Acho que você está certo… — Com muita hesitação, Sacerdotisa aproximou seu garfo da salsicha. Ela espetou um pedaço e levou à boca, que se abriu apenas o bastante para uma mordiscada.

— Eu também… queria ter feito melhor lá.

— Ha! Ha! Ha! Ha! — riu jovialmente o Lagarto Sacerdote. Sacerdotisa o encarou. Ele estava de pé, alegava que seu rabo atrapalhava quando tentava se sentar em uma cadeira. Isso só serviu para enfatizar a sua altura.

Sacerdotisa estufou um pouco as bochechas, recebendo um aceno aprovador do homem-lagarto.

— Esse fogo no coração é uma coisa boa. Se não desejar fazer nada, nunca o fará. O que é o progresso senão a tentativa de seguir em frente? — Um dedo escamoso apontou para cima, desenhando um círculo no ar. — Os nagas, meus temíveis ancestrais, primeiro rastejaram nos pântanos antes de caminhar na terra com quatro patas, donde tornaram-se nagas.

Este era um mito dos homens-lagarto. Sacerdotisa não estava familiarizada com isso.

Detritos no mar tornaram-se peixes, então os peixes emergiram na terra, pisaram no solo, levantaram-se e por fim tornaram-se os nagas que tudo governavam.

Era a maneira do homem-lagarto falar de progresso, ou talvez evolução; sua cultura o encorajava a seguir sempre em frente.

Embora isso fosse tudo muito interessante, Sacerdotisa não tinha certeza do que significava para ela, e acabou revelando um sorriso ambíguo.

Posso ao menos entender que ele está tentando me encorajar.

— Ei, a propósito — disse Alta Elfa Arqueira, interrompendo no momento em que Sacerdotisa dava uma mordiscada na salsicha, que então não teve nada a dizer. Sem dúvidas, a elfa não tinha a intenção de ajudar a garota; apenas tinha a tendência de saltar para qualquer assunto que lhe aparecesse à cabeça. — E quanto àquilo, sabe; a garota acólita? O que aconteceu com ela? Vai ficar bem?

— Ah, sim — disse Sacerdotisa, balançando a cabeça rapidamente e enxugando os dedos que estiveram em sua boca. — Conseguiram recolocar os dedos dela. Assim que ela descansar, vão pensar no que fazer depois.

— Que bom ouvir isso. Digo, sei que ainda é difícil, mas enquanto continuar viva, sempre há algo mais que possa fazer.

Para a Alta Elfa Arqueira, foi apenas um comentário passageiro. Por isso, foi ainda mais surpreendente quando uma resposta voltou-se a ela.

— Às vezes você está vivo e ainda não há nada que possa fazer! — Era o garoto.

Ele estava olhando para a Alta Elfa arqueira com tanta intensidade que poderia destruí-la com o poder de seu olhar penetrante.

— Ela foi derrotada por goblins, não foi? Nunca vai superar isso. Sem chances.

— Q-qual é o seu problema? — disse a elfa, franzindo os lábios e parecendo um pouco intimidada. — Não acho que isso seja tão certeiro…

— Bem, mas foi assim para a minha irmã mais velha! — gritou o garoto, batendo na mesa circular com a mão.

Alta Elfa Arqueira recostou-se em choque, suas orelhas murchas contra a cabeça.

Os pratos chacoalharam, a comida derramou e o vinho caiu quando o garoto bateu na mesa. Lagarto Sacerdote rapidamente começou a pegar os pratos maiores, com Anão Xamã ajudando. Pareciam ter se nomeado os guardiões do jovem bêbado.

Eh, os jovens costumam ficar assim depois de um pouco de vinho.

Isso era melhor do que manter os sentimentos só para si. Essa, pelo menos, foi a avaliação do anão.

— Ela perdeu para os goblins! As coisas que eles fizeram…!

— Irmã mais velha? — disse uma voz muito baixinha.

Reflexivamente, o olhar de todos os aventureiros sentados à mesa voltaram-se ao orador. Era Matador de Goblins, que até o momento estava bebendo o seu vinho em silêncio.

— Você tem uma irmã mais velha?

— Eu tinha uma irmã mais velha! — gritou o garoto. O álcool havia despertado as suas emoções, e então as palavras saíram em uma torrente. — E eu ainda a teria, se ela não tivesse morrido depois de ser esfaqueada com uma lâmina envenenada por um goblin!!

— Hã…?

Ninguém pareceu notar o sangue fugindo do rosto de Sacerdotisa após aquele comentário.

Seus pensamentos tornaram-se uma estonteante mistura de Claro e Não pode ser…

Suas mãos tremeram um pouco. Sua garganta secou mesmo enquanto engolia saliva; a ela soou terrivelmente alto.

Uma lâmina envenenada. Morta por um goblin. Cabelos ruivos. Uma lançadora de feitiços.

Como poderia esquecer?

— Minha irmã era incrível! Se aqueles goblins não tivessem usado veneno, teria os arrasado! — disse o garoto com uma espécie de meio gemido. Então atirou o seu copo com toda a força que pôde.

Oop. Lagarto Sacerdote o agarrou com a cauda.

— Mas aqueles bastardos da Academia, eles só…! Podem ir direto para o inferno.

Com essas últimas palavras, quase sussurros, o garoto desabou na mesa.

As vozes dos outros aventureiros na taverna pareceram diminuir por um momento? Ou tinham escutado o garoto gritando? Havia mais algum presente olhando para ele?

Bem, mesmo se houvesse, não teria dito nada.

Tornar-se um aventureiro era o mesmo que ser responsável por si mesmo. Todos tinham algum fardo que carregavam ou alguma esperança abraçada. Buscavam riquezas, ou fama, ou renome marcial, ou disciplina, ou dinheiro, ou sonhos, ou ideais, ou fé.

Embora não houvesse dois iguais, o peso do que havia em seus corações era o mesmo.

Como poderia comparar o desejo de colocar comida à mesa no outro dia e o de sondar as profundezas de ruínas desconhecidas? Que diferença havia entre um iniciante dando tudo de si e lutando contra ratos gigantes nos esgotos e um velho lutando cara a cara com um dragão?

Era por isso que ninguém disse nada.

A exceção – a única – era o homem que, apesar de ser um aventureiro experiente, continuou a caçar goblins.

— É mesmo…? — murmurou baixinho o Matador de Goblins, sua própria voz soando com um gemido muito semelhante ao do feiticeiro.

Ele pegou o seu próprio copo e tomou um gole.

Então houve um barulho quando levantou-se da mesa.

— Estou voltando. Encontre um quarto para ele. Não importa onde.

Houve um clique silencioso da sua língua. O garoto ainda não havia conseguido um quarto em qualquer pousada.

O aventureiro tirou uma única moeda de ouro da bolsa em seu quadril e a jogou sobre a mesa.

— Isso deve cobrir as despesas.

— Claro, nós cuidaremos disso. — O Anão Xamã acenou com a cabeça, mas não disse mais nada, só pegou a moeda com seus dedos grossos.

— Ah… — Sacerdotisa parecia estar, talvez, prestes a dizer algo para o homem enquanto ele passava. Sua boca abriu, mas nada saiu, exceto, em uma voz baixa, o nome dele. — Matador de Goblins, senhor…

— Descanse um pouco.

Ela encontrou uma luva de couro surrado colocada em seu ombro delicado.

No momento em que se moveu para colocar a sua pequena mão sobre a dele, já tinha ido embora.

Ela olhou para um lado e para o outro, à sua procura; o viu dirigindo-se para a porta com os seus passos despreocupados de sempre.

— Espera aí, Orcbolg! — gritou a Alta Elfa Arqueira, sua voz cortando o burburinho da taverna. — E amanhã? Vamos fazer uma pausa?

A resposta foi curta e fria.

— Não sei.

Assim que ele começou a empurrar a porta de vaivém da Guilda, Matador de Goblins encontrou-se com outro aventureiro que entrava.

— Nossa! Se não é o Matador de Goblins! — exclamou um homem bonito, mas de aparência durona. Era o aventureiro empunhando a lança.

Talvez ele mesmo retornasse de uma aventura. Estava coberto de sujeira e poeira, e cheirava um pouco a sangue.

— Não pule para cima de mim desse jeito, cara, você me assustou pra…

O que quer que ele estivesse prestes a dizer, engoliu. Em vez disso, olhou atentamente para o capacete de aparência barata de Matador de Goblins.

— Qual é o problema…? — perguntou ele. — Aconteceu alguma coisa?

— Nada.

Matador de Goblins praticamente empurrou Lanceiro para o lado quando deixou a Guilda.

Lanceiro ficou parado na porta, olhando para ele como se não pudesse acreditar no que tinha visto.

Nunca tinha se deparado com Matador de Goblins empurrando alguém.

 

 

Não há nada que os aventureiros gostem mais do que uma boa bebedeira.

A farra dentro da Guilda atravessava as paredes e janelas para dar um ar de alegria à noite.

Se um aventureiro estivesse encolhido em algum beco, em algum lugar tão escuro que nem mesmo a luz das luas gêmeas o alcançava, quem notaria?

Armadura de couro de aparência barata e um capacete encardido. Mesmo um novato recém-chegado teria equipamentos mais sofisticados.

Era perfeitamente comum: um aventureiro novato, trôpego com o alívio de sobreviver a uma aventura, começa a beber demais.

— Uma irmã mais velha, ele disse…? — rosnou o aventureiro, colocando o capacete de lado.

Ele pensava que tinha sido capaz de realizar pelo menos uma coisa?

Pensava que tinha conseguido fazer ao menos uma coisa certa?

— Idiota…

Ele cerrou os dentes e os punhos, mas não fez nada para aliviar a sensação de que havia um peso de chumbo em seu estômago.

Incapaz de resistir à onda de náusea, no beco vomitou.

 

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