Capítulo 2 – Por favor. (Parte 2)

Haruhiro pigarreou e, então, ele pediu para os amigos cobrirem os rostos com alguma coisa. Yume estava olhando para o nada, enquanto Mary e Kuzaku o observavam com desconfiança, e Shihoru olhava para o chão, provavelmente tentando segurar o riso. Parecia que Shihoru tinha percebido o que ele estava fazendo.

Kuzaku, assim como Ranta, cobriu o rosto com seu elmo. Haruhiro cobriu a cabeça com seu manto. Estava gasto e cheio de buracos, então, se ele o posicionasse direito, conseguiria enxergar. Yume, Shihoru e Mary usaram panos e similares para fazer máscaras. Quanto a Zodiac-kun, dependendo do ponto de vista, o rosto do demônio já parecia escondido. Mas era questionável se eles veriam dessa forma. Não havia como ter certeza, então fizeram o demônio desaparecer por enquanto.

Agora, a party estranha estava pronta para seguir. Será que isso realmente daria certo? Haruhiro não estava confiante, mas o vigia na Torre C deixou ele e a party passarem sem sequer preparar o arco. Parecia que realmente permitiriam que entrassem na vila se cobrissem os rostos.

Havia catorze edifícios do outro lado do fosso. Eram de tamanhos variados, mas todos de um único andar. Havia uma praça no centro da vila, com algo que parecia um poço ali. A criatura humanoide gigantesca sentada ao lado do poço tinha que ser um guarda. Ela segurava um martelo absurdamente grande, com um arco e flechas pendurados nas costas. Seu rosto não era visível por causa do elmo.

Eles identificaram a fonte do som estridente.  Havia cinco edifícios de frente para a praça central. Um deles tinha um grande beiral de um lado do telhado, sustentado por pilares. Debaixo daquele telhado, havia brasas ou algo vermelho incandescente e uma estrutura que parecia um grande forno.

Aparentemente, era uma forja. Havia uma bigorna, também. Uma criatura humanoide com o torso nu, assustadoramente musculoso, costas arqueadas, um traseiro empinado e pernas curtas estava lá. Ela tinha fixado uma barra de ferro na bigorna e estava batendo nela. Aquela era a origem do som estridente.

— Eles têm um ferreiro… — murmurou Haruhiro.

As muitas armas e armaduras que deviam ter sido forjadas ou reparadas por aquele ferreiro bizarro estavam penduradas na parede do edifício ou apoiadas contra ela. O ferreiro tinha algo como bandagens enroladas ao redor do rosto. No entanto, seus olhos carmesim, que o faziam parecer estar chorando sangue, e a boca, onde dentes duros como argamassa estavam alinhados sem nenhum espaço entre eles, estavam expostos.

Ao olhar mais de perto, não era só a forja. Os outros quatro edifícios de frente para a praça também tinham uma boa quantidade de mercadorias em exposição, seja sob os beirais ou dentro dos edifícios.

O edifício ao lado da forja parecia vender roupas e bolsas. As peças acabadas estavam expostas em prateleiras ou empilhadas sobre a mesa. Sentada em uma cadeira ao lado da mesa, havia uma coisa com o formato de um ovo achatado. Tinha dois braços (?) saindo dela e usava um chapéu, então talvez fosse uma criatura viva. Esse talvez fosse o dono da loja de roupas e bolsas.

Do outro lado da praça, em frente à forja, havia outro edifício, ou melhor, um galpão. A parede voltada para a praça tinha sido removida, ou talvez nunca tivesse existido. De qualquer forma, o interior era claramente visível.

A parede do galpão estava completamente coberta de bolsas com buracos, além de máscaras e véus mais elaborados, bem como algo que parecia elmos. No centro do galpão, estava sentada uma criatura humanoide magra e ressecada, parecida com uma árvore morta. O dono da loja de máscaras tinha seis braços, e seus mais de trinta dedos estavam entrelaçados em padrões complicados diante de seu peito. A cobertura facial que ele ou ela usava, como convinha ao dono de uma loja de máscaras, era um elmo dourado brilhante, parecido com uma peça de arte.

Ao lado da loja de máscaras, o edifício em frente à loja de roupas e bolsas era construído de maneira semelhante. Contudo, era cerca de duas vezes maior. Ficava claro à primeira vista o que era. Era uma mercearia. Carne de animais de quatro patas e de aves sem pele pendia do teto, enquanto feixes de algum tipo de planta estavam dispostos em uma prateleira, junto com algo que parecia bagas. Os bolinhos já cozidos e os espetinhos fritos chamaram a atenção de Haruhiro.

Em frente à loja, havia uma criatura que podia ser descrita como um caranguejo do tamanho de um homem. Ela mexia o conteúdo de uma panela que estava sendo aquecida sobre um fogão com uma concha. O caranguejo gigante que comandava a mercearia também usava uma máscara, mas seus dois pedúnculos oculares saíam completamente dela, então era questionável se seu rosto estava realmente escondido.

O edifício ao lado da mercearia tinha mercadorias espalhadas aleatoriamente, todas expostas de várias maneiras diferentes. Talvez fosse uma loja de variedades. Haruhiro não viu nenhuma criatura administrando o lugar. Devia estar lá dentro.

— O que acham? — Ranta fungou, estufando o peito com orgulho. — É uma vila e tanto, hein?

— …Por que você está se achando? — Shihoru lançou a Ranta um olhar de ódio fervente. Mesmo com o rosto escondido, era fácil imaginar a expressão que ela fazia agora.

— Deve ser porque ele é um idiota — Yume disse, suspirando de exasperação.

Mary estava olhando ao redor, inquieta. — Estamos sendo ignorados…?

— Hã… — Kuzaku acenou para o guarda do poço. — O-Oi.

O guarda gigante ajustou a pegada em seu martelo gigante. Kuzaku engoliu em seco e deu meio passo para trás, mas essa foi a única reação real que o guarda deu. Além disso, ele não respondeu nem olhou na direção de Kuzaku.

Ignorados.

Havia, de fato, alguns moradores passeando tranquilamente por perto, mas eles nem sequer lançaram um segundo olhar para Haruhiro e os outros. Estavam sendo completamente ignorados.

Haruhiro cruzou os braços. — Hmm… — Ele murmurou. O que fazer?

— Não fique só gemendo. — Ranta bateu o calcanhar contra o chão. — Faça alguma coisa, líder. Não esqueça que é pra situações como essa que eu deixo um perdedor como você ser o líder.

— Você acha que pode falar comigo desse jeito, Ranta?

— Se você não gosta, então faça algo brilhante pra me calar.

Hm, Backstab ou Spider? Se eu fosse eliminar o Ranta e calá-lo de uma vez por todas, qual habilidade seria melhor?

Por um momento, Haruhiro considerou seriamente a questão, mas tinha coisas mais importantes para fazer do que se livrar daquele pedaço de lixo. Havia água e comida bem ali. Eles precisavam conseguir alguma, de qualquer jeito.

Haruhiro pigarreou e, então, tentou se aproximar do poço. O guarda do poço não se moveu. Mas, mesmo assim, era enorme. Mesmo sentado, sua cabeça ficava mais alta que a de Kuzaku, e ele tinha 1,90m de altura. Não era brincadeira. Era assustador.

Mesmo assim, Haruhiro reuniu coragem e caminhou. O poço estava a cinco metros. Quatro metros. Três metros. Se fosse mais longe, ele estaria ao alcance do guarda. Se o guarda quisesse, provavelmente poderia matar Haruhiro com um único golpe ao se levantar.

Era difícil respirar. Ele sentia como se seu estômago fosse saltar pela boca. Bem, não que isso fosse acontecer. Ele ficaria chocado se acontecesse.

Quando ele sacudiu o medo e a hesitação e deu um passo à frente, o guarda de repente se levantou parcialmente do assento.

— kya!

— Miaauau?!

— …!

Os gritos não vieram de Haruhiro, mas das garotas. Haruhiro estava tão assustado que mal conseguia emitir um som.

O-O-O-Oh, droga! E-Eu vou… ser morto…?

— E-Eu vou te dar um enterro decente… Talvez? — sussurrou Ranta.

— Vamos, vamos fazer pelo menos isso por ele… — respondeu Kuzaku.

Espera, espera, espera? Antes de me enterrar, não tem algo que vocês deveriam fazer primeiro…?

— P-Por favor. — De repente, Haruhiro levantou as mãos. Seu corpo se moveu. Sua voz saiu.

Vamos lá, “Por favor”? Sério? Eu não sou o Ranta.

Mesmo à beira das lágrimas, Haruhiro manteve a mão esquerda no ar enquanto usava a direita para apontar alternadamente para o poço e para a própria garganta.

— A-Água. Eu quero beber. Água. Garganta, seca. Hm, somos viajantes. Água, queremos… Você… entende? Água, água! Você poderia… nos deixar beber um pouco? Água. Água do poço!

O guarda permaneceu meio levantado, sem se mover.

Era um poço com balde. Havia duas estacas de cada lado do poço e uma viga que as ligava. Havia uma roldana na viga e um balde pendurado em uma corda que passava por ela.

A luz de uma tocha presa a uma das estacas iluminava o guarda, que parecia um monstro. “Parecia”? Não, não importava como olhasse, o guarda era um monstro. Aqueles braços, definitivamente eram mais grossos que os de uma pessoa. Era grande demais. Era loucura. Loucura demais.

— Nos deixe… beber… — Haruhiro rangeu os dentes e balançou a cabeça. Não ceda. Não pode. Vidas estão em jogo aqui, sério. — Água! Por favor, água! Por favor, água! Nos dê água! Vamos lá, precisamos de água, certo?! Todo mundo precisa! Água…!

O guarda moveu a mão esquerda. Naquele instante, Haruhiro se preparou para a morte. Mas não foi a mão direita, que segurava o martelo, que ele moveu. Estendeu a mão esquerda para Haruhiro. Era como se estivesse pedindo algo.

— Di—! — gritou Ranta. — Dinheiro, Haruhiro! Dinheiro! Pague logo! Rápido!

Ah, cale a boca, idiota, eu já entendi sem você me dizer. Haruhiro rapidamente puxou algumas moedas de prata. Ele estava tão apavorado que achou que seu coração poderia parar, mas se aproximou mais do guarda, colocando as moedas de prata em sua mão. O guarda levou a mão esquerda ao rosto, examinando as moedas de prata na palma da mão. Então, ele as deixou cair imediatamente ali mesmo.

Haruhiro quase desmaiou.

Dessa vez, estou acabado, com certeza, ele pensou. Cometi um grande erro.

— A preta! — gritou Shihoru, e Haruhiro sentiu um certo orgulho de si mesmo por ter entendido imediatamente o que ela quis dizer. Embora Shihoru fosse a melhor só por ter tido a ideia.

— A-A-A-Aqui! — Haruhiro puxou a moeda preta que o cadáver com cauda carregava e mostrou ao guarda. — Aqui, isso serve?! Isso é bom?!

O guarda estendeu a mão esquerda novamente. Com as mãos trêmulas, Haruhiro colocou a moeda preta ali.

Quando o guarda apertou a moeda preta, fez um gesto com o queixo, dizendo algo que soava como “Ua, goh”.

O que isso significa? Ua, goh? Uagoh…?

Mandíbula superior?

Está errado? Está errado—eu acho…?

— Uhuu! — Ranta correu até o poço e baixou o balde. — Água, água!

— Não, cara… — Haruhiro sentiu o sangue se esvair de seu rosto ao olhar para o guarda.

Ele… não está bravo? Está tudo bem? Podemos usar o poço, então…? Aparentemente, sim. No momento em que Haruhiro pensou nisso, alívio e alegria explodiram dentro dele, e antes que percebesse, ele estava bebendo água diretamente do balde.

— A água é tããããããããão boooooooom… — ele gemeu.

Sem dúvida. Aquela era a melhor água que ele já tinha bebido. Pensar que a água podia ter um gosto tão bom. Que bênção. Aquilo o fazia se sentir feliz por ter nascido. Feliz por estar vivo.

Eles se revezaram bebendo do balde, e já haviam tomado três ou quatro turnos cada um, mas ninguém disse que já estava satisfeito. Podiam beber o quanto quisessem.

Bem, talvez houvesse um limite real, então primeiro Shihoru, depois Mary, Haruhiro, Kuzaku, Yume e Ranta pararam de beber, nessa ordem.

Ranta caiu no chão, rolando de costas. — D-Dói. Eu bebi demais…

— Ohh — Yume se agachou, esfregando a barriga. — Yume nunca ficou cheia de água antes. A barriga dela tá toda inchada…

— Você ficou cheia. De água — disse Kuzaku, segurando uma mão na boca.

Pensando bem, tanto Ranta quanto Kuzaku tinham levantado as viseiras de seus elmos. Seus rostos estavam visíveis. Será que isso era seguro? O guarda não disse nada, então aparentemente não era um problema, mas isso deixou Haruhiro inquieto.

— Talvez, se tivermos esse dinheiro… — Shihoru lançou um olhar em direção à mercearia.

— Você quer dizer que essa é a moeda usada aqui? — Mary estava esfregando as costas de Yume.

Haruhiro olhou da ferraria para a loja de roupas e bolsas, depois para a loja de máscaras, a mercearia e a loja de variedades. Se isso fosse verdade, e eles conseguissem descobrir como conseguir mais dessas moedas, eles poderiam sobreviver por enquanto, pelo menos.

 

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