Hai to Gensou no Grimgar – Capítulo 11 – Volume 19 - Anime Center BR

Hai to Gensou no Grimgar – Capítulo 11 – Volume 19

Capítulo 11: Você é meu destino

Tradutor: João Mhx

Um castelo semelhante a um cisne branco com asas dobradas refletia-se na superfície negra do lago abaixo dele, iluminado pela luz de muitas tochas. Seus proprietários o chamavam de Palácio Cisne – Wehagoran, no idioma orcish.

O Lago Gandah, que tinha o formato de uma cabaça achatada, era supostamente o maior lago de toda Grimgar. O Palácio Cisne e sua cidade-castelo, Grozdendahl, a Cidade dos Gritos de Guerra, estavam situados na margem oeste do Lago Gandah, na área em que o pescoço da cabaça se estreitava e se torcia para o sul de uma forma única. Kuzaku e Setora, que agora se encontravam na margem sul, estavam a apenas cinco ou seis quilômetros do Palácio Cisne. Era uma noite sem vento, deixando o lago liso como vidro e fazendo parecer que havia outro Palácio Cisne em sua superfície reflexiva.

Kuzaku cruzou os braços e acenou repetidamente com a cabeça. “As estrelas também são muito bonitas”, murmurou para si mesmo, o que lhe valeu um golpe rápido de Setora na cabeça. Kuzaku quase soltou um “Ow!” involuntário, mas conseguiu cobrir a boca a tempo.

Eu sei. Eu sei, ok? Kuzaku fez um sinal para ela.

Kuzaku e Setora não estavam sozinhos aqui na margem sul. Ela estava dizendo a ele: “Pare de tagarelar e fique quieto”.

Ainda assim, não havia necessidade de ser tão cauteloso, não é? Kuzaku e Setora estavam bem na costa. Uma praia de areia, a poucos metros da linha da água. Se olhassem para a esquerda, havia um acampamento da Expedição Sul. As forças da expedição, compostas por orcs, mortos-vivos e elfos cinzentos, tinham vindo lentamente da Cordilheira Kurogane para cá e finalmente se estabeleceram para acampar perto de uma vila de pescadores na margem do Lago Gandah.

Dito isso, eles não haviam erguido cercas ou torres de vigia. Havia fogueiras espalhadas e batedores parados ou andando com tochas, mas não parecia que estavam em alerta máximo. Na verdade, era o oposto. A noite já estava na metade a essa altura. A maioria dos soldados provavelmente já estava roncando há algum tempo.

Quando amanhecesse, as forças da Expedição Sul seguiriam alguns quilômetros a oeste e cruzariam a ponte sobre o rio Ruko, que desaguava no Lago Gandah. Setora havia dito que eles estariam “a um passo” de Grozdendahl naquele momento, o que aparentemente significava que estariam bem perto dela.

Não, não a amanhã. Já passava da meia-noite, portanto, hoje. A Expedição Sul entraria em Grozdendahl hoje. Muita coisa havia acontecido. Eles haviam expulsado os elfos da Floresta das Sombras, tomado Altana e matado o rei anão e seus assistentes, então os soldados deviam estar em clima de comemoração.

Sim, muita coisa havia acontecido, então essa não era de fato a força principal. Era um destacamento. A força principal, incluindo Jumbo, havia ficado para trás na Cordilheira Kurogane, enquanto um orc chamado Maga Odoha havia liderado essa força destacada até aqui.

Ao contrário dos soldados de base, um oficial como, por exemplo, Maga Odoha, provavelmente tinha sentimentos contraditórios sobre a situação. No mínimo, ele não estaria pensando: “É, ganhamos um monte de coisas, agora é hora de ir para casa descansar e relaxar”.

“Porque muita coisa aconteceu…” Kuzaku murmurou para si mesmo novamente sem querer.

Obviamente, Setora o agrediu novamente.

Desculpe, desculpe. Kuzaku acenou com as mãos em sinal de desculpas. Setora parecia estar farta dele. Essa parte dela não havia mudado.

Kuzaku sentiu que também não havia mudado muito. Obviamente, ele não podia dizer que não havia mudado nada.

Para dar um exemplo, embora estivesse escuro como breu onde eles estavam às margens do Lago Gandah, Kuzaku podia ver o rosto de Setora claramente. Provavelmente o mesmo acontecia com ela.

Seu corpo também parecia terrivelmente leve. Para ser menos visível, ele não estava usando armadura no momento, optando por uma roupa preta. Mas essa não era a razão por trás da mudança. Mesmo quando estava nu, ele se sentia diferente de antes. Estranhamente enérgico.

Ele tinha lembranças. Ele não havia se esquecido do que havia acontecido antes disso. Ele se lembrava de Haruhiro, Ranta e Yume.

Setora e Kuzaku haviam morrido depois de escapar do Reino Sangue de Ferro na Cordilheira Kurogane. Essa parte estava um pouco confusa, para ser honesto. Ele provavelmente pensou: “Oh, merda. Vou morrer, e foi exatamente isso que aconteceu com ele.

Depois de voltar à vida, aparentemente ele estava uma bagunça total, tanto no corpo quanto na mente. As coisas foram se recompondo aos poucos e, em algum momento, ele se viu pensando: “Ah, eu só preciso ouvir a Mary-san”. Bem, parecia a Mary, mas não era. Kuzaku também sabia disso, mas ainda assim decidiu: “Vou fazer o que Mary-san me disser por enquanto”. Ele sabia que esse seria o melhor caminho a seguir. O caminho certo a seguir.

Ele ainda era o mesmo em muitos aspectos, mas Kuzaku sentiu que devia ser uma pessoa diferente de antes. Isso não era ruim. Ele não se importava em ser quem era agora. Se ele gostava disso? Bem, diria que estava se divertindo bastante. Ele gostava de ser o que era atualmente.

Setora lhe deu um leve empurrão por trás. Isso significava: Hora de ir. Kuzaku acenou com a cabeça em resposta.

Eles levantaram os lenços até um pouco abaixo dos olhos e baixaram o capuz na frente para cobrir a testa. Era efetivamente o mesmo que usar máscaras. Sua pele mal ficava exposta. Eles também estavam vestidos com roupas escuras apropriadas.

Setora liderou o caminho e Kuzaku a seguiu.

De repente, um pensamento lhe ocorreu: Eu sempre andei assim tão rápido?

Ele se lembrava de ser mais desajeitado e de se sentir frustrado com o fato de que nada do que tentava fazer dava certo. Ele pensava que queria fazer isso ou aquilo, e queria fazê-lo de uma maneira específica, mas nunca saía como havia imaginado. Deve ter sido por causa do seu tamanho. Isso é o que Kuzaku sempre pensou.

Ele era muito alto. Suas pernas, muito longas. Seu tronco também. Havia muito dele. Será que ele não tinha músculos suficientes? Ele havia tentado treinar, mas o peso adicional de sua massa muscular aumentada havia causado outros problemas. Ele nunca conseguiu encontrar um bom equilíbrio e não sabia o suficiente para descobrir a melhor forma de se fortalecer. Também não era algo sobre o qual pudesse pedir conselhos aos outros, pois era um problema com seu próprio corpo. No fim das contas, Kuzaku teve que descobrir por conta própria. Sempre que não estava hiperfocado, ele se pegava pensando coisas como: “Cara, sou lento”, “Por que tenho que ser tão desajeitado?” e “Se sou tão grande, como ainda não tenho força suficiente? Ele simplesmente não conseguia evitar perceber seus pontos fracos.

Ainda assim, o velho Kuzaku não levou muito a sério suas muitas deficiências. Ele achava que não tinha sido particularmente duro com os outros e, com certeza, tinha sido brando consigo mesmo. gostava quando as pessoas eram brandas com ele, então tratava os outros como esperava ser tratado.

Cara, eu era um merda mermão, não é? Era assim que Kuzaku se sentia agora. Não que haja algum problema em ter um cara como esse por perto. Era como se ele estivesse pensando em uma pessoa diferente.

Setora e Kuzaku estavam se aproximando do acampamento da Expedição Sul.

Havia sentinelas espalhadas pelas bordas do acampamento, como era de se esperar. Setora caminhou com ousadia e indiferença entre duas delas. Kuzaku a seguiu. Os orcs estavam dormindo ao ar livre. Alguns tinham panos grossos ou peles estendidas embaixo deles, enquanto outros dormiam diretamente no chão. Havia centenas de orcs dormindo assim, em volta de um conjunto de tendas mais ou menos no centro do acampamento. Os comandantes estariam dormindo nas tendas, sem dúvida. Vantagem da posição. Havia guardas com tochas perto das tendas. Também vigiavam as fogueiras. Ocasionalmente, um orc se levantava e saía para algum lugar. Provavelmente para dar uma mijada.

Ninguém prestou atenção em Setora e Kuzaku. Mesmo aqueles que os viram nunca pensaram que eles poderiam ser intrusos.

Havia uma impressionante tenda circular no meio do acampamento, grande o suficiente para abrigar uma ou duas famílias. Aparentemente, a maioria dos orcs vivia nas terras devastadas em tendas como essa. Isso faria com que essa tenda fosse efetivamente a casa de um líder de clã?

A tenda grande tinha cinco ou seis tendas menores ao seu redor. Havia muita luz naquela área, e havia muitos guardas, é claro. Os orcs criavam javalis enormes, que usavam como montarias, e Kuzaku podia ver vários deles amarrados aqui e ali.

Maga Odoha, o líder da força destacada da Expedição Sul, provavelmente estava dentro daquela grande tenda.

Kuzaku e Setora estavam defendendo o antigo Reino Sangue de Ferro até que o No-Life King os enviou para Grozdendahl três dias atrás.

No início, o rei tinha apenas os dois, mas, felizmente, a área ao redor do antigo Reino Sangue de Ferro tinha uma abundância de cadáveres de elfos, anões e orcs. Agora que estava totalmente desperto, ele podia usar seus poderes – que eram tão incríveis que só dava para rir – para ressuscitar esses corpos. Basicamente, o rei havia criado novos súditos mortos-vivos. Os mortos-vivos quebrados que haviam parado de se mover também podiam ser reciclados como peças de reposição para os novos mortos-vivos.

É importante ressaltar que os mortos-vivos eram fortes contra os sekaishu. De fato, o rei havia inicialmente criado os mortos-vivos como uma de suas contramedidas contra as criaturas. Se ele colocasse uma parede de mortos-vivos no caminho do sekaishu, não teria facilidade para se aproximar dele.

Ainda assim, havia outros inimigos além do sekaishu, e a força principal da Expedição do Sul estava tentando uma variedade de táticas para entrar no antigo Reino Sangue de Ferro. A pedido do rei, Kuzaku e Setora se concentraram principalmente neles.

Eles matavam quando era necessário, mas também levavam vários prisioneiros para serem interrogados pelo rei. O rei era fluente nos idiomas humano, orc e, obviamente, morto-vivo.

Usando as informações que aprendeu com os prisioneiros, o rei elaborou um plano e pediu a Kuzaku e Setora que o executassem. Poderia ter ordenado que o fizessem e eles não teriam recusado, mas o fato de que ele sempre pedia a eles era muito típico do rei. Sequer gostava de ser chamado de rei, aparentemente. Seria bom inventar outra coisa para chamá-lo logo.

Maga Odoha era o chefe do influente clã Odoha e nem sempre teve uma relação tão boa com o Grande Rei Dif Gogun.

Dif Gogun e Maga Odoha eram ambos líderes de clãs, e o clã Gogun não era muito superior ao clã Odoha. Os dois estavam mais ou menos no mesmo nível. Rivais, basicamente. Do ponto de vista de Maga Odoha, não havia nenhuma razão real para que ele tivesse que obedecer a Dif Gogun, seu igual.

Foi por isso que, desde o início, ele adotou uma postura combativa, do tipo: “Você quer brigar, desgraçado? Ele começou brigas que perdeu, foi intimidado, teve seus seguidores roubados, perdeu a paciência e foi invadir a casa de Dif Gogun apenas para ser emboscado e, por fim, sem outra opção, finalmente dobrou o joelho.

Ainda assim, Maga Odoha mostrou sua determinação, como, Eu me submeterei, mas é melhor você dar tratamento preferencial ao clã Odoha. Se não, lutaremos até que você mate todos nós. Eu o matarei e morrerei eu mesmo.

Dif Gogun ficou impressionado, como se dissesse: “Essa é uma conversa difícil. Vejo que você está falando sério. Você é tão destemido e aceitou isso com alegria.

Maga Odoha era um guerreiro corajoso que empunhava uma grande naginata e tingia todo o seu cabelo de verde e amarelo, conforme a tradição do clã Odoha. Mas ele era mais um pensador do que um lutador e era visto como uma pessoa inteligente. Ele era bem informado, sabia ler e escrever e dizia-se que era bem versado no estudo de idiomas, embora não no mesmo nível do rei de Kuzaku. Ele falava outros idiomas além do orcish e era relativamente próximo de Jumbo do Forgan. Atualmente, ele também era um bom amigo do Grande Rei Dif Gogun e podia recorrer diretamente a ele.

Setora se esgueirou entre duas das tendas que cercavam a de Maga Odoha. Kuzaku a seguiu. Havia uma sentinela a menos de cinco metros de distância, então ele ficou surpreso por não terem sido vistos. O antigo Kuzaku estaria suando muito. Mas o atual também não estava exatamente pensando: “Vai dar tudo certo, com certeza vamos conseguir”. Ele estava preocupado. Não sei. Será que ele não vai nos ver? Bem, talvez não estivesse preocupado. Ele não tinha quase nenhuma sensação de medo. Não, não quase, ele não tinha nenhum. Se as coisas ficassem complicadas, que assim fosse. Ele estava ansioso para ver o que aconteceria depois, inclusive o que poderia acontecer com ele.

Ele tinha muito o que esperar.

Como, por exemplo, reencontrar Haruhiro.

Como Haruhiro reagiria quando eles se encontrassem novamente? Será que ele choraria ao ver o que Kuzaku havia se tornado? Ou riria? Ele poderia ficar com medo e confuso.

Como Kuzaku se sentiria ao matar Haruhiro com suas próprias mãos?

O antigo Kuzaku gostava de Haruhiro. E não apenas um pouco. Ele amava e respeitava tudo no homem. Ele o admirava.

E agora?

Ele não achava que o odiava. Certamente, o Kuzaku atual também gostava de Haruhiro.

Mas se a questão fosse se ele poderia matá-lo ou não, provavelmente poderia.

Independentemente do que acontecesse, o antigo Kuzaku nunca teria feito isso. Em vez disso, ele teria se matado.

Agora, ele estava simplesmente intrigado com a perspectiva.

Como exatamente Kuzaku havia mudado? Se ele reencontrasse Haruhiro, seria capaz de descobrir isso, até certo ponto. Se ele matasse Haruhiro, mais ainda. Mesmo que não matasse o ladrão imediatamente, o que Kuzaku sentiria ao segurar Haruhiro pela garganta, capaz de acabar com a vida do outro a qualquer momento? O que ele diria? O que Haruhiro faria? Se pudesse, ele queria descobrir.

Setora não parou depois de se esgueirar entre as barracas. A partir dali, era um tiro certeiro até Maga Odoha. A entrada da tenda grande ficava na frente. Esta era a parte de trás. Havia guardas por perto. Orcs armados, a menos de três metros de distância. Os cabelos que saíam de baixo de seus capacetes eram verdes e amarelos. Eles eram do clã Odoha, então. As sentinelas ainda não tinham notado Setora e Kuzaku, mas era só uma questão de tempo até que notassem. Os dois intrusos estavam passando por eles em direção à tenda, então não havia como eles não perceberem.

Setora desembainhou sua espada e a enfiou na grande tenda.

Sem dúvida, ao ouvir o barulho, as sentinelas se viraram na direção deles.

Sem se preocupar, Setora continuou a fazer um corte vertical no tecido grosso da tenda e em sua estrutura.

Os orcs gritavam algo em seu idioma, mas, naquele momento, Setora e Kuzaku estavam passando pelo buraco que ela havia feito na tenda. Ela havia causado danos consideráveis à estrutura, mas ela não iria desmoronar tão facilmente. Essa grande tenda era resistente. Havia uma fornalha com uma chaminé no meio, uma cama baixa, uma mesa, um baú, cadeiras, prateleiras e barris. O orc deitado na cama se levantou. Ele era o único ali dentro.

“Kuzaku.”

Kuzaku se moveu antes que Setora pudesse lhe dar a ordem. Ele sabia que era um pouco lento de cabeça. Ainda assim, ele não era tão idiota a ponto de esquecer o que precisava fazer em um momento como esse.

O orc era mais alto do que Kuzaku, que tinha 1,90 centímetros, e sua largura era ainda mais impressionante do que sua altura. Seus cabelos longos e selvagens eram tingidos de verde e amarelo, e ele usava uma roupa parecida com um quimono, amarrada na frente com um cinto. Era isso que ele sempre usava para dormir?

O orc tirou uma adaga do bolso e tentou desembainhá-la. Kuzaku foi mais rápido e deu um golpe de caratê no pulso esquerdo do orc. Ele deixou cair a adaga com um grunhido de dor.

Desculpe, pensou Kuzaku ao enterrar o punho esquerdo no plexo solar do orc. Quase simultaneamente, seu punho direito colidiu com a mandíbula do orc. Sim, o corpo de Kuzaku estava definitivamente se movendo melhor do que antes. Ele também não se cansava. Estava em ótimas condições. O fato de seu corpo fazer exatamente o que ele mandava era muito bom.

“Nwagwah!”

O orc tentou agarrar Kuzaku. Era impressionante o fato de ele ter escolhido lutar em vez de fugir. Mas não tinha sido por causa de uma decisão clara da parte do orc. Foi instinto, ou desespero. Kuzaku se esquivou facilmente do aperto do orc e se colocou atrás dele, depois prendeu os braços do orc atrás das costas e se sentou na cama. O orc tentou resistir, é claro. Kuzaku entendeu o motivo, mas não adiantaria nada para o orc.

“General Maga Odoha.” Setora apontou sua espada para a garganta do orc. “Somos emissários do No-Life King.”

“Ngh!”

No momento em que ouviu esse nome, Maga Odoha parou de se debater. Ele parecia bastante surpreso – pelo menos por enquanto.

Soldados orcs entraram correndo na tenda, gritando alguma coisa. Setora nem sequer olhou para a entrada. Seus olhos estavam concentrados apenas em Maga Odoha. A ponta de sua espada, que poderia ter acabado com a vida dele a qualquer momento, não vacilou nem um pouco.

“Eles se retirem. Nós só queremos conversar.”

“Wagah guddoah…” disse Maga de forma gutural, dando uma ordem aos soldados. Um deles tentou argumentar, mas Maga Odoha repetiu a ordem em um tom mais severo. Os soldados deixaram a tenda sem dar as costas para Kuzaku e Setora. Ainda havia vários deles espiando pelo buraco que Setora havia aberto, mas não pareciam estar prestes a atacar.

“Noddorago… O No-Life King…?” Maga Odoha falou com um ruído baixo em sua garganta. “Vocês são… humanos. Vocês dizem que são humanos… servindo ao No-Life King?”

“Exatamente”, respondeu Setora, sua espada ainda não se moveu nem um pouco.

Hm, e quanto a Setora-san? Kuzaku se perguntou.

A antiga Setora e a nova. O que havia mudado nela e o que não havia mudado? Kuzaku a importunou várias vezes sobre isso, mas ela não lhe deu uma resposta adequada. Ele achava que ela estava mais quieta do que antes, pelo menos. Ela sempre teve uma personalidade incrivelmente moderada, mas agora demonstrava ainda menos emoção.

“Nós morremos uma vez. O No-Life King compartilhou uma parte de si mesmo conosco e nos transformou em algo não humano.”

“Não… humano?”

“Há muito tempo, havia as cinco crianças, ou os cinco príncipes. Você os conhece?”

“Conheço… Mesmo agora, o Rei Ishi, Deres Pain, Architekra e Gyabigo… ainda vivem.”

“Você pode pensar em nós como iguais a eles. Novos príncipes, basicamente.”

Setora parecia tão séria ao dizer isso que Kuzaku não pôde deixar de abrir um sorriso.

“Não sei, não é bem o meu estilo, e você me parece mais uma princesa do que um príncipe, Setora-san.”

“Não fale mais do que o necessário”, disse ela sem olhar para ele. Isso o deixou um pouco triste. Se ela fosse castigá-lo, ele preferiria que ela o olhasse com desprezo, desse um soco, chutasse e assim por diante.

Acho que talvez eu seja masoquista, Kuzaku começou a suspeitar. Não era que ele quisesse que qualquer pessoa o tratasse dessa forma. Acontece que ele gostava muito quando Setora era ruim com ele.

“Príncipes do No-Life King…” Maga bufou, balançando um pouco a cabeça. “Você espera que eu… acredite nisso?”

“Não.”

Setora retirou sua espada de repente. E, além disso, ela a soltou. Ela caiu no carpete com um baque surdo.

“Espero que você acredite em nós, mas não vou forçá-lo a acreditar. Acho que já lhe contei. Nós só queremos conversar. Kuzaku.”

“Entendido.”

Kuzaku soltou Maga Odoha e se afastou da cama para ficar ao lado de Setora. Setora foi a primeira a abaixar a cabeça e se ajoelhar. Kuzaku seguiu seu exemplo.

“Peço desculpas por nossa grosseria, General Maga Odoha”, disse Setora, com a cabeça ainda baixa. “No entanto, duvido que tivéssemos conseguido nos aproximar do senhor se não tivéssemos recorrido a essas medidas. Não queremos lutar. Nem matar um único de seus soldados. É por isso que optamos por fazer as coisas dessa maneira. Por favor, entenda isso”.

Kuzaku poderia ter pegado a espada de Setora e partido para o ataque a qualquer momento. Provavelmente não teria sido impossível para eles abrirem caminho para fora do acampamento através dos soldados orcs. Ele não saberia até tentar, mas achava que os dois conseguiriam com a força que tinham agora. Mas apenas como último recurso.

“Vocês não… querem lutar?” Maga Odoha ainda estava sentado na cama. Ele poderia ter pegado a adaga que Kuzaku havia derrubado de suas mãos ou a grande naginata que estava perto da cama, mas não estava fazendo isso. “Você quer conversar. É isso que está tentando me dizer?”

“Exatamente.” Setora ainda não tinha levantado o rosto. Seus olhos estavam olhando diretamente para baixo. “O rei está buscando diálogo. Ele deseja laços de amizade. Esse é o verdadeiro desejo dele, o mesmo que era durante a era da Aliança dos Reis.”

“Amizade…”

“Devo acrescentar que o rei não nos ordenou que fizéssemos isso. Ele pediu. Ele esperava que viéssemos em seu nome e comunicássemos suas intenções a você.”

Ao ouvir Setora falar, Kuzaku se lembrou da voz e do rosto do No-Life King. Se o rei não tivesse a aparência que aparentava ter, será que eles teriam feito isso? Talvez não tivessem respondido a “Você poderia fazer uma pequena tarefa para mim? Por favor? Estou contando com você”, com um imediato “Pode crer”. Ou talvez não importasse a aparência do rei. Se ele pensasse bem, eles deviam suas vidas ao rei. O rei havia criado os novos Kuzaku e Setora a partir dos antigos. De certa forma, ele os havia dado à luz.

Kuzaku e Setora poderiam desafiar o rei? Era possível que eles não pudessem recusá-lo. Talvez houvesse algum tipo de compulsão que os impedisse de fazer isso, mesmo que seus pedidos não fossem razoáveis. Kuzaku não podia ter certeza, mesmo que sentisse que tinha a capacidade de dizer: “É, não sei. Prefiro não fazer.

Mas com esse rosto? E aquela voz também? Honestamente, uma parte dele pensou: “Essa é a Mary-san”.

Kuzaku entendeu. O rei era como Mary, mas não era ela. Nem mesmo estava claro se Mary ainda existia dentro dele. Pode ser que ela fosse apenas um invólucro nesse momento.

Ainda assim, ele não conseguia deixar de pensar: “Mas essa é a Mary.

Embora não se lembrasse disso, suspeitava que poderia estar apaixonado por Mary. Mas Haruhiro amava Mary, e Mary o amava de volta. Os dois eram tão inocentes e tímidos que ele não sabia ao certo até onde as coisas tinham ido. No entanto, ele tinha certeza de que o amor deles era mútuo.

Kuzaku provavelmente sentia muita afeição por Mary. Ele havia se apaixonado por ela.

Conhecendo sua personalidade, ele devia ter sido muito transparente. Não conseguia imaginar que não tivesse contado a ela como se sentia. E ela o rejeitou. Será que seu coração tinha ficado partido, ou ela o magoou delicadamente? De qualquer forma, Haruhiro se aproximou de Mary depois disso. Pensando bem, Haruhiro a conhecia há mais tempo, então talvez o ladrão estivesse apaixonado por ela o tempo todo.

Mas, bem, esse era Haruhiro. Kuzaku conhecia bem o seu jeito. Conhecendo-o, ele provavelmente enrolou demais. Mesmo assim, depois de tudo que aconteceu, os dois finalmente ficaram juntos. Sério, até onde eles chegaram? Kuzaku estava morrendo de curiosidade, mas não tinha como saber. No entanto, havia muita energia positiva rolando entre eles. E então, aquilo precisava acontecer.

O velho Kuzaku teria ficado bem abalado com a situação, mas o atual só queria pular e dançar.

Putz, cara. É foda pra você, Haruhiro. Tipo, que diabos? Como isso é justo? Como é que isso sequer acontece? Quer dizer, sério. Tô mal pra caramba por você. Deve ter ficado chocado pra caralho, Haruhiro.

Será que Haruhiro conseguiria se recuperar do que havia passado? Supondo que ele não estivesse morto, é claro. Mas Kuzaku achava que ele tinha sobrevivido de alguma forma. Ele era teimoso, aquele Haruhiro. Ah, e muito sortudo também. Haruhiro talvez não pensasse assim, mas os fatos falavam por si mesmos. Haruhiro tinha conseguido escapar de situações que deveriam tê-lo matado mais vezes do que Kuzaku gostaria de contar. Se não fosse por uma sorte muito louca, ele já teria morrido. Como Kuzaku. Era uma questão de sorte, e a de Haruhiro era boa. Seria preciso muito para matá-lo.

Por isso, ele tinha certeza de que Haruhiro estava bem.

Ele estava lá fora, em algum lugar. Vivo.

Parecia que o No-Life King queria falar com Maga Odoha e, por extensão, com o grande rei dos orcs, Dif Gogun. Mas Kuzaku queria mesmo era falar com Haruhiro.

 

Haruhiro, cara, tô com a Mary-san. Bom, não tô com ela nesse exato momento, mas tô trabalhando junto dela. Ela pode ter mudado por dentro, mas continua sendo a Marry-san, provável? Uma parte dela tá em mim agora. Dá pra sentir. A Mary e eu somos diferentes, mas estamos ligados de alguma forma.

Cê sabe que eu gostava da Mary, né? Não sei se ela me rejeitou ou o que, mas no final, ela ficou com você, certo? Bom, na verdade não foi bem o “fim”, foi? Tiveram outras coisas depois. Agora tô com a Mary-san, e você não tá. Do jeito que eu vejo, provavelmente vou ficar com a Mary-san pra sempre.

Só quero que saiba que eu não queria que as coisas fossem assim. Beleza? É só o jeito que as coisas aconteceram. E acho que não tá tudo tão ruim assim. A Setora-san também tá com a gente. Não tô sozinho. Na verdade, tô o oposto disso. E não tô me sentindo incomodado. Talvez eu só esteja me iludindo, mas sinto que não tem nada que eu não possa fazer.

Se Kuzaku falasse tudo isso pro Haruhiro, qual seria a reação dele? Será que ele choraria? Ia começar a choramingar pra valer, né? Adoraria ver isso, pensou Kuzaku. Ele queria ver Haruhiro chorar como uma criança. O que ele sentiria então? A ideia o fascinava.

Setora estava negociando com Maga Odoha para que ele agisse como intermediário e organizasse um encontro com o Grande Rei Dif Gogun. Esse era o desejo do rei, mas o de Kuzaku era ver Haruhiro. Ele teria sua chance eventualmente. A expectativa o estava matando.

“Ei.” Setora deu uma cotovelada nas costelas de Kuzaku.

“Hã…? O que foi? O que está acontecendo?”

“Você não estava ouvindo?” Setora lançou a Kuzaku um olhar que poderia matar.

Ooh, assustador. Kuzaku deu uma risadinha e lhe deu um sorriso bobo. “Uh, sim? Eu estava ouvindo. Mais ou menos. Mais ou menos. E aí? Vocês já terminaram?”

“Tendo em vista a situação entre nossos grupos, inicialmente seremos levados para Grozdendahl como prisioneiros. Depois disso, o General Maga Odoha marcará uma audiência com o Grande Rei Dif Gogun para nós.”

“Detidos?”

“Prisioneiros.”

“O quê? Vamos deixar que eles nos peguem? Isso é realmente uma boa ideia?”

“Considere o que isso parece para o general. Não se pode esperar que ele nos trate como convidados de honra depois que invadimos seu acampamento de repente.”

“Mas não matamos ninguém para mostrar que não éramos inimigos. Isso parece muito trabalhoso só para falar com um cara. Bem, tanto faz.”

Kuzaku se levantou antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa e começou a se desarmar de todas as armas que estava carregando. Ele perguntou ao Maga Odoha se deveria se despir, só para que o orc tivesse certeza de que ele estava completamente desarmado, mas foi informado de que isso não seria necessário, então ele deixou as roupas e levantou as mãos.

“Muito bem. Agora me amarre ou seja lá o que for que você vai fazer.”

“Você não pode levar isso um pouco mais a sério?” Setora reclamou. Ela havia se desarmado como Kuzaku. A Maga Odoha parecia surpreso com essa reviravolta, o que era até engraçado.

E foi assim que Kuzaku e Setora acabaram amarrados e capturados. Dito isso, embora seus braços estivessem presos às costas com algemas, eles não estavam amarrados a uma estaca, nem jogados em uma gaiola ou algo do gênero. Ainda faltava algum tempo para o amanhecer, mas o Maga Odoha ordenou que suas forças fossem despertadas e mandou que se preparassem para partir. A força destacada da Expedição Sul partiu antes do nascer do sol.

Durante a marcha, Kuzaku e Setora caminharam cercados por muitos soldados orcs. Os soldados, ao contrário do general, cheiravam a animais selvagens, o que tornava difícil suportar o fedor deles, mas, considerando que estavam voltando de uma campanha, isso provavelmente era de se esperar. Os dois acabaram se acostumando com o cheiro.

Eles atravessaram o rio Ruko na hora em que o sol começou a nascer. A ponte, revestida de arcos de pedra, parecia robusta e fresca.

Kuzaku já tinha visto Grozdendahl do outro lado do Lago Gandah. Ele estava pensando: “Ei, o Palácio Cisne parece bem legal. Acho que vai ter uma cidade grande, não? Mas isso não chegava nem perto da realidade do lugar. Não era apenas “grande”. O número de edifícios era ridículo. Os orcs eram grandes. Eles não podiam viver em casas minúsculas, então seus prédios geralmente tinham que ser grandes também.

As terras agrícolas que se espalhavam ao redor da área da cidade de Grozdendahl também eram um espetáculo. Os campos, cuidadosamente separados por caminhos e quebra-ventos, eram abundantes em produtos verdes, e ao redor deles havia moinhos de vento e grupos de cabanas e armazéns. Parecia se estender para sempre. Havia tanta civilização aqui que era uma loucura. Claro, havia campos e pastos ao redor de Altana, mas não nessa escala. A distância era intransponível. Como a diferença entre o céu e a terra.

A estrada da ponte para Grozdendahl era pavimentada com pedra. Tinha facilmente quinze metros de largura, o que facilitava a marcha do destacamento de Maga Odoha da Expedição Sul. Não parecia nem um pouco apertado.

A força destacada da Expedição Sul teve que parar em frente a Grozdendahl e desviar para as estradas secundárias que se espalhavam ao redor dos campos gramados, onde ficariam de prontidão. Mesmo enquanto esperavam, podiam passar o tempo olhando para a cidade.

Por fim, o que pareciam ser civis orcs, jovens e idosos, se aproximaram deles, aplaudindo, batendo palmas, assobiando e oferecendo flores e bebidas provavelmente alcoólicas aos soldados da força destacada.

Toda essa comemoração era apenas pelo retorno dos soldados, obviamente, então Setora ficou completamente sem expressão, sem reagir nem um pouco. Kuzaku, por outro lado, estava animado. Claro, não tinha nada a ver com ele. Mas quem iria reclamar se ele ficasse animado e fizesse barulho também?

Setora, com certeza.

Sim, aposto que ela vai. Ela vai ficar totalmente irritada. Bem, que seja. Deixe-a ficar brava.

“Uhuuuul! Ebaaa…!” Kuzaku soltou um grito de comemoração e, como era de se esperar, Setora pisou no pé dele com toda a força, fazendo-o gritar de dor.

“Vai quebrar alguma coisa, Setora-san… Meus ossos já tão quase pulverizados. Dói pra caramba quando você faz isso, tá legal?”

“Você acostuma.”

“Bom, sim.”

Depois de algum tempo, Kuzaku e Setora foram separados dos soldados e levados para Grozdendahl sob guarda. Por vários motivos, eles foram colocados em uma carruagem para serem levados. No entanto, considerando que as carruagens deveriam ser puxadas por cavalos, não por javalis gigantes, ainda era correto chamá-las assim? Dois orcs acompanharam Kuzaku e Setora dentro da carruagem que, na verdade, não era uma carruagem, com as janelas bem fechadas. Para ficar de olho neles, provavelmente.

“Ei, ei, Setora-san. Sabe como chamam aquelas criaturas grandes e parecidas com javalis?”

“Não faço a menor ideia.”

“Então pergunte. Peça para os orcs que nos guardam para te dizerem.”

“Eu não falo Orcish mais do que você. Se você realmente precisa saber, vai ter que perguntar você mesmo.”

“Dane-se isso. Dá muito trabalho.”

“De alguma forma, você se tornou ainda mais insuportável…”

“Ah, é? Sério? Tenho certeza que sempre fui assim. Mas você? Definitivamente está se esforçando mais para bancar a difícil do que antes. Vamos ser legais. Quer dizer, somos companheiros e tudo, não é não? Estamos no mesmo barco aqui, não estamos? Ah, poha! Tive uma ideia. Que tal fazermos um filho juntos, alguma hora?”

“Como é que é…?”

“Sim, um filho. Você e eu. O que me diz? Eu não me importaria de fazer isso mais de uma vez. Você acha que podemos ter filhos? Se pudermos, será que eles seriam bonitinhos? Não está interessada?”

“Está perguntando por curiosidade?”

“Nah. Se você fosse a mãe, acho que eu poderia realmente curtir fazer um filho. Olha, eu sei que é estranho se eu chegar assim e dizer que quero te pegar. Mas não estou apenas fazendo uma piada vulgar aqui, ok? Estou falando sério. Gosto do seu jeito, e sua personalidade é meio fofa, de um certo modo.”

“O que você quer dizer com ‘de um certo modo’?”

“Sabe, eu não sei ao certo.”

“Foi você quem disse.”

“Bom, no fim das contas… eu gosto de você. Não sei se te amo, isso é um pouco mais complicado, mas gosto de você? Sim, gosto de você, Setora-san.”

Setora soltou um suspiro exagerado, mas não deu mais nenhuma resposta.

A carruagem que, na verdade, não era uma carruagem, continuou a chacoalhar por um tempo terrivelmente longo. Os dois orcs não disseram uma palavra durante todo o trajeto. Eles apenas observaram Kuzaku e Setora em silêncio. Esses orcs, a propósito, tinham os cabelos tingidos de vermelho e azul. Kuzaku tentou conversar com eles, dizendo que o cabelo deles era incrível, entre outras coisas, mas eles simplesmente o ignoraram. Eles eram assustadoramente estóicos. Também eram grandes, com roupas laranjas e armaduras prateadas, carregando o que pareciam ser machados de mão e espadas longas de alta qualidade. Talvez fossem elites, não apenas guardas comuns.

Quando eles saíram do que deveria ser uma carruagem, estavam bem em frente ao Palácio Cisne. Desse ponto de vista, ele parecia um grande pássaro branco, pronto para decolar para o céu azul-celeste.

Em ambos os lados dos degraus de pedra que levavam ao Palácio Cisne – que pareciam ser completamente brancos – havia filas de soldados orcs com roupas laranjas e armaduras prateadas, carregando não apenas machados de mão e espadas longas, mas também lanças e escudos. Os cabelos que saíam de debaixo de seus elmos também eram vermelhos e azuis. Eles provavelmente pertenciam ao mesmo clã.

Como os dois deveriam agir aqui? Kuzaku não tinha a menor ideia, então teria que fazer o que Setora dissesse. Com orcs na frente e atrás deles, eles subiram os degraus de pedra e passaram por um portão grandioso no topo – dez metros de largura, quinze de altura e decorado com padrões em ouro e marfim. Além dele, havia o interior do Palácio Cisne.

O teto aqui era muito alto. Era um espaço incrivelmente grande e aberto, e os corredores se estendiam por sabe-se lá quanto tempo em todas as direções, a ponto de ser difícil absorver tudo de uma vez. As únicas janelas ficavam no alto, e a luz que entrava por elas refletia em um piso que havia sido polido até brilhar. Alguns orcs estavam armados, enquanto outros estavam em trajes civis, ou vestindo roupas chamativas, como quimonos, em vez de armaduras, e não portavam armas. Eram todos orcs, nenhum sinal de outras raças à vista. Apenas orcs por toda parte.

Talvez fosse porque Kuzaku era humano – ou talvez um ex-humano a essa altura -, mas isso o pegou de surpresa. Esses orcs, de pé em seus quimonos, com os cabelos tingidos de cores bonitas e amarrados para trás ou trançados, pareciam muito elegantes.

Não eram apenas homens no castelo. Havia mulheres também. As mulheres eram pesadas para os padrões humanos, mas seus pescoços longos e cabeças pequenas tornavam suas figuras bastante atraentes.

Sua pele verde parecia um pouco reptiliana, o que sempre lhe pareceria estranho, mas combinava com as cores vibrantes que eles pareciam gostar tanto.

Descobriu-se que os orcs eram uma raça mais preocupada com a moda do que Kuzaku imaginava. Graças a isso, Kuzaku não ficou entediado nem por um momento em sua longa caminhada pelo castelo.

Em vez de se cansar da caminhada, ele descobriu que ela o deixava de bom humor. Será que ele conseguiria parar uma das damas orcs quando ela passasse e dizer: “Ei, o que você acha de uma dança? Sim, não. Isso não ia dar certo. Ele era um prisioneiro e tudo mais. Mas será que era? Não parecia ser assim que se tratava os prisioneiros. Talvez ele pudesse dar em cima delas? Sim, por que não? Deveria?

Depois de uma longa batalha interna, Kuzaku suprimiu o impulso.

Uau. Isso foi admirável da minha parte. Quero me elogiar por isso.

Depois de andar bastante, Kuzaku e Setora foram levados a uma sala. Não era uma sala muito grande. Se você considerasse a escala do Palácio Cisne, ela era realmente bem pequena. O teto também era baixo. Mas apenas comparativamente – ainda tinha quatro metros de altura -, mas os tetos dos corredores eram tão altos que, em comparação, parecia um pouco apertado aqui. Havia um tapete de pelo grosso no chão, e orcs com quimonos de seda ou algo igualmente sofisticado estavam sentados nele. Nenhum deles usava cadeiras, em vez disso, sentavam-se com as pernas cruzadas sobre almofadas de zabuton. Havia sete deles, e pareciam ser membros da classe alta. Kuzaku não tinha ideia de como saber a idade de um orc, mas não tinha a sensação de que algum deles fosse jovem.

Os soldados de elite que haviam trazido Kuzaku e Setora até aqui os soltaram e deixaram a sala.

Eles ficaram ali parados por algum tempo, Kuzaku sem saber o que fazer e Setora observando a cena com um ar de compostura.

“Sentem-se”, um orc ossudo que devia ter uma idade consideravelmente avançada os instruiu na língua humana.

Havia um grande número de almofadas empilhadas no canto da sala. Setora pegou duas, entregando uma para Kuzaku.

“Onde você acha que devemos nos sentar?” Kuzaku perguntou a ela, mas foi o orc ancião que fez um sinal com a mão para indicar que eles deveriam se sentar à esquerda dele.

“Aqui.”

Os sete orcs estavam sentados em um círculo. No entanto, ele não era perfeitamente redondo e nem muito apertado. Havia bastante espaço entre eles. Setora se sentou à esquerda do velho orc, então Kuzaku colocou sua almofada à direita do orc e se sentou ali.

“Você…” Setora franziu a testa.

Os orcs pareciam um pouco surpresos. Será que o velho orc estava confuso? Ele olhou para trás e para frente, de Setora para Kuzaku, repetidamente.

“Hã? Aqui não é bom? Não sei. Só estava pensando que, se eu me sentasse ao lado de Setora-san, talvez ficasse um pouco apertado. Também perderia a simetria…”

Alguém entrou graciosamente na sala enquanto Kuzaku se afastava. Um orc, é claro. Usava uma túnica laranja, uma jaqueta preta e um sobretudo tricolor vermelho, branco e azul. Era um conjunto bastante vistoso, mas não de mau gosto. Seu cabelo vermelho e azul estava bem arrumado, sem nenhum fio fora do lugar, e as presas que apareciam nos cantos de sua boca eram de um branco brilhante. Ele era um espécime impressionante de masculinidade. Lindo, até. A coroa dourada em sua cabeça era elegante e combinava incrivelmente bem com ele.

“Esse é o grande rei, talvez?”

Era difícil imaginar que ele não tivesse ouvido o sussurro de Kuzaku. Mas o orc, presumivelmente Dif Gogun, nem sequer olhou para o ex-humano, em vez disso, pegou uma almofada com as duas mãos e a colocou mais ou menos em frente ao orc ancião. Havia uma espada brilhante pendurada na cintura do grande rei. Ele a retirou do cinto, colocou-a no chão e sentou-se, tudo em uma série de movimentos elegantes e refinados.

Isso foi inesperado. O cara era o grande rei dos orcs, então Kuzaku presumiu que ele seria mais robusto, com o rosto mais duro que qualquer um deles já tinha visto, parecendo absolutamente cruel, mas também astuto e desonesto ao mesmo tempo. Afinal de contas, o cara era um orc. O preconceito era algo aterrorizante. Parecia que Kuzaku tinha se deixado levar por seus preconceitos.

“Vocês estão na presença do Grande Rei Dif Gogun”, disse o orc ancião, colocando as mãos nos joelhos e abaixando a cabeça. Os outros orcs fizeram o mesmo. Kuzaku correu para imitá-los, mas Setora permaneceu imóvel, com os olhos fixos no grande rei. Isso estava certo? Não prestar homenagem a ele? Bem, se Setora quisesse agir dessa forma, ele achava que não havia problema.

O grande rei disse alguma coisa. Em orcish, provavelmente. O orc ancião levantou a cabeça.

“O grande rei disse que não há necessidade de tanta formalidade nesta sala, a tonak. Desde que todos ajamos com respeito, demonstrações excessivas de cortesia não serão necessárias.”

“Cara, você é fluente pra caramba, hein? Aposto que até sabe palavras maiores do que eu,” disse Kuzaku sem querer, o que lhe rendeu uma leve risada do grande rei. Mais um bufo, na verdade. Mas ele estava rindo do que Kuzaku havia dito, certo? O grande rei devia ser capaz de entender a língua humana também. Provavelmente algo bom para se ter em mente.

Dito isso, falar com o grande rei usando o orc ancião como intérprete era o trabalho de Setora. Kuzaku gostaria de ter dito que estava lá como guarda-costas dela, mas, francamente, ela não precisava de proteção. Se ele dissesse algo como “Eu te protegerei com cada fibra do meu ser!”, Setora teria bufado com desdém. Isso, ou simplesmente o teria ignorado completamente. Ele era mais um acompanhante, na melhor das hipóteses. É, não que ele estivesse fazendo algo para cuidar dela. Ele só estava lá. Acompanhando a viagem. Se Setora mandasse ele fazer algo, ele teria que fazer. Isso facilitava as coisas.

Setora explicou a Dif Gogun que seu senhor era o mesmo No-Life King que o anterior, que não tinha intenção de se opor aos orcs e que estava criando novos mortos-vivos, que ele chamava de renascidos, no antigo Reino Sangue de Ferro.

Sim. Era isso. Pensando bem, Kuzaku e Setora também eram renascidos, e o No-Life King era seu criador e líder. Kuzaku não se importava com o nome. Na verdade, ele até gostava bastante. Sim, Setora era a emissária dos renascidos para o Grande Rei Dif Gogun, e Kuzaku era simplesmente um acompanhante.

Quando explicaram que os renascidos tinham um objetivo – a derrota do Rei Ishi e do Arquiduque Deres Pain em Undead DC –, a expressão do Grande Rei Dif Gogun mudou antes mesmo do orc ancião ter tempo de traduzir. Sim, o grande rei definitivamente entendia a linguagem humana.

Os renascidos queriam eliminar o Rei Ishi e Deres Pain para trazer liberdade a todos os mortos-vivos. E para isso, desejavam unir forças com os orcs. De fato, eles queriam construir uma relação de cooperação com o Grande Rei dos Orcs, Dif Gogun, mais do que com qualquer outra pessoa ou grupo no mundo. Era por isso que o No-Life buscava um encontro com o grande rei.

O grande rei silenciou o orc ancião, finalmente respondendo por si mesmo. “Eu também gostaria de conhecê-lo. Se o seu rei for realmente o No-Life King. Mas que prova há disso?”

Era uma voz profunda que parecia ecoar em suas entranhas se você a ouvisse, embora seu tom não fosse ameaçador de forma alguma. Ainda assim, era super intimidador. “Cheia de majestade” poderia ter sido uma boa maneira de descrevê-la.

“Humanos. Vocês dizem que foram enviados aqui como mensageiros do No-Life King. Como posso acreditar nisso? Nós sabemos o nome do No-Life King . Conhecemos sua história. Mas nenhum de nós conhece o Próprio No-Life King.”

“Suas preocupações são razoáveis.” Setora estava completamente calma. Tão calma que assustou Kuzaku um pouco. “Meu senhor luta com sua incapacidade de provar quem ele é. No entanto, se você o encontrasse pessoalmente, tenho certeza de que veria por si mesmo que ele é de fato o No-Life King.”

“Então ele deveria ter vindo pessoalmente, e não enviado meros enviados.”

“Meu rei gostaria de ter vindo.”

“Você diz que ele não pode?”

“O sekaishu está atrás de nosso senhor.”

“Sekaishu…”

O grande rei olhou em volta para os sete orcs. Todos eles, com exceção de um, balançaram a cabeça. O que não balançou a cabeça estava sentado em sua almofada, de queixo caído. Kuzaku não falava a língua deles, por isso não soube dizer o que o orc disse em seguida, mas todos os outros começaram a conversar com o orc sentado ao lado deles, e a sala rapidamente se encheu de barulho.

O orc ancião perguntou a Setora: “O sekaishu se refere à calamidade provocada pelas criaturas negras? Recebemos relatos sobre eles de todos os setores…”

Ela assentiu com a cabeça. “É exatamente isso que é o sekaishu. Ele se arrastou das entranhas do mundo, com a intenção de devorar nosso rei. O antigo corpo do rei deve estar escondido no Everest, em Undead DC. Quinhentos anos atrás, o Rei Ishi e Deres Pain conspiraram para mantê-lo preso. No entanto, sem o conhecimento deles, uma parte do nosso rei conseguiu escapar por pouco, mas foram necessários muitos anos para que ele fosse restaurado. A relíquia que ele carregava consigo o tempo todo para manter o sekaishu afastado está com seu antigo corpo. Agora ele deseja recuperá-la”.

A informação que Setora lhes apresentou deve ter sido um grande choque. Os rostos deles mudaram de cor enquanto eles a enchiam de perguntas. O debate entre eles também se intensificou rapidamente. O grande rei ouvia em silêncio, mas não parava de tocar as bochechas e acariciar os próprios cabelos – o que não era o que ele faria se estivesse calmo com essa revelação.

Kuzaku quase bocejou, mas conseguiu segurar o bocejo. Ele não estava com sono, mas já estava cansado de estar aqui. Por que Setora estava levando esse trabalho de enviado tão a sério? Kuzaku, por sua vez, só tinha vindo porque Setora estava indo e ele não tinha nada para fazer naquele momento. Talvez ele devesse ter tentado pensar mais por si mesmo? Não era seu forte, mas não ter nenhum desejo próprio não era bom.

Algo que eu queira fazer. O que seria isso? O que eu quero fazer? Se há uma coisa que me vem à mente, deve ser encontrar Haruhiro novamente, eu acho.

Enquanto Kuzaku pensava, a conversa parecia ter se resolvido sozinha.

Dif Gogun pretendia se encontrar com o No-Life King. No entanto, eles não tinham nenhuma evidência clara de que a pessoa em questão era o No-Life King, e ele não poderia deixar seu domínio para se encontrar com alguém que ele não tinha ideia de quem realmente era. Talvez fosse possível que ele convidasse a pessoa que eles diziam ser o No-Life King para ir a Grozdendahl, mas as condições de tal encontro precisariam ser definidas. Portanto, não se tratava de um “Ok, vamos nos encontrar”, mas mais de um “Vamos considerar ativamente sua proposta”.

Embora não houvesse amor à primeira vista entre os orcs que seguiam o grande rei e os mortos-vivos que seguiam o Rei Ishi ou o Arquiduque Deres Pain, eles não eram abertamente hostis. Havia mortos-vivos na Expedição do Sul, mas pertenciam a uma facção separada das dos dois príncipes. Os orcs podiam trabalhar com o No-Life King para derrotar essas duas facções, a princípio. Ou, no mínimo, havia espaço para negociação nesse ponto.

Por sua vez, os orcs buscavam informações sobre outros mundos. “Estamos preparados para oferecer isso a vocês”, foi a resposta de Setora. Kuzaku deduziu que isso significava: “Se você fizer amizade conosco, nós lhe diremos tudo o que soubermos”.

Setora pediu ao grande rei que a Expedição do Sul parasse de tentar invadir o antigo Reino Sangue de Ferro e se retirasse. Em resposta ao pedido dela, o grande rei prometeu que ordenaria a interrupção imediata de todas as ações ofensivas. Parar os ataques era suficiente? Eles não precisavam expulsar os orcs? Bem, tudo isso fazia parte de um processo de negociação, então talvez fosse necessário dar e receber.

Agora, quanto ao que eles conseguiram no final, pode-se dizer que eles estabeleceram as bases para um relacionamento que lhes permitiria conversar sobre as coisas e decidir o que deveria ser feito mais tarde.

Setora e Kuzaku iriam retornar ao antigo Reino Sangue de Ferro e relatar o que havia acontecido em sua reunião com o Grande Rei Dif Gogun. Isso, apesar do fato de o grande rei tê-los convidado para jantar. Kuzaku ficou bastante desapontado quando Setora recusou imediatamente a oferta. Eles embarcaram na carruagem que poderia não ser uma carruagem e foram levados para os arredores de Grozdendahl. Isso também foi a pedido de Setora. Kuzaku queria reclamar: “Vamos fazer a viagem a pé de novo?”, mas se conteve.

O sol estava se pondo enquanto eles caminhavam pela ponte que cruzava o rio Ruko. A vista sobre o rio e o Lago Gandah, atrás dele, e as ruas de Grozdendahl, iluminadas por lamparinas, formavam uma cena incrivelmente linda. Kuzaku não conseguiu se conter.

“Olha aquilo, Setora-san! Caramba, é lindo! Que visão! Não é incrível?!”

“Que baboseira. Vamos andando.”

“Ah, tá brincando. Não dá pra ficar um pouco mais, sei lá, tranquila? Apreciar a paisagem um pouco…”

“Eu tô bem ‘tranquila’. A paisagem simplesmente não me interessa.”

“Então se interesse. Por que você não tenta curtir a vida um pouco?”

“Vida, né?”

“É! Essa é sua segunda vida, certo? Embora, entre o Grimgar de antes, o Grimgar de agora e tudo o mais, acho que eu posso estar na minha terceira.”

“Não é como se eu não estivesse curtindo.”

“Bom, você não parece estar curtindo muito, né? Acho que é assim que você é mesmo, hein, Setora-san?”

Havia um grupo de pessoas vestidas com mantos vermelho-escuros reunidas do outro lado da ponte. Cinco, talvez seis delas, paradas na beira da estrada. Não estavam bloqueando o caminho de ninguém, mas eram as únicas pessoas na área que estavam apenas paradas, além dos soldados orcs, então claramente havia algo estranho nelas.

“Ei, aqueles são…” Kuzaku disse para Setora.

Ela balançou a cabeça levemente. Provavelmente significava “Cala a boca”.

As pessoas com mantos vermelhos usavam os capuzes bem baixos sobre os olhos. Nenhuma parte da pele delas estava exposta, e seus rostos não podiam ser distinguidos. Eram orcs? Não, elas eram muito magras para isso. Mortos-vivos, talvez?

Os dois passaram pelo grupo e, pouco depois, eles começaram a se mover, seguindo-os a uma curta distância.

A cerca de um quilômetro da ponte, os perseguidores aumentaram a velocidade.

A katana enorme que Kuzaku usava há muito tempo estava pendurada nas costas, mas ele também tinha uma espada pendurada na cintura que era mais do seu tamanho, a qual ele havia encontrado no Reino Sangue de Ferro. Uma obra-prima da habilidade dos anões. Essa era a espada que Kuzaku pegou.

“Eu posso matá-los, né?” Kuzaku perguntou baixinho.

“Espera,” Setora respondeu enquanto parava.

Kuzaku planejava desembainhar a espada quando se virasse, mas as pessoas com capas vermelho-escuras tinham puxado os capuzes para trás e abaixado a cabeça, então ele pensou melhor.

Eles definitivamente não eram orcs. Mas também não eram mortos-vivos. Seus cabelos eram brancos, não brilhantes, e tinham a pele um tanto pálida e sem sangue. Seus rostos esguios eram perfeitamente proporcionais, mas inexpressivos.

“Elfos…?” Kuzaku murmurou, com a mão ainda no punho da espada.

Eles tinham orelhas pontudas.

“Então vocês são elfos cinzentos”, disse Setora.

Um dos seis, o líder do grupo, assentiu com a cabeça. “De fato. Meu nome é Melderheid. Estou participando da Expedição Sul sob as ordens de meu senhor, Zwarzfeld. Chegou ao meu conhecimento que vocês são enviados do No-Life King.”

“Ah, estou entendendo. Um dos vice-comandantes da Expedição do Sul era Sir Melderheid. O braço direito do Rei do Vale Quebrado, certo?”

“Parece que ele é muito importante.” Kuzaku olhou ao redor da área. “O que um figurão como você está fazendo aqui fora, esperando por nós?”

“Quero entregar uma mensagem.”

Não era apenas Melderheid. Todos os elfos cinzentos demonstravam tão pouca emoção que você pensaria que eles eram plantas ou algo assim. Seus lábios mal se moviam quando ele falava. Era impossível dizer o que esses caras estavam pensando.

“Nós, os elfos cinzentos do Vale Quebrado, éramos amigos leais do No-Life King. Há muito tempo desejamos e aguardamos ansiosamente seu retorno. Se o No-Life King voltou, ele deve saber que não lhe fizemos mal algum. Foi tudo uma trama do Rei Ishi e de Deres Pain. Por favor, diga ao No-Life King que nós, os elfos do Vale Quebrado, continuamos seus amigos agora, como sempre.”

“Posso entender isso como a vontade do Rei Zwarzfeld?” Setora perguntou, e Melderheid assentiu sem hesitar.

“Se o No-Life King ordenasse, tenho certeza de que meu soberano deixaria de lado o Vale Quebrado e correria para o lado dele imediatamente. Se o No-Life King disser para matar o Rei Ishi e Deres Pain, usaremos todas as nossas forças contra eles. Os príncipes são como os filhos do No-Life King. É por isso que optamos por não nos opor a eles. Não temos lâminas que seriam usadas contra os filhos de nossos amigos. No entanto, se nosso amigo disser que eles não são seus filhos, não teremos piedade deles.”

“Entendi. Vou me certificar de que nosso rei ouça.”

“Obrigado.”

“Talvez eu visite o Vale Quebrado em um futuro não tão distante. Dê meus cumprimentos ao Rei Zwarzfeld.”

“Eu farei isso.”

Melderheid tirou uma ficha quadrada transparente do bolso. Era de vidro? Ou talvez algo parecido com cristal? Tinha uma borda de metal e um desenho semelhante a um brasão esculpido.

“Por favor, pegue isso. Ele servirá como prova de seu status, em nome de meu soberano.”

“Obrigado.”

Depois que Setora aceitou o símbolo, Melderheid fez uma reverência e se afastou, baixando o capuz. Os elfos cinzentos se viraram e saíram. Com isso, Kuzaku finalmente conseguiu tirar a mão do punho da espada.

“Está tudo bem? Os elfos cinzentos deveriam ser aliados dos orcs, certo? O grande rei ainda está agindo como se não tivesse se decidido sobre o que fazer conosco, mas aqueles elfos cinzentos foram muito acolhedores, não foram? Se um figurão como ele for fazer contato conosco aqui, os orcs não vão descobrir?”

Setora bufou. “Então quer dizer que você realmente é capaz de pensar nos problemas em questão?”

“Você é sempre tão rápida pra tirar sarro de mim. É, eu não sou muito bom em usar a cabeça, mas claro que eu penso nas coisas.”

“É por isso que eu acabei de dizer que sim.”

“Ah, okay. Então você estava me elogiando, né?”

“Nem te elogiando. Eu estava sendo sarcástica. Em outras palavras, te diminuindo.”

“Tá vendo? Você estava tirando sarro de mim o tempo todo. Esse é o problema com você, sabe? Você é sempre assim. É divertido me tratar como se eu fosse idiota?”

“Qual seria o motivo de eu fazer algo chato?”

“Hm? O que isso quer dizer?”

Setora começou a andar sem lhe dar uma resposta, o que o obrigou a se apressar para alcançá-la e caminhar ao lado dela. Pelo menos não parecia que ela estava planejando abandoná-lo.

Qual seria o motivo dela fazer algo chato?

Pela forma como ela disse, a resposta devia ser que não havia nenhum motivo. Se ela não quisesse fazer algo, ela diria. Ela nunca fazia nada que não quisesse. Era assim que Setora sempre foi. Não, talvez isso não fosse totalmente verdade. Era possível que o seu antigo eu tivesse se esforçado para ler a situação em que estava e se segurar quando necessário.

Os dois saíram da estrada e seguiram a margem do Lago Gandah. O tempo estava bom na noite passada, e esta noite não era diferente, sem vento e apenas algumas pequenas ondas. Esse trecho da costa tinha muitas pedrinhas no chão, que faziam um barulho relaxante enquanto eles caminhavam por cima delas.

“Ei, Setora-san. Sabe aquela coisa que eu estava falando antes?”

“Antes? Quando?”

“Sobre como devemos curtir nossas segundas ou terceiras vidas. Você está curtindo a sua?”

“Estou curiosa sobre o No-Life King. Sua história e seu passado. E o grande rei dos orcs também é um homem interessante.”

“O queeee? É o tipo de cara que você gosta?”

“Se eu gosto dele ou não é irrelevante.”

“Hã. Sei lá, acho que é bem importante. Mas é a sua vida, eu acho.”

“Para pegar emprestada sua expressão, estou curtindo minha ‘segunda vida’ do meu jeito.”

“Ah, é? Eu também. Já que tenho que vivê-la de qualquer maneira, quero continuar me divertindo cada vez mais. Então, estive pensando no que quero fazer.”

“Você pode fazer o que quiser.”

“É, eu concordo que devemos fazer o que queremos, mas a conversa não acaba só aí, né? Você pode simplesmente ignorar o que vou dizer, mas me ouça, ok?”

“Pelo menos vou te ouvir.”

“O que você acha de matar o Haruhiro?”

Kuzaku começou a rir assim que disse isso. Cobriu a boca com as mãos, tentando segurar a gargalhada, mas ela continuava escapando, enquanto Setora o olhava de soslaio todo esse tempo. Seu diafragma não parava de tremer. Ele queria tentar dizer de novo. Não conseguiria se acalmar até conseguir.

“Estava pensando que talvez pudesse matar o Haruhiro.”

“Por quê?” Setora perguntou, com a voz impassível.

Kuzaku continuou rindo. Ele riu tanto que chorou. Ah, droga. Setora suspirou. Ela estava prestes a ficar farta dele. Talvez já estivesse, mas não era como se Kuzaku quisesse rir. Ele simplesmente não conseguia se segurar.

“Não, escuta, tá bom? Não é nada disso. Eu não odeio o cara nem nada. Você sabe que eu sempre admirei o Haruhiro, não é? Quer dizer, eu ainda admiro ele. Ele é o número um na minha lista de pessoas que quero encontrar.”

“Você quer encontrá-lo ou matá-lo? O que é?”

“É, acho que os dois? Quando penso na expressão do Haruhiro quando nos encontrarmos novamente, fico animado. E então, comecei a pensar, já que eu gosto tanto do cara, como seria matá-lo com minhas próprias mãos? Quero saber o que isso me faria sentir. Tipo, emocionalmente, e essas coisas. Eu não sei. Sinto que no momento em que eu matar o Haruhiro, vou ficar tipo ‘Uauuuh’. Mais do que com qualquer outra pessoa que eu possa matar. Já experimentei a morte uma vez, então pensei que matar alguém que eu gosto deveria ser a próxima coisa na lista.”

“Entendo.”

“Você entende, Setora-san? O que estou sentindo?”

“Pessoalmente, não tenho desejo de matar ninguém, mas posso entender de onde vem.”

“Você consegue entender, hein? É a sua cara, Setora-san.”

“Eu não consigo imaginar que você me entenda bem o suficiente para falar sobre o que é ou não é a minha cara.”

“É, acho que não. Algumas coisas são complicadas demais pra mim. Você é um enigma que eu nunca vou conseguir decifrar, sabe? Mas tenho pensado em todo tipo de coisas que são mais do meu jeito. Tipo, não é só matar o Haruhiro. Eu até pensei no que faria depois disso também.”

Setora parou e olhou para Kuzaku. Ela piscou. Parecia que agora ele tinha a atenção dela.

“O que é? Fala logo,” ela disse.

“Estava pensando, talvez pudéssemos perguntar ao rei.”

“Perguntar o quê?”

“Se ele poderia fazer o Haruhiro igual a gente?”

“Igual… a gente?”

“É. Olha, eu não sei se é possível, então teríamos que checar com o rei primeiro, mas eu estava pensando, ‘E se a gente matasse o Haruhiro e o tornasse igual a nós?’”

Kuzaku colocou as mãos com força nos ombros de Setora. Ela apenas olhou de volta para ele sem nem sequer piscar.

“Então, o que você acha, Setora-san? Não seria incrível ver como o Haruhiro ficaria? Quer dizer, ele seria o Haruhiro de qualquer maneira, e eu nunca poderia odiar o Haruhiro. E, conhecendo ele, provavelmente não vai ficar chateado por eu tê-lo matado. Mesmo que fique, acho que seria interessante ver como isso se desenrola também, sabe? De qualquer forma, só consigo ver isso sendo super divertido, então… É isso…”

Ele estava prestes a explodir de novo de rir. Ele precisava se segurar. Se começasse a rir, não seria capaz de falar de forma coerente, e Setora estava realmente ouvindo-o agora.

“Quando encontrar o Haruhiro, quero matá-lo. É praticamente a única coisa que eu penso. Ele provavelmente ainda está vivo. Eu ficaria bem chateado se ele estivesse morto, mas meu instinto está me dizendo que ele definitivamente está bem, então eu quero matá-lo com minhas próprias mãos. Ah, desculpa. Fiquei um pouco exaltado falando sobre isso, né? Não consigo evitar o quanto isso me deixa passional. Cara, eu quero ver o Haruhiro. Sério. Eu quero matá-lo. Eu quero matar o Haruhiro. Eu quero que o Haruhiro seja como nós. Então, o que você acha?”

Os olhos de Setora se estreitaram lentamente.

“Claro. Por que não?” Os lábios dela se abriram levemente e os cantos da boca se curvaram para cima.

“Parece que poderia ser divertido.”

 

In this post:

Deixe um comentário

Ads Blocker Image Powered by Code Help Pro

Adblock detectado! Desative para nos apoiar.

Apoie o site e veja todo o conteúdo sem anúncios!

Entre no Discord e saiba mais.

Você não pode copiar o conteúdo desta página

|