Capítulo 9 – Acender uma fogueira no coração de alguém.
— Então, é isso, esse é o rancor da Arara contra o Arnold — disse Rock.
Enquanto falava, Rock se levantava, sentava, andava de um lado para o outro, parecendo inquieto. Além disso, seu cabelo estava todo arrepiado. Como ele conseguia deixá-lo assim? Será que usava algum tipo de gel para mantê-lo firme? Seja lá o que fosse, ele passava a impressão de ter mais energia do que conseguia usar.
Havia uma criatura de boca larga, com pelagem semelhante à de um tigre, montada nos ombros de Rock, enrolada em volta do pescoço dele. Era impressionante que não caísse. Aquela criatura se chamava mirumi e era relativamente comum em Grimgar. Acontece que aquela era o bichinho de estimação de Rock, e seu nome era Gettsu.
— Basicamente, ela quer vingança — continuou Rock. — Bem, dá pra culpá-la? Eu também estaria assim. O amor da vida dela foi derrotado por aquele cara. Vocês têm que entender isso. Certo? Haruhiro? Yume?
Haruhiro abaixou a cabeça e franziu o cenho, soltando um suspiro.
— Pois é…
— Hrm… — Yume inflou uma das bochechas, inclinando a cabeça para um lado.
A neblina havia diminuído bastante, mas agora o ambiente estava sombrio. Estava escurecendo cada vez mais. No entanto, já fazia algum tempo que pequenas luzes verdes começaram a dançar aqui e ali. Esses insetos, aparentemente chamados rurakas, emitiam luz desde o início da noite até tarde. Era uma cena com uma beleza quase ilusória.
O fato de que ver aquilo só fazia Haruhiro pensar, É, mas e daí? o deixava um pouco triste.
Triste? Na verdade, sendo honesto, Haruhiro estava se sentindo bem irritado.
Com Rock carregando a ferida Arara, todos haviam fugido com o máximo de esforço por conta própria e, depois, se reagruparam ali. Haruhiro não fazia ideia de onde “ali” era, mas aparentemente tinham decidido de antemão que esse seria o ponto de reencontro caso algo acontecesse.
O grandão careca, Kajita, tinha cravado sua enorme espada em forma de cogumelo no chão e estava sentado de pernas cruzadas. Ele não se mexia fazia um bom tempo. Será que havia adormecido ali sentado? Com os óculos escuros, era difícil saber.
O cavaleiro das trevas mais forte em atividade, Moyugi, estava sentado em um pequeno monte no chão, com uma perna cruzada sobre a outra, bebendo algo de um copo. Não que fizesse diferença, mas ele parecia um pouco relaxado demais. Ele até dava a impressão de estar desfrutando um momento elegante.
A demônio Moira não estava por perto. De vez em quando, ouvia-se um “Nãããão…”, então ela provavelmente estava escondida em algum lugar.
Por que Sakanami, o ladrão, estava deitado de bruços? Ele estava bem? Haruhiro estava um pouco preocupado, mas como os outros o ignoravam, provavelmente estava tudo certo. Além disso, aquele cara nunca parecia totalmente normal. Desde que nunca tivesse sido “normal”, estava tudo bem se ele não estivesse “bem”.
Quando Tsuga, o sacerdote com o corte de cabelo raspado, terminou de tratar Arara, começou a meditar na posição de lótus. Desde então, seus olhos permaneceram fechados, e ele não se mexera.
A propósito, Kuro, o ex-caçador, não estava ali. Ele tinha um pequeno assunto para resolver e saiu sozinho.
— Falhamos em vingar Tatsuru-sama — Arara estava sentada em um tronco de árvore, abaixando a cabeça em vergonha. — Foi culpa minha. É porque eu me feri!
— Não fique assim, Arara — Rock se abaixou bem à sua frente. — Teremos outras chances. Nós faremos isso por você. Tudo bem?
Gettsu, o mirumi, soltou um guincho alto. Era como se tanto o dono quanto o bichinho estivessem tentando animar Arara.
— Obrigada. — Arara suspirou e levantou o olhar. — Estou em dívida com você, Rock. Como poderei retribuir isso algum dia?
— Que bobagem, Arara, você não precisa pensar nisso. Estamos fazendo isso porque queremos.
— Mas…
— Sério, tá tudo bem! Vamos apenas focar em derrotar aquele tal de Arnold por enquanto. Moyugi vai bolar um plano. Seguiremos o plano do Moyugi. Se falharmos, tentaremos de novo até conseguirmos. Simples, né?
— Quando você diz isso, por algum motivo, realmente começa a parecer desse jeito.
— Não tem nada de difícil nisso — disse Rock, confiante. — É só deixar com a gente. Os Rocks.
— …No entanto. — Arara olhou para baixo novamente, apertando o braço esquerdo com a mão direita. — Vocês não têm obrigação de me ajudar a buscar vingança…
Haruhiro e Yume se entreolharam.
É, isso mesmo, pensou Haruhiro. É exatamente isso. Esse é o problema.
O amado de Arara, Tatsuru, tentou matar Arnold, o inimigo da vila, mas foi derrotado. Arara quer vingar o homem que amava. Eu entendo isso. Mas onde é que o Rock e os Rocks entram nessa história? Eles são soldados voluntários. Obviamente, não são da vila. Isso realmente não é da conta deles, certo?
— Arara. Arara. Ei, Arara! — Rock de repente se levantou, abrindo os braços. Gettsu quase caiu de seus ombros, mas conseguiu se segurar de alguma forma. — Por que está agindo como se fôssemos estranhos? É claro que somos obrigados a ajudar! Totalmente!
— Você diz isso, mas nós só nos conhecemos recentemente… — começou Arara.
— E daí?! O tempo não tem nada a ver com isso!
— Se eu não tivesse contado a vocês sobre a minha situação naquele dia, vocês não teriam se metido nisso…
— A gente não sente que foi arrastado pra nada! Né, Moyugi?!
— Não. Eu sinto muito que fui.
— Quêêêê?! — gritou Rock.
— Não que seja algo novo — acrescentou Moyugi. — Enquanto eu continuar trabalhando com vocês, vou continuar sendo arrastado para confusões assim.
— Háh! E você tá nos Rocks porque não se cansa disso, né?
— Tá certo — respondeu Moyugi. — A vida é curta demais para desperdiçar tempo com coisas chatas.
Kajita fez um joinha.
— De fato.
— Urgh… — Sakanami gemeu e se contorceu no chão, parecendo estar com dor.
Tsuga estava meditando com um sorriso. Será que ele estava prestes a alcançar a iluminação ou algo assim?
Havia… muita coisa ali com a qual Haruhiro poderia implicar de forma irônica. Na verdade, parecia que não havia uma única coisa que ele não pudesse questionar. Se fosse para resumir o motivo pelo qual os Rocks lutavam, era por puro capricho. Foi o que Moyugi tinha dito.
Ah, entendi. Entendi, pensou Haruhiro. Essas pessoas são todas esquisitas.
Eles são um bando de esquisitos.
Ele já tinha essa sensação antes. Eles não eram pessoas comuns, como Haruhiro e sua party, então não havia como serem normais. Além disso, provavelmente não importava nada para eles se alguém tão mediano como Haruhiro achava que eles eram normais ou não.
Pessoas que não eram comuns e ordinárias sempre tinham algo um pouco extremo nelas. Elas já eram extremas e isso as levava além da mediocridade? Ou, ao ultrapassarem a mediocridade, isso as tornava um pouco extremas? Ou, talvez, fosse impossível escapar da mediocridade sem se tornar um pouco extremo? Haruhiro realmente não sabia.
Ainda assim, mesmo que ele não entendesse, isso não iria lhe causar problemas. As disposições e motivações de um bando de esquisitos como esses não eram problema dele. Ou não seriam, exceto que ele estava em uma situação em que era forçado a trabalhar com eles.
— Murrgh… — Yume assentiu, como se estivesse tentando se convencer de que tinha entendido. — Basicamente, é assim, né? Rockun e todos eles só conheceram a Araran há pouco tempo, mas estão determinados a ajudar ela porque são boas pessoas, né?
— Hm? Nós? Boas pessoas? — Rock olhou para Yume e franziu a testa.
Uhh, essa expressão de mau é bem convincente.
— Hã? O que você quis dizer com isso? — perguntou Rock. — Tá zombando de nós?
— Como assim, chamar vocês de boas pessoas é zombar? — perguntou Yume.
— Escuta, Yume, ser chamado de “boa pessoa” não é um elogio nem nada. Basicamente, significa que você é alguém com quem as pessoas não precisam se preocupar, certo?
— A Yume não quis dizer desse jeito quando falou!
— Ah, é? Bem, nós não somos boas pessoas. Não parecemos boas pessoas, né?
— É… — Yume concordou. — Vocês não parecem.
— Hahaha! Eu sei, né? A gente não é motivado por justiça, imparcialidade, moral ou qualquer coisa dessas.
— E então, o que motiva vocês? — perguntou Yume.
— Um monte de coisas, na verdade. Mas dessa vez… — Rock colocou as mãos no peito, com um olhar orgulhoso. — É o amor.
Haruhiro ficou sem reação.
— …Amor? — perguntou ele, incrédulo.
— Não, não é só amor. É o amor, cara. O amor.
Qual a diferença? É a mesma palavra. Nossa. Haruhiro sentiu uma leve tontura. Ele não faz sentido nenhum.
— …Hã? Espera, amor… por quem? — perguntou Haruhiro.
— Ora, pela Arara, é claro.
— Não… m-mas…? — Haruhiro olhou de Rock para Arara, confuso. Rock falava com orgulho, mas Arara devia estar envergonhada ou sem saber o que dizer, pois continuava olhando para baixo. — Mas, hum, a Arara-san tinha um namorado, não tinha…? E é por causa do que aconteceu com ele que ela está fazendo isso, então…
— E o que isso tem a ver com alguma coisa?
— Não tem… algo a ver? Quer dizer, eu não tenho experiência nesse tipo de coisa, então não saberia, mas…
— Quando nos conhecemos, Arara estava carregando uma katana. Ela pulou de repente do meio da névoa e veio nos atacando.
— A-aquilo foi…! — Arara fez um biquinho, como uma criança. — …E-eu estava confusa. Vingar Tatsuru-sama era a única coisa em minha mente, e eu saí da vila apesar das tentativas do tio de me impedir, então estava convencida de que tudo o que se movia era meu inimigo…
— Ela estava linda — disse Rock com um largo sorriso. — Seu cabelo estava desgrenhado, seu rosto era uma máscara de fúria, e ela estava chorando um pouco. Aquilo me pegou de jeito. Foi amor à primeira vista. “Por que ela está chorando? O que aconteceu? Tem algo que eu possa fazer por ela?” Não pude deixar de pensar.
— Ela acendeu uma chama no coração dele — disse Kajita com a voz rouca.
— Isso mesmo. — Rock fechou o punho em direção a Kajita. — Com meu coração e corpo em chamas de amor, não há homem que possa me parar. Vou continuar até me consumir.
— Ele se apaixona fácil — disse Moyugi, desdenhoso. — E nunca por alguém com quem ele possa ficar. Qual é a graça de uma mulher com quem você nunca vai dormir? Eu não entendo.
— Isso é o que torna você entediante, Moyugi — respondeu Rock. — Se você ama para conseguir algo em troca, isso não é amor. É só desejo, certo? Bem, esse não é o tipo de amor que sinto. Meu amor é dado livremente. Eu me apaixonei por Arara. Eu a amo. É por isso que quero realizar o desejo dela. Por isso, eu faria qualquer coisa. Isso não te deixa empolgado? Não é divertido? Hein, Haruhiro? Você entende?
— Não, eu não entendo.
— Você não entende?!
— Eu, ah… não tenho muita experiência com romance, então…
— Ah, então você é virgem!
— …Isso é uma surpresa?
— Virgem… — Yume assentiu com um olhar de quem sabia das coisas, mas será que ela realmente entendia o que aquilo significava? Conhecendo a Yume, não estaria entendendo de forma errada?
— De todas as coisas, ele tinha que ser virgem. — Rock estalou a língua. — Virgem, né. Não sei se um virgem pode entender…
— Dá pra parar de repetir essa palavra…? — pediu Haruhiro.
— Haruhiro. — Kajita olhou para ele e fez um joinha. — Sorte de principiante.
— …Eu não entendo.
— Gyahahaha! — Sakanami de repente começou a rir enquanto se contorcia de dor. — Hilário! Virgem, virgem, se te colocarem no trono, você seria o Imperador Rosa! Um título perfeito para um ejaculador precoce! Gyahahaha!
— …Entendo você ainda menos.
— Pois é — concordou Rock, acariciando a garganta de Gettsu. — Eu também não entendo muito bem. Sakanami é maluco. Vocês deveriam tentar não irritá-lo, Haruhiro, Yume. Nem eu sei o que ele pode fazer.
— …Estou impressionado que você consiga trabalhar com um cara assim — disse Haruhiro.
— Não é interessante?
— Me dá muito trabalho — respondeu Moyugi, passando a taça para a mão esquerda para poder usar o dedo médio da mão direita para ajeitar os óculos no nariz. — Eu tenho que incluí-lo nos meus cálculos ao montar uma estratégia.
— Não é isso que torna interessante? — perguntou Rock.
— Não vou negar.
Para resumir, essa era a situação: o grupo estava motivado pelo amor à primeira vista de Rock. Além disso, os Rocks estavam ajudando Arara em sua vingança porque parecia que poderia ser interessante. Eles realmente estavam fazendo isso por impulso.
— Então, quando vocês se juntaram aos Day Breakers, foi porque parecia interessante também? — perguntou Haruhiro.
— Essa é uma parte. — Os olhos de Rock se estreitaram, e os cantos de sua boca se curvaram para cima. — Mas também temos outro motivo. Não vou te contar qual é, Haruhiro.
— Huh? Por quê?
— Não é mais interessante se eu ficar quieto sobre isso? Oh… — Rock parou, e antes mesmo dele, Gettsu virou a cabeça para a direita. — É o Kuro?
Olhando naquela direção, havia uma figura humanoide caminhando no crepúsculo, onde as luzes dos rurakas dançavam. A figura estava se aproximando. Acenou com a mão. Era Kuro.
— Eles não estavam lá. — Quando Kuro se aproximou e sentou ao lado de Haruhiro, com uma expressão de frustração, essa foi a primeira coisa que ele disse. — Fui até aquela caverna que você mencionou. Nenhum sinal dos seus amigos.
— Não pode ser… — Haruhiro ficou sem palavras. — M-Mas, espera, talvez você tenha ido ao lugar errado?
— Nem pensar. Aquela… como é? Aquela caverna que leva a outro mundo, eu já tinha uma ideia de onde era. E havia rastros de que alguém esteve por lá.
— Hm… — Yume fez uma expressão pensativa e pressionou os dedos indicadores nas têmporas. — Isso significa… o que isso significa? Yume fica pensando…
— Como vocês não voltaram, provavelmente eles foram procurar vocês — disse Kuro. — E acabaram se metendo em problemas. Parece provável.
— Você diz isso tão fácil… — murmurou Haruhiro.
— Vocês nem sabem o caminho até lá, e é mais fácil e seguro pra mim ir sozinho de qualquer forma, então me dei ao trabalho de ir até lá por vocês. À toa, eu diria.
— …Desculpa. Eu… acho que você tem razão. Obrigado, Kuro-san.
— É. Agora você me deve uma. Pague com juros, entendeu?
Mesmo deixando de lado a dívida que acabara de contrair, a ausência de seus companheiros perto da saída da caverna foi um choque enorme para Haruhiro.
Uau—eu não consigo pensar em nada agora. Não, mesmo que eu não consiga pensar, eu tenho que pensar. Devo ir até lá eu mesmo, afinal? Ir e procurar os outros quatro? Mas já está escuro. Além disso, inimigos. Podem haver inimigos.
Haruhiro não se importava muito com a Forgan, mas eles provavelmente não sentiam o mesmo em relação a ele.
Bem, eu matei alguns deles com minhas próprias mãos. Se eles me atacarem à primeira vista, não tenho direito de reclamar.
— Ei, ei! — alguém chamou sua atenção. Assustado, Haruhiro se virou e viu Sakanami bem ao seu lado, se contorcendo. — Como se sente? Como se sente? Ei, me diz, como você se sente agora? Triste? Está doendo? Com o coração apertado? Como se quisesse chorar? Como se fosse vomitar? Como você se sente agora? Hein? Hein?
— Pra começo de conversa, que você é meio irritante…
— Gyahoh! Gyahahahaha! Hilário! Minhas costelas…
— Qual é a desse cara? — murmurou Haruhiro.
— Ah, ele? — Kuro disse, parecendo satisfeito. — Só um cara com a personalidade defeituosa.
— Isso foi cruel! — Sakanami se virou para Kuro. — Kuro, eu não quero ouvir isso de um monstro desumano como você! Você devora as outras pessoas! Bem, eu não! Eu não devoro pessoas, mas vou comer deuses! Eu sou o Devorador de Deuses! Que maneiro! Gyahahahahaha!
Eu devia ignorá-lo. É. Ignorar. Eu preciso ignorar esse cara e pensar. Pensar.
— Agora, então. — Moyugi se levantou. — Na minha avaliação, não seria surpresa se o pessoal da Forgan começasse a aparecer por aqui a qualquer momento. Vamos nos mover.
— Certo. — Rock olhou em volta para o grupo. — Vamos, Arara. Vocês também.
Ficava claro que Haruhiro e Yume estavam incluídos nesse “vocês”. Bem, Haruhiro não queria ficar para trás, então teria que ir. Ele teria que pensar enquanto se movia.
— Haru-kun… — Yume puxou a capa de Haruhiro. Ela parecia preocupada, como era de se esperar. — Onde você acha que todo mundo foi parar?
— Eles estão bem. Eu tenho certeza disso. — Mesmo enquanto dizia isso, ele não sabia se era para consolá-la ou porque ele próprio queria acreditar nisso. — Quer dizer, eles têm o Ranta com eles. Ele é persistente.
— …É verdade. — Yume soltou a capa de Haruhiro. Então imediatamente segurou a manga dele.
Ele entendia o que ela queria dele, então sabia o que precisava fazer.
Haruhiro segurou a mão de Yume.
Yume apertou a mão dele com força.