Capítulo 6
O rangido e o gemido do chifre bolorento eram violentos aos ouvidos, mas podiam ser escutados claramente por toda a fortaleza. Dado que um goblin estava soprando naquele tubo com tanta força quanto podia, fazia sentido que o barulho resultante fosse alto e horrível. Ou os goblins talvez considerassem esse som algo galante.
Estavam vestidos com uma variedade de trapos retalhados, muitos dos quais haviam produzido ao rasgar as roupas que roubaram das mulheres da aldeia. Carregavam tambores de pele e osso, que soltavam um som oco quando recebiam batidas.
Um após o outro, os goblins inundaram o pátio central da fortaleza.
— ORARAG!
— GORRB!!
— GROOOB!!
Ergueram os punhos e uivaram, fazendo bocados de saliva escura escapar por seus lábios.
Era bastante óbvio o que suas vozes animadas significavam. Estavam gritando insultos, ou injúrias, ou dando voz ao seu ressentimento, inveja e ganância. O ódio coletivo era direcionado a todos aqueles que tinham o que eles não tinham.
Para os goblins, também era como se estivessem saudando seu herói. Aquele que assumiu a direção de seus desejos, aquele que massacrou os humanos tolos.
Na verdade, goblins têm um forte sentimento de solidariedade, mas, ao mesmo tempo, odeiam tomar a iniciativa para fazer tudo sozinhos. No lugar disso, deixam tudo para um chefe, xamã ou lorde. Isso os deixa livres para perseguir qualquer coisa que brilhe – literal ou proverbialmente – seja comida ou bebida, mulheres ou equipamentos. Livres para arruinar aqueles que possuem o que eles não têm e cortá-los em pedaços.
Nenhum goblin quer morrer. Se um de seus irmãos morre, ficam com raiva e sentem que precisam se vingar.
E fazem tudo isso de uma vez, sem perceber a contradição.
— GORARARARAUB!!!!
Por fim, uma voz ainda mais alta soou, e o goblin por trás dela apareceu, com seus passos emanando ameaça.
Ele usava um capacete de aço encardido; e uma armadura de metal toda feita de pedaços cobria seu corpo. Uma capa carmesim – havia arrancado uma cortina de algum lugar – servia como cobertura adicional. Em seu quadril carregava uma espada de prata brilhante tão impressionante que para os goblins parecia quase sagrada.
— ORARAG! ORRUG! — O goblin paladino. Ao ouvir sua voz alta e sombria, todos goblins ajoelharam-se como um só.
Juntos, abaixaram a cabeça e um caminho se abriu entre eles, assim como a abertura de um mar. O goblin paladino começou a caminhar entre eles, regiamente, com sua capa esvoaçante.
A ponta da bainha em que sua espada de prata repousava raspou no chão, mas parecia nem se importar.
Ele avançou em direção a um trono enorme, feito de lixo e cadáveres. Seu rosto horrivelmente contorcido parecia sugerir um traço de orgulho. Poderia parecer quase engraçado, assim como a caricatura de um ser humano – mas um infinitamente depravado e cruel.
— Calculamos mal.
O grupo tinha acabado de deixar o arsenal. Da entrada, Matador de Goblins olhava para o pátio central, estalando a língua e parecendo não muito feliz.
Alta-Elfa Arqueira lançou-lhe um olhar curioso.
— Como assim? Aquele não é o chefe inimigo? Eu poderia acertá-lo daqui mesmo…
— Não deveria fazer isso — disse Lagarto Sacerdote suavemente. — Isso nos deixaria diante de um exército de goblins desordenado, e não há como dizer o que poderiam fazer. — A arqueira de temperamento explosivo já tinha uma flecha ponta-broto no arco. — Mas acredito que isso não é tudo, é, milorde Matador de Goblins?”
— Não — disse ele. Então, calmamente, acrescentou: — Você não consegue ver?
— São apenas goblins, não são…?
— Isso mesmo.
Isso fez a Alta-Elfa Arqueira contrair suas orelhas compridas, perplexa. Isso não estava fazendo qualquer sentido para ela, e a elfa nem tinha certeza do que é que tinham calculado mal. Sim, apareceram alguns contratempos para o plano, mas sentia que no geral tinha corrido tudo muito bem…
— Aquele goblin é o mestre desta fortaleza.
— …?
— Isto é uma cerimônia. Vão apresentar seus ranques ou prêmios.
— Ah! — Não foi Alta-Elfa Arqueira, mas sim Sacerdotisa, que exclamou. Ela tapou a boca com a mão e espiou o salão, do local onde estava. Por sorte, nenhum dos goblins parecia ter notado os sons ásperos e feios que seu pequeno bando estava fazendo.
Sacerdotisa colocou a mão no peito, aliviada, e então com toda a seriedade, deu uma resposta.
— Sempre há um sacerdote em cerimônias assim…!
De fato. Se essa cerimônia seguisse o estilo típico dos goblins, o sacerdote seria chamado adiante.
Quer um sacerdote estivesse ou não envolvido, aquele ante eles ainda era o goblin paladino, a criatura que aparentemente recebeu algum apoio do deus do conhecimento externo.
Mas no que diz respeito ao goblin sacerdote…
— Ah…
Uma vozinha trêmula escapou dos lábios de Nobre Esgrimista. Seu adorável rosto ficou ligeiramente pálido. Ela cerrou os punhos, mantendo os braços ainda envoltos em bandagens. O que aquelas suas mãos fizeram? O que ela fez com elas? Por impulso? Em um capricho momentâneo?
Com os olhos vacilantes, ela olhou de um membro do grupo para outro.
— Bem, ele não está muito longe — disse Anão Xamã como se nada demais estivesse acontecendo. — Mas está permanentemente indisposto. — O anão acariciou a barba com uma das mãos, alcançando a bolsa de catalisadores com a outra; sua expressão era o retrato da seriedade. — Acho que isso pode ser um pouco problemático.
Ninguém poderia dizer nada em resposta ao seu sussurro.
Todos entenderam a situação em que se encontravam.
Mesmo um olhar superficial para os goblins no pátio sugeria que havia mais de cinquenta deles lá. E os aventureiros estavam ali com eles. O que aconteceria quando descobrissem sua presença?
O goblincídio era algo tão antigo quanto o próprio tempo; acontecendo desde que o mundo nasceu. E sempre que isso acontece, goblins costumam superar os números dos aventureiros.
Aqueles heróis despreparados, que desafiam goblins às cegas, são mortos. Ainda mais ao tentar travar uma batalha bem no meio do ninho.
Matador de Goblins não era uma exceção à regra.
Como este estranho aventureiro, com seus modos igualmente estranhos, iria compensar a diferença numérica? Estavam se aventurando juntos por quase um ano. Não havia como ela não saber.
E então aconteceu.
— A-ai…! — Nobre Esgrimista, com as mãos ainda fechadas, ficou rígida e grunhiu de dor.
— O-o que houve? — Sacerdotisa se aproximou dela quase que automaticamente, verificando se havia ferimentos, mas não viu nada óbvio. Mas…
— Hrr-rrr-gh… gah…
— E-ela está tão quente…!
A pele de Nobre Esgrimista estava quente ao toque, aparentemente tanto que era quase suficiente para queimar.
— O que está acontecendo? — perguntou Matador de Goblins.
— E-eu não sei. Mas isso…
Lembre. Pense. Sacerdotisa procurou desesperadamente em sua memória. Não havia ferimentos externos e provavelmente não era veneno. Corpo quente. Quase como se um feitiço tivesse sido lançado sobre ela.
Um feitiço? Não. Não era simples magia. E não havia qualquer totem ali. Um paladino. Um clérigo.
Punição divina… Uma maldição. Uma maldição?
— Ah…!
Sacerdotisa olhou para onde o cabelo recentemente encurtado de Nobre Esgrimista revelava sua nuca. A marca cruel, ali queimada em sua pele, o olho da lua verde, brilhava intensamente, como se em chamas.
— Isso…!
— Haah… Hrrrgh… Arrrgh…
Nobre Esgrimista se contorceu, afundando os dentes em seu próprio braço, na esperança de suprimir seus gemidos de dor. Sacerdotisa segurou o corpo em chamas da guerreira para salvar sua vida, olhando para Lagarto Sacerdote. Ele era um ranque Prata, o clérigo mais experiente ali. E ele soltou um longo suspiro sibilante.
— Uma maldição dos deuses malignos! Devo dissipar isso. Não, não temos tempo…! — Eles foram descuidados. Consideraram a marca nada mais do que outro exemplo da vil crueldade dos goblins.
E por fim entenderam: foi por causa da maldição que mesmo um milagre de cura não foi capaz de apagar a cicatriz.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, coloque tua venerável mão sobre as feridas desta criança!
Mesmo assim, não havia tempo a desperdiçar. Sacerdotisa implorou à Mãe Terra para conceder cura. A misericordiosa deusa roçou o pescoço da garota com o dedo, lutando contra a maldição que ali residia. Mas…
— GORUB?!
— ORARARAGU?!
De repente, uma confusão começou a se espalhar entre os goblins no pátio. Os aventureiros viram que a cerimônia estava ocorrendo rapidamente; os monstros estavam apenas esperando por seu sacerdote e seu sacrifício.
Mas ele não apareceu. Não fez o que devia.
Depois de um momento, o goblin paladino murmurou um “ORG” e enviou um lacaio em disparada.
Ele estava, sem dúvidas, indo à prisão subterrânea. Iria encontrar o corpo do sacerdote, assim como as prisioneiras libertas – era apenas uma questão de tempo.
— ORARARAGAGA!! — gritaram os goblins, fazendo o barulho coletivo cada vez mais forte.
O goblin paladino saltou e uivou o que parecia uma prece bizarra.
— IRAGARAU!
— Hrraaaaaaahhh! — gritou Nobre Esgrimista, incapaz de lutar contra a dor.
Aconteceu tudo de uma só vez.
Olhando para o pátio, Matador de Goblins agarrou sua espada. O goblin paladino estava olhando diretamente para ele.
Seus olhares se encontraram. Um olhar escondido por um capacete de aço, e o outro com um par de pupilas douradas. E então…
— ORAGARAGARAGARA!!!!
— Abaixem-se!
Ao comando do goblin paladino, os arqueiros se viraram e dispararam uma saraivada de flechas com uma agilidade nauseante. No mesmo momento, Matador de Goblins mergulhou para o lado, pegando as duas garotas enquanto avançava.
— Eek!
— …?!
Sacerdotisa soltou uma exclamação; Nobre Esgrimista não fez nenhum som, mas estava obviamente assustada. Matador de Goblins ignorou isso, levantando seu escudo.
Thop, thop, thop. Um som seco soou quando as flechas choveram em sua defesa. Goblins, para começar, não são criaturas fortes; quando tiveram que atirar para cima, isso apenas se tornou mais evidente.
Matador de Goblins pegou uma das flechas; descobriu que a cabeça estava apenas fracamente presa. E, ainda assim, os pequenos monstros estavam tentando fazer as flechas funcionarem mesmo a longa distância.
— Uma imitação pobre.
Um som oco de metal acompanhou a chuva contínua de flechas. Matador de Goblins grunhiu, jogando fora o ferrolho em sua mão, como se aquilo não o interessasse em nada. Então olhou para Sacerdotisa e Nobre Esgrimista, mantendo seu escudo erguido para protegê-las enquanto falava.
— Vocês estão bem?
— Ah, uh, s-sim. Muito obrigada.
— Sem problemas.
— … — Nobre Esgrimista não disse nada, desviando os olhos de onde estava sob o peito de Matador de Goblins, mas ela acenou com a cabeça
— Bom.
Isso era o suficiente. Em seguida, ele olhou para onde seus companheiros estavam localizados, a alguma distância.
— E quanto a vocês?
— Tudo bem, de alguma forma! — disse Alta-Elfa Arqueira.
— Entretanto, em risco de ser esmagados — disse Anão Xamã com um aceno.
Lagarto Sacerdote se esticou e inclinou sobre a elfa e o anão para cobri-los.
— Bem, agora, isso se tornou uma coisa boa, não é? — disse ele, semicerrando os olhos felizmente, apesar da chuva de flechas ao seu redor.
Para os homens-lagarto, tais crises eram consideradas provações, e as provações deviam ser superadas com alegria.
— Vamos nos dividir em dois grupos — disse Matador de Goblins.
— Excelente ideia — disse rapidamente Lagarto Sacerdote. — Três e três: um guerreiro, uma lançadora de feitiços e uma sacerdotisa. Em seguida, um sacerdote, uma arqueira e um lançador de feitiços. Sim?
— Está bem.
— Quem será a isca?
— Eu cuido disso — disse Matador de Goblins. — Um tanque é mais adequado para esta função.
— E minha força física mais apropriada para carregar as ex-prisioneiras para fora do porão. Entendido!
— Bom.
Terminada a rápida e silenciosa conferência, a estratégia foi estabelecida. Não havia alguém que poderia superar Matador de Goblins em goblincídio. Ou alguma raça que poderia superar os lagartos no que se referia às artes da guerra.
— Então, vamos colocar esse plano em ação. Senhora arqueira, mestre lançador de feitiços… podem vir comigo?
— Sim, claro — disse a Alta-Elfa Arqueira. — Mas… nossa! Veja como eles fazem para atirar essas flechas! Isso me irrita!
— Não venha com essa — aconselhou Anão Xamã. Então os três começaram a rastejar pelo corredor, usando Lagarto Sacerdote e suas poderosas escamas como escudo.
Matador de Goblins balançou a cabeça. Agora tudo o que precisava fazer era se tornar visível.
— Muito bem. Vamos.
— Ah… sim…!
— …! — Mas Nobre Esgrimista ficou em silêncio, sem se mover. Ou melhor, sem conseguir se mover.
Isso era em parte pela dor, pela sensação de que seu pescoço estava queimando. Ela estava curvada e fungando silenciosamente.
Mas isso não era tudo. As unhas dos punhos, que fechara com tanta força, haviam rompido as bandagens e sangue começara a escorrer.
— Você… Você não deve fazer isso, sabe? — Sacerdotisa se aproximou, colocando gentilmente a mão sobre a da esgrimista. As duas mãos esguias e delicadas se juntaram naturalmente, entrelaçadas uma na outra.
Nobre Esgrimista tremeu um pouco.
— Eu…
A mais ténue das vozes escapou dela.
— Sei… Eu… sei disso. Eu… sei.
Ela balançou a cabeça, fazendo ondular seu cabelo cor de mel, como se para afugentar algo.
— Mas… — Ela não conseguia falar mais do que isso; o resto não sairia. — Mas…!
E então tudo estourou, palavras e lágrimas escorreram sem moderação.
O arrependimento. O arrependimento. A dor. A tristeza. Por que aconteceu tudo com ela? Isso não…
Não era para ser assim. Todos eles – impulsivos. Rindo dela.
Tirando sarro. Entretanto… Ela estava péssima. Incapaz de fazer algo. Patética.
A culpa foi, mais uma vez, dela. Foi por culpa dela que as coisas… acabaram assim.
A espada. Ela tinha que recuperá-la. Tinha que fazer isso. Devolva. Devolva.
Quero ir para casa.
Pai… Mãe…
— Eu não posso… Não posso mais suportar…!
— …
Matador de Goblins e Sacerdotisa ficaram em silêncio. Essa sequência de palavras pouco sentido fazia a eles.
Nobre Esgrimista estava fungando e gemendo, como uma criança em um acesso de raiva. Matador de Goblins ouviu com cuidado enquanto ela desesperadamente juntava as palavras. De dentro de seu capacete de metal, olhou com atenção para seu rosto choroso e ranhoso.
E então pensou:
De tudo o que os goblins roubam, quanto pode realmente ser recuperado?
— É mesmo? — disse então. — Entendo.
— Hein…?
Nobre Esgrimista ergueu os olhos para ele, sem conseguir compreender. Ela olhou para Sacerdotisa, ao seu lado.
— Nossa… — disse Sacerdotisa. — Você está realmente desalentada, não é? — Uff. Ela não se levantou de onde estava agachada entre Matador de Goblins e Nobre Esgrimista.
— Não consigo dizer…
Agora saiu. De novo. Mas ele entendeu, não foi?
— Matador de Goblins, senhor, eu já disse, você não pode simplesmente responder a tudo com “É mesmo?”!
— É mesmo?
— Viu? Você falou isso de novo.
— É mesmo…?
O sorriso de Sacerdotisa era como uma flor desabrochando; ele deliberadamente desviou o olhar.
— Vou pegar sua espada de volta. — Então se levantou, seu escudo ainda em prontidão. A tempestade de flechas continuou a ricochetear nele. — E vou matar aquele goblin paladino. Junto com os outros goblins.
Ele puxou a espada até o quadril. Isso tinha um comprimento estranho.
— Não me refiro a um ou dois deles. Nem quero dizer um ninho inteiro. Não me refiro nem mesmo a esta fortaleza toda.
O capacete encardido. A armadura de aparência barata. O aventureiro os vestindo.
— Vou matar todos os goblins.
Portanto, não chore.
Com essas palavras de Matador de Goblins, Nobre Esgrimista fungou com força, então deu um breve aceno de cabeça.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, conceda tua luz sagrada para nós que estamos perdidos na escuridão!
Uma poderosa luz irrompeu sobre os goblins como o sol ao amanhecer.
Era a Luz Sagrada, concedida pela oração tocante da suplicante.
A esta distância, não seria o suficiente para cegar os alvos, mas…
— ORARAGA!
— GROAAB!!
Foi mais do que suficiente para que os goblins se concentrassem em um grupo de aventureiros enquanto outro se esgueirava para dentro da fortaleza…
O goblin paladino cuspiu uma ordem, junto com várias manchas escuras de saliva, e os goblins começaram a se mover. A chuva de flechas continuou, enquanto uma unidade de goblins marchou para fora do pátio. Presumivelmente, o plano era derrubar o inimigo com flechas enquanto avançava com suas próprias tropas. Isso estava bastante claro.
— Contudo, enquanto tivermos seu sacrifício, não podem se dar ao luxo de agir muito agressivos — disse Matador de Goblins, segurando seu escudo redondo para proteger a jovem atrás dele dos disparos que chegavam.
As flechas ricochetearam no escudo e se espalharam pelo chão. Ele pisou sobre elas e as destruiu sem piedade.
— É bom ser aquele com o refém pela primeira vez.
Matador de Goblins olhou de volta para a Sacerdotisa e Nobre Esgrimista, então se virou para garantir um caminho.
— Vamos lá. Mantenham-se abaixadas.
— Ah… sim senhor! Devo usar Proteção…?
— Não — disse Matador de Goblins. — Guarde isso.
Sacerdotisa tinha apenas mais um milagre sobrando. E nunca vale a pena julgar mal quando alguém deve usar seus feitiços ou milagres.
Ela acenou com a cabeça obedientemente, mas seu sorriso era de alguma forma malicioso.
— Tudo bem — disse, então, depois de um segundo: — Mas se ficar perigoso, vou usar.
— Vou confiar no seu julgamento.
Essas palavras fizeram seu coração dançar: Ele confia em meu julgamento!
Essa foi uma palavra que a fez muito feliz em ouvir, confiança, de Matador de Goblins.
— Sim senhor! — disse ela seriamente. Matador de Goblins acenou para ela com a cabeça, então olhou para Nobre Esgrimista.
— Você consegue correr?
— Provavelmente… — Foi uma resposta honesta. A garota estava esfregando os cantos avermelhados dos olhos. Todas as emoções que estava segurando escaparam, e talvez estivesse agora se sentindo diferente. Sua expressão ainda estava transparentemente congelada, mas as gotas de vidro em seus olhos tinham uma luz nelas.
— Certo. — Matador de Goblins puxou uma tocha de sua bolsa, raspou uma pederneira e a acendeu. E empurrou isso para Nobre Esgrimista. Ela segurou com firmeza, piscando diante da chama brilhante.
— Você fica na retaguarda. Mantenha-nos seguros.
— Certo… — Ela assentiu com uma expressão séria. Algo macio envolveu sua mão esquerda. Olhou para cima, surpresa, para ver…
— Vai ficar tudo bem. — Sacerdotisa, sorrindo como uma flor aberta em sua frente. — Chegamos até aqui. Acha que vamos nos deixar ser derrotados agora?
— Mm…
Nobre Esgrimista apertou a mão de Sacerdotisa. Então começaram a correr e a batalha começou.
Quer o inimigo percebesse ou não, as pontas das flechas de todas as flechas dos goblins estavam soltas. E não estavam todas banhadas em veneno. Talvez fosse um efeito da batalha anterior, ou talvez apenas estivessem guardando rancor. Mas, na opinião de Matador de Goblins, estavam simplesmente tentando imitá-lo e fazendo um péssimo trabalho.
O dispositivo das pontas de flecha soltas fez com que elas tremessem, diminuindo sua precisão. O que os goblins estavam pensando, tentando disparar tais coisas à distância? Disparos de longo alcance já eram difíceis para os goblins, por mais fracos que fossem. E agora estavam usando mísseis cujas pontas quebrariam quando atingissem qualquer coisa. Um amador despreparado pode ser vulnerável a tais táticas, mas as flechas dificilmente danificariam alguém com uma armadura decente.
Ainda assim, era conveniente para ele. O objetivo de seu grupo era ganhar tempo. Para ser a isca. Estavam apoiando seus aliados. A cada goblin que conseguiam fazer prestar atenção neles, os deixava um passo mais perto da vitória.
Isso, é claro, presumindo que Lagarto Sacerdote o e os outros poderiam cumprir sua parte no plano.
— Isso vai ficar cada vez mais difícil de se lidar sozinho.
— Matador de Goblins, senhor! Eles estão vindo! Seis… não, sete!
Sacerdotisa soltou um aviso, como se para confirmar o murmúrio que dele escapava.
À frente: um grupo de goblins corria ao longo das muralhas da fortaleza em direção a eles, seus olhos dourados brilhando no escuro. Seguravam porretes, lanças e machados para espancar os aventureiros, pisoteá-los, despedaçá-los, violá-los.
— Hmph.
O que Matador de Goblins fez foi simples.
Desembainhou a espada enquanto corria e a lançou.
— GAROAB?!
Um goblin de repente se viu com uma espada no pescoço; ele agarrou a garganta como se estivesse se afogando enquanto caía das ameias, desaparecendo na escuridão.
Os restantes não ficaram, é claro, especialmente intimidados com isso. Olhe. Aquele aventureiro estúpido simplesmente jogou sua arma fora. Ataque! Mate! Rasgue em pedaços!
Mas esse foi o erro deles.
— Um. Depois, dois.
— GARARA?!
O escudo em sua mão esquerda subiu, estilhaçando o crânio do goblin na frente. A lâmina afiada do escudo era uma arma por si só e fazia seu trabalho de maneira brilhante.
Protegendo-se do horrível jato de sangue de seu inimigo, Matador de Goblins pegou o machado de pedra da criatura.
— Três!
Enquanto os goblins o atacassem, Matador de Goblins não ficaria sem uma arma.
O machado de pedra impiedoso foi voando nas cabeças da terceira e quarta criaturas, abrindo-as exatamente como seu companheiro anterior.
— ORAG?!
Um quarto. Um quinto. Um sexto. Trocando uma arma por outra e depois outra, massacrou goblins a cada respiração.
Os goblins eram incapazes de usar seus números em vantagem nas estreitas ameias, isso era algo que os monstrinhos ainda não entendiam.
Os aventureiros avançaram contra os goblins, que se chocaram contra eles como uma maré horrível.
Claro, Matador de Goblins não lidou com todos eles sozinho.
— GRARAB!
Uma criatura usou seu tamanho pequeno para se esquivar para um lado, indo em direção às mulheres.
— Tome isso!
— GARO?!
Mas Sacerdotisa o afastou firmemente com um golpe de seu cajado. O dano que isso causou foi mínimo, mas foi mais do que suficiente para atordoá-lo.
— Ora, vocêêê!
— ORARAG?!
E um goblin atordoado era uma presa fácil para Nobre Esgrimista. Ela balançou a tocha como uma clava em chamas e fez a criatura cair das paredes.
Seus ombros levantaram, mas seus olhos estavam olhando para a escuridão.
— Também estão vindo de trás!
— Quantos?
— Não tenho certeza… — Ela mordeu os lábios. — Mas são muitos!
— Certo.
Matador de Goblins retirou uma garrafa de sua bolsa e a lançou para trás de si. Aquilo voou sobre as cabeças de Sacerdotisa e Nobre Esgrimista com o som de uma brisa que passava, pousando diretamente na frente dos goblins que se aproximavam.
Houve um barulho quando o frasco de cerâmica quebrou; o líquido viscoso de dentro espirrou para todos os lados. Nobre Esgrimista provavelmente nunca tinha visto ou ouvido falar deste líquido, mas Sacerdotisa se lembrava dele.
Tinha muitos nomes: Óleo de Medeia, petróleo… e gasolina.
— GARARARA?!
— ORAG?!
Havia outras maneiras de matar um inimigo, além de eliminá-lo pessoalmente. Os goblins escorregaram e deslizaram no material escorregadio, caindo das muralhas. Com todas as criaturas abarrotadas juntas no topo do lugar, isso era de se esperar.
Ainda assim, goblins eram goblins. Pisotearam seus companheiros caídos e passaram pela gasolina, jogando-se nos aventureiros, mesmo com seus números reduzidos.
— GRARAM!
— Oi… yaah…!
Nobre Esgrimista os atacou energicamente. A tocha parecia um grande pincel vermelho, lançando faíscas enquanto ela pintava a noite com ele.
Um goblin levou um golpe e caiu da parede. O segundo surgiu saltando sobre ela. E sua resposta foi um golpe de tocha. O terceiro já estava em sua frente, ameaçando passar furtivamente por um lado.
— Deixe ele comigo…!
Era Sacerdotisa. Nobre Esgrimista não teve tempo de responder enquanto lidava com o quarto goblin, no qual bateu várias vezes até que ele parou de se mover.
Sim, mas agora o quinto e o sexto foram…
Não consigo acompanhar…!
Seu braço, enquanto empunhava a tocha, ficou pesado, seu movimento lento; sua respiração ficou tensa e sua visão turva.
Ela podia ouvir o som de sua própria respiração, seu próprio sangue pulsando. Havia um zumbido em seus ouvidos, dificultando a audição.
Nobre Esgrimista olhou por cima do ombro, procurando ajuda. Mas Sacerdotisa estava balançando seu cajado, fazendo um som, o mais rápido que podia, tentando afastar a massa de criaturas que se aproximavam.
— Malditos sejam…! — dizia ela. — São… sempre tantos deles…!
Matador de Goblins estava além dela, e seria inútil esperar sua ajuda.
Nobre Esgrimista podia sentir o hálito rançoso de goblin em sua bochecha pálida; estavam chegando muito perto.
— Ah…
A humilhação e a desesperança que experimentara na montanha nevada voltaram vividamente à sua memória. O cheiro horrível dos goblins. Suas mãos implacáveis. A violência incontrolável e a ganância cruel. Os sorrisos simplórios.
O pensamento fez seu corpo ficar rígido, sua garganta trancando de terror. A força retornou às suas mãos.
Mas em sua mão esquerda havia um calor inconfundível; à sua direita, uma luz incessante queimava.
Uma cena passou diante de seus olhos, de Matador de Goblins na prisão do porão, lutando sua batalha.
— Ah… ahhhh…!
Houve um instante em que seu corpo se moveu mais rápido do que pensava, jogando a tocha nos goblins.
— GAROARAARA?!
Infelizmente – ou por sorte? – seu alvo era um dos goblins que já havia passado pela gasolina. Na mesma hora a chama lambeu sua pele, e ele caiu das ameias enquanto se contorcia em agonia.
— GROOOB!! GRAAB!!
Os goblins, entretanto, sempre confiam em seus números. Um outro simplesmente avançou e preencheu a abertura.
— Hrrraah…!
Nobre Esgrimista deu um soco em rebatida. Em sua mão, escondeu a adaga de alumínio, com a qual apunhalou a criatura.
— GAROARAO?!
— M-maldito…!
A adaga enterrada sob a clavícula do monstro foi o suficiente para acabar com sua vida; ela chutou o cadáver, puxou a lâmina e voltou a erguer os olhos.
De repente, descobriu que a maré havia rompido. Era uma pausa, os poucos preciosos segundos antes da chegada da próxima onda. Nobre Esgrimista respirou fundo, firmando sua respiração.
Ela tinha certeza, há alguns minutos, de que jamais poderia ter feito isso. Estimulada pela raiva, com arma na mão, atirando-se na horda de goblins sem pensar no passado ou no futuro. E…
— Huff… puff… huff…
Mas então havia a Sacerdotisa. Mesmo enquanto engolia o ar, ela se recusou a soltar a mão de Nobre Esgrimista. Seus dedos eram finos e bonitos, e ainda – e ainda assim, quentes.
— …
Nobre Esgrimista considerou a mão em silêncio. O desejo de se enfiar entre os goblins não foi suficiente para fazê-la se livrar do aperto de Sacerdotisa. Afinal, Matador de Goblins, que resgatou Nobre Esgrimista, a havia confiado à Sacerdotisa.
— Treze… Muito bem.
O próprio homem falou sem sequer olhar na direção dela e jogou uma nova tocha. Ela conseguiu pegá-la, usando o momento de paz entre ataques de goblins para acender a coisa e ter um bom controle sobre aquilo.
Olhou brevemente para o rosto de Sacerdotisa; o suor escorria por sua testa e suas feições estavam rígidas de nervosismo, mas mesmo assim sorriu para Nobre Esgrimista. Nobre Esgrimista refletiu que ela provavelmente parecia igual.
Sabia que, para o bem ou para o mal, as pessoas podiam mudar dramaticamente no espaço de um único momento.
— Como está lá em cima?
Alta-Elfa Arqueira atirou casualmente em outro goblin e olhou para seus amigos.
Havia goblins dentro da fortaleza. Não tantos quanto nas muralhas, mas o suficiente para tornar o combate inevitável. Os sons de luta chegando aos ouvidos da elfa se intensificaram, mas ela se consolou com o fato de não ter ouvido nenhum grito humano.
— Ah-ha! Você está preocupado com o Corta-Barba, não está, Orelhas Compridas? — Anão Xamã riu, pegando um odre de vinho e tomando um gole. Com os lábios umedecidos, ele enxugou algumas gotas e sorriu para sua companheira. — Gostaria de estar lá em cima, não é?
— Nada de especial. Não estou nem um pouco preocupada com Orcbolg. — Ela bufou como se o assunto a aborrecesse, então tirou outra flecha de sua aljava. — É com aquelas duas que estou preocupada.
— Preocupada que a nova garota vá tirá-lo de você, é isso que está! Mas que infantil.
— Não é com isso que estou preocupada! — Suas orelhas se ergueram e ela olhou para o anão. Talvez tivesse percebido que ela foi um pouco grossa, já que suas palavras seguintes foram muito gentis, quase tímidas. — São minhas amigas… É errado se preocupar com elas?
— Não há nada de errado com isso.
— Hein? — Alta-Elfa arqueira piscou, surpresa ao ouvir o anão tão prontamente concordando.
— Você é uma elfa. Uma grande e importante amiga!
Então ele estava apenas tirando uma com ela. Mas também estava a elogiando, ou assim parecia. Queria ficar com raiva, mas não conseguia fazer isso. E, ainda assim, não podia simplesmente aceitar isso. Se contentou com um grunhido e um olhar furioso na direção do anão, que a ignorou e tomou outro gole de vinho.
— Ha-ha-ha! Agora, se milorde Matador de Goblins estivesse aqui, não haveria necessidade de discutir. — Lagarto Sacerdote observou os dois com uma expressão alegre, sua língua escorregando para fora da boca com um silvo.
Ele era, na verdade, o mais jovem entre os três, mas nunca se cansava de observar a elfa, que agia de forma muito mais jovial do que era.
— Então. Não nos servirá de nada bater papo e tagarelar aqui. Falta muito?
— Não estamos muito longe do lugar que procuramos — disse Anão Xamã, enxugando a barba com sua mão enluvada. Ele colocou a tampa de volta no odre e bateu na parede. — Francamente, quando terminarmos por lá, voltar até a prisão será um trabalho ainda maior.
— Ah — disse Alta-Elfa Arqueira, sentindo que era uma abertura —, pensei que os anões eram tão corajosos quanto gordos. Não?
— Cuidado. — Os movimentos de Anão Xamã foram sombrios, seu aceno de cabeça sério. — Pareço tão bom quanto pareço por ser muito corajoso. Ao contrário de você. Daqui mesmo posso ouvir seus joelhos tremendo!
— Porquê, seu…! Anão! Barril de vinho!
— O que é isso, bigorna?
— Ha! Ha! Ha! Ha!
Agora, é claro, os três podiam estar brincando, mas não estavam parados perdendo tempo. Menos inimigos para eles significava que mais estavam atacando seus amigos. Não tinham tempo, e só metade de sua força de luta usual. Um único movimento errado nascido do pânico poderia transformar tudo em nada.
O fato de poderem estar tão alertas e ainda assim não cometer enganos era uma prova de quem eram. Era por isso que não tinham tempo para ansiedade desnecessária. Sim, às vezes era possível ter sucesso apesar do nervosismo. Mas era crucial continuar conversando, ficar relaxado, fazer o trabalho como se não fosse nada fora do comum.
Na verdade, nenhum goblin que encontraram escapou. Entre as flechas de Alta-Elfa Arqueira e as garras, presas e cauda de Lagarto Sacerdote, nenhum de seus inimigos respirava. Além disso, a orientação Anão Xamã era fiel; encontrou os caminhos mais curtos e rápidos.
— Pode ser isso. — Haviam chegado a outra porta grande e grossa de anões. Anão Xamã farejou o ar como se estivesse verificando algo, então balançou a cabeça e voltou-se para Alta-Elfa Arqueira. — Tudo bem, desative.
— Sim, claro. Deixe-me ver. — Ela deu um tapinha no ombro dele e trocaram de lugar, então se pressionou contra a porta. A elfa pegou seu galho-agulha e rapidamente verificou o buraco da fechadura, procurou por armadilhas e começou a arrombar a tranca.
Enquanto ela fazia isso, Anão Xamã e Lagarto Sacerdote se ocuparam mantendo um olho atento aos inimigos. Cada um deles estava segurando sua arma favorita – uma Garrespada para um, uma funda para o outro – e examinando a área vigilantemente.
Ainda não havia sinal de goblins. Poderiam ser gratos pela forma como os dados estavam caindo.
— Ei — disse Alta-Elfa Arqueira com uma contração de orelhas. Ela estava trabalhando com a agulha, finalmente produzindo um clique na fechadura. — Tem certeza de que vai funcionar? Não que eu esteja duvidando de você, mas já falhou uma vez…
— Devo admitir, tenho me preocupado com a mesma coisa. O que você me diz, Escamoso?
— Uma falha não significa que o plano não tem mérito. — Lagarto Sacerdote deu um passo à frente enquanto Alta-Elfa Arqueira deslizava agilmente para longe da porta.
Qualquer um ficaria satisfeito em ter um companheiro robusto como Lagarto Sacerdote entre eles, especialmente ao atacar uma fortaleza cheia de goblins.
— Inundar o lugar sempre foi a melhor maneira de atacar castelos, mas há outra maneira possível. — Ele chutou a porta e olhou em volta, então abriu as mandíbulas e sorriu como um naga. Um barril por perto estava cheio até a borda com algo… pedaços do que pareciam ser formigas esmagadas. — E isso é matar o inimigo de fome.
Fwoosh. Foi nesse momento que uma gota de fogo subiu de um canto do castelo em ruínas.
— ORARAGA?!
— GROAB!!
Até os goblins cruéis, leais principalmente à sua própria ganância, ficaram surpresos com isso, fazendo sons confusos.
A luta mortal com a segunda onda acabou; já estavam na terceira leva. Ao seu redor, quinze ou dezesseis goblins congelaram ao ver suas provisões queimando.
— Bom.
Matador de Goblins não era de perder uma oportunidade dessas. Ele já estava mergulhando para fora do caminho ao longo da parede do castelo, gritando ordens.
— A tocha… jogue-a para frente! Agora!
Nobre Esgrimista agarrou a tocha que era sua arma, olhando para o chão por apenas um instante. E então, desta vez de forma decisiva em vez de reativa, jogou a pequena chama portátil.
Até então, inclusive ela sabia o que era pretendido. A tocha caiu em um arco e línguas de fogo começaram a lamber todo o caminho. A gasolina que Matador de Goblins havia jogado no chão anteriormente se tornou uma parede de chamas, bloqueando todos os goblins.
— GROAA?!
Uma infeliz criatura apanhada na explosão foi transformada em uma tocha viva; se debateu no chão por um momento antes de ficar imóvel.
Confrontados com sua terrível morte, os goblins não estavam prestes a tentar pular através das chamas, por mais furiosos que estivessem. Algumas histórias falam de coragem que não teme nem mesmo a morte – mas isso é a coisa mais distante da mente dos goblins.
— Vinte e nove. Está na hora. — Matador de Goblins jogou fora seu porrete sujo de cérebro e pegou a espada do cadáver de goblin a seus pés. Ele agarrou-a, testou alguns movimentos, então acenou com a cabeça. — Nos retiramos. Estejam prontas para…
— Matador de Goblins, senhor! — gritou Sacerdotisa em aviso. Sem isso, sua aventura provavelmente teria terminado ali. Ele instintivamente brandiu sua espada, que saiu voando de suas mãos em uma chuva de faíscas. Uma linha branca traçou-se em seu esterno, entre o capacete e a armadura.
— Droga…! — Matador de Goblins saltou para trás instantaneamente; houve um lampejo de alumínio à sua frente. Não era uma espada encantada, nenhuma lâmina sagrada. E, no entanto, não estaria fora do lugar nas mãos de um herói.
— GRAAORRRN…!
Um goblin estava lá, fumaça subia de sua armadura e chamas de seus olhos. Ele havia saltado através da parede de fogo; era como um mensageiro dos deuses, enviado para derrubar seus inimigos em nome de seus irmãos. Com sua espada de alumínio na mão direita e um escudo em forma de lágrima na esquerda, parecia a caricatura de um guerreiro sagrado.
O goblin paladino.
— Você está atrasado — disse calmamente Matador de Goblins. Ele ergueu a espada, que havia sido reduzida ao comprimento de uma adaga. Era sua postura usual: escudo erguido, quadris baixos, pulso girando até que sua espada ficasse apontada para o inimigo. — Mas eu estava esperando por você.
— GAROAROB…! — O goblin paladino moveu as mãos carregadas de equipamento em gestos estranhos, fazendo algum sinal desconhecido. Era fácil inferir que estava fazendo uma demonstração de louvor ao Deus Exterior, que residia na lua verde.
— Haa… ahh…! — Quando Nobre Esgrimista percebeu quem ele era, deixou um grito estrangulado escapar. A marca em seu pescoço ficou tão quente que quase queimava. O sinal do Deus Exterior começou a pulsar. Começou a inchar – como se fosse explodir a qualquer momento…
Com essa imagem em sua mente, seus joelhos começaram a tremer. E ainda assim, nunca tirou os olhos de uma coisa, a espada de prata que o goblin segurava.
É minha. Minha… Isso foi roubado de mim…
E estava apontada para seus, ficou surpresa ao se descobrir usando essa palavra, camaradas.
— Ahh… n-n-não…!
Um som de passos se aproximou. Os goblins, animados com a aparição de seu campeão, cercaram as muralhas enquanto se aproximavam.
Não havia como escapar. Encurralaram o paladino ou foram encurralados por ele? Tudo terminará assim?
O que deveria eu fazer? O que deveria eu…?
— Rápido. — Uma voz calma, quase mecânica, interrompeu sua confusão. — Vou ganhar tempo para vocês.
— Sim senhor! — respondeu na mesma hora Sacerdotisa em um tom ecoante.
Nobre Esgrimista mordeu o lábio. Uma gota de sangue escorreu de sua nuca; ela podia sentir aquilo escorrendo pelo seu pescoço.
Mas ela estava com a razão. Tinha certeza disso. Poderia se fazer ficar bem.
— Certo…
As ações que as duas garotas realizaram em seguida foram diametralmente opostas.
Palavras de verdadeiro poder transbordaram da boca de Nobre Esgrimista.
— Tonitrus… oriens…! Trovão… apareça!
Sacerdotisa, por sua vez, orou à deusa, mas não invocou um milagre:
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia. Que a sua proteção esteja sobre nós…
Isso porque ambas haviam sido informados por Matador de Goblins que ele confiaria nelas.
Confiar em uma para proteger Sacerdotisa. Confiar na outra para usar Proteção no momento certo.
— IRARAGARU!!
— Hrk…!
O goblin paladino entrou em ação, balbuciando uma prece a seus deuses bizarros. O golpe de sua espada foi rápido e afiado, derrubando facilmente o escudo que Matador de Goblins portava para enfrentá-lo.
Punir humano!
Goblins como um todo tender a ter estatura pequena. Exceto os hobgoblins, mas eles não têm força física. A espada de alumínio, no entanto, ajudou a compensar isso. Nas mãos da criatura, Matador de Goblins viu então, era uma coisa para se ter cuidado. Se fosse reforçada por milagres do Deus Exterior, sua armadura típica poderia se provar inútil.
Armadura encantada pode ser um assunto diferente, mas Matador de Goblins desgostava dessas coisas. A própria situação em que ele se encontrava deixava claro o que poderia acontecer se tais itens caíssem nas mãos do inimigo.
— Hmph.
O trabalho com a espada de Matador de Goblins era indiferente, mas magistral. Lâminas se cruzando não seriam um ponto chave no momento; ele poderia dizer que isso seria inútil. Teria que golpear a espada de seu oponente de cima, forçando-a para baixo, e então usar sua lâmina reduzida para golpear qualquer abertura.
Não era algo tão digno de um aventureiro, uma técnica mais adequada para um duelo violento e mortal nos arredores de uma cidade pequena. Ele não esperava que o goblin paladino, que provavelmente aprendeu sua esgrima estudando aventureiros, fosse capaz de responder a isso.
Mesmo para Matador de Goblins, entretanto, esse oponente era muito perigoso para simplesmente tentar forçar seu avanço. Ele levou um golpe com o escudo, pulando bem para trás, em seguida, levou sua espada para cima, as armas do oponente golpeando. Ele empurrou a espada para baixo, saltou para frente com força, deixando o impulso conduzi-lo para o golpe, apunhalando.
A diferença no tamanho do corpo, na força física e equipamento, estratégia e experiência, colocou um fim decisivo na troca.
Mas não na batalha. Isso seria decidido por algo totalmente diferente: duas jovens delicadas contra quinze goblins que se aproximavam.
Um olhar para os sorrisos cruéis dos monstros deixou clara a ganância, as fantasias, naqueles pequenos cérebros.
— Heh-heh!
E ainda, apesar disso, apesar de tudo que estava acontecendo ao seu redor, Sacerdotisa tinha um pequeno sorriso em seu rosto.
O homem às suas costas. Aquele que lhe confiara as costas: ela o conhecia e ele nunca ficou tão sério em situações como esta. Nunca a fizera usar seus milagres em momentos parecidos.
Então não era a hora. O momento para Proteção chegaria, mas não era esse.
O que significava que o que precisava fazer era bolar um plano de fuga o mais rápido que pudesse…
Ela olhou rapidamente em seu equipamento e pegou um item em particular, assim como haviam discutido antes. Ao seu lado…
— …Iacta! E caia!
O feitiço Relâmpago foi concluído.
Ele traçou uma linha reta diretamente pela palma estendida de Nobre Esgrimista para… Bem, seria de se esperar que para o goblin paladino, não é?
— AGARARABA?!
— GORRRBB?!
Mas não. Seu ataque atingiu a horda que se aproximava.
— Ee… yaaaahhh!
Naquele instante, o campo de batalha ficou branco. Houve um barulho tremendo de ar correndo, de tal forma que se poderia imaginar que era assim que soava o uivo de um Drake Trovão, e então o relâmpago caiu.
Os goblins açoitados pela luz incharam e explodiram, gritando. Usar um feitiço poderoso contra inimigos próximos era uma tática padrão. Fumaça branca, carregando o fedor acre de carne cozida, subiu, misturando-se com a fumaça do fogo. Nobre Esgrimista não resistiu a um pensamento passageiro: que este lugar era o inferno encarnado.
— Tomem isso…!
O sorriso em seu rosto era instável, uma tentativa de parecer forte, com certeza; mas não havia dúvida, as garotas tinham conseguido. Sacerdotisa passou a mão pelo rosto sujo e suado e gritou:
— Matador de Goblins, senhor! Está tudo bem!
— …!
A reação de Matador de Goblins foi imediata. Ele girou a espada quebrada em sua mão para segurá-la em um aperto reverso, então, sem um momento de hesitação, a arremessou no goblin paladino.
— GARARAI!!
Acreditando ser um truque muito inteligente, o paladino ergueu o escudo e desviou a lâmina. Mas também bloqueou sua própria linha de visão.
Foi apenas um instante. Mas era tudo que Matador de Goblins precisava.
— Hwah?!
— Ah…!
As duas jovens gritaram: de repente se viram erguidas, uma embaixo de cada braço de Matador de Goblins enquanto ele pulava graciosamente das ameias.
Era um pouco antes do amanhecer; uma luz suave estava começando a se espalhar pela terra. Eles flutuaram pelo espaço.
Um vento frio cortante percorreu a pele das garotas, afiado como uma faca.
Então a sensação de flutuar, de cair, foi interrompida tão abruptamente quanto se tivessem atingido o solo.
Mas não o fizeram. A mão de Matador de Goblins agarrou algo com firmeza.
O Conjunto de Ferramentas do Aventureiro.
Houve um breve som de respiração acelerada de dentro do capacete de aço. Matador de Goblins, ao que parecia, tinha um sorriso atípico no rosto.
— “Nunca saia de casa sem ele”, dizem…
O gancho e corda.
Sacerdotisa – uma ranque Obsidiana, apenas o primeiro degrau na escada de aventura – foi realizada religiosamente. O gancho estava firmemente enterrado na parede da fortaleza, a corda pendurada para fora; que melhor rota de fuga poderia haver?
— IGARARAROB !!
Olharam para cima para encontrar o goblin paladino inclinado sobre a muralha, berrando, seu rosto contorcido de raiva.
Os goblins viviam principalmente no subsolo. Presumiram que nunca veriam alguém escapar saltando de um lugar alto.
Os monstros não podiam contra-atacar imediatamente, mas sua inteligência desagradável era mais do que suficiente para colocá-los para trabalhar desalojando o gancho.
Não que Matador de Goblins fosse deixar, é claro. Com Sacerdotisa e Nobre Esgrimista agarradas a ele, uma de cada lado, apoiou os pés na parede e começou sua descida em uma série de grandes saltos. Seus movimentos foram rápidos e seguros, obviamente o produto de um treinamento focado.
— N-não somos pesadas…? — perguntou Sacerdotisa.
— Um pouco.
A pergunta tinha acabado de escapar de sua boca e ela franziu um pouco a testa com a resposta. Ela corou e sentiu um toque de raiva dele. Era natural que uma garota da idade dela disparasse:
— Você deve dizer: “Não, você é perfeitamente leve”!
— É mesmo?
— É!
— Entendo.
Matador de Goblins balançou a cabeça, embora as chances fossem mínimas de que realmente entendesse por que ela estava chateada.
Quase no mesmo momento em que ele colocou os pés no chão nevado, a corda foi cortada, caindo atrás deles. Então a pegou e enrolou no ombro.
— Mais tarde vou te pagar de volta. — Era um momento estranho para pensar em tais sutilezas sociais, mas tão característico que mesmo Nobre Esgrimista sentiu um leve sorriso surgindo em seu rosto.
Mas isso ainda não acabou.
— IGURARARARABORR!!
O goblin paladino, louco de raiva, soltou um grito que ecoou pela montanha, derrubando a neve das muralhas. Com muitos estalos e rangidos, o grande portão principal começou a se abrir.
Tiveram que se mover rapidamente, ou estariam de volta onde haviam começado.
— Onde estão os outros…? — perguntou Nobre Esgrimista.
— Logo estarão aqui.
E assim foi. Houve um barulho de algo sendo esmagado quando o chão coberto de neve começou a subir, então o resto do grupo saiu de baixo da terra.
— Ufa! Ahhh! Estarei bem e realmente cansado dos túneis dos goblins quando isso acabar! — exclamou Anão Xamã, rastejando para fora do buraco como uma toupeira. — Suba — disse ele, voltando a descer para o túnel e pegando a mão de alguém. Sem nenhuma pequena demonstração de delicadeza, ajudou Alta-Elfa Arqueira a chegar à superfície.
— Não brinca — disse ela, sacudindo a poeira e franzindo a testa. — Não posso acreditar que vocês anões podem viver no subsolo. Tem certeza de que não são parentes de goblins?
— Pegue essas orelhas compridas e me escute, sua bigorna de dois mil anos. Existem coisas sobre as quais você pode brincar e coisas que não.
— O que de dois mil anos? Você está querendo começar uma guerra, homenzinho?
E começaram a discutir. Era apenas a briguinha de costume, mas tinha começado tão de repente que Nobre Esgrimista ficou completamente perdida.
— Er… Ahem…
— Tudo de acordo com o plano — disse Matador de Goblins.
— Exato! — disse uma cabeça escamosa, surgindo do chão. Ele parecia monstruoso, mas rastejava facilmente. — Não se preocupe. Triste seu estado pode parecer, mas estão ilesas.
Por mais intimidador que parecesse, Lagarto Sacerdote também parecia feliz. Duas prisioneiros perdidas estavam penduradas sob cada um de seus braços, quatro no total. Ele tinha força física suficiente para se mover sem esforço, apesar de carregar todas, e os primeiros socorros administrados às mulheres também foram exemplares. Parecia que, de fato, não havia necessidade de temer por suas vidas.
— Graças à deusa… — Sacerdotisa soltou um suspiro de alívio, lágrimas brotando de seus olhos. — Estava preocupada com vocês. Estão machucados?
— Nem um arranhão! — disse Alta-Elfa Arqueira, interrompendo brevemente a sua discussão com Anão Xamã. Ela estufou o peito com orgulho. — E você? Não teve problemas, não é? Digo, nas mãos de Orcbolg…
— Ah… Ha-ha-ha-ha. Não. Estamos bem. Nenhum problema.
— Bem. — Alta-Elfa Arqueira deu um aceno satisfeito ao ver o sorriso corajoso de Sacerdotisa. Então olhou para Matador de Goblins e finalmente para Nobre Esgrimista. A batalha acabou; a garota estava coberta de sangue e poeira, mas olhou para a arqueira com olhos brilhantes.
A elfa balançou lentamente as orelhas e sorriu como um gato.
— Você fez isso, hein?
Ela bateu no ombro de Nobre Esgrimista com o punho. A garota colocou a mão no local, piscando. Então olhou para baixo, como se quisesse esconder as lágrimas em seus olhos, e disse simplesmente:
— Sim.
— Bem, você pode ver que isso não é problema para nós — disse Anão Xamã, acariciando a barba com orgulho e rindo.
E, de fato, essa era a verdade.
O feitiço Túnel podia parecer apenas uma maneira de mover pedras e terra, mas sem ele, não poderiam ter salvado as prisioneiras. Nem poderiam ter feito isso sem a força de Lagarto Sacerdote para carregar as garotas. Sem os sentidos aguçados de Alta-Elfa Arqueira, poderiam ter que lutar contra muitos mais goblins.
Haviam roubado as armas dos goblins, destruído suas provisões, salvado as prisioneiras e então atacado os monstruosos habitantes da fortaleza. Matador de Goblins só podia imaginar quanto tempo e por quantos problemas passaria sozinho.
— Ahem, então, Corta-Barba — disse Anão Xamã, semicerrando os olhos. — O que aconteceu com a sua espada?
— A joguei.
A resposta direta provocou um sorriso e um “Isso é o que eu pensei” do anão.
— Bem, escolha o que você quiser. São todas coisas de goblins, mas devem te servir.
— Obrigado, isso ajuda. Embora eu provavelmente vá arremessá-la de novo.
— Não se preocupe com isso!
Apenas escolha, de qualquer forma. Ele estendeu um monte de espadas, as armas que haviam anteriormente roubado do arsenal.
Então os goblins as roubaram e as mantiveram por um tempo – apenas para que os aventureiros as roubassem de volta. Matador de Goblins achou esse pensamento bastante estranho. Escolheu a arma cuja lâmina era do comprimento mais familiar para ele. E a colocou na bainha sem hesitar. Não havia dúvida de que ele se sentia um pouco esgotado.
— Então, tudo o que temos a fazer é pegar a espada daquela garota de volta, não é? — disse Anão Xamã.
— Sim. — Matador de Goblins puxou um frasco de sua bolsa de itens: uma poção de estamina. Ele abriu a rolha e bebeu tudo com um único gole. O calor que se espalhou por seu corpo era bom.
Ele guardou este item, algo que Garota da Guilda lhe deu antes de partir, para um momento especial.
Matador de Goblins olhou para seus companheiros: Sacerdotisa, a garota que tinha fé nele. Alta-Elfa Arqueira, que ficou com ele nos bons e maus momentos. Anão Xamã, em quem podia confiar nas situações mais terríveis. Lagarto Sacerdote, a quem confiou sua segurança na batalha. E Nobre Esgrimista, que havia dado tudo de si para perseverar até aquele momento.
Cada um deles estava coberto de lama, sangue e cinzas, mas ainda assim ali estavam.
Então olhou para o horizonte. A cidade fronteiriça ficava ao sul. Fazendeira estava lá, esperando por seu regresso para casa. Garota da Guilda estava lá.
Havia cada vez mais coisas em sua vida que simplesmente não conseguia fazer sozinho.
Esse pensamento cruzou sua mente, seguido logo depois pela conclusão de que, provavelmente, estava tudo bem para ele.
Nesse caso, havia apenas uma coisa a dizer.
A mesma coisa de sempre.
— Vamos matar todos os goblins.
Goblins não têm conceito de indústria, de criar as coisas com as próprias mãos. Somado a isso, perderam dezenas de seus irmãos na batalha mais recente. Teriam que evitar um esgotamento ainda maior, economizar suprimentos.
Para preencher suas fileiras, entretanto, precisariam de ventres. Ventres e comida.
Para capturar mulheres e roubar provisões, teriam que atacar uma aldeia.
E para atacar uma aldeia, teriam que reunir sua força de combate, mantê-la, movê-la e atacar no momento certo.
Todas essas coisas foram roubadas. Suas mulheres foram sequestradas, suas armas roubadas e sua comida levada à força.
Não podemos fazer nada – não podemos fazer nada! Isso não faz sentido. Somos nós que roubamos; são eles que são roubados.
Isso? Isso não me torna diferente dos outros.
Aventureiros invadem meu ninho e pegam o que é meu – isso me torna nada além de… nada além de um goblin!
— GOURRR…
O goblin paladino, muito mais inteligente do que qualquer um de seus camaradas, percebeu que estava tudo acabado. Com as coisas como estavam, dificilmente se poderia esperar que os goblins sobreviventes continuassem a obedecê-lo.
Goblins tinham um forte senso de camaradagem, mas o que os unia era a ganância. Mataram aqueles que odiavam, estupraram-nos, roubaram-nos, humilharam-nos das formas mais terríveis. O que mais um goblin faria?
Agora não havia caminho a seguir; os planos do goblin paladido estavam em ruínas.
Nesse caso, havia apenas uma coisa a dizer.
A mesma coisa de sempre.
Ataque os aventureiros. Mate os homens, capture as mulheres. Então as acorrente em sua masmorra, alimentae-as com a carne de seus próprios camaradas e as obrigue a ter filhos até que seus corações se partam e morram.
Goblins não entendiam que poderiam enfrentar represálias por roubo, que poderiam receber na mesma moeda. Apenas entenderam que haviam sido vitimados e teriam sua vingança.
— IRAGARARARARA!!
Portanto, tudo o que se seguiu foi uma explosão de raiva.
A luz do amanhecer caiu sobre a fortaleza em chamas, um brilho prateado banhou a montanha em cujas encostas tudo isso aconteceu.
O brilho do sol e a sombra do pico juntos caíram sobre os aventureiros enquanto eles corriam. Mesmo um deslizamento na neve teria sido fatal. Porque, por acaso, estavam sendo perseguidos por um grupo de goblins enlouquecidos decididos a matá-los.
— IGARARARARAU! — O goblin paladino ergueu sua espada de alumínio bem alto, uivando uma prece.
— GROAAAB!! — Os goblins atrás dele gritaram em resposta, sacudindo as armas e avançando. Seus olhos ardiam e saliva suja escorria de suas bocas.
Cada fragmento de racionalidade se fora, se é que algum dia tiveram algum.
Loucura: era um milagre de batalha concedido pelo deus do conhecimento externo.
Os goblins que seguiram o grande paladino foram apanhados por um redemoinho de insanidade. Não pouparam pensamentos para o passado ou futuro; seu único desejo neste momento era despedaçar os aventureiros, esmagá-los sob os pés.
Os goblins, transformados em um exército sagrado, literalmente não conheciam o medo. Nem mesmo quando as flechas começaram a cair silenciosamente sobre os que estavam na vanguarda, derrubando-os. Simplesmente pisotearam os cadáveres na neve, seu entusiasmo não diminuiu.
— É por isso que odeio goblins. Os números são a única coisa que eles têm! — Alta-Elfa Arqueira prendeu uma flecha ponta-broto com um movimento delicado, deixando-a voar enquanto se virava para gracejar com seus amigos. Apesar de sua falha em mirar com cuidado, a flecha não conseguiu errar o alvo.
Uma habilidade suficientemente desenvolvida era indistinguível da magia.
— Então, novamente, amo esses grandes espaços abertos para atirar! Sem aqueles interiores apertados!
— Apenas preste atenção no que você deseja…! — Anão Xamã explodiu.
— Se você tem fôlego para falar, então tem fôlego para correr! Mais rápido!
— Estou correndo! O mais rápido que posso!
As pernas grossas do anão tornavam-no o corredor mais lento do grupo, mesmo quando a todo vapor. Então, novamente, todo o grupo estava se movendo um pouco mais devagar do que o normal.
— E quanto a você? — perguntou Anão Xamã. — Como está essa perna?
— Sinceramente? Ainda dói um pouco. — Sua perna, fina como a de um veado, havia sido atingida por uma flecha não há muito tempo. Alta-Elfa Arqueira semicerrou os olhos em angústia e depois fez outro disparo.
— Afirmo que nesse ritmo, acredito que vão nos pegar — disse Lagarto Sacerdote. Seus movimentos foram retardados pelo frio e, desnecessário dizer, ele ainda estava puxando as ex-prisioneiras. Ele convocou um Guerreiro Dragodente e confiou-lhe uma ou duas garotas, mas isso não era muito mais rápido do que ele. — Os números inimigos diminuíram. Posso recomendar que me permitam enfrentá-los sozinho.
— N-não! Você não pode! — Sacerdotisa, normalmente não tão confrontadora, balançou a cabeça com vigor. — Uma coisa é fazer algo ultrajante ou inacreditável quando isso te ajuda a vencer, mas desta vez não vai funcionar…!
Alguém se perguntou se ela percebeu que estava quase repetindo uma das frases favoritas de Matador de Goblins.
Uma poção de estamina ajudava um pouco, mas não conseguia restaurar completamente a força física. Haviam deixado a aldeia, marchado pela neve, passado a noite inteira atacando uma fortaleza e agora estavam engajados em outra batalha sem nunca ter tido a chance de descansar. O cansaço entorpecia a mente, uma mente entorpecida conduzia a erros e os erros, neste caso, conduziam à morte.
— Gracioso… Se estivesse um pouco mais quente, eu poderia pelo menos me mover com mais eficiência.
— Não, você não… ah. — Sacerdotisa se lembrou de algo que ela tinha em sua bolsa. Enfiou a mão lá e tirou um anel. — Este é o anel que Matador de Goblins me deu, aquele que concede Respirar. Não vai ajudar muito, mas…
— Qualquer coisa é mais do que nada. Recebo com gratidão. — Lagarto Sacerdote ainda estava correndo, ainda carregando as prisioneiras, mas conseguiu deslizar o anel de Sacerdotisa em um dedo escamoso.
No momento em que fez isso, soltou um som impressionado; o efeito foi imediato e perceptível. No entanto, não o suficiente para mudar significativamente a situação.
O que fazer então?
Apenas um deles tinha poder de fogo em grande escala. Nobre Esgrimista permitiu que poder mágico começasse a fluir por ela.
— Vou usar Relâmpago para…
— Não. — Matador de Goblins rejeitou seus planos sem quaisquer rodeios. — Haverá o momento para usá-lo, mas não agora.
— …?
Nobre Esgrimista lançou-lhe um olhar questionador enquanto corriam. Seu rosto estava, como sempre, escondido atrás de sua máscara, e ela não tinha ideia do que ele poderia estar pensando.
Ele tirou as luvas, massageou os dedos como se quisesse relaxá-los, depois colocou as manoplas novamente.
— Vou ficar com a retaguarda. Você me apoia.
— Certo! — disse Anão Xamã, tão certo quanto um martelo forjando uma espada. Apoio e suporte eram no que lançadores de feitiços se destacavam. — O que é neve senão água? E o que combina melhor com água do que sujeira?
Ele girou como um pião, mal olhando para os goblins enquanto batia as mãos no chão nevado. Em cada mão havia uma bola de lama, que seria um catalisador adequado.
— Gnomos! Ondinas! Façam para mim a mais fina almofada que se verá!
Com um shlorp, o solo amoleceu. A neve derreteu diante de seus olhos, transformando-se em água; e se misturou com a terra fofa e logo se tornou um campo de lama.
Armadilha: contanto que fosse lançada na direção oposta, não afetaria os aventureiros. Pegou apenas os goblins.
— GAROBA?!
— ORAG?!
As primeiras criaturas a chegarem cairiam, agitando os braços, os pés presos na lama. Seriam então prontamente pisoteadas por suas companheiras. Serviria para reduzir ligeiramente o número do inimigo e retardá-los um pouco. Ou deveria.
— ORAGARARAU!!
Naquele momento, entretanto, a oração do goblin paladino ecoou pelo campo de batalha. E veja! Os goblins, cercados por uma luz pálida, caminharam facilmente pela lama!
— O-o qu…?!
Anão Xamã ficou irrequieto com isso. Tal coisa nunca teria acontecido se seus oponentes fossem goblins comuns. Mas tinham um goblin paladino para liderá-los.
Devia ser o milagre Contrafeitiço.
— Gaaah! — exclamou Anão Xamã. — Goblins estúpidos e baixos!
— Parece que vamos ter que deixar minhas flechas falarem — disse Alta-Elfa Arqueira, lançando um disparo no exército goblin que se aproximava. Voou entre as fileiras de monstros, como se enfiasse uma linha em uma agulha, direto para o paladino…
— GAROARO?!
— Ah…! — Alta-Elfa Arqueira estalou a língua. Outro goblin pulou na frente do líder, sacrificando-se. — Ahh, saco! Ele estava exatamente onde eu queria!
— O número de inimigos foi reduzido. Vou trocar com você — disse Matador de Goblins, movendo-se rapidamente para a parte de trás da formação. Com um golpe casual, ele decapitou um goblin que havia chegado perto demais.
Jogou sua espada na próxima criatura que se aproximava, chutando uma lança de seus pés para sua mão.
— Oito, nove. — Ele deu um impulso para verificar a arma, então olhou por cima do ombro e voltou a recuar. — Não podemos ir direto para a aldeia com eles atrás de nós. Lembro que havia um vale no caminho.
— Se não me falha a memória, não é muito longe — disse Lagarto Sacerdote.
— Então iremos para lá.
Ele olhou para trás, jogando sua lança. Perfurou a armadura do peito de um goblin na frente, prendendo-o no chão nevado.
— O que eu te disse, Corta-Barba?
— Sinto muito.
Anão Xamã puxou outra espada do pacote que carregava e jogou para Matador de Goblins. Lutar dessa maneira, deixando os cadáveres inimigos – e seu equipamento – para trás, era complicado porque indicava um fluxo menos constante de novos armamentos.
Matador de Goblins abateu um ou dois goblins, então, quando a lâmina ficou cega com gordura e sangue, a usou de outra forma.
— Hrk…! — Houve um estalo abafado quando usou o cabo para quebrar o crânio de um goblin. Ele segurou a lâmina com as mãos enluvadas, empunhando-a como um martelo, matando o goblin com um único golpe.
— Treze!
Ele limpou o cérebro de sua arma improvisada e se moveu para atacar o próximo monstro. O punho inteiro acabou enterrado na placa do peito da ostentosa armadura de couro do goblin; a criatura caiu com tanta força que Matador de Goblins simplesmente largou a espada.
— Tudo bem, próxima! — Anão Xamã gritou: — Você quer a picareta ou a pá?
— Faz diferença? — gritou Alta-Elfa Arqueira. — Apenas escolha uma!
Foi sua velocidade e habilidade que lhes deu tempo para trocar de armas; ela puxou três flechas de sua aljava e as disparou quase mais rápido do que o olho podia ver. Três goblins foram atingidos quase simultaneamente e morreram tão rápido que nem gritaram quando caíram no chão.
Isso os tornava dezesseis.
Matador de Goblins não hesitou.
— Preciso de algo longo.
— Então é a pá!
Ele pegou a pá que Anão Xamã atirou em sua direção, balançando e golpeando com ela, empurrando os corpos dos goblins amontoando.
Tentando aproveitar ao máximo o tempo precioso que havia sido comprado, as duas jovens se moveram para trás de Lagarto Sacerdote.
— Continue andando…!
— Ngh…
Sacerdotisa falou. Nobre Esgrimista apenas soltou um grunhido de esforço.
— Meus agradecimentos…! — disse Lagarto Sacerdote. As garotas o empurravam por trás com seus pequenos corpos. Quanto ao Guerreiro Dragodente, silenciosamente carregando as prisioneiras, o grupo nunca foi tão grato pelo familiar.
Matador de Goblins, empunhando a pá como uma lança, matou outro goblin.
— Dezenove!
Seis aventureiros e quatro prisioneiras resgatadas contra um verdadeiro maremoto de goblins liderados por um paladino: essa era a natureza da retirada de combate na montanha nevada. Todos os envolvidos estavam totalmente comprometidos, prontos para lutar até a morte. Suas respirações ficaram brancas ao ar frio, obscurecendo a visão. Seus pés estavam começando a ficar dormentes por causa da neve, mas seus corpos estavam quentes.
A espada havia derrubado vinte goblins, então as flechas de Alta-Elfa Arqueira aumentaram o total para vinte e quatro; Matador de Goblins pegou um machado para o vigésimo quinto e vigésimo sexto, em seguida, lançou uma machadinha para o vigésimo sete, que foi seguido por outra flecha.
A batalha, que começou com o nascer do sol, tinha rendido trinta cadáveres de goblins e ainda não dava sinais de acabar. O halo da luz da manhã brilhava na neve manchada de vermelho com o sangue dos goblins, correndo em grandes linhas como se tivesse sido feito pelo pincel de um artista.
A luta era desesperada; não terminaria até que um lado, aventureiros ou goblins, tivesse até o último número morto. Essa era a dura verdade sobre o goblincídio.
— Vão em frente — disse Matador de Goblins quando chegaram à boca do vale.
As palavras podiam soar como ele se oferecendo para servir de sacrifício, incitando os outros para deixá-lo para trás e fugir enquanto podiam. No entanto, não havia som de nada tão trágico em sua voz, que estava tão fria e desapaixonada como sempre.
— Vou destruí-los aqui. — Sua declaração arrancou um olhar de todo o grupo.
— Você… você consegue mesmo? — perguntou calmamente Lagarto Sacerdote. Ele havia mudado a posição se suas duas prisioneiras para que as segurasse diante de si. Se a necessidade se tornasse grande, poderia protegê-las com as costas.
— Consigo. Não tenho intenção de deixá-los chegar à aldeia.
Após esta breve resposta, Matador de Goblins acenou para Anão Xamã. O anão soltou uma risada cansada e encolheu os ombros.
— Desculpe, Corta-Barba, aquela foi minha última arma.
— Então, milord Matador de Goblins, pegue a minha.
— Obrigado.
No lugar de um dos armamentos de Anão Xamã, ele recebeu uma lâmina de presa com Dente Afiado, um feitiço de afiação, lançado sobre ela. Foi o quarto e último milagre que Lagarto Sacerdote poderia realizar.
Alta-Elfa Arqueira, que estava atirando o mais rápido que podia, soltou um suspiro.
— Eu gostaria de ajudar, mas… Por acaso você tem alguma flecha, Orcbolg?
Elfos eram amigos da floresta; se houvesse algum galho com folhas à vista, poderiam fazer suas próprias flechas. Mas em um mundo branco-prateado, não havia árvore a ser vista.
— Use minha funda — disse Matador de Goblins, puxando algo de sua bolsa de itens enquanto testava alguns golpes com a espada presa.
Alta-Elfa Arqueira pegou a bolsa em pleno ar, ouvindo o som de pedras ali dentro.
— Não sou muito de fundas… — Havia uma carranca em seu rosto e orelhas caídas. Mesmo assim, ela sabia que não tinha escolha e enrolou uma pedra na funda.
— Você não gosta porque não é boa nisso — disse Anão Xamã com uma risada. — Acho que é hora de eu mesmo usar feitiços, Corta-Barba. O que acha?
— Duvido que haja algum propósito em continuar a conservá-los. Faça o que achar melhor!
Anão Xamã invocou outra Armadilha. O goblin paladino simplesmente usaria Contrafeitiço novamente, mas pelo menos seria forçado a desperdiçar um de seus milagres. Não desaceleraria muito a horda, mas poderia dar aos aventureiros alguns momentos preciosos…
Matador de Goblins estava respirando fundo quando Sacerdotisa apareceu.
— Matador de Goblins, senhor, aqui está uma poção…
— Obrigado. Guarde o seu milagre.
— É claro. Você confiou em mim para saber quando usá-lo.
Ele tirou a tampa da garrafa que ela lhe entregou e bebeu. Enquanto fazia isso, Sacerdotisa se ocupou verificando os fechos de sua armadura, limpando qualquer neve ou sujeira que pudesse impedir seus movimentos. Então fez um sinal e começou a orar.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia. Que suas bênçãos estejam sobre nós… — Sua oração não levaria a nenhum milagre; era uma simples prece, uma bendição.
Ainda assim, Matador de Goblins de forma alguma a via como inútil ou sem sentido. Nunca foi tão arrogante a ponto de recusar qualquer coisa que alguém pudesse fazer por ele.
Então jogou o pequeno frasco na neve enquanto sentia os efeitos da poção se espalhando por seu corpo. Inclinou seu capacete de aço como se não tivesse certeza do que dizer; olhou para a horda de goblins cada vez mais próxima.
Finalmente, disse apenas:
— Há um caminho.
— Sim, senhor — respondeu Sacerdotisa. Ela não o questionou: não por amor, ou dependência, ou obediência cega. Era simples fé… crença em Matador de Goblins, no homem diante dela.
Ele devolveu o olhar nivelado que ela lhe deu. Então, acenou com a cabeça. Isso era o suficiente.
— Vou deixar para você quando usar Proteção. E… — Seu olhar vagou lentamente para Nobre Esgrimista.
— …
Seu peito generoso arfava enquanto ela inspirava, mas estava controlando a respiração. Preparando-se para usar magia, talvez. Matador de Goblins poderia adivinhar isso.
Então não havia necessidade de explicar os detalhes.
— Quando eu der o sinal, lance.
Ela assentiu com a cabeça, enviando uma ondulação por seu cabelo cor de mel. Ele acrescentou mais uma ou duas coisas. A princípio, Nobre Esgrimista olhou sem compreender, mas então disse:
— Entendo…
Isso era tudo que ele precisava ouvir.
Em pouco tempo, fez o que precisava ser feito.
Agora, não havia mais nada a se fazer.
Matador de Goblins olhou para o céu. Estavam ainda as mãos celestiais jogando dados lá em cima?
— Vamos começar.
Assim que falou, Matador de Goblins saiu correndo pela neve. Estava indo em direção do exército goblin. Todos do grupo acenaram com a cabeça uns para os outros, então começaram a se distanciar, levando as prisioneiras consigo.
As pedras da funda de Alta-Elfa Arqueira passaram zunindo. Uma, depois duas. Ela não tinha prática nisso, mas os goblins caíram sob sua barragem, e isso foi o suficiente.
Então, o inevitável oponente de Matador de Goblins emergiu.
— IGARURUARARA!!
O goblin paladino.
— Hrmph!
— IGRUAA!!
Então a batalha foi travada uma segunda vez. Houve um tilintar de metal contra metal quando suas espadas se encontraram, faíscas espalhando-se sobre o campo nevado. A espada de alumínio do paladino golpeou a lâmina presa estendida do Matador de Goblins.
Fwsh! A seus pés, a neve se ergueu formando névoa. O paladino voltou a avançar em direção de Matador de Goblins, mas o guerreiro afastou seu ataque e recuou. Em resposta, Matador de Goblins estocou, mas sua lâmina foi novamente afastada pela espada de alumínio.
— Então você aprendeu.
— IGAROU!
Matador de Goblins chutou a neve direto no rosto do goblin paladino uivante.
O monstro caiu para trás, cego e tagarelando. Matador de Goblins desferiu um golpe com seu escudo.
No entanto, um toque de metal com metal foi o único resultado.
O goblin paladino também tinha um escudo. Ele dificilmente o usava, mas pegou o tempo para repelir o ataque.
— …!
— GROOB!!
Os dois empurraram seus escudos um contra o outro, circulando. A respiração de ambos ficou branca e turbulenta.
Matador de Goblins tinha vantagem em força física, mas o pequeno tamanho do paladino era intimidante por si só. A criatura atingiu a canela de seu oponente com sua espada, mas o aventureiro saltou para trás, fora de alcance.
Ele manteve os olhos fixos em seu oponente, cuja respiração fumegava, mesmo enquanto lutava para manter o pé na neve escorregadia e ajustava o aperto no punho de sua arma com uma mão encharcada.
— GRARAB!!
— Hrk?!
Houve um baque abafado e uma flecha ricocheteou em sua cabeça. Devia ser trabalho de um dos goblins arqueiros – seu exército estava se aproximando.
Por isso que um capacete é tão importante.
Ele balançou a cabeça para se livrar do eco do impacto, então avaliou a situação.
— Onde está sua honra?! — exigiu Alta-Elfa Arqueira, atirando outra pedra. Aquilo voou sobre a cabeça do arqueiro, atingindo o goblin atrás dele. A elfa estalou a língua e fez outro disparo, desta vez acertando seu alvo no ombro, quebrando o osso.
— GRAORURURU…!
Ela dificilmente estava em uma posição, entretanto, para manter toda a horda de goblins sob controle. O exército estava assistindo a luta do goblin paladino, mas isso era apenas porque provou ser uma diversão para eles.
Não era como se os efeitos de Loucura tivessem passado. Estavam simplesmente esperando, com a certeza de que se o aventureiro fosse vitorioso ou morto, o resultado não mudaria. Os goblins, naturalmente, não tinham noção do que poderíamos chamar de “virtudes de cavaleiro”. A lógica deles era ditada apenas pelas circunstâncias em mudança bem à frente. Quer a vitória ou a derrota aguardassem esse desafiante, cairiam sobre ele no momento em que o combate fosse decidido.
Ele não tinha tempo a perder.
— Bem, então — murmurou Matador de Goblins. Ele girou a lâmina na mão, abaixou-se e ergueu o escudo. O goblin paladino reconheceu essa postura; e deu um sorriso horrível. Sem dúvida se lembrava da batalha anterior. O escudo redondo de Matador de Goblins estava voltado para ele, com a borda para fora.
— ORAGARARARA!!
Ele soltou um terrível grito de guerra e atacou Matador de Goblins. Sua espada de alumínio estava pronta. Serviria para perfurar qualquer defesa facilmente.
Observe! Sim, veja a ponta da espada enterrada no escudo de Matador de Goblins. Veja como passa facilmente por esta confecção de couro, madeira e tecido!
Atravessa o escudo, rasgando o braço, perfurando a manopla, apunhalando a carne. O sangue escorre pela ponta da lâmina, pingando na neve e tornando-a rosa.
A espada de alumínio atingiu o alvo, chegando até o ombro de Matador de Goblins.
O goblin paladino ouviu o gemido suave de alguém tentando suprimir a dor. Ele sorriu, pensando que tinha vencido.
— Você caiu nessa.
Mas, na verdade, era o seu fim.
A lâmina de alumínio não foi mais longe. Ele colocou todas as suas forças naquilo, mas não conseguiu fazê-la se mover.
Estava até o punho. O punho de sua espada, pesada o suficiente como um martelo de guerra, havia se alojado no escudo de Matador de Goblins.
— Hr… grr!
— ORAGA?!
E em uma simples competição de força, nenhum goblin poderia esperar vencer um humano. Matador de Goblins puxou o escudo perfurado pela espada para trás, praticamente levando o braço do goblin com ele.
Seria mais correto chamá-lo de escudo que permitiu que fosse perfurado. Caso contrário, por que teria deliberadamente revelado seu melhor golpe mortal para o goblin paladino? Por que tentou interceptar e atacar com seu escudo mesmo depois que sua própria espada foi quebrada?
— Goblins são estúpidos, mas não tolos.
Pela primeira vez, o goblin paladino viu o rosto de seu oponente. Nas profundezas da escuridão dentro daquele capacete de aço, viu um olho brilhando em vermelho.
— Mas você é um tolo.
— AGARARARARA!!
Matador de Goblins torceu sua espada presa, rasgando impiedosamente a garganta do paladino.
Surgiu um jato do vil sangue de goblin, poluindo o mundo prateado. Matador de Goblins, que havia torcido seu corpo para proteger a espada de alumínio, estava ensopado de sangue.
— GORA, U…?!
— GROB! GROB?!
Ele olhou para os goblins, que ficaram paralisados de medo ali no vale. Não havia momento melhor do que este. Era o exato momento pelo qual esteve esperando e desejando.
— Fogo! — gritou.
— Tonitrus… oriens… — respondeu Nobre Esgrimista. E então: — Iacta…!
Relâmpagos caíram.
A montanha tremeu.
O ar se expandiu quando a eletricidade passou por ele, mas o raio não caiu sobre os goblins. Todos seguiram o raio e seu rastro com os olhos, para cima e ainda mais para cima.
O raio atingiu o topo da montanha.
Houve um estrondo e um grande tremor.
E isso só pode significar uma coisa.
— E-ei, isso é um pouco perigoso, não é? — disse Anão Xamã com uma carranca.
— Tenho um mau pressentimento sobre isso — acrescentou Alta-Elfa Arqueira, com as orelhas compridas se contraindo nervosamente.
Decerto entenderam: isso funcionaria bem e verdadeiramente com os goblins.
— Mm — Lagarto Sacerdote assentiu com conhecimento de causa. — Parece que chegou.
Um barulho violento como os tambores de guerra, ou como o bater dos cascos de um exército se aproximando, estava em direção deles. E, de fato, a morte, vestida de branco, estava descendo em disparada para o vale.
Era uma avalanche.
— …!
O som mudo de surpresa e o grito podem ter pertencido a Alta-Elfa Arqueira e Nobre Esgrimista. Aquela que exclamou “Ah, pelo amor de Deus!” provavelmente foi Alta-Elfa Arqueira.
— GARAOROB?!
— ORARAGURA?!
Soltando uivos insuportáveis, os goblins foram engolidos pela neve que caía. Não havia nada que pudessem fazer, nenhuma chance de correr; não deixaram nem pegadas.
No meio de todo o caos, uma pessoa saltou para frente, agindo mais rápido do que qualquer outra: era Sacerdotisa.
Agora. A palavra surgiu em sua mente como se por uma revelação.
Não houve hesitação, nem relutância. Ela agarrou seu cajado e ofereceu aos deuses a prece de toda sua alma.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, pelo poder da terra conceda segurança para nós que somos fracos!
O tsunami branco se chocou contra uma barreira invisível, dividindo-se perfeitamente para os dois lados.
De dentro da proteção milagrosa concedida pela Mãe Terra, ela olhou para ele.
Ele estava tão longe. Um homem, sozinho, entre o exército goblin, longe do milagre da Mãe Terra.
Ela queria levantar a voz, levantar a mão, mesmo sabendo que não iriam alcançá-lo…
— Matador de Goblins, senhor!
Então o branco apagou tudo; tudo desapareceu de vista.
— Ele… ele está…?!
Ela foi a primeira a se levantar quando tudo acabou: Nobre Esgrimista.
Assim que Proteção desapareceu, ela teve que sacudir a neve enquanto se levantava. Estava tudo branco. A neve havia obliterado todos os vestígios da luta e matança que ela e os outros haviam causado. Nem mesmo um rastro dos goblins permaneceu; desapareceram completamente, como se tudo não tivesse passado de um sonho.
— Onde ele está…? Onde está o Matador de Goblins…?
Ela olhou em volta, olhou para trás. Não havia nenhum indício daquela distinta forma blindada. Em vez disso, viu Sacerdotisa, segurando seu cajado, sua respiração ofegante. E viu seus camaradas.
Sacerdotisa bateu um dedo congelado, mas pensativo, nos lábios e olhou para o sopé da avalanche.
— Acho que ele deve estar por trás de tudo, tendo sido varrido pela neve.
Braços e pernas de goblins podiam ser vistos se projetando como galhos mortos da neve que havia deslizado para o vale.
— Provavelmente — disse Alta-Elfa Arqueira com um aceno de cabeça e uma carranca. Suas orelhas se contraíram ligeiramente, uma, duas vezes. — A neve ainda está deslizando lá longe. É melhor não falarmos muito alto.
— Nesse caso, é melhor irmos a pé para encontrá-lo, eu diria — disse Lagarto Sacerdote, limpando o pó branco de seu corpo com uma grande sacudida. Ele verificou se seu grupo, junto com as ex-prisioneiras e o Guerreiro Dragodente que as segurava, não estavam feridos, então fez um estranho gesto de juntar-palmas.
Obrigado aos meus antepassados. Ouvira dizer que fora um grande frio que os enterrara.
— Como a avalanche não foi tão grande, não imagino que ele tenha ido longe — disse.
— Vocês não estão… preocupados…? — perguntou Nobre Esgrimista.
— Claro que estamos — respondeu Anão Xamã. — Ele é nosso amigo.
Ele coçou a barba, tirou um odre de vinho da bolsa e tomou um gole. Fogo e espíritos eram o melhor para aquecer o corpo. Então ele deu uma piscadela pontual.
— Mas… Bem, você entende agora, não é?
— Estamos falando de Matador de Goblins — disse Sacerdotisa com um sorriso impotente cruzando seu rosto.
Mesmo com esse testemunho, Nobre Esgrimista descobriu que não podia aceitar algo assim. Com cada passo instável, o grupo desceu a montanha, procurando enquanto isso. Estava tudo quieto, muito ao contrário do momento de retirada há pouco, mas o caminho que estavam tomando era o suficiente para fazer qualquer um cair. A cada passo que dava, Nobre Esgrimista sentia um peso opressor cair sobre ela.
Se eu não tivesse dito que queria minha espada de volta… talvez ele não tivesse sentido a necessidade de fazer isso.
A culpa é minha.
Minha culpa.
Tuda… Tudo isso foi minha culpa.
— Ngh…
Assim que tudo acabou – ou melhor, assim que ela foi lançada nesta circunstância repentina – começou a apreciar o real peso do que tinha feito. Sua estratégia arrogante. As mortes de seus amigos. O ataque à aldeia. A demora no resgate das prisioneiras. E Matador de Goblins.
Ela deveria ter sido capaz de fazer melhor do que isso. Mesmo que pouco. As coisas não deviam ter acabado em tal fracasso abjeto.
De volta ao início: se ela não tivesse se tornado uma aventureira…
Seus olhos, fixos no chão, começaram a embaçar; ficou difícil de ver.
E ainda assim, percebeu algo se movendo.
— Ah…! — Ela não queria fazer barulho; tapou a boca com a mão.
Algo estava rastejando de quatro na neve. Devia ter percebido que estavam chegando, já que respondeu abruptamente – sacudindo a neve e se levantando. Um homem.
— Cometi um erro — disse ele.
Estava vestindo uma armadura de couro encardida. Um capacete de aço barato. Não tinha espada em seu quadril e o escudo em seu braço estava quebrado.
— Deveria estar mais preocupado com o impacto do que com o sufocamento.
Erro ou não, no entanto, Matador de Goblins parecia perfeitamente calmo.
— M-Matador… de… Goblins…? — Nobre Esgrimista dificilmente poderia ser culpada pela nota de descrença em sua voz.
— Sim. Precisa de algo?
— Isso é tudo que você tem a dizer? — perguntou Alta-Elfa Arqueira exasperada.
— Hmm… Você está segura.
— Essa é a minha fala… Tenho que admitir, achei estranho você simplesmente trazer anéis para respirar. — A elfa pressionou a testa como se estivesse lutando contra uma dor de cabeça. Mas suas orelhas balançavam alegremente.
De repente, fez sentido para Nobre Esgrimista. Ela olhou para a mão. Um anel mágico, seu efeito há muito expirado, apareceu por entre as bandagens.
O anel Respirar.
A neve era só água, então… Então…
— Você sabia que tudo isso iria acontecer, o tempo todo…?
— Até certo ponto.
— Matador de Goblins, senhor — disse Sacerdotisa —, estou acostumada com o fato de que você é quem é, mas… — Ela concluiu em um murmúrio: — Poderia ter pelo menos nos informado sobre o plano. — E olhou para ele com reprovação. — Sei que você disse que não faria nada ultrajante, mas ainda assim fiquei muito surpresa.
— Não seja tola. — Matador de Goblins estava de quatro novamente, cavando na neve enquanto falava. — Nosso inimigo era um goblin inteligente. E se alguém tivesse deixado algo escapar, prejudicando o plano?
— Quem se importa com um “se”? Estávamos muito preocupados com você!
— Hrk…
— Poderia nos dizer o que vai fazer, começando pela próxima vez?
Depois de uma pausa, ele disse:
— Entendo.
E essa foi a sua resposta. A voz áspera prontamente sugeriu uma expressão azeda sob o capacete.
De repente, Lagarto Sacerdote soltou um silvo feliz, um sorriso se espalhando por sua mandíbula.
— Pelos deuses, milord Matador de Goblins, parece que suas estratégias famosas não funcionam com nossa querida clériga.
— Você disse isso, Escamoso! Mesmo seus nagas não são tão assustadores quanto uma mulher desprezada!
— Ha-ha-ha-ha! Certamente! Certamente. Você fala a verdade, mestre lançador de feitiços.
O anão e o lagarto riram juntos. Estavam cansados, mas seus rostos estavam alegres.
Alta-Elfa Arqueira apenas balançou a cabeça, olhando para longe deles e para a distância. Nobre Esgrimista seguiu seu olhar para encontrar um céu azul claro e um sol tão brilhante que era difícil de olhar.
— Há cerca de um milhão de coisas pelas quais eu gostaria de censurá-lo — disse Alta-Elfa Arqueira com um sorriso apenas tocando seus lábios. — Mas é assim que uma aventura deve ser.
Aventura.
A palavra feriu Nobre Esgrimista profundamente.
Vá em uma aventura – entre em um ninho de monstros – trabalhe seu caminho através de um labirinto…
Os amigos com quem havia tentado essas coisas pela primeira vez se foram, e acabara de conhecer os amigos com quem agora estava.
Entendo… Então, esta foi uma aventura…
— Ei.
— …!?
Surpresa, Nobre Esgrimista girou para olhar a origem da voz inesperada.
— Eu a encontrei. — Matador de Goblin se levantou novamente, segurando algo que havia tirado da neve.
Aquilo brilhou intensamente à luz do sol.
Com um movimento indiferente, puxou a espada de alumínio de seu escudo, onde tinha ficado alojada. Ele a sacudiu para limpar o sangue – seu próprio sangue – então a enxugou suavemente com um pano.
Finalmente, a colocou na bainha que encontrara com um clique.
— Fui capaz de segurar a espada, mas a bainha foi levada com o goblin paladino, que ainda a tinha em seu quadril.
— Ah… ah…
— Acho que uma avalanche foi um erro.
— Ah… sniff…
Nobre Esgrimista pegou a espada estendida com as duas mãos; podia sentir o peso daquilo. Sua visão ficou ainda mais turva; ela piscou várias vezes para limpá-la. Então esfregou os olhos furiosamente, mas não importava o que fizesse, não conseguia se conter. Limpou o nariz, mas isso também não ajudou.
Gotículas de água começaram a cair na espada, quicando para longe.
Matador de Goblins observou Nobre Esgrimista muito seriamente enquanto ela chorava. Desapaixonado, de forma quase mecânica, disse:
— Você chora muito.
Nobre Esgrimista agarrou-se à espada e chorou com todas as suas forças.