Capítulo 13 – Não decidir fazer algo, resolver a si mesmo.
Quando o amanhecer chegou, a vila estava envolta em uma névoa matinal. A espessura dessa névoa definitivamente não era normal. Estava tão densa que você não conseguia ver sua própria mão estendida.
Haruhiro pensou que talvez, com o amanhecer, ele teria uma visão de toda a vila. Sem chance. Ele não conseguia nem distinguir o abrigo de Katsuharu, que estava bem ao lado dele, e só percebeu a presença de Rock quando o cara deu-lhe um chute nas costas.
— Vamos, Haruhiro. Acompanhe.
— …Hã? Pra onde?
— Vocês querem salvar sua companheira que foi levada por Forgan, certo? Nós queremos derrotar Arnold. Não posso dizer que nossos interesses estão perfeitamente alinhados, mas seria impossível vocês resgatarem ela sozinhos. Precisamos de toda a ajuda que pudermos obter. Então, cooperem conosco. Se fizerem isso, vamos ajudá-los também.
Haruhiro não tinha objeções. Era exatamente o que ele queria ouvir, mas Arara ainda não tinha voltado, e ele não ouvira nada sobre eles terem decidido o que fazer com ela, então o que eles iam fazer?
Disseram que, por enquanto, apenas Haruhiro precisava ir, então ele seguiu com Rock, que carregava Gettsu no ombro, Moyugi, o cavaleiro das trevas mais forte em atividade, Tsuga, o sacerdote de cabelo raspado, e Katsuharu, formando um grupo de cinco pessoas e um animal, abrindo caminho por uma névoa tão densa que não conseguiam enxergar mais do que alguns centímetros à frente.
Havia muitas variações de elevação dentro da vila. O chão estava bem marcado, como uma trilha de caça, mas mal podiam ver os edifícios através da névoa, e não havia sinal de nenhuma pessoa.
No entanto, Haruhiro logo começou a sentir algum tipo de presença. Provavelmente eram os nyaas. Aqueles seres parecidos com gatos e macacos os observavam de além da névoa. E não eram apenas um ou dois; havia muitos mais.
A razão para isso logo se tornou clara. Os instintos de Haruhiro estavam corretos. O edifício era duas vezes mais alto que o abrigo de Katsuharu, com mais de três vezes a largura e a profundidade.
Havia peles presas nas paredes e no telhado. E também nyaas. Nyaas nas janelas, do lado de fora e no telhado. Nyaas por toda parte. Um número inacreditável deles. Todos os nyaas os observavam atentamente. Era bastante assustador.
— E-Essa é… a casa dos nyaas… ou algo assim? — gaguejou Haruhiro.
— Esta é a morada de alguém chamado Setora, da Casa de Shuro — respondeu Katsuharu. — Vocês esperem aqui. Se entrarem sem permissão, não há como prever o que pode acontecer. Vou explicar o motivo da nossa visita.
— Vamos ter que ver como as coisas vão acontecer, né? — Rock estava sorrindo.
Moyugi pressionou o dedo médio da mão direita contra a ponte dos óculos, sem dizer uma palavra. Na verdade, ele mal havia falado a manhã toda. Parecia estar de mau humor, e não estava escondendo isso.
— Ele sempre fica assim quando acorda — Tsuga sussurrou no ouvido de Haruhiro. — Por todas as coisas presunçosas que diz, ele é bem infantil, né?
— Tsuga — disse Moyugi com uma voz ameaçadora. — Estou ouvindo você perfeitamente.
— Imagino que sim — respondeu Tsuga, como se não fosse nada. — Falei pra você ouvir. Se não, estaria falando pelas suas costas.
Moyugi estalou a língua, e Rock deu uma risada alta.
Katsuharu se aproximou da casa de Shuro Setora, que, na verdade, não era a casa dos nyaas. Imediatamente, todos os olhos dos nyaas se voltaram para Katsuharu.
Se Haruhiro fosse o centro das atenções daquele jeito, ele provavelmente pararia de se mover, sem querer. Mas Katsuharu continuou como se não se importasse. No entanto, ele não chegou até a porta. Antes que pudesse, a porta se abriu por dentro, e alguém saiu.
É… um humano?, Haruhiro percebeu. Esse é Shuro Setora?
Nenhuma parte da pele do homem estava exposta, inclusive o rosto. O rosto dele estava completamente coberto com um tecido, ou couro, em tons escarlate e índigo, ou algum outro material.
Ele tinha mais ou menos a mesma altura que Haruhiro, talvez. Mas parecia grande. Na verdade, ele era grande. Quanto ao que era grande nele, eram seus braços. Seus braços não eram apenas longos; eram grossos.
Além disso, os braços dele estavam envolvidos em algo que parecia armadura de metal.
Afinal, o que era Shuro Setora?
— Oh — disse Katsuharu, dando um passo para trás. — Enba, hein.
Aparentemente, aquele não era Shuro Setora. Enba permaneceu em silêncio, virando a cabeça duas vezes para a direita, depois três para a esquerda.
Isso é meio assustador, sabia? Pensou Haruhiro.
— Enba. — Katsuharu deu mais meio passo para trás. — A verdade é que eu tenho algo importante para discutir com Setora.
— Algo para discutir comigo, você diz? — perguntou outra pessoa, enfiando a cabeça para fora de uma janela no segundo andar.
Essa pessoa também tinha a pele coberta com tecido escarlate e índigo e outros materiais. Mas, em sua vestimenta, havia uma grande abertura para os olhos, de onde dois olhos os observavam.
— O que é, andarilho? — perguntou Setora. Julgando pela voz, ela era uma mulher. — Nada útil, tenho certeza.
— Que maneira de me cumprimentar, Setora — retrucou Katsuharu. — Depois de todo o tempo que passei brincando com você quando era apenas uma garotinha.
— Isso só significa que você era um inútil com tempo demais nas mãos naquela época. Nenhuma pessoa respeitável perde seu tempo brincando com pirralhos.
— De fato. Não tenho o que dizer quanto a isso.
— Setora — chamou Rock. O quê, ele já estava dispensando as formalidades? — Tenho um favor a te pedir.
— Recuso. — Setora puxou a cabeça para dentro novamente.
— Você é sempre tão rude, Rock — disse Moyugi com desdém, suspirando, enquanto passava os dedos pelos cabelos e olhava para a janela. — E você, bela jovem aí em cima. Poderia nos agraciar mais uma vez com um vislumbre da sua formosa aparência? Mesmo que só por um momento. Permita-me oferecer um poema exaltando sua grandeza.
Nossa, que papo estranho, pensou Haruhiro. Era até meio assustador. Mas, para a surpresa de todas as surpresas, depois de um momento, Setora colocou a cabeça para fora da janela novamente.
— O que há com esse forasteiro? — perguntou ela. — O cérebro dele está cheio de vermes?
— Viu? Consegui chamar a atenção dela — murmurou Moyugi, então virou-se para Setora com um sorriso. — Shuro Setora, eu sou Moyugi, o mais forte dos cavaleiros das trevas em atividade, aqui só para vê-la.
— Que sujeito bizarro — murmurou ela.
— Prefere os comuns? — perguntou Moyugi. — Não parece.
— Enba, elimine-o.
Antes que Haruhiro tivesse tempo de reagir, Enba avançou contra Moyugi. Se aqueles braços o acertassem, com certeza ele morreria na hora. No entanto, Moyugi parecia ter previsto isso, desviando do braço direito de Enba com um movimento suave.
Quando Enba seguiu com um golpe de seu braço esquerdo, Rock entrou em ação. Ele passou pelo braço esquerdo de Enba, chegando perto, e justo quando Haruhiro se perguntava o que ele faria… inacreditavelmente, Rock envolveu o torso de Enba com os braços. Então, ele se firmou e levantou Enba.
— Ooraaah…! — gritou Rock.
Ele o arremessou. Enba talvez não fosse tão massivo, mas ainda era bem mais alto que o pequeno Rock. E, pela espessura de seu corpo, deveria pesar mais que o dobro de Rock. Ainda assim, Rock conseguiu jogá-lo com facilidade. Que força bruta impressionante ele tinha.
Enba se preparou para a queda e logo se levantou novamente.
Quando Enba avançou para atacar Rock de novo, Setora gritou: — Pare! Enba, do jeito que está, ele vai acabar quebrando você. Me perdoe por não ter capacidade de fortalecê-lo mais.
— Não se preocupe, eu não ia quebrá-lo mesmo — disse Rock, lançando-lhe um sorriso, enquanto Gettsu subia em seu ombro. — Esse é um daqueles golems, né? Igual ao Zenmai do Pingo.
— …Pingo — respondeu Setora. — São conhecidos de Soma, é?
— Estamos no clã dele. Sabe o que é um clã?
— Não, mas posso imaginar. Enba, me pegue.
Assim que Setora disse isso, Enba correu até abaixo da janela. Setora fez um salto ágil para fora da janela, pousando no ombro esquerdo de Enba.
— Vou me dignar a ouvir o que têm a dizer. Mas primeiro, quero saber uma coisa. Isso tem a ver com Arara?
Setora e Arara, que eram amigas de infância, apresentavam idades bastante similares. Setora era a terceira filha de uma das seis casas, a Casa de Shuro, conhecida por sua tradição em necromancia. Por sua vez, Arara era a filha mais velha da Casa de Nigi, a mais prestigiada das quatro casas samurais.
Apesar disso, enquanto Arara era a herdeira de sua casa, Setora tinha duas irmãs mais velhas e não era. Além disso, apesar de ter nascido em uma casa que praticava necromancia, ela se dedicou às habilidades dos onmitsu. Como era evidente pelo que se via por ali, o foco eram os nyaas. Ela havia se apaixonado completamente pelos nyaas, que eram criados principalmente pelos espiões onmitsu da vila.
Embora ainda fizesse golems de carne como necromante, a maior parte de sua paixão era criar e reproduzir nyaas, o que fazia com que Setora fosse vista como um incômodo e uma vergonha para a respeitável Casa de Shuro.
Haruhiro poderia pensar algo como: Bem, qual é o problema?, mas eles provavelmente tinham suas próprias tradições, seu senso comum, seus padrões e uma série de outras coisas a considerar.
Uma era a herdeira da Casa de Nigi; a outra, uma vergonha para a Casa de Shuro. Isso fazia de Arara e Setora um par contrastante, em outros tempos. No entanto, isso não significava necessariamente que as duas se distanciaram.
— Que tola Arara foi, apaixonando-se por um fraco como Tatsuru — comentou Setora. — Ainda assim, sempre tive a sensação de que ela iria se desviar em algum momento. Se fosse o tipo de mulher que poderia ficar quieta e herdar a Casa de Nigi, ela jamais teria se interessado por mim.
— Eu também estava errado — disse Katsuharu, encolhendo os ombros. — Deveria ter continuado como um andarilho e não me envolvido com Arara. Talvez tenha sido uma má influência para ela.
— Pode dizer isso de novo, andarilho — disse Setora com desprezo. — Você é a raiz de todos os males.
— Isso foi bem cruel. Estou tentando refletir sobre minhas ações, sabia?
— Já é tarde demais. Se ela resolver enfrentar pessoalmente Forgan e isso acabar trazendo problemas para a vila, não vão se contentar em apenas trancá-la em uma caverna. É bem possível que cortem seu cabelo e a expulsem.
— Cortar o cabelo… — Os olhos de Rock se arregalaram. — Espera, quão curto estamos falando aqui?! Eles não vão raspar a cabeça dela, vão?!
— Eu diria assim, mais ou menos — respondeu Katsuharu, apontando para os ombros. — Quando as mulheres da vila completam seis anos, elas deixam o cabelo crescer. Isso significa que uma mulher de cabelo curto não é mais membro da vila.
— …Tipo um corte chanel, né? — Rock assentiu. — Isso cairia bem nela. Bem, qualquer coisa fica boa em Arara.
Deixando isso de lado, o que estavam fazendo, visitando Setora, a necromante que lidava com nyaas, em uma situação em que isso poderia acontecer com Arara? Haruhiro já havia praticamente entendido. Era exatamente o que ele tinha imaginado.
— Mas eu não esperava que envolvesse cortar o cabelo — comentou Rock. — Ser deserdada e expulsa era algo que já esperávamos. De qualquer forma, ainda queremos vingar Tatsuru. Preciso da sua ajuda para isso, Setora. Forgan tem um goblin mestre das bestas chamado Onsa, e ele está criando vários nyaas, sabe? Temos que combater nyaas com nyaas. Não posso pedir ajuda a mais ninguém para isso.
Era verdade, essas criaturas nyaa eram um problema. Ainda não estava claro o quão eficazes eram em combate, mas pareciam extremamente ágeis, podiam se esconder e se mover silenciosamente. Sem dúvida, tinham sido treinadas para alertar seu treinador caso detectassem inimigos. Isso significava que poderiam ser posicionadas em uma rede de vigilância. Se o oponente operava uma rede de segurança com nyaas, não restava outra opção a não ser tentar romper com força.
Isso significava que, mesmo que encontrassem onde Forgan estava, localizar a posição exata de Arnold ainda seria difícil. O mesmo valia para encontrar onde Mary estava sendo mantida presa. Obviamente, seria praticamente impossível resgatar Mary em silêncio.
— Quantos nyaas Forgan tem? — A expressão de Setora era totalmente indecifrável, e seu tom brusco mal mudou.
— Talvez uns dez, talvez vinte… — Rock levantou as duas mãos, inclinando a cabeça. — Não faço ideia.
— Tenho um total de cento e vinte e quatro nyaas. Desses, oitenta e dois são utilizáveis.
— Eu diria que o inimigo tem, no máximo, uns trinta — estimou Katsuharu, coçando o queixo. — Mas é só minha intuição, então pode não ser confiável.
— De fato, não posso confiar nisso — Setora bufou. — Ainda assim, duvido que tenham o dobro disso. Se for só isso, meus nyaas podem mantê-los sob controle.
— Você faria isso por nós?! — disse Rock, visivelmente animado.
— Eu recuso.
— Sério? Parecia que estava inclinada a aceitar até agora.
— Foi coisa da sua cabeça. Para começo de conversa, eu teria algum mérito em fazer isso? Posso fazer a mesma pergunta a vocês. Deixando o andarilho de lado, o que vocês, forasteiros, ganham ajudando Arara em sua vingança inútil?
— Eu me apaixonei por ela, tem isso — disse Rock.
— …Como é?
— Eu me apaixonei pela Arara. Se a mulher por quem eu me apaixonei está arriscando a vida para conseguir algo, eu tenho que estar disposto a correr um ou dois riscos por ela.
— Você acha que, fazendo tudo isso, a mulher em questão vai se apaixonar por você? Está perdendo seu tempo.
— Hein? Por que isso faria a Arara se apaixonar por mim? Mal se passou tempo desde que o Tatsuru morreu. Isso nunca aconteceria.
— Isso está ficando cada vez mais sem sentido — bufou Setora. — Então, por que está fazendo isso?
— Eu já disse, é porque me apaixonei por ela. Vou realizar o desejo da mulher que amo. O que acontece depois não importa.
— Entendo — retrucou Setora, impaciente. — Você é um completo idiota. Não, todos vocês devem ser idiotas.
— Eu agradeceria se não me colocasse no mesmo saco que ele — disse Moyugi, apontando para Rock. — Esse homem pode ser um tolo, mas de forma alguma eu sou um.
— Isso mesmo. — Rock se esticou um pouco e depois passou o braço em volta do ombro de Moyugi. — Eu posso ser um tolo, mas meus companheiros estão se divertindo acompanhando. Certo, Moyugi?
— …Você poderia me soltar? Odeio ser tocado por outros homens.
— De certo modo, podemos ser ainda piores que o Rock — sorriu Tsuga, de uma maneira tão tranquila que era até assustadora.
— De qualquer forma… — Setora suspirou um pouco. — Mesmo que vocês tenham um motivo, eu não tenho nenhum. Se Arara for expulsa da vila, poderá viver livremente. A vingança é inútil. Digam para aquela tola que ela deveria esquecer Tatsuru e—
— U-Um acordo! — Haruhiro exclamou de repente.
Ele não conseguiu evitar abrir a boca.
Haruhiro olhou para Rock, Moyugi, Tsuga e Katsuharu. Nenhum deles parecia disposto a interrompê-lo. Bem, parecia que estava preso. Teria que terminar o que começou a dizer.
— …Podemos fazer um acordo? — Haruhiro perguntou. — Podemos oferecer algo em troca da sua ajuda. Assim, haveria algo de valor para você.
— Acredita que pode me oferecer o que eu quero? — Setora perguntou, desafiadora.
— Isso… Não tenho certeza. Dependeria do que é…
— Se eu tivesse que escolher uma palavra para isso, seria material.
— Material… Para o quê?
— Golens — Setora começou, dando um leve tapinha na cabeça de Enba. — São feitos costurando partes de cadáveres. Quanto mais frescos, melhor, dizem. Mas, a verdade é que aparentemente nem precisam vir dos mortos. Nunca tentei isso eu mesma, mas ouvi dizer que há métodos para usar partes de seres vivos.
— …Então, basicamente, você está dizendo: “Me dê uma parte do seu corpo”? — Haruhiro perguntou.
— Um braço. — Setora avaliou o corpo de Haruhiro com olhos frios, como se estivesse examinando uma mercadoria. — Não. Como é só um experimento, posso te deixar ir só com um dos olhos. Sim, acho que um olho servirá muito bem. Será algo com que eu possa brincar.
— Só para você saber — Tsuga explicou calmamente —, se ela levar seu braço ou seu olho, magia de luz não poderá trazer de volta. Nem mesmo um xamã conseguiria isso.
— Isso é senso comum, não é? — Moyugi ajeitou os óculos pressionando a ponte com o dedo médio da mão direita, soltando um leve suspiro. — Parece que não temos escolha. Vamos desistir dos nyaas. Nosso objetivo opcional será mais difícil, mas o principal ainda é viável.
— É mesmo? — Rock franziu o rosto. — Que pena, hein.
O objetivo opcional. Seria aquilo o que ele imaginava? O objetivo de Haruhiro e sua party: resgatar a Mary.
Bem, Moyugi poderia estar certo. Se conseguissem confundir os nyaas, Haruhiro poderia usar seu Stealth para se infiltrar no território inimigo, resgatar Mary e fugir. Se iam mesmo fazer algo sobre a rede de segurança de nyaas do inimigo, definitivamente precisariam de Setora e seus nyaas.
Haruhiro puxou a faca com guarda-mão. Tentou levá-la até seu próprio olho, mas não tinha confiança de que conseguiria fazer isso direito. Setora estava sentada no ombro de Enba.
— Ah, desculpa. — Haruhiro se aproximou de Enba, oferecendo a adaga com o cabo virado para frente. — Você poderia usar isso para fazer? Se eu tentar fazer sozinho e errar, seria um desperdício. Vou me manter o mais imóvel possível. Se puder pegar o olho esquerdo, eu agradeceria. Porque sou destro. Se puder fazer bem rápido, fico grato.
Os olhos de Setora se estreitaram ligeiramente.
— Está dizendo que vai aceitar o acordo?
— Sim — disse Haruhiro. — Ah, certo. E, Tsuga-san, quando ela terminar, por favor, cure o ferimento.
— Posso fazer isso. — Tsuga ainda estava sorrindo. O cara claramente havia atingido a iluminação.
— …Você está bem com isso? — Katsuharu parecia um pouco atordoado.
— Não estou bem com isso, mas é só um olho, não os dois, então tudo bem, tanto faz — Haruhiro disse. — A vida de um companheiro está em jogo. Quero aumentar nossas chances, mesmo que seja só um pouco. Se eu não fizer tudo o que posso e acabar me arrependendo depois, eu não iria gostar, entende?
Rock e Moyugi se entreolharam. Devem estar pensando: esse cara é um idiota.
Ele era um idiota? Difícil dizer. De qualquer forma, ele havia dito tudo o que tinha para dizer. Havia algo que ele podia fazer para alcançar o objetivo deles. Então, ele ia fazer. Haruhiro não estava exatamente calmo agora. Não estava pensando muito sobre isso. Sentia que ficaria com medo se pensasse, então estava deliberadamente evitando.
— Guarde essa coisa. — Setora pulou agilmente do ombro de Enba, sacando a lâmina fina de sua cintura. — Estou mais acostumada com minha própria lâmina. Tem certeza absoluta disso?
— Vai em frente. — Haruhiro guardou sua faca na bainha e pigarreou. — …Então, devo me inclinar? Para ficar na altura certa. Ou devo me agachar?
— Sente-se.
— Certo. Okay então…
Haruhiro sentou-se com os joelhos à sua frente. Não estava muito tenso. Nem com medo. Mas isso durou só até Setora se abaixar e abrir seu olho esquerdo com a mão.
Ohhhhhh, merda. Sério? Ela vai fazer isso de verdade? Vai doer? Aposto que vai.
A lâmina se aproximou.
Vai logo. Acaba com isso de uma vez.
Haruhiro prendeu a respiração. Logo depois, ela inseriu a lâmina entre seu globo ocular e a órbita do olho. O que sentiu não foi tanto dor, mas uma sensação intensa de que havia algo estranho onde não deveria estar. A dor certamente viria em seguida. Ele estremeceu sem querer. Isso deve ter feito a lâmina cortar alguma coisa. Ouviu um som pequeno, como de algo perfurando, e então veio a dor.
Rápido, rápido, faz logo, faz logo, ele gritava internamente. Hein? Por quê?
Setora puxou sua lâmina de volta.
— …Pode esperar.
— Hã…? — Haruhiro piscou. Havia uma dor em seu olho esquerdo. As lágrimas começaram a escorrer.
— Você tem coisas a fazer, não tem? Posso pegar o material de você quando terminar. — Setora virou-lhe as costas. — Vou cuidar dos nyaas de Forgan. Fique tranquilo. Meus nyaas jamais perderiam.
— Ahh… — Haruhiro fechou bem o olho esquerdo, pressionando-o por cima da pálpebra. Droga, isso doía. — …Obrigado.
— Vou receber meu pagamento. Não há necessidade de agradecimentos. — Com isso, Setora entrou no prédio junto com Enba.
Tsuga deu um tapinha no ombro de Haruhiro.
— Quer que eu cure isso?
— Por favor…
— Ora, tudo aconteceu exatamente como eu esperava — Moyugi murmurou, triunfante, mas Haruhiro achou que aquilo absolutamente tinha que ser uma mentira.
— Bem, de qualquer forma, deu tudo certo, né? — Rock piscou para Haruhiro.
Talvez Haruhiro devesse piscar de volta, mas seu olho esquerdo ainda não tinha sido curado, então não tinha certeza se conseguiria, nem queria tentar.
Katsuharu levantou os óculos para o topo da cabeça, cruzando os braços.
— Agora só falta a Arara.