Capítulo 9

A palavra taverna podia significar muitas coisas. Nem todos esses lugares eram ligados à Guilda dos Aventureiros.

Vague pela cidade e encontrará várias, com quadros de avisos e luzes brilhantes.

Elas normalmente tinham estalagens anexadas, e por vezes os aventureiros só desejavam uma mudança de ares. Esses eram lugares onde aventureiros podiam facilmente aparecer, comer e beber tanto quanto quisessem, e depois sair para cidade.

Em uma dessas tavernas, um menestrel dedilhou seu instrumento e começou a cantar:

 

Quantas vezes nos encontramos e separamos?

O que importa, proclamou você, é o que está no coração

Sem ninguém para gostar, elas vêm e vão

Até que viste aquela coisa fofa um dia; oh-ho!

Seja você um senhor ou um espião,

Você não sabe o nome dela, mas você aprecia os olhos dela

Você exerce sua conversa mole, mas passa pela porta da taverna

Você percebe tarde demais: ela já se foi

Quantas vezes nos encontramos e separamos?

Uma reunião, uma despedida, um coração partido…

 

— Muito bem então. Acho que temos um grupo, ei, Escamoso?

— Ha-ha-ha. Ainda que eu desejasse um guerreiro e um batedor.

Sentados bem adentro da taverna aconchegante, dois aventureiros conversavam afavelmente e riam.

Um era um anão, que acariciava sua barba branca, batia em sua barriga redonda e se servia de vinho e comida. E do outro lado dele estava um homem-lagarto, comendo com as próprias mãos, com seu corpo grande e escamoso sentado em um barril de vinho. Eles bebiam o vinho que lhes foi trazido como água, de uma forma que ultrapassava o saudável e já era quase festivo.

— Um bloqueador, um patrulheiro, um sacerdote-guerreiro e um mago. Eu diria que temos uma boa combinação.

— De fato.

Lagarto Sacerdote deu uma dentada na perna de javali que segurava com as duas mãos, enquanto Anão Xamã lambia um pouco de vinho que derramara na ponta de sua barba. Ele despejou vinho da garrafa em seu copo com um glub, glub, depois sorveu o que transbordava. Ele bebeu o vinho em um só gole e soltou um arroto.

— Não é o suficiente na linha de frente, não é o bastante na retaguarda, conexões insuficientes para obter equipamentos e itens… Reclame de tudo e depois não terá mais nada para reclamar.

— Acontece, acontece — disse Lagarto Sacerdote, batendo a cauda no chão. — Um grupo com três usuários de magia é certamente abençoado.

— Tenho que admitir, é um bocado surpreendente.

— Você quer dizer…?

— Você. — O anão com o rosto vermelho empurrou seu copo vazio em direção ao Lagarto Sacerdote. — A princípio… achei que não ia se interessar em fazer grupo com outro clérigo.

— Ha-ha-ha-ha-ha-ha! Oh, mestre conjurador. Nunca sei o que vai dizer a seguir. — Lagarto Sacerdote riu deliberadamente. Terminado com a carne, ele roeu o osso da perna, dando uma demonstração feroz de seus dentes. — Todos os nossos semelhantes vieram do pó do mar, então não há por que para mim ficar chateado por um descendente dos ratos nos conduzir. — Talvez o álcool estivesse acabando, pois Anão Xamã parecia enfadado enquanto Lagarto Sacerdote revirava os olhos triunfantemente. — Brincadeira, brincadeira.

— Receio não conseguir achar engraçado — disse Anão Xamã, mandando embora a indiferença do lagarto.

— Bem, cada um tem sua própria crença. Se alguém optasse por discutir sempre que houvesse uma diferença, não haveria fim.

— Mas hereges e seguidores do Caos são diferentes, não…?

— Isso não é argumento. Eles devem ser mortos até que não restem nenhum.

A cabeça de Lagarto Sacerdote balançou com a maior severidade; era difícil dizer quão sério ele estava sendo.

Anão Xamã empurrou seu prato vazio, agarrando uma atendente para pedir um pouco de carne, e repousou o queixo nas mãos.

— Só por curiosidade, ouvi rumores sobre os homens-lagarto. Eles são todos canhotos, ou que seus corações estão na direita. Algo disso é verdade?

— Hmm. Não posso falar quanto a localização do meu coração, mas quanto as minhas mãos, diria que sou ambidestro. — A ideia de que todos os homens-lagarto eram canhotos porque a mão esquerda de um deus os criara era, aparentemente, um absurdo.

Lagarto Sacerdote abriu significativamente ambas as mãos garradas. Então sacudiu a língua como se tivesse acabado de pensar em algo.

— Ouvi dizer que anões podem flutuar, de vez em quando.

— Se tivermos vinho, não há nada que não possamos fazer. Vinho e boa comida!

Anão Xamã disse a mesma coisa de vários meses antes e sorriu.

— Se tiver vinho, não há nada que não possa fazer. Vinho e boa comida!

Tal como muitos grupos de aventureiros, eles foram criados na taverna. No começo, contudo, era apenas três pessoas, e antes disso, apenas uma.

O vento soprava ao longo do canal, tornando o ar refrescante enquanto entrava pela porta. Era o anoitecer, e a taverna da cidade da água estava viva com os sons de vozes fazendo brindes.

— Mas, meu honorável tio! Não acha que é demais para pedir, mesmo ao seu sobrinho?

Anão Xamã soou muito descontente. Ele cruzou os braços com firmeza e virou as costas.

Em frente a ele estava um anão com mais músculos, mais barba e mais rugas do que ele, bebendo cerveja com uma expressão fixa. No seu banco havia um martelo de guerra bem-usado, juntamente com um gancho. Ele era um quebra-escudos. O rosto sombrio do anão veterano, com o aroma da cerveja flutuando na frente dele, mostrava com eloquência a seriedade da situação.

— Mesmo assim, escute. Nesse momento, você é o único quem posso chamar.

— Mas até mesmo para você, querido tio; simplesmente não há nada a se fazer sobre isso. — Anão Xamã bebeu sua cerveja e fixou seu tio com os olhos meio fechados.

O rosto do anão tinha ainda mais rugas do que antes, e estava começando a ficar careca. Ele estava realmente envelhecendo. Era compreensível: um dos jovens de sua tribo partira em busca de magia e agora estava agindo como um rufião.

Mesmo assim… isso!

— Ir em uma aventura com um elfo? — disse Anão Xamã. — Um escolhido provavelmente pelo seu líder, rei, ou seja lá quem?

— Provavelmente.

— Alto, características chamativas, nobre demais; quase que uma beleza reluzente, e, oh, tão frágil.

— Muito provavelmente.

— Ainda um orador elegante, um poeta excelente, e os deuses lhe deram o dom de arquearia?

— Bem, ainda não os conheci…

— Baaah! — Absolutamente impossível, sem chance! Anão Xamã balançou as mãos calejadas enfaticamente. Ele não estava brincando. — Não conseguiria respirar junto de alguém assim. Eu morreria de asfixia!

— Ouça, seu egoísta…

— Disse que o mundo está em perigo? Estou mais do que disposta a ajudar… mas não com um elfo!

Então aconteceu. Uma xícara veio girando pelo ar, jorrando vinho, e acertou a parte de trás da cabeça do tio de Anão Xamã.

— Ei! Diga isso de novo!

De trás de seu tio, que agora estava de bruços na mesa e esfregando a cabeça, veio uma voz clara e tonificada. Anão Xamã olhou para cima e viu uma elfa de olhos afiados, com as mãos na cintura em uma postura imponente. Ela era de fato delicada, esbelta e de aparência modesta; e ela usava um traje justo de caçador, com as orelhas balançando energicamente. Alguém não teria adivinhado isso pelo seu tom de voz, mas suas orelhas, mais longas do que as de outros elfos, eram a prova de que ela era descendente dos antigos alto-elfos.

Esperando um combate, Anão Xamã agarrou seu machado, mais do que feliz em participar, mas um felpubro com rosto de cachorro disse: — Eu vou dizer quantas vezes você quiser!

A pelugem do felpubro era difícil de se dizer, mas a julgar pelo peito extenso, provavelmente era uma mulher. E sua voz rouca, mas aguda, a fazia parecer que fosse, em termos humanos, só uma adolescente. Provavelmente não uma aventureira. Ela estava em boa forma física, seus movimentos eram precisos; sinal de treinamento adequado. Uma soldada, muito provavelmente. Ela limpou o vinho que escorria de sua cabeça e bufou.

— Elfos só ficam escondido em suas florestas, ignorando tudo e a todos… e ainda por cima são avarentos!

— Vou te mostrar a verdade sobre os elfos!

Alta-Elfa Arqueira ronronou como um gato e se lançou contra a soldada com cara de cachorro. A mesa caiu com o impacto, copos de vinho voaram e pratos viraram. Os bêbados que se reuniam na taverna abriram caminho para a cena familiar e começaram a fazer apostas.

— Meu dinheiro vai para a elfa. — Não, na felpubro. — Mas elfos são muito frágeis. — É, mas felpubros são bastante estúpidos…

— …Que problemático. — Oof, essa doeu. Anão Xamã deu de ombros para seu tio, que esfregava a cabeça e gemia.

— Bastante incomum, para um elfo.

— …Se importaria se teu companheiro fosse alguém como ela?

— Hmm, bom. Não creio que os alto-arrogantes do reino élfico escolheria alguém tão imprudente…

Enquanto murmurava, Anão Xamã esticou a mão em um prato. Ele pegou uma mão cheia de feijões secos, não obstante do vinho espirrado sobre eles, os colocou na boca e mastigou ruidosamente.

Ao lado dele, seu tio deu um suspiro. — Eles já fizeram a sua escolha — disse ele. — E escolheram ela.

— O que disse?

— Olhe para a descrição pessoal.

Seu tio pegou um pedaço de papel amassado de sua bolsa e entregou. Anão Xamã o abriu com os dedos grossos e ágeis, depois segurou no alto e olhou para a luta.

— Ahh… essa tábua…?

Se os elfos altivos a escolheram, não havia razões para duvidar de suas habilidades.

Os elfos eram ressentidos com os anões, mas ao mesmo tempo, eles odiavam mais do que qualquer coisa que os anões se ressentiam com eles.

Mas essa é só uma garotinha, ou eu sou um barril.

Ela estava gritando insultos para a soldada com focinho de cachorro, as duas puxavam o cabelo — e pelo — uma da outra. Os elfos não consideravam exatamente a idade insignificante, mas ele se perguntava se ela tinha pelo menos cem anos de idade.

— Ainda assim… — Com mais ou menos dez anos (ou cem), essa era a elfa que iria ser sua companheira de viagem. — …Acho que quebraríamos alguma coisa tentando tirá-la dessa luta.

Enquanto afagava a barba e considerava o que fazer, os olhos de Anão Xamã foram atraídos para a porta da taverna.

Uma sombra enorme se aproximava.

Era enorme. Grande como uma rocha. Seus movimentos amplos eram tão grandes quanto suas mandíbulas.

Mas então, de onde eram essas roupas? Ah, sim. Do sul nemoroso.

O homem-lagarto deu uma olhada no bafafá e revirou os olhos. Ele entrou na taverna com um andar arrastado e foi para o balcão, alheio ao olhar dos que o rodeavam. Ele não tentou se sentar na cadeira, talvez devido ao seu tamanho enorme ou por causa da cauda que arrastava.

— Mil desculpas, mas gostaria de esperar por alguém. Como não sei quando chegarão, talvez fique esperando por um tempo.

Sua voz era rígida como uma pedra. Era impressionante como a língua longa dentro de suas mandíbulas exercia a língua comum tão facilmente.

— Uh, claro — disse o dono da taverna com um aceno desajeitado.

O lagarto respondeu “esplêndido”, também assentindo. — Aguardo um anão e um elfo. Se algum de seus aventureiros se encaixar nessa descrição, talvez possa me avisar.

Ouvindo isso, Anão Xamã olhou para seu tio, que disse calmamente: — Ouvi que um homem-lagarto nos emprestaria sua força. — Parecia que ele mesmo não conseguia acreditar nisso.

— Como agora, querido tio? Não conhece seu rosto?

— Mesmo que eles me dessem uma descrição, não conseguiria distinguir um homem-lagarto de outro.

— Imagino que não.

Os homens-lagarto, que se proclamavam descendentes dos temíveis nagas que saíram do mar, eram os guerreiros mais poderosos encontrados no mundo.

Eles eram oponentes que faziam o sangue gelar. Eles matavam seus inimigos, massacravam, comiam seus corações. Alguns os desprezavam como bárbaros, e havia de fato — então era dito — que alguns se aliavam com as forças do Caos.

Apesar disso, esse estava presumivelmente do lado da Ordem.

Mesmo assim…

— Ahh, e uma refeição, se puder fazer a gentileza. — O lagarto sacerdote levantou o dedo escamoso. Ele continuou de pé no balcão; provavelmente a sua cauda atrapalhou quando tentou se sentar. Quando seus olhos giraram e suas mandíbulas abriram, sua observação pareceu alegre. — Lamentavelmente, eu não trago dinheiro, por isso gostaria de retribuir com trabalho; lavando pratos ou cortando lenha. Não se importa?

Anão Xamã riu de repente. Tomou um gole de vinho, bateu em sua barriga e deu uma boa e bela risada. Ele riu até que o lagarto sacerdote virou seu longo pescoço para olhar de uma forma estranha, e então o anão deu outro gole no  vinho.

— Ei, Escamoso! — chamou ele o homem-lagarto. Ele tossiu, depois limpou o vinho de sua barba com a mão. — Vê aquela garota orelhuda lutando ali? Pegue ela pela nuca e traga até aqui, pode ser?

Anão Xamã riu tranquilamente, apontando para a elfa, que estava se balançando em cima da felpubro, alheia aos acontecimentos ao seu redor. No momento, a felpubro a pegou pelos cabelos e rolava com ela para uma nova posição. Mãos, pés e unhas se moviam por todo o lugar. Sua dignidade élfica desaparecera. Ela agora era apenas uma criança brigando.

— Faça isso e eu te recompensarei com todo o vinho e carne que quiser.

— Oh-ho! — A cauda de Lagarto Sacerdote acertou o chão com uma poderosa bofetada. O dono da taverna franziu a testa; tal como o tio de Anão Xamã. — Muito bem, então irei. Me considere agradecido. Ah, virtude gera virtude.

Imediatamente Lagarto Sacerdote, cauda e tudo mais, saltou para a luta com uma velocidade que desmentia seu tamanho. Ao lado de Anão Xamã, sorrindo para a anarquia na taverna, seu tio gemeu. Ele parecia ter uma dor de estômago. Nem mesmo um bocado de vinho não parecia lhe fazer bem.

Por fim, o homem que fora um quebra-escudos no exército anão por mais de dez anos, disse: — …Se me dá licença, voltarei para minha unidade. — Ele deixou um punhado de peças de ouro na mesa e pulou instavelmente da cadeira construída para a altura de um humano.

Ele não conseguia decidir se era sensato deixar o destino de sua raça nas mãos desse grupo; incluindo seu sobrinho.

Oh, às ordens dos deuses…

Enquanto ele se afastava da taverna, a cabeço do velho quebra-escudos foi preenchida com o som de dados rolando.

— …Quecêquer?

Seu cabelo estava bagunçado, suas roupas sujas, suas bochechas um pouco inchadas, e ela estava de costas para ele com uma expressão de desgosto. Anão Xamã acabou por dar um sorriso alegre com o primeiro som da boca da alta-elfa.

— Quem, eu? Pensei que podíamos falar de trabalho. — Ele sorriu e esfregou as mãos grossas, fsh-fsh-fsh.

Se ela pudesse se sentar de frente para mim como uma adulta, eu poderia achar que ela estivesse me ouvindo.

As brigas nessa taverna deveriam ser tão comuns quanto pão e manteiga, porque o ambiente já havia relaxado de novo, e as conversas e brincadeiras voltaram à vida.

A felpubro bastante machucada estava sentada em um canto, parecia infeliz e estava rasgando um pedaço de carne. Com a luta sendo extinguida, os antigos apostadores logo se acomodaram de volta.

— Hum. Nesse caso, tem algo de extrema importância que devo perguntar primeiro.

A ordem restaurada na taverna foi em parte graças à rápida intervenção do homem-lagarto, que agora usava um barril de vinho no lugar de uma cadeira. Fora uma bela visão vê-lo pegar a elfa e a felpubro pela nuca e separá-las, mas também foi um resultado que ninguém apostara. Assim, só o agente de apostas teve lucro, e o rhea deu voltas pelo bar balançando alegremente seu vinho.

— E o que é, Escamoso?

Lagarto Sacerdote deu um “hmm” e acenou com a cabeça seriamente. — Poderíamos talvez considerar nossas despesas com comida serem separadas da recompensa nessa missão?

— Mas é claro — disse Anão Xamã dando um puxão em sua barba e sorrindo. — Vamos mandar a conta para meu honorável tio.

— Agradeço imensamente — disse Lagarto Sacerdote, depois abriu amplamente as mandíbulas e as enfiou em um pedaço de carne com osso que estava na mesa.

Alta-Elfa Arqueira observou eles, ainda estufando um pouco as bochechas. — Então — murmurou ela — qual é o trabalho? Não que ainda não tenha ouvido o básico.

— Ah, sim, sobre isso. — Anão Xamã assentiu, pegou um copo e bebeu. Então usou o recipiente vazio para empurrar de lado alguns pratos e abrir espaço para si. — Você sabe sobre a batalha que está acontecendo na Capital com o Senhor Demônio ou seja lá o quê?

Foi uma pergunta retórica. Ele pegou um pergaminho de sua bolsa e abriu na mesa. Fora desenhado com pigmentos de casca. A imagem abstrata, porém precisa, o assinalava como um mapa élfico. Ele representava uma construção antiga, bem no meio de uma terra devastada.

— Um conselho de guerra estava prestes a ser convocado, mas então descobriram que havia um grupo de goblins vivendo bem atrás dela.

— Um ninho de goblin, não é assim que se chama?

— Sim, e um bastante grande também.

Aqui. Alta-Elfa Arqueira olhou para onde Anão Xamã estava apontando e pestanejou. Ela olhou para o símbolo no antigo edifício no meio da terra devastada, depois para a floresta enorme não muito longe dela.

— Ei… essa é a minha casa!

— Hm. Isso explicaria por que você está aqui…

Lagarto Sacerdote mordiscou mais carne do osso, mastigou várias vezes e engoliu antes de falar.

— …É isso que chamam de política?

— Sim. — Anão Xamã assentiu com firmeza. Bem, isso era uma bela confusão. Um dos seus membros estava aqui para satisfazer a honra de alguém. Ele sentia problemas à frente. — Meu tio pode pensar que é insensato, mas não podemos deixar os humanos sentados enquanto nossos exércitos são os únicos que se mobilizam.

— E nem rheas e felpubros?

As orelhas de Alta-Elfa Arqueira se contraíram com a menção do povo fera. A soldada com rosto de cachorro que ela estivera brigando fora subjugada por um oficial superior que veio correndo. Enquanto o oficial puxava o rosto grande da soldada, a elfa se perguntava se tal tratamento era uma ocorrência diária, ou se o povo cachorro simplesmente, pela sua natureza, achava difícil ir contra seus superiores.

Em todo o caso, a cidade da água era uma cidade linda, mas eles não se sentiam ameaçados.

— Acho que não podemos esperar mais do que alguns voluntários deles.

Havia rheas individuais de grande coragem, mas isso não se estendia aos seus clãs ou seus administradores. No fundo, eles adoravam a paz e a tranquilidade, e não tinham qualquer interesse em nada que não dissesse respeito a sua terra natal diretamente.

Os felpubros eram felpubros; eles eram tão diversificados que era difícil unir todos eles rapidamente atrás de qualquer causa. Quando se juntavam, dependendo de qual tribo assumia a liderança, as coisas podiam dar muito bem ou muito mal. Isso era verdade mesmo quanto ao despertar do Senhor Demônio e a guerra posterior contra todos os que possuíam palavras do continente. Claro, se o perigo aumentasse demais, eles iriam se unir e se insurgiriam por si mesmos…

— Nosso outro problema é: precisamos que um humano se junte a nós.

— Ah! Conheço um muito bom. — Alta-Elfa Arqueira tirou os olhos do mapa. Ela esticou seu dedo indicador longo e fino, fazendo um círculo no ar. — Ele se chama Orcbolg. Um guerreiro que mata goblins na fronteira.

— O que, você quer dizer Corta-barba?

— Correto. Vocês anões podem não saber, mas nesse momento, há uma canção muito popular sobre ele se espalhando.

Ela na verdade não sabia se a canção era popular ou não, mas ela precisava de uma chance para parecer inteligente.

 

O Rei Goblin perdeu a cabeça para um Golpe Crítico dos mais terríveis!

Um azul escaldante, o aço de Matador de Goblins cintila no fogo.

Assim, o plano repugnante do Rei chegava ao seu fim apropriado, e a adorável princesa alcançou seu salvador, seu amigo.

Mas ele é Matador de Goblins! Em nenhum lugar ele permanece, mas jurou vagar, não deve ter outro ao seu lado.

Fora apenas o ar ao seu alcance que a grata donzela encontrou… o herói tinha partido, sim, sem olhar para trás.

 

Quando terminou de cantarolar a melodia, ela fez um barulho orgulhosa e estufou o pequeno peito.

— Você não sabe porque estava vivendo literalmente em uma caverna. Isso é anões para você.

— Uma coisa boa para dizer vindo de alguém que fica escondido em sua floresta.

Anão Xamã lhe deu um olhar austero enquanto ela balançava as orelhas de autossatisfação.

Suponho que apenas metade dessa canção é verdade. Esse sempre era o melhor parecer a se ter sobre as melodias de um bardo.

— Mas, ahh, ahem.

Essa elfa de orelhas longas deveria ser uma patrulheira ou uma batedora. O homem-lagarto era um sacerdote… uma espécie de monge-guerreiro, muito provavelmente. Ele mesmo sabia magia, é claro, e ele também entendia de como manejar uma arma. Mas eles não tinham combatentes o suficiente.

Ele não podia ter certeza até que visse o homem, mas esse era alguém que tinha uma música escrita sobre ele. Era razoável presumir que ele tivesse uma boa quantidade de habilidade.

— …Está bom o bastante.

— A recompensa será dividida igualmente, então. Também estamos acordados em assumir que meu senhor Matador de Goblins se juntará a nós?

Lagarto Sacerdote olhou revirando os olhos para o grupo. Tanto Anão Xamã quanto Alta-Elfa Arqueira concordaram.

Com isso, o homem-lagarto disse “então vamos planejar” e tocou a ponta do nariz com a língua.

— Primeiro essa cidade — disse Anão Xamã, lançando os olhos no mapa. — Em que cidade disse que ele estava?

— Bem, hum, eu perguntei ao bardo, e… — O dedo pálido de Alta-Elfa Arqueira passou pelo mapa élfico. Por fim, ela encontrou a cidade fronteiriça, e bateu no local com a unha bem-cuidada. — Talvez por aqui?

— Isso não está muito longe. Porém… mesmo assim. — Lagarto Sacerdote parecia extremamente sério enquanto olhava o mapa. — Estamos à procura de frustrar os planos de nosso inimigo. Creio que possamos assumir que isso provocará uma retaliação.

— Hum? Podemos ser atacados no meio de uma aventurar, você quer dizer?

— Vamos resolver isso agora para evitar essa possibilidade. Antes que eles tenham a chance de consolidar suas forças.

— Deixe tudo conosco! — Bop. Alta-Elfa Arqueira formou um punho e bateu com fervor em seu pequeno peito. — O destino do mundo está por um fio? É aí que os aventureiros fazem o seu melhor!

— Ei, então — disse Anão Xamã, arregalando os olhos. — Sabe que isso não é uma brincadeira, não é?

— Claro que sim. Eu não sei quanto aos anões, mas os elfos sempre usaram seus arcos para manter o mundo seguro.

— Oh-ho. Não me diga. — Os olhos do conjurador se alargaram só um pouco; ele deu um puxão na abarba e suspirou. — Então esse seu peito de tábua não interfere em nada quando atira de arco?

— Tábua?

— É rígido… e liso.

— Ora, seu…!

A vergonha e a raiva enviaram sangue para as bochechas da arqueira. Houve um barulho quando ela se levantou da cadeira e colocou as mãos na mesa enquanto se inclinava.

— Mas que coragem! Isso quando vocês anões… uhh, hum… — Ela ficou ali, com sua boca abrindo e fechando. Suas orelhas balançavam para cima e para baixo, e a ponta de seu dedo traçou um caminho sem objetivo no ar. — C-certo! Essas barrigas! Seus estômagos fariam um tambor parecer pequeno!

— Quero que saiba que dizemos que é ser solidamente constituído! Um anão prefere esse tipo de corpo… — Anão Xamã se cortou sugestivamente, depois olhou de soslaio para a elfa. — …Independentemente do que vocês elfos devam gostar.

Alta-Elfa Arqueira não poderia deixar de notar o olhar em seu peito. Ela cruzou os braços bufando deliberadamente, deixando seu desgosto evidente.

— Sempre soube que anões tinham um sendo de beleza distorcido!

— Quem é que vem comprar os nossos trabalhos em metal? Ah, certo. Elfos.

— E daí?!

E eles começaram a discutir. As outras pessoas na taverna observaram essa rivalidade antiga entre as raças desenrolar diante de seus olhos. Mas, a atmosfera logo mudou. Brigas e discussões vendiam às dúzias.

— Cinco pratas no anão!

— Uma peça de ouro na elfa!

— Vamos, garota!

— Espanque bem ela, velhote!

Lagarto Sacerdote balançou a cabeça e suspirou. Depois deu um grande sibilo. Com o sentimento avassalador de um réptil na caça, os dois aventureiros calaram a boca. Lagarto Sacerdote assentiu.

— Hm.

Ótimo.

A carruagem deixou o portão, envolto pela noite. A essa hora, ninguém além de aventureiros teriam achado mais seguro viajar em uma caravana ou algo parecido. Mas os três não tinham tempo, e eles foram forçados de mais de uma forma.

O veículo que estavam não era um muito bom, era apenas um de carga ligeiramente modificado. E o cavalo era apenas mediano… bem, talvez um pouco abaixo da média. Anão Xamã e Lagarto Sacerdote tinham as rédeas. Alta-Elfa Arqueira estava observando o céu, com seu arco preparado.

Viajar de carruagem significava ir mais rápido do que uma pessoa podia andar, mas mais lento do que um cavalo podia correr. Anão Xamã não estava satisfeito com essa situação. Ele queria ter obtido a melhor carona e o melhor cavalo possível, para não falar do condutor. Mas os fundos que recebera de seu tio eram limitados, assim como o tempo. Ele foi obrigado a ceder.

— E ainda por cima temos que ir devagar. Que desgraça.

— Tenha em mente que não temos o luxo de mudar de cavalo em um dos postos intermediários. — Sentado ao lado dele no assento do condutor, Lagarto Sacerdote respondeu o comentário cauteloso de Anão Xamã. — E se considerar o problema que teríamos se corrêssemos e assim atraíssemos atenção indesejada, dessa forma é de fato mais rápida.

— Atenção indesejada? — Alta-Elfa Arqueira inclinou a cabeça, agitando a ponta de suas orelhas em direção ao assento do cocheiro.

— Bandidos ou salteadores, suponho.

— Certo…

Seu rosto franziu com a resposta, como se achasse isso muito desagradável. Anão Xamã captou a demonstração clara de emoção com sua visão periférica e fez um som de aborrecimento.

— Estivemos bem de alguma forma na cidade, pelos auspícios daquela adorável senhora, mas agora estamos em campos aberto.

— Assim que nos afastarmos do santuário do Deus Supremo, pode ser só uma questão de tempo até que algum espírito mau decida atacar — disse Lagarto Sacerdote.

— Está falando daquilo que chamam de benção de deus? Nosso deus da ferraria e do aço só é bom para encorajar em batalha… — Não obstante, Anão Xamã murmurou uma oração ao grande deus Krome. Ele soltou os ombros e balançou a cabeça, dizendo sem malícia: — Preciso ao menos rezar para que a nossa elfa não perca a coragem quando for preciso.

— Hum…! — As orelhas da elfa dificilmente poderia deixar passar esse comentário desagradável. — Apenas veja! Você vai se curvar para me agradecer quando isso acabar!

— Ahh, claro. Não posso dizer que estou muito esperançoso. — Ele agitou sua mão aberta. Alta-Elfa Arqueira bufou furiosa e rolou de costas. Anão Xamã apanhou a dica dela, olhando para o céu. Estava cheio de estrelas e com as duas luas. As estrelas brilhavam como se alguém tivesse espalhado joias preciosas sobre o veludo preto. As luas brilhavam como um par de olhos, verdes e frios.

Talvez fosse o verão que se aproximava que dava ao ar sua lentura incomum e fazia difícil respirar.

— Eu poderia fazer com facilidade… — murmurou Alta-Elfa Arqueira. Anão Xamã sentia o mesmo, embora não tenha dito nada.

Seu grupo chegou a um pedaço abandonado de terra que parecia alguma vez ter sido uma aldeia. A estrutura sombria das casas sob a luz da lua lançava sombras repulsivas nas ruas. Esse cadáver em forma de aldeia se tornara ermo, deixado à proliferação; teria parecido desolada mesmo à luz do dia. Mas agora, à noite, não seria surpreendente encontrar fantasmas ou carniçais ali…

— Hr-ah?

Alta-Elfa Arqueira fez um som estranho. Ela olhou sobre os ombros, com seu nariz cocegando.

— O que foi agora? Parou para cheirar as flores ou algo assim? Hã?

— Ah, pare. Há um cheiro estranho… — Ela balançou a mão na frente do nariz, lançando uma olhadela ao redor da área com uma expressão de profunda suspeita. — É… meio forte e meio irritadiço… E posso sentir embora não haja vento algum.

— …Enxofre, muito provavelmente.

— Isso é enxofre?

— Algum tipo de vapor misturado com enxofre, para ser mais preciso.

O que isso significava não passou por eles. Eles se calaram e engoliram em seco coletivamente. A elfa olhou para cima, com uma expressão preocupada no rosto.

— Em cima de nós!

Parecia mais como uma máquina do que um ser vivo, com carne na forma de um inseto artificial. Seu corpo era vermelho, e a cabeça pontuda como se estivesse usando um chapéu. Algo vermelho.

Ele batia asas que lembravam as de morcegos, e garras curvas e cruéis eram visíveis em suas mãos.

Um demônio inferior. E havia dois deles. Isso foi um encontro aleatório.

— Eles estão vindo?! — gritou Anão Xamã, chicoteando com as rédeas e instando o cavalo a seguir. O animal relinchou, tendo sentido coisas que não eram desse mundo. As rodas da carruagem começaram a girar a sério quando o cavalo partiu com toda força.

— Faça ele ir mais rápido…! Não, me dê as rédeas. Você prepara suas magias!

— Todas sua!

Praticamente jogando as rédeas em Lagarto Sacerdote, Anão Xamã se virou no seu assento. Ele foi cuidadoso, é claro, para segurar firme a alça de sua bolsa de catalisadores em seu ombro para que não voasse.

— Não podemos fugir? — disse Alta-Elfa Arqueira, lambendo os lábios enquanto seu arco lançava flecha atrás de outra.

— Não sei quanto a isso, mas… — disse Anão Xamã.

— Não podemos arriscar da informação escapar — disse Lagarto Sacerdote acenando com a cabeça tão calmamente quanto se estivesse preparando jantar. — Temos que matá-los.

Os demônios pareciam ter a mesma ideia. Com uma rajada de ar, um deles mergulhou na carruagem. Enquanto alguém gritava que a iniciativa fora tomada, houve uma colisão, e lascas de madeira voaram.

O demônio atingira a carruagem por trás, com suas garras tão mortais quanto qualquer arma.

— Ergh! Pfah! — Anão Xamã retirou pedaços da carruagem de sua barba e berrou: — Se você destruir essa coisa, nós seremos aqueles que arcaram com a culpa!

— Vou cuidar da segurança do cavalo, então, se fizer a gentileza… — respondeu Lagarto Sacerdote.

O próximo ataque veio do céu enquanto conversavam.

Um mergulho veloz, com as asas dobradas. Alta-Elfa Arqueira franziu a testa; a criatura estava com uma lua nas costas. Suas orelhas tremeram, e ela puxou a corda.

— Seu estúpido, fedorento…!

— AAARREMMEERRRR?!?!

Um grito de outro mundo se seguiu. Alta-Elfa Arqueira não perderia a chance para disparar. O demônio, agora com sua mão pregada no transporte pela flecha, se contorceu, destruindo a madeira com as garras.

— Isso vai te mostrar!

A última coisa que o demônio viu foi uma elfa puxando o arco bem na sua frente, com a flecha com a ponta de broto.

A corda fez um som que seria apropriado a um instrumento musical de alta qualidade; ela lançou a flecha no globo ocular do demônio e através de seu cérebro. O pescoço da criatura quebrou para trás com a força do golpe. O cadáver pendeu flacidamente, raspando pelo chão. Alta-Elfa Arqueira deu um sorriso de apreço pelo trabalho feito. — Esse já era!

— Bom trabalho! Mas como ele é uma espécie de fardo, talvez você pudesse soltá-lo de nossa carruagem?

— Sim, claro… guh, o quê?

No espaço de alguns instantes, vários fios de cabelo de Alta-Elfa Arqueira foram apanhados por uma garra e lançados dançando pelo ar. O monstro que viera correndo desferiu uma pancada em sua nuca. Alta-Elfa Arqueira parou, tremendo, ainda segurando a haste da flecha que puxara. Ao mesmo tempo, o demônio morto deslizou no chão, quicando com um baque.

— Teve um pequeno susto aí?

— Não estou com medo, estou com raiva!

Ela se enfureceu com a provocação de Anão Xamã, que estava com a mão preparada na bolsa de catalisadores o tempo todo, depois olhou para o céu. Com um corpo de demônio a menos a bordo, a velocidade estava aumentando de novo; mas não seria páreo para uma criatura com asas.

— Ei, anão! — gritou Alta-Elfa Arqueira sem tirar os olhos do céu. — Você não pode usar uma magia para derrubá-lo ou algo assim?

— Acho que poderia, de certa forma… — Ele fechou um dos olhos e olhou para cima, avaliando a velocidade e a distância entre ele e o inimigo. A cortina da noite era impotente face a luz das luas e das estrelas, e, de qualquer forma, anões podiam ver com facilidade pela escuridão. — É só que se eu o derrubar com uma magia, ele simplesmente se ergueria de novo.

— O quê?! Mas que conjurador! Estúpido, anão estúpido!

— Ah, para de chorar — disse friamente Anão Xamã, franzindo a testa. — Eles não se movem com as mesmas leis que nós. Aço e ferro são as formas de lidar com eles.

— Fisicamente, você quer dizer. Muito bem dito! — Segurando as rédeas, Lagarto Sacerdote curvou suas imensas mandíbulas em um sorriso que lembrava tanto quanto o de um tubarão. Ele pareceu fazer alguns cálculos rápidos, depois assentiu com satisfação. — Mestre conjurador, você disse que pode derrubá-lo?

— Acho que sim — assentiu Anão Xamã. — Embora não por muito tempo.

— Então mestra patrulheira, finja gentilmente que vai dar um belo disparo…

— Consigo fazer!

Sem esperar ouvir o resto do plano, Alta-Elfa Arqueira lançou uma flecha na noite. Era potente como magia, uma flecha que só um elfo podia disparar, mas o demônio ziguezagueou agilmente do caminho.

— Ah, droga! — Alta-Elfa Arqueira estalou a língua e ajeitou uma nova flecha no arco, puxando a corda.

— Bem, então — disse Lagarto Sacerdote, puxando as rédeas para retardar o cavalo. — Talvez possa fazer a gentileza de perfurá-lo com uma flecha com uma corda amarrada?

— Uma flecha com uma corda amarrada…?! — Alta-Elfa Arqueira pegou a corda que fora jogada na plataforma de carga, com o rosto inexpressivo enquanto olhava para o inimigo. O monstro de pele vermelha continuou batendo as asas, procurando a sua oportunidade para ir até eles. — Beleza, vou fazer!

Tão logo falou e já começou a amarar a corda na flecha. Os dedos da elfa não tiveram problemas, mesmo em cima de uma carruagem agitada. Ela manteve seus olhos e ouvidos no oponente, com suas mãos se movendo como se houvesse outra pessoa as controlando. Sua expressão relaxou. — Você parece um general ou algo parecido — disse ela.

— Você é muito gentil. — Lagarto Sacerdote balançou bem sua cabeça. — Se quiser me comparar com alguma coisa, sou como a pena de uma flecha. Só defino a direção, eu não… — Antes de continuar, sua língua saiu e tocou a ponta do nariz. — Hm — disse ele por um tempo. — Para ter uma unidade funcional, é preciso juntar uma ponta de flecha, uma haste, uma pena, um arco e um arqueiro.

Ahh. Alta-Elfa Arqueira sorriu ligeiramente. Essa era uma metáfora que ela podia entender. — Me pergunto se isso me faria a ponta… Vamos, anão, tenha certeza de que a magia acerte o alvo!

— Hmph! Já estou farto de te ouvir!

Quando Anão Xamã retorquiu para Alta-Elfa Arqueira e colocou o inimigo no campo de visão, ele viu algo: uma única luz vermelha no céu. Estava ardendo na boca grande e aberta do demônio…

— Seta de Fogo vindo!

— Ahh, agora! — disse Lagarto Sacerdote com alegria sincera, dando uma sacudida forte nas rédeas. O cavalo deu um relincho horrível de confusão e medo, e a carruagem guinou em uma nova direção, rangendo o tempo todo.

Segundos depois, um feixe de fogo atingiu o lugar onde a carruagem estaria, com brasa voando pelo céu. A luz brilhante iluminou o semblante terrível de Lagarto Sacerdote.

— Ha-ha-ha-ha-ha-ha-haaaa! Agora as coisas ficaram interessantes!

— Acho que você confundiu nossa carruagem com uma biga, Escamoso!

— De fato — respondeu o lagarto, provocando um “maluco…” de Anão Xamã enquanto olhava para o céu.

O demônio vermelho parecia se preparar para outro mergulho, agora que eles evadiram sua seta de fogo, marca registrada.

Acha que vai ser assim tão fácil, é?

Anão Xamã berrou para a sombra que ficava cada vez maior:

— Pixies, pixies, rápido e depressa! Sem doces para vocês, travessuras é o que preciso!

Palavras cheias de verdadeiro poder para dobrar a realidade jorraram, e o círculo mágico apanhou em cheio o demônio.

Normalmente, a criatura nunca deveria ser capaz de escapar dos grilhões da gravidade, não importando quanto batesse suas asas. Demônios inferiores ainda eram demônios; esses monstros viviam para distorcer a ordem natural.

— ARREMERRRERRRR!!

O demônio, que caiu na terra, uivou e bateu as asas vigorosamente, quebrando os vínculos mágicos que o segurava. Ele teria a sua vingança contra aquele anão, aquele homem-lagarto e aquela elfa. Só de pensar no sangue de um antigo alto-elfo, o cheiro de seu fígado, era o suficiente para atiçar a ganância básica da criatura.

— Tome isso!

Foi uma flecha daquela mesma elfa que pôs um fim agonizante nessa ganância. Ela se inclinara, se apoiando na beirada da carruagem, e disparou uma única flecha ponta-broto implacável no monstro.

— AREEERM?!

Se debatendo de tormento, o demônio foi um pouco lento em notar a corda amarrada à flecha. E esse foi o tempo necessário que a carruagem precisou para ganhar velocidade e puxar a corda tensa.

Um rugido horrível de desespero, o suficiente para fazer o sangue gelar, ecoou pela planície.

O demônio estava longe de imaginar que seria arrastado pelo chão atrás da carruagem. Havia uma certa pena dele enquanto quicava, contida pelo grupo enquanto ele se bagunçava na terra e tentava voar desesperadamente.

Demônios inferiores ainda eram fortes. Se o trio não conseguisse controlar a posição dele, ele poderia rapidamente fincar as garras na terra, e se ele se levantasse, seria apenas questão de pouco tempo para estar no ar. E uma vez no ar, seria perigoso.

— E agora?! — gritou Alta-Elfa Arqueira, pegando outra flecha de sua aljava.

Lagarto Sacerdote se levantou com facilidade. — Daremos o golpe final, é claro. — Ele segurou um dos seus catalisadores, uma presa, entre as palmas. — Ó asas falciformes de velociraptor, rasgue e dilacere, voe e cace! — Uma grande Garraespada surgiu e então se modelou em suas mãos.

— E o cavalo?! — Mas quando Alta-Elfa Arqueira olhou para trás, ela viu um Guerreiro Dragãodente agarrando firmemente as rédeas.

— Espera um pouco, Escamoso — disse Anão Xamã, com os olhos se arregalando. — Que história é essa de golpe final? V-você não vai…

— Pular? Não seja tolo. — Lagarto Sacerdote balançou a cabeça com um movimento considerável. — Isso seria ridículo.

Nos próximos instantes, a carruagem chiou quando Lagarto Sacerdote saltou no demônio inferior.

— Ó temíveis nagas! Observem minhas ações, meus antepassados!

— AREEERMEER?!?!

Garra, garra, presa, cauda. Ele golpeou, cortou e rasgou o demônio enquanto ele se esforçava para resistir. A criatura abriu suas mandíbulas para liberar uma seta de fogo, mas Lagarto Sacerdote uivou… — Grrrryaaahhh! — …e visou um chute direto em sua garganta, esmagando sua traqueia. E então sua Garraespada alcançou a cabeça do demônio, a cortando sem esforço.

A cabeça rolou pelo chão e desapareceu na grama. O resto do corpo, ainda preso à carruagem, traçava um jato de sangue roxo-azulado. Lagarto Sacerdote, em cima do cadáver, estava bastante calmo apesar da quantidade crescente de sangue o cobrindo; ele ergueu a cabeça alegremente.

— Ahh, eu fiz por merecer o mérito desse dia.

O sol começara a espreitar atrás do horizonte, e seus raios cobriram Lagarto Sacerdote com uma atmosfera indescritível.

— Olhe para isso. Não tínhamos concordado secretamente que não íamos contra ele?

— Ah, mas de vez em quando meu sangue ferve. — Depois da resposta simples de Lagarto Sacerdote, ele ergueu alegremente um naco de queijo com as duas mãos. Ele abriu a boca e a rasgou, com cada mordida acompanhada por um brado de “doce néctar!” e um bofetada com a cauda no chão. — Porque sou uma criatura de sangue quente, sabe.

— Suas piadas nunca fazem qualquer sentido para mim — resmungou Anão Xamã. Ele ergueu as mãos em resignação, mas também para sinalizar a garçonete que ele queria mais cerveja. Quando bebendo com amigos, Anão Xamã achava que estava sendo apenas educado ao encher seu barril tanto quanto podia.

— Então estamos todos juntos?

— Não entendi o que quer dizer.

— Sua flecha. Flecha e arco.

— Ahh. — Lagarto Sacerdote engoliu o pedaço de queijo bem-mastigado com um glub e lambeu os restos em seus lábios. — A ponta da flecha é a nossa patrulheira, a haste que nos mantém unidos é você, mestre conjurador, e eu sou a pena…

— …O arco é aquela garota, e Corta-barba seria o arqueiro… estou certo?

— Isso mesmo.

Anão Xamã pegou a cerveja que a garçonete lhe trouxe, observando de soslaio Lagarto Sacerdote assentir. Ele levou o copo transbordando até a boca e tomou um golinho, depois bebeu tudo em um único gole.

— Por mais renomado que seja um arqueiro, se ele dispara apenas para o céu, ele se machucará um dia.

— Então, de novo, se nós não caçarmos nada além de goblins, isso é bom ou ruim? — Anão Xamã, com o rosto vermelho, soltou um arroto e passou a mão em sua barba para limpar alguns pingos.

— Qualquer que seja o caso… — começou Lagarto Sacerdote.

— De fato, em todo o caso — subscreveu Anão Xamã.

— É um bom grupo.

— Sem queixas.

Lagarto Sacerdote sorriu com suas mandíbulas grandes, e Anão Xamã deu uma gargalhada estrondosa. Os dois pegaram os copos frescos que foram trazidos a eles, e os tocaram.

— Aos bons amigos.

— Aos bons companheiros de batalha.

— Às boas aventuras!

Ouça, ouça! No momento em que os copos foram erguidos três vezes, eles estavam vazios.

 

Quantas vezes nos encontramos, e separamos?

Alguns desaparecem, em cinzas, como devemos

Com a esperança de reencontro, cada jornada começa

Como virar uma página que está se transformando em pó

Lembra da lenda que treinou durante anos?

Qual era seu nome? Agora não me lembro

Você percebe tarde demais, agora ele já se foi

E apesar de nossas despedidas e encontros, todavia

Cada um desses encontros é único, e isso é tudo.

 

Assim a noite sucedeu para os aventureiros.

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