Capítulo 6
Riiing. Ela semicerrou os olhos contente quando tocou seu cajado de monge. O primeiro vento a sinalizar o fim do verão roçou suas bochechas. A carruagem sacudia também. Que agradável seria andar ao lado dela na estrada.
Ela voltou a si. Ela quase se esqueceu de que estava no meio de uma missão de escolta. Como membro do clero, ela achava às vezes que conseguia sentir a presença dos deuses em momentos como esse.
Apenas algumas nuvens preenchiam o céu. Ao longe, uma sombra negra voava. Um gavião? Uma águia? Um falcão?
— Aquele pássaro está bem alto, não?
— De fato…
Aquele que falou com ela estava sentado no teto da carruagem.
O patrulheiro com a besta não estava, é claro, lá em cima por diversão. Alguém precisava manter vigilância. Patrulheiro se mostrara confiável em ficar de olho no ambiente e não mostrou sinais de deixar sua atenção se perder.
Então a suspeita na voz de Patrulheiro fez com que ela apertasse de imediato as mãos no seu cajado de monge. Cada um dos outros preparou seus equipamento também, se preparando contra algo que não podiam ver. O único que não parecia notar algo era o dono da carruagem, um mercador. Eles o ignoraram quando perguntou: “Então, o que está acontecendo?”.
Patrulheiro disse em voz baixa: — Não acham que esse pássaro é grande demais?
— Agora que falou nisso…
Aconteceu quando ela tentou ver mais de perto.
Ele estava encurtando a distância até enquanto observava: pele e garras, bico e asas da cor de cinzas escuras…
— Demônio!
Eles reagiram com a voz do seu companheiro, Patrulheiro, mas estavam atrasados demais para tomar a iniciativa. No caso dela, criticamente tarde demais, e o monstro — o demônio de pedra — foi terrivelmente rápido. Não foi destino ou acaso, mas uma diferença clara nas capacidades que foi sua ruína.
Quando ela pensou Hum?!, seus pés já estavam voando sobre o chão. Ela sacudiu as pernas, mas não significava nada; ela foi puxada bem para o alto no ar. O chão, a carruagem, seus amigos, todos ficaram mais distante.
— Ergh… ahh… ou… aahã?!
Ela bateu no monstro com o cajado de monge no seu esforço desesperado para resistir, ao que ele apertou as garras nos seus ombros e a sacudiu.
Ela olhou para baixo e deu um grito com isso. Ela sentiu a parte inferior do seu corpo ficar úmida.
— Hrrgh… Eeegh!
Os problemas não pararam por aí. Sua coxa ardia como se fora atingida por uma pinça quente. Patrulheiro devia ter disparado uma flecha na tentativa de fazer algo, e o demônio deveria a ter usado como escudo.
Ela olhou para baixo, com a visão turva pelas lágrimas, para ver seu conjurador entoando alguma coisa.
Pare, pare, pare, pare! Ela agitou desesperadamente seu cajado de monge, balançando a cabeça em Não, não!
Estivemos enganados! Isso não é um demônio! Isso não é um…!
— Aaaaahhh!
A criatura se esquivava da avalanche de raios, a sacudindo como um chicote. A flecha em sua coxa se enfiou mais fundo na carne. Ela gritou e tremeu.
Ela não devia ter feito isso.
As garras em seus ombros escorregaram, rasgando a pele, a carne e tirando sangue.
— Ugh!
Um som escapou dela. A sensação de flutuar. Vento. Vento. Vento. Vento.
Ahh, estou com medo, me ajude, Deus do Conhecimento, ó Deus, oh Deus…
Infelizmente, tudo isso talvez tenha sido um desejo fervoroso de sua parte, mas não era uma oração.
Dessa forma, não alcançou os deuses. Sua única noticia positiva era que não sentiu dor. Ela teve azar até no momento em que atingiu o chão, sem perder a consciência.
Embora por ela agora ser um pedaço trêmulo de carne arruinada, isso não fazia diferença.
— Então, qual é o plano?
Uma voz ríspida e masculina soou pela terra devastada fustigada pelo vento. A lança que ele carregava nas costas e a armadura que usava, o fazia parecer bonito e corajoso.
Em frente aos olhos de Lanceiro se erguia uma torre branca, brilhando na luz do meio-dia. As paredes eram feitas de uma pedra branca cintilante; da forma como alcançava aos céus sem uma única sutura, devia ser marfim. Mas a ideia de que não havia nenhum elefante assim tão grande deixava poucas dúvidas se esse era o produto de magia.
— Eu diria que essa coisa tem pelo menos sessenta andares.
— Entrar pela porta da frente pode ser complicado.
A resposta veio de alguém com aparência não menos heroica do que Lanceiro. Seu corpo musculoso estava armadurado, e em suas costas levava uma espada larga quase tão grande quanto ele. Guerreiro de Armadura Pesada, famoso na cidade fronteiriça, estendeu a palma da mão e olhou para cima, semicerrando os olhos para o topo da torre.
— Oitenta e nove por cento de chance dessa torre ter sido construída por algum tipo de idiota que a preencheria com monstros e armadilhas.
Aos seus pés havia um cadáver brutalmente deformado; parecia ter caído de uma grande altura. Eles já haviam pegado a insígnia que estava em seu pescoço, indicando seu nome, gênero, ranque e classe. Aparentemente, o corpo pertencera a uma garota, mas se ela havia morrido antes da queda ou por causa dela, eles não sabiam.
Eles viam outros pontos carmesins ao redor da torre, presumivelmente mais restos.
— Suponho que algum mágico estranho construiu ela como um esconderijo. Eu diria que ele se saiu mal.
Guerreiro de Armadura Pesada cutucou levemente o cadáver com a bota. O dono da torre era um Que-Não-Reza, ele se esquecera como. Essa aventura significava que seria basicamente um corta-e-massacra, cheio de oponentes monstros.
— Duvido que haja necessidade de termos que enfrentá-lo de frente.
A última pessoa falou com a voz calma e baixa. Era um homem com armadura de couro suja e um capacete de aço medíocre, com um pequeno escudo redondo no braço e uma espada de tamanho estranho no quadril. Ele enfiou a mão na bolsa de itens em sua cintura e começou a procurar pelos equipamentos.
— Podemos escalar a parede.
— Ei, está dizendo com uma corda ou algo assim? Se o gancho soltar no meio de caminho, nós vamos cair direto!
— Segure um pitão em cada mão e puxe.
Lanceiro deu de ombros, olhando para o pitão que Matador de Goblins pegara.
— Você tem alguma experiência em escalada?
— Um pouco, em montanhas. Penhascos também.
Guerreiro de Armadura Pesada cruzou os braços e grunhiu. Ele estendeu o dedo, medindo a altura da torre, e estalou a língua.
— A questão é como lutar contra algo que pula em você no caminho. Não precisa ser um demônio. Uma gárgula seria problema de sobra.
— Gárgula?
— Estátuas de pedra — disse Guerreiro de Armadura Pesada, indicando seu tamanho aproximado com as mãos. — Asas. Elas voam ao redor do céu.
— Hmm. — Matador de Goblins soltou um grunhido. — Então existem inimigos como esse também…
— É. Pessoalmente, sou focado em armamento de curta distância, mas… um usuário de magia certamente facilitaria as coisas aqui agora.
— Não fique todo animado aqui, tá? — Lanceiro olhou para Guerreiro de Armadura Pesada, que começara a formular uma estratégia com a maior seriedade, como se não pudesse acreditar no que via.
— E então? Quer abrir caminho até lá, detectar e desarmar armadilhas, procurar por aí? De certo que não. — Guerreiro de Armadura Pesada suspirou, deslizando a espada enorme nas costas para repousar entre as omoplatas. — Porque não temos conjurador, monge e nem ladrão.
Nisso, Lanceiro só pôde ficar em silêncio.
Havia uma gama interminável de lugares para se aventurar no mundo. Ruínas das batalhas da Era dos Deuses eram numerosas, e ainda mais na fronteira. Independente se eles seguissem a Ordem ou o Caos, nações floresciam e depois declinavam, e o ciclo continuava com outra nação surgindo. Em consequência, encontrar uma ou duas ruínas novas não era nada especial. Mas quando ruínas apareciam um dia depois de quando não estavam antes, era outra história.
Foi supostamente uma caravana mercante que descobrira a torre de marfim se erguendo de resíduos. A floresta que estava lá em sua viagem de ida desaparecera, substituída pela torre branca que os contemplava de cima.
Naturalmente, sua surpresa foi tremenda, mas não tiveram tempo para ficar olhando, eles foram atacados por criaturas com formas humanas e asas de morcegos.
Demônios! Aqueles agentes horríveis do Caos! Aqueles Personagens Que-Não-Rezam!
Os comerciantes fugiram, e por meio da Guilda dos Aventureiros, seus relatórios foram enviados ao próprio rei. O rei poderia ter enviado o exército para exterminar a ameaça e o assunto teria sido resolvido. Se as coisas fossem simples assim.
Mandar o exército exigia homens e dinheiro. Nesse caso, os homens eram cidadãos normais e o dinheiro eram impostos. Os impostos poderiam subir no ano seguinte. E parentes, membros da família, amigos e vizinhos poderiam morrer cumprindo seu dever como soldados. Os cidadãos achavam isso intolerável e criariam apenas ressentimento.
E também havia o dragão para vigiar que vivia no vulcão e outros problemas como partidários do Senhor Demônio que ainda ameaçava a área. Enviar o exército significaria haver menos pessoas para participar nessas outras questões.
E se a torre fosse uma isca, uma distração, e então? Verdade, demônios estavam se reunindo lá, mesmo assim, era só uma torre no meio de um terreno baldio. Talvez algum mago doentio tivesse construído. Não podia ser dito ainda se era uma ameaça para o país ou ao mundo. Não havia razão para os militares se envolverem.
Poder-se-ia perguntar, então, para que serviam os militares. Estarem prontos contra uma invasão das forças do Caos, é claro. Na recente batalha culminante entre o novo herói ranque Platina e o Senhor Demônio, eles estiveram nas linhas de batalha. As baixas foram elevadas. Muitos morreram, muitos ficaram feridos. Eles não estavam em condições de ir imediatamente para a próxima escaramuça ou grande batalha.
Mais do que tudo, uma estratégia simples dizia que tentar enfiar um exército em uma ruína ou uma caverna era uma boa forma de destruí-lo. Unidades militares eram feitas para lutar em planície aberta contra unidades inimigas, não para entrar em espaços fechados que nem mesmo cavalos podiam entrar.
Ruínas e cavernas tinham monstros que ameaçavam as aldeias pioneiras. Como o exército poderia ser despachado para todos eles de uma só vez? Era precisamente devido ao rei e os nobres serem um bom rei e bons nobres que não podiam utilizar suas forças tão levianamente.
— Mas essa questão também não será ignorada.
O jovem rei, visitando sua amiga pela primeira vez em muito tempo, suspirou profundamente.
O lugar era mesclado de raios solares suaves, cheio de tranquilidade e silêncio verdadeiro.
A vida vegetal era cuidadosamente tratada, as flores perfumadas. Os pilares brancos no bosque pareciam ser árvores enormes. O correr de um riacho, que parecia vir de nenhum lugar em especial, era relaxante aos seus nervos desgastados.
— O que acha que devo fazer?
— Meu Deus.
Eles estavam em um jardim na parte mais profunda do Templo. Sua sacerdotisa deu um sorriso elegante e inclinou a cabeça. Seus lindos cabelos dourados fluíram como mel, caindo sobre seu peito vasto.
— Uma interessante mudança de ideia para alguém que deu as costas quando estávamos lidando com os goblins.
— Você tem de entender, embora possa ter sido uma tragédia pessoal, em uma visão geral, era trivial.
O rei falou sucintamente, depois sacudiu a mão como se para afastar as palavras.
A maneira como se acomodou no banco que fora preparado para ele era ao mesmo tempo rude e ainda assim gracioso. Era isso o que chamavam de realeza? Ou orientação aristocrática? O que quer que fosse, ele se movia como alguém que entendia desde o nascimento.
— E alguns goblins podem ser lidados facilmente por um grupo de aventureiros.
— …Sim. Tem razão.
Isso era um simples fato.
Goblins eram perigosos, e se eles o derrotassem, “tragédia” era a palavra exata para o que se esperava.
Mas goblins continuavam sendo os monstros mais fracos, e eles não eram os únicos contra os quais a perda significava um destino cruel. Você poderia ser comido por um dragão, dissolvido por um limo ou feito em pedaços por um golem…
O que em última análise o aguardava era a mesma coisa que encontraria quando os goblins tivessem acabado de brincar com você: a morte. Quer fosse devido à falta de força física, habilidade ou simplesmente azar, não havia futuro para aqueles que não pudessem derrotar goblins.
— Como Vossa Majestade é muito gentil…
Uma música cômica veio dos lábios entreabertos da mulher:
Uma vez um rei tão gentil e justo
Para tomar da população seus impostos
Água ele deu a um rio furioso
E aos conselhos municipais sempre ajudou
Enfiou os conselheiros na cama
E cada esfomeado alimentou
Ele fez seus soldados mostrarem coragem
E heróis enviou para buracos de goblins:
A Capital logo era uma festa para trolls.
O rei franziu a testa ao ouvir uma música que zombava da nobreza, e ela riu como uma garota.
— Não é esse o momento de recorrer aos aventureiros, Vossa Majestade?
— Realmente, pode ser…
O rei colocou a mão na testa, a esfregando como que para aliviar um músculo tenso, e assentiu. Ele pensava que terminaria assim.
O exército não era adequado para caçar monstros. Assim eles dariam status a esses malandros, dariam recompensas, eles iriam enviar os aventureiros. Era isso que mantinha o mundo girando. Eles fariam isso de novo agora. Os aventureiros não eram especialistas em caçar monstros, afinal?
— Os mercadores disseram que foram atacados por demônios, mas não sabemos ao certo o que foi responsável.
O rei balançou a cabeça como se para frisar que não existiam provas, depois se acomodou brutamente na sua cadeira.
Mal poderia um rei se sentar em um trono dessa forma. Ele fechou os olhos, respirando o ar refrescante do jardim à vontade do seu coração.
— Duvido muito que comerciantes possam diferenciar um demônio de uma gárgula.
— É uma torre de conjurador maligno, não é? — A mulher que era a mestre desse templo deu uma risada e murmurou “Nossa, que assustador”, como se não fosse problema dela.
O rei ergueu a cabeça apenas o suficiente para olhar para seus olhos tampados, mas não deu nenhuma resposta. Era assim que ela iria alfinetá-lo por ignorar o incidente com goblins. A capacidade para aceitar cordialmente os ressentimentos de suas políticas era, supunha ele, a marca de um rei. Deixe-os o chamar de incompetente, se quisessem.
— Isso é certamente mais perigoso que goblins. Mas não é nada comparado aos Deuses Demônios.
— Verdade, de fato.
— Parece que algum necromante ao sul encontrou uma tumba antiga. — O rei se recostou bem na cadeira, quase como se estivesse dizendo que o assunto o entediava. A cadeira fez um rangido. — Um exército dos mortos! Isso não me dá o luxo para lidar com goblins ou uma torre solitária.
— Heh-heh. Quão cansado você deve estar. — Ao falar, a mulher deixou suas coxas aparecerem pela bainha do vestido, como se as exibindo.
— Status é uma coisa difícil — murmurou o rei. — Sequer posso encontrar meus amigos sem um pretexto.
— Tal é a posição — sussurrou a mulher. — Tudo muda, o que você poder ver e o que não pode.
— Perdi a capacidade de dizer que eu e meus amigos deveriam simplesmente lidar com isso com nossas espadas, como fazíamos antigamente. — O rei suspirou, parecendo ponderar sobre uma memória dos tempos passados. — Não consigo deixar de pensar que as coisas eram mais fáceis quando eu era um único senhor desafiando labirintos por conta própria.
— Ah, sim, você ficava muito bem, fugindo depois de ser surrado por aquele atacamato.
— Eu me lembro de um grupo que sofreu um destino terrível quando atacado por limos.
O tom gracejador deu lugar a um mais contundente. Donzela da Espada soltou um suspiro silencioso. — Há momentos em que eu também gostaria de deixar a minha posição e voltar a ser apenas uma garota.
— Até a arcebispa do Deus Supremo se sente assim?
— Sim. — As bochechas da clériga cega tingiu-se de rosa claro, e seus lábios formaram um sorriso generoso. Ela pôs a mão em seus seios grandes para impedir de tremer, e com uma voz tão ardente quanto se estivesse confessando seu amor, ela disse: — Muito mesmo, ultimamente.
— As coisas não saíram da forma que qualquer um de nós esperava. Mas é isso que faz a vida ser interessante. — Com esse sussurro, o rei fez um espetáculo ao se erguer da cadeira. — Já é hora de me despedir. Afinal, só vim para pegar emprestado algumas sacerdotisas da guerra.
— Sim, Vossa Majestade. Estou feliz de termos a oportunidade de conversar.
— Imagino. — O rei deu um leve sorriso que abrangia tanto o amargo quanto o familiar. — Você parecia ter outra pessoa em mente além de mim.
— Lamento, não posso fazer isso.
Guerreiro de Armadura Pesada olhou para o formulário da missão e balançou a cabeça com firmeza, embora fosse assinado pelo próprio rei.
— É muito difícil?
— Nem, mas o meu grupo está indisposto no momento. Caso contrário teríamos pegado.
— Bem, essa é uma situação difícil — murmurou de novo Garota da Guilda, franzindo a testa para o aparente sombrio Guerreiro de Armadura Pesada.
Em sua mão ela segurava um pedido para investigar as ruínas chamadas provisoriamente de “Torre do Demônio”.
Recentemente se tornara cada vez mais comum ruínas e labirintos surgirem de repente. Desde a derrota do Senhor Demônio, seus partidários restantes andavam fazendo trabalho sombrio por todo o lado. Enquanto os militares se recuperavam, os conjuradores malignos e semelhantes ficaram menos relutante em ser vistos pelas pessoas.
Como parte da Guilda, seria mentira dizer que Garota da Guilda não queria designar todas as missões disponíveis. Mas mesmo com uma recompensa de dezenas de peças de ouro por pedido, havia cem ou duzentas para serem resolvidas. Ela percebeu que o tesouro nacional era basicamente ilimitado e não conseguia pensar em nada mais indulgente do que isso.
— Estaríamos contra demônios, certo?
Podendo ouvir ou não o suspiro de seu peito bem formado, Guerreiro de Armadura Pesada deu mais uma boa olhada na folha de missão. Com o dedo envolto de uma luva simples, ele traçou lentamente as letras dançando na página, então formou um punho.
— Sem ao menos um conjurador e um batedor… ranques Prata, ainda por cima…
— Um grupo de três?
— Esse seria o mínimo. Se possível, eu gostaria especificamente tanto de um mago quanto um clérigo comigo e dois outros na linha de frente, e esse batedor. Seis no total.
Hum, hum, hum. Garota da Guilda pensou nisso com uma expressão séria no rosto, com os papéis em sua mão farfalhando enquanto os virava descuidadamente.
Fichas de Aventura.
Elas gravavam como cada capacidade do aventureiro crescera com cada aventura que passavam. Não seria exagero dizer que, de certo modo, esse maço de papel eram as próprias vidas dos aventureiros. A pilha continha um monte de novatos, magos e clérigos, batedores e guerreiros. Mas quando chegava naqueles que formavam os ranques superiores, o número caia drasticamente. Um dos seus problemas era que havia bem poucos veteranos de ranque médio.
Não temos ninguém que se encaixe perfeitamente nessa descrição.
Garota da Guilda olhou para os aventureiros que faziam do edifício tão vivo. Claro que eles deviam ser capazes, mas também tinha de ser pessoas decentes. Afinal de contas, o recrutador de missão dessa vez era o próprio rei. A Guilda não precisava de alguém que só saia para provar alguma coisa. Eles poderiam ser um pouco egoístas ou ambiciosos, mas tinha que entender o que realmente estava em jogo…
— Se apenas houvesse alguém que tivesse todas essas qualidades e pudesse equilibrar o uso de magia com batalha…
— Pode deixar! Estou bem aqui!
Foi como um sonho. Quando seu desejo havia acabado de se perder, alguém respondeu entusiasticamente.
Ele veio correndo alegremente até o balcão, carregando sua lança, como se tivesse esperado por esse momento a vida toda. Assim que Garota da Guilda percebeu quem era, ela disse “Ah!” e trouxe um sorriso ao rosto. — Agora que penso nisso, me lembro de você ter aprendido um pouco de magia.
— Um aventureiro tem que estar pronto para todas as situações possíveis! — Lanceiro assentia ansiosamente e confiante, e não pareceu notar Guerreiro de Armadura Pesada exclamando “Aggh” e batendo na própria testa, um gesto fácil de se entender.
Independentemente disso, Garota da Guilda sabia muito bem que Lanceiro trabalhava com Bruxa.
— Ham-ham, o seu… grupo está de acordo com isso?
— Ah, claro. Acabamos de voltar de um de nossos “encontros”. Acho que vou deixá-la descansar.
…Ele tem certeza disso?
Garota da Guilda olhou sobre os ombros de Lanceiro e viu Bruxa atrás dele, descansando no banco. Bruxa lhe ofereceu um sorriso elusivo.
Essa é a atitude mais problemática de todas.
Mexendo com as tranças com uma das mãos, Garota da Guilda soltou um leve suspiro perturbado. Da perspectiva de Bruxa, Garota da Guilda era uma rival amorosa. Mas isso era negócios… certo?
Hmm. Não posso deixar minha vida pessoal se envolver com meu trabalho.
— Está bem, de momento, vocês dois… tudo bem?
— Claro, não me importo. Eu posso confiar… bem, tenho confiança nesse cara. — Apesar de ele parecer se atrapalhar um pouco com as palavras, Guerreiro de Armadura Pesada assentiu. — Mas ainda não é o bastante.
Lanceiro surrupiou o papel da missão de Guerreiro de Armadura Pesada com um “Me deixe ver isso” e inclinou a cabeça. — Como não somos o suficiente? — disse ele.
— Quero um batedor, pelo menos.
— Não há muitos batedores talentosos por aí. E quanto aquele garoto do seu grupo?
— Não quero envolvê-lo em uma luta com demônios — disse seriamente Guerreiro de Armadura Pesada. — Eu não poderia carregar essa responsabilidade. — Ele encarou Lanceiro. — Não preciso necessariamente de alguém com alinhamento bom, mas quero pelo menos um neutro.
Em alinhamento, “bom” e “mau” não tem exatamente o seu significado literal, mas sobretudo descrevia se alguém era alocêntrico ou um egocêntrico, se preferiam lutar ou não. Batedores e ladrões estavam por si mesmos e eram dispostos a agir. Era algo que valia pensar se você não quisesse ter de se preocupar com seu compatriota agindo contra o personagem quando o momento crucial viesse.
— Então o que você precisa é…
Alguém que era um batedor e poderia ficar na linha de frente. Capaz, bem como respeitável. Alguém que pudesse manter seus negócios e vida pessoal separados. Cujo alinhamento era, se não bom, ao menos neutro. E alguém que estaria susceptível a tomar essa missão.
— Sim! Consigo pensar em um!
Quando Garota da Guilda bateu as mãos e saltou do seu lugar, Lanceiro lhe deu um olhar duvidoso. O breve momento que esse olhar sondou seu peito não passou despercebido, mas no momento Garota da Guilda não se importava.
— Hã? Existe realmente alguém assim?
— Posso garantir que ele é habilidoso, de qualquer forma. — Ela chegou mesmo a lhe dar um sorriso e uma piscadela, depois marchou muito bem-disposta. Ela parecia impressionante, seus sapatos faziam barulho enquanto andava com o papel apertado no peito. Ela ia para o banco em um canto da área de espera da Guilda. O lugar onde ele sempre se sentava. Ela achou ficar um pouco emocionada só de ver o capacete de aço se virar em direção a ela quando reparou que vinha.
E então ele perguntou, com uma voz baixa e desapaixonada:
— …Goblins?
— Tenho que admitir, não pensei que fosse aceitar.
— Porque não havia missões de goblincídio.
Assim, os três aventureiros se encontravam na frente da torre. Lanceiro e Matador de Goblins, com Guerreiro de Armadura Pesada como líder.
Um grupo composto de um guerreiro humano, um segundo guerreiro humano e um terceiro guerreiro humano. Isso traria um sorriso irônico a qualquer rosto. Embora esses tipos de grupos não fossem incomuns, por pura necessidade.
— E precisava de dinheiro.
— Principalmente por extermínio de goblins, presumo? — riu Lanceiro.
Mas Matador de Goblins respondeu “não” e balançou a cabeça. — Não por isso. Mas é urgente.
— Dependendo de quanto precisa, posso te emprestar um pouco — disse Guerreiro de Armadura Pesada, sem tirar os olhos da torre na frente deles. — Acho que você não morreria.
— Agradeço, mas não, obrigado.
— Você que sabe. — Guerreiro de Armadura Pesada respondeu com um aceno e Matador de Goblins começou a vasculhar sua bolsa de itens. A primeira coisa que sua procura resultou foi um monte de pitões e um martelo pequeno.
— E eu já tenho uma dívida para pagar.
— Dívida? Que seja! — Lanceiro franziu a testa e estalou a língua irritado. — Somos aventureiros! Terminaremos essa missão, considere essa dívida paga.
— Entendi.
— De qualquer modo, você literalmente só tratou comigo uma única bebida depois daquilo. Você ainda me deve!
— Isso é o oposto do que acabou de dizer — disse Guerreiro de Armadura Pesada exasperado, mal ouvindo os dois.
Matador de Goblins retirou um rolo de corda e pôs no ombro.
— Eu prometi te recompensar com uma bebida. E eu fiz.
— Hrrrgh! — Lanceiro não teve qualquer resposta para a réplica de Matador de Goblins. Guerreiro de Armadura Pesada teve de se esforçar para segurar um sorriso.
Resmungando furiosamente “hrmph, hrmph” e estalando a língua, Lanceiro deu a parede algumas batidas experimentais. — …E-enfim, essa parede parece terrivelmente sólida. Tem certeza de que conseguirá fixar seu equipamento de escalada nela?
Havia algum truque para funcionar, mas os outros dois também não se sentiriam atraídos com isso. A torre fora criada em uma ou duas noites. Obviamente não era feita de materiais normais.
— Aqui, me dê eles.
— Claro. — Matador de Goblins passou os pitões e o martelo para a mão estendida.
Guerreiro de Armadura Pesada os pegou, dando a um dos ganchos um bom golpe com o martelo, depois ele grunhiu:
— É. É bastante duro.
A parede da torre reluzente nem sequer arranhou.
De repente, Guerreiro de Armadura Pesada começou a remover suas luvas e braceletes. Ele enfiou o equipamento em sua mochila e trocou por uma garrafa cheia de um líquido vermelho. Ele sacou a rolha e tomou. Provavelmente uma poção de força. Ele guardou o frasco vazio, depois pegou uma espada de uma mão e um anel com um rubi brilhante.
— Hum! Um anel com um encantamento de impulso físico? — disse Lanceiro com interesse.
Não era surpresa que Guerreiro de Armadura Pesada tinha uma espada mágica. Armas mágicas eram raras, mas poderia se esperar de um ranque Prata ter pelo menos uma delas.
— Normalmente uso minhas Braçadeiras do Mestre de Armas Excepcional e minhas luvas mágicas, então não preciso disso com frequência. — Guerreiro de Armadura Pesada pôs a espada em sua cintura e segurou o pitão com a mão que estava o anel. Dessa vez ele grunhiu “hmph!” e o levou contra a parede.
— Dê uma olhada, Matador de Goblins. Isso é equipamento de primeira classe para você.
Por que está se gabando? Guerreiro de Armadura Pesada parecia querer perguntar.
Lanceiro o ignorou. — Por que você não mantem uma ou duas espadas encantadas consigo? Não quer parecer legal?
— Não tenho interesse em espadas mágicas, mas tenho um anel.
— Ah, é?
— Ele permite respirar debaixo d’água — disse Matador de Goblins brevemente. — Mesmo que os goblins roubassem, não faria mal.
— Para que eles iriam querer isso? Espera um pouco… você supõe que será roubado?
Lanceiro estava pressionando suas têmporas, mas o capacete de aço assentiu e disse: — É claro. Mas não iria caber no dedo de um goblin.
— Você devia aprender que não importa o que diga a essa cara, é tudo inútil. — Guerreiro de Armadura Pesada estava mostrando um sorriso enquanto agarrava o pitão e se erguia. — Ei, vocês dois vão me pagar pela poção, não é? Nós dividimos a recompensa em três partes, menos o custo.
E então, se segurando no lugar com apenas um dos braços, ele pegou outro pitão e continuou escalando. Ele não estava exatamente velocíssimo, mas parecia muito bem. Ele estava, afinal, de armadura completa e carregando uma espada larga nas costas. Isso não exigia pouca força física.
— Sem problema.
— Sim, claro.
Matador de Goblins respondeu com espontaneidade, e Lanceiro não manifestou qualquer objeção particular. A maioria dos aventureiros sabia manter qualquer disputa sobre a recompensa na taverna. Não importava quão valioso fosse um item, se você guardasse ao custo de sua vida.
Matador de Goblins agarrou os pitões e começou a subir após Guerreiro de Armadura Pesada, enquanto atrás dele Lanceiro deu um estalo com a língua. — Então eu sou o traseiro, hum?
Matador de Goblins parou no meio da escalada, olhando para trás com uma das mãos ainda no pitão.
— Prefere passar na minha frente?
— Tanque primeiro, batedor depois. Mas tudo bem, então vamos continuar subindo.
— Entendi.
Ele agarrou, subiu, agarrou o pitão seguinte, colocou o pé sobre o anterior e assim ele ficou outro nível acima. O que restava era simplesmente repetir o processo. Sem olhar para cima, sem olhar para baixo. Observando cautelosamente apenas à esquerda e à direita.
Todos eram aventureiros relativamente experientes, e tinham pontos de apoio para as mãos e pés. Se eles estivessem muito preocupados com o vento, que ficava mais forte quanto mais subiam, não poderiam ter contemplado a escalada da parede externa.
O problema era que o vento não era a única coisa que poderia machucá-los.
Matador de Goblins, verificando a esquerda e a direita como seu batedor, gritou: — Ei. — Ele continuou: — A oeste. Três deles. Alados. Não goblins.
— Então nos encontraram… Que cor são?
— Cinza.
— Sabia — disse Guerreiro de Armadura Pesada, assentindo com a resposta. — Eles são gárgulas, sem dúvida.
— Gárgulas… Humm — suspirou Matador de Goblins. — Então é assim que são.
— Há uma chance de eles serem demônios de pedra. Perto de oitenta e noventa por cento, é.
Elas eram demônios alados tão escuros quanto as cinzas no canto de uma lareira.
Ou assim poderia se pensar à primeira vista. Tais eram os monstros de pedra, gárgulas. Uma vez destinadas a vigiar lugares sagrados, gárgulas, também eram agora Que-Não-Rezam. Possivelmente era os seus corpos terríveis e distorcidos que tinham, ao longo dos anos, conduzido elas ao Caos.
Uma pessoa não pensaria que um pouco de bater de asas poderia manter uma estátua no ar, mas essas criaturas podiam voar. Ainda assim eram feitas de pedra, as tornando inimigos temíveis.
— Nunca viu mesmo uma? Elas aparecem em ruínas às vezes.
— Algumas vezes. — Matador de Goblins virou lentamente a cabeça de um lado ao outro. — Mas não sabia que eram gárgulas.
— Seja como for, elas descem rápido. — O sorriso de Lanceiro foi tão feroz quanto o de um tubarão. Os monstros voavam agora — literalmente — em seu campo de visão.
Elas estavam rodopiando preguiçosamente ao redor do topo da torre, provavelmente a vigiando. Agora elas estavam descendo em pânico, provavelmente elas não esperavam que alguém tentasse escalar a parede. Elas não estavam longe, mas os aventureiros não pareciam muito assustados ou mostravam qualquer sinal de estar ficando.
— Não é verdade o que dizem, que gárgulas não suportam a luz do sol. — Lanceiro olhou para elas, ajeitando seus pés para encontrar o equilíbrio nos pitões. — Se elas te apanharem, você terá problemas.
Segurando-se firmemente com o braço esquerdo com escudo, Matador de Goblins sacou sua espada segurando inversamente. — Se conseguir manter debaixo de você, você não vai morrer mesmo que caia no chão. Apesar de que você ficaria longe da batalha nesse ponto.
— Talvez, se pudesse lançar Controle sobre todas elas. E isso se elas não cairem em um golpe, certo? — Guerreiro de Armadura Pesada pegou sua espada de uma mão, que emitia um ligeiro brilho branco, a aura da magia. Ele segurou com a boca a corda decorativa que pendia da empunhadura, então apertou firmemente ao redor do pulso. — Não sei quanto a vocês, mas estou tranquilo só com uma mão.
— Dizem que o choque de magias vem antes do choque das armas. Arrgh. Esses marombas. — Lanceiro entrecerrou os olhos e tocou seu brinco — um catalisador mágico — com uma das mãos. Matador de Goblins olhou para o que Lanceiro estava fazendo, então balançou a cabeça.
— Estou pensando em algo.
— Eu também — disse Guerreiro de Armadura Pesada.
— Calem a boca, já entendi! Não consigo me concentrar aqui embaixo!
— GARGLEGARGLEGARGLE!!
Com um berro indistinto não muito diferente de gargarejar, os monstros demoníacos voaram até eles. Mas Lanceiro, sem pressa ou alarido, disse algumas palavras de verdadeiro poder com a capacidade de remodelar as leis da realidade.
— Hora… semel… silento! Fique em silêncio, tempo!
Naquele instante, o vento parou.
O fluxo da atmosfera cessou; o som de longe pausou, estagnou, parou. As palavras de Lanceiro preencheram o mundo, dobrando suas leis, e tudo empacou.
Essa era a magia Retardar.
— GARGLEGARG?! GARGLEGARG!!
— GARGLEGARGLEGAR!!
As gárgulas batiam e batiam as asas, mas não podiam gerar qualquer poder, assim elas não puderam ficar no ar. A gravidade tomou conta das três criaturas, e em questão de segundos elas caíram várias dezenas de andares, virando pó ao atingirem o chão. E nenhuma estátua de pedra, uma vez destruída, poderia voltar a vida.
— Quê, já foram? Elas não eram tão difíceis.
— Suponho que cair dessa altura geralmente levará à morte.
Guerreiro de Armadura Pesada contraiu os lábios, desapontado, e Matador de Goblins deslizou sua espada de volta para a bainha. Os dois retomaram rapidamente a escalada, mas Lanceiro lhes lançou um olhar inequivocamente descontente.
— Puxa, uma magia como essa, e nem sequer juntaram uma palavra de elogio?
— Foi uma boa estratégia — retornou a resposta casual de Matador de Goblins. — Vou usá-la qualquer dia.
— O quê, em goblins?
— Que mais?
Essa conversa fez Lanceiro balançar a cabeça com um abatimento profundo. Levar os goblins para algum lugar bem alto e então jogá-los? Não parecia ser algo que aventureiros mais sérios contemplariam. E pensar que ele estava sendo creditado pela ideia… Dá um tempo!
— Mais importante: quantas magias ainda tem? — As palavras de Guerreiro de Armadura Pesada trouxeram Lanceiro de volta a si.
Ele agarrou um pitão para se firmar, quase tarde demais e falou “mais uma”. Doía nele admitir, mas um fato era um fato. — Essa não é a minha classe principal, lembrem-se.
— Está bem, se formos atacados de novo na subida, voltaremos para baixo e descansaremos por uma noite. Então mudaremos para um ataque de frente.
A decisão de Guerreiro de Armadura Pesada foi rápida e clara. Atacar a base inimiga com suas magias esgotadas ou depois de restauradas? Não importava de como você visse, essa última oferecia uma oportunidade melhor de sobrevivência.
Lanceiro compreendia isso, e ele sorriu. — Mesmo que estivéssemos prestes a tocar o céu?
— Se estivermos lá, então é diferente — respondeu Guerreiro de Armadura Pesada, mostrando os dentes enquanto ria da pergunta despreocupada de Lanceiro.
— Você é o líder. — Matador de Goblins concordou discretamente. — Seguirei suas ordens.
— Ótimo. Nesse caso, vamos indo. — Guerreiro de Armadura Pesada estendeu a mão para mais pitões; Matador de Goblins procurou na bolsa e pegou outro monte. Ele mantinha bastante com ele porque eram uma ferramenta muito útil, e graças a isso parecia que provavelmente estava fora de questão eles ficarem sem para alcançar o cume.
— Seja como for, acho que eles sabem que estamos aqui. Vamos garantir que eles nos deem uma boas-vindas.
— Certo.
Matador de Goblins deu a sua resposta curta e olhou para o homem na sua frente. A espada larga enorme nas costas de Guerreiro de Armadura Pesada tremia como um chocalho. Com um tom imensamente severo e sério, Matador de Goblins disse: — Não deixe isso cair em mim.
— Ah, fica quieto.
Lanceiro gargalhou sem qualquer malícia e Guerreiro de Armadura Pesada continuou taciturno a exercitar seus músculos.
O objetivo deles, o topo da torre, não estava longe.
O cume da torre apresentava uma cena quase que indescritível.
Era um espaço aberto com uma depressão como uma tigela redonda, com o exterior rodeado de pilares. O telhado era uma cúpula curvada, como se um globo enorme estivesse descendo no espaço. No teto estava um mapa estelar, mas os seus riscos selvagens não refletiam quaisquer constelações que os aventureiros conheciam.
O chão e os pilares eram brancos puro, com o céu azul espreitando entre as colunas. E ainda assim, havia uma opressão esmagadora. Quando Guerreiro de Armadura Pesada se ergueu pela borda, ele olhou para as constelações e fez um chiado descontente.
— Isso é com certeza trabalho do Caos. Vamos, e não podemos deixar que nada nos cause problemas mais tarde.
Ele estendeu a mão enquanto falava, segurando uma luva de couro. Ele ajudou Matador de Goblins subir, e esse deu uma olhada no ambiente.
— A escalada foi mais fácil do que eu esperava.
— Provavelmente porque somos três caras. — Guerreiro de Armadura Pesada retirou o anel do dedo e pôs de volta na bolsa de itens. Ele rapidamente o substituiu por luvas e braçadeiras, e agarrou a espada em suas costas. — Não gostaria de ter algumas crianças fazendo essa escalada.
— Cara, isso é verdade. — A resposta veio de Lanceiro, que hesitou, franzindo a testa para a luva de couro que pairava a sua frente. A luva simples e pouco sofisticada pegou a mão de Lanceiro, puxando o último membro do grupo para o telhado. — Não gostaria de deixá-la fazer isso. Raios, ela provavelmente não conseguiria. Sabe, grandes demais.
O comentário grosseiro soou estranhamente inofensivo vindo de Lanceiro, embora talvez fosse graças a sua personalidade. Guerreiro de Armadura Pesada lhe lançou um olhar duvidoso enquanto ele fazia um gesto vulgar com as duas mãos na frente do peito.
— Entendo o que está dizendo — disse Matador de Goblins, com outro aceno reservado. — Não iria querer cansar a sua retaguarda. E a minha é sensível.
— É isso o que te preocupa? — Lanceiro suspirou profundamente. — Você não tem outro disco? Os corpos das mulheres devem ser louvados! Bustos! Quadris! Bundas!
— Qual é o sentido em elogiá-los?
— Amarão você por isso, e ficará popular entre as mulheres!
— Entendi.
Matador de Goblins falhou em levar a conversa mais longe, em vez disso sacou a espada. Ele verificou a alça do seu escudo, depois girou o pulso direito, juntamente com a arma na mão. Guerreiro de Armadura Pesada olhou para ele.
— Não usou força demais?
— Estou bem.
— Ótimo. — Guerreiro de Armadura Pesada bateu suavemente no ombro de Matador de Goblins. — E você?
— Não sou tão frágil quanto isso — sorriu Lanceiro, pegando a lança com as duas mãos e aplicando uma estocada lúdica.
Para o líder, mostrar que entendia como cada membro estava era uma forma importante de aliviar qualquer ansiedade por parte do grupo.
E mais ainda antes de uma batalha culminante. Guerreiro de Armadura Pesada manteve a ponta de sua espada larga em um único ponto do terraço. Ele passou a língua nos lábios para umedecê-los.
— Vamos começar.
E então, o inimigo estava lá.
Uma sombra agitada no meio do telhado, no fundo da depressão em forma de tigela. Escuridão se juntou à sombra agitada e crescente. Finalmente, ela formou um sobretudo antigo, a figura tremulava como uma miragem.
— Mortais tolos…!
A voz rangeu como um galho seco, um som que um humano muito provavelmente não poderia fazer.
A figura estava torta e distorcida e parecia como se estivesse em um pântano. Em seus dedos salientes, segurava um cajado que parecia tão velho quanto suas mãos. Abaixo do casaco, uma chama espiritual queimava. O homem, a imagem indiscutível de um mago do mal, cuspiu aos aventureiros detestáveis:
— Como detesto quem interfere com meus pla…!
Mas ele foi cortado antes de poder terminar.
Uma espada.
Uma espada tosca e de produção em massa com um tamanho estranho atravessou o ar e perfurou o peito do mago. Ele gorgolejou, depois caiu no chão agarrando a garganta.
— Ei, ei, você poderia pelo menos deixá-lo terminar. Não?
— Não há necessidade de termos que confrontá-lo de frente.
Foi Matador de Goblins. De pé ao lado de Lanceiro sorridente, o homem que lançara a espada pelo ar balançou o capacete de aço de um lado para outro. — E parecia que ele não era um adversário sério.
De fato.
O mago colapsou com um baque. Enquanto observavam, a espada em seu peito definhou. Ela se transformou em ferrugem antes que pudessem piscar. Uma mão esquelética a alcançou, agarrou e a despedaçou.
— O ritual… já está… completo! — berrou ele enquanto arrancava a lâmina dizimada. Estava bem claro que essa pessoa era um Personagem Que-Não-Reza.
Guerreiro de Armadura Pesada estava com sua espada larga em prontidão e deu uma olhadela para Matador de Goblins.
— Talvez o apunhalar no peito não foi o melhor plano?
— É mais ou menos a altura da cabeça de um goblin.
Matador de Goblins sacara uma adaga e tomou uma postura baixa.
O fogo espiritual tremeluzia nos olhos do mago enquanto ele avançava.
— Não posso ser morto por aqueles que possuem palavras!
— Vocês o ouviram — disse Lanceiro, quase como se estivesse abafando um bocejo. — O que vamos fazer?
— Ele disse que não pode ser morto, mas não disse que não pode morrer.
Guerreiro de Armadura Pesada sorriu tanto quanto tinha sorrido quando derrotou sua primeira barata gigante. Ele assentiu da mesmo forma que Matador de Goblins fazia quando confrontado por um goblin.
— Então, só há uma coisa a fazer.
Sem qualquer sinal para com o outro, o grupo entrou em formação e se preparou para a batalha.
O mago começou a gritar verdadeiras palavras sem qualquer hesitação, dobrando o espaço. Com duas ou três palavras ele invocou uma magia, e o que apareceu — talvez de se esperar — foram demônios cinzas de pedra. Eles aguardavam fielmente atrás do seu mestre, e então, com um movimento do seu cajado, eles se lançaram nos aventureiros.
— Bárbaros malcriados! Cedam perante minha enorme inteligência!
Mas os homens que estavam contra ele eram todos guerreiros e tinham alcançado o ranque Prata. O trabalho pesado e a perseverança que conduzira a habilidade de Guerreiro de Armadura Pesada com a espada não era de se desprezar.
— Você esqueceu de “geniais”!
Guerreiro de Armadura Pesada rangeu enquanto avançava para encontrar os monstros e pará-los da esquerda, direita e meio.
— GARGLEGARGLEGA!!
— GARGLE!! GARGLEGA!!
Quando uma estátua descuidada entrou no seu alcance, ele aproveitou a oportunidade e a destruiu.
Ele fez uma pose intimidadora. Esse era um homem que não precisava mais do que uma espada e seu próprio corpo. Seria preciso mais do que números para intimidá-lo. Com cada brandir de sua espada, poeira tracejava pelo ar como um estandarte.
— Então morra como bárbaros que são! — gritou o mago, ainda empunhando seu cajado em segurança atrás das gárgulas.
— Tonitrus… oriens…! Ascenda, trovão!
Invocado pelas palavras de verdadeiro poder, magia começou a jorrar no local. Não havia vento, contudo, os aventureiros foram atingidos por uma força avassaladora como uma tempestade iminente.
— “Raio”?! — gritou Lanceiro. Ele viu o que estava acontecendo e ficou atento pela sua chance. — Eu poderia usar Contramagia… Não, nunca funcionaria! Sinto muito, rapazes, não consigo fazer isso!
Mas isso vinha, em parte, do reconhecimento de que seu oponente era um usuário de magia muito mais talentoso do que ele.
— Está bem — assentiu Guerreiro de Armadura Pesada, distribuindo ordens a um ritmo alucinante enquanto abatia mais uma gárgula. — Tampem a boca!
— Tampem a boca — repetiu Matador de Goblins. Sua adaga já não estava na mão; ele já estava revirando sua bolsa de itens.
Ele pegou o ovo e lançou em um único movimento. Guerreiro de Armadura Pesada levantou a gola do casaco.
O ovo fez uma bela parábola no ar, mas o mago o golpeou como uma mosca e pisou em cima.
— Muito esperto, seu……?!
Instantaneamente, uma névoa vermelha flutuou do seu pé… pó mineral e pedaços de casca. Uma dor paralisante afligiu sua boca, nariz e olhos. Ele não conseguia respirar nem falar. Ou, é claro, entoar magia. O mago pressionou as mãos no rosto e caiu para trás com um grito mudo.
O pó era um gás lacrimogêneo, incluindo cápsico e outros ingredientes. Por mais avançado que alguém poderia ser em magia, desde que tivesse olhos, nariz e boca, era difícil de evitar.
— Agora… você… é meu!
Lanceiro não perdeu tempo; ele avançou rapidamente pelo local como uma flecha de um arco. As gárgulas, encurraladas pelo Guerreiro de Armadura Pesada, não eram nada para ele. Ele foi direto para o mago, tocando a mão em seu brinco.
— Aranea… facio… ligator! Aranha, venha e prenda!
— ?!
A “teia de aranha” pegou facilmente o mago agoniado. A chama espiritual do mago estremeceu, e no momento que aconteceu, a ponta de uma lança perfurou seu coração.
O sangue que jorrou era preto-azulado. Lanceiro rapidamente deu um chute no corpo envolto de seda para soltar sua arma e pulou para trás.
Nem era preciso dizer que, como ele havia declarado antes, o mago não mostrou nenhum sinal de perder a vida com isso. Com sangue negro-azulado escorrendo de sua boca, ele tentou abrir bem os lábios o suficiente para dizer outra magia.
— Ah, cala a boca.
Lanceiro enrolou o final da teia de aranha na ponta de sua lança e a usou como uma mordaça. Ele deu de ombros para o mago, que parecia indisposto a desistir, com sua chama espiritual cintilando com intenção assassina.
— Parece que você não estava brincando quando disse que não podia ser morto.
— Não tem que se preocupar com um mago que não consegue falar — disse Guerreiro de Armadura Pesada. — Mas é um pouco chato — murmurou ele enquanto esmagava a última das gárgulas com sua espada larga.
Tudo o que restava era encontrar a fonte de poder do mago, que tinha de estar em algum lugar da torre, e destruí-la.
Mas, enquanto o mago estivesse vivo, era provável que as armadilhas e os monstros não parariam de aparecer.
— Humm — grunhiu Guerreiro de Armadura Pesada. Ao lado dele, Matador de Goblins mantinha sua adaga orientada ao seu cativo, sempre vigilante. Então seu capacete inclinou um pouco, como se tivesse acabado de pensar em algo.
— Por que não o jogamos?
— …
— …
Guerreiro de Armadura Pesada e Lanceiro trocaram um olhar. Eles assentiram e depois riram como crianças desobedientes.
— É isso.
— Vamos fazer isso.
O mago, tentando falar com a mordaça na boca, foi arrastado até a beira da torre e então chutado firmemente pelas costas. A gravidade não teve palavras, mesmo assim o arrastou para baixo, e logo ele conhecera o mesmo destino dos aventureiros anteriores.
Em outras palavras, ele morreu facilmente.
— Queria saber por que ele construiu essa torre, no entanto — comentou em voz alta Lanceiro, espiando de lado para a mancha escura-azulada se propagando no chão abaixo. Seu tipo geralmente se estabelecia quer na ponta de uma torre ou nos locais mais profundos de um labirinto subterrâneo. — Poderia ter sido mais problemático matá-lo se ele estivesse no subsolo.
— Talvez ele tivesse uma ajuda dos deuses ou algo assim — disse Guerreiro de Armadura Pesada francamente, devolvendo sua espada às costas. Ele ainda estava observando seu ambiente com cuidado, talvez porque o perigo de armadilhas e inimigos remanescentes não tivesse diminuído. — Vamos lá, vamos encontrar o saque. O chefe está morto. Se não nos apressarmos, essa torre pode desaparecer.
— Ah, sim, é verdade! Uma aventura tem que ter um tesouro!
Lanceiro partiu correndo, com sua alegria lhe dando coragem. Guerreiro de Armadura Pesada nem sequer considerou detê-lo. Atitude e ações estavam separadas. Tal como manter a guarda e não ficar nervoso eram coisas diferentes.
— Ele é muito bom nisso.
— Sim. — Matador de Goblins assentiu, pegando a espada arruinada de ferrugem e estalou a língua enquanto a jogava fora. — Há muitas coisas que eu poderia aprender dele.
— Não sei dizer se está brincando ou não.
Enquanto Guerreiro de Armadura Pesada considerava se ria, ele e Matador de Goblins partiram na busca. Eles estavam procurando por saque, baús, efeitos; qualquer coisa desse tipo. Para um aventureiro, não havia alegria maior.
Em pouco tempo, eles descobriram um baú de estoque de carvalho vermelho em um canto do terraço.
— Essa não é a minha classe principal. Não esperem muito — avisou a eles Matador de Goblins, depois se ajoelhou diante do baú. Ele olhou em sua bolsa de itens e pegou várias ferramentas especializadas. Primeiro, ele pegou uma lima parecida com uma lâmina fina e a moveu sob a tampa do baú, procurando algo. Ele confirmou que não havia armadilhas, então segurou um espelho perto do buraco da fechadura e olhou para dentro.
Agora era a hora do arame. Matador de Goblins se preparou para abrir a fechadura.
— Ei, Matador de Goblins. Pense sobre isso: você não apanhou um único vilão hoje. — Lanceiro sorriu enquanto observava o fazer de Matador de Goblins sobre seus ombros. — Significando…
— O quê?
— Que eu venci!
— Sim — Matador de Goblins não fez qualquer esforço para refutar, apenas concordou. — De verdade.
Lanceiro levou seu punho ao alto com um “Simmm!” comemorativo. Guerreiro de Armadura Pesada olhou para o céu.
— Porque não eram goblins.
Na sua euforia, Lanceiro pareceu não escutar o murmúrio, mas Guerreiro de Armadura Pesada certamente o ouviu.
Por fim, a fechadura abriu com um clique, e Matador de Goblins expirou:
— É um pouco tarde para mencionar isso, mas provavelmente vai haver alvoroço quando voltarmos.
— Hã? …Ah, sua garota elfa? — Guerreiro de Armadura Pesada pensou na estourada e masculina elfa do grupo de Matador de Goblins.
Acho que meio que deixamos ela de fora.
— Acho que vou ter mais problemas ainda — disse Lanceiro. — Mas não se preocupe. É tradição ter pouca emoção enquanto se divide o saque e bebe um pouco de vinho.
— …Se bem me lembro, dissemos que haveria três partes, menos para as despesas.
— Sim — disse Matador de Goblins — creio que sim. — Depois ele acrescentou com uma voz desapaixonada: — Tesouro, hein? Nada mal.
Guerreiro de Armadura Pesada colocou uma mão amiga em seu ombro. Matador de Goblins aceitou em silêncio. A tampa do baú rangeu quando ele a levantou.