Capítulo 2 (Parte 2)

Sem Mordidas.

— O-Oh, é…?

— Entendi. Então é assim que me sinto quando um homem agradável está ao meu lado? — Setora pressionou o nariz e os lábios no pescoço de Haruhiro, respirando como se o estivesse cheirando, e soltou um suspiro quente.

Seus companheiros não estavam exatamente surpresos, mas atordoados. Até Haruhiro estava sem reação. Se ele não parasse Setora, o que ela faria? O que poderia acontecer?

De qualquer forma, aquilo não era meio insano? Ele deveria empurrá-la?

Enquanto ainda estava confuso, de repente, sentiu uma dor aguda do lado direito do pescoço.

— Ai! — ele gritou. — O quê?! V-Você me mordeu?! Agora mesmo, não foi?! Por quê?!

— Perdoe-me — Setora recuou suavemente. Seu rosto estava vermelho como um pimentão. — Não consigo te dizer o porquê, mas senti vontade de te morder. Acho que, quando as pessoas entram no cio, nunca se sabe o que vão fazer.

— É-É assim que funciona…?

— Pode haver diferenças individuais. Essa é a minha primeira vez, sabia? Eu tinha interesse no amor romântico e sexual, e é verdade que você me impressionou, mas nunca pensei que me apaixonaria por você.

— Apaixonar… — Mary murmurou para si mesma, enquanto Shihoru soltava outra tosse estranha.

— O Haruhiro é meio popular com as garotas, né? — comentou Kuzaku.

Ele estava falando coisas totalmente sem sentido. Por que Yume estava balançando a cabeça em concordância?

— Popular? — Setora lançou um olhar afiado para Kuzaku. — O que quer dizer? Está dizendo que Haruhiro tem outra mulher além de mim?

— Não, só que houve outra pessoa que disse gostar do Haruhiro. Ela era de outra party, no entanto…

— O que você disse?!

— Mimorin, né? — Yume cruzou os braços e inflou uma das bochechas. — Faz um tempo que não a vejo. O que será que anda fazendo? Espero que esteja bem.

Setora estalou a língua e rangeu os dentes.

— Houve alguém antes de mim? Bem, ele é o tipo de homem por quem eu me apaixonaria, então não estou surpresa, mas ainda assim é irritante.

Haruhiro, incapaz de permanecer calado, corrigiu o mal-entendido.

— Não, eu não estou saindo com a Mimorin, tá bom?

— Oh, entendi! — exclamou Setora com um sorriso radiante. — Que bom! Prefiro que seja a primeira vez para nós dois. Não quero deixar mais ninguém tocar em você, e não quero que ninguém além de você me toque. Se eu algum dia te encontrasse beijando outra mulher, nem despedaçá-la em pequenos pedaços seria o suficiente.

Em pedaços? Você está dizendo umas coisas bem extremas, sabia? Isso me assusta. E, espera aí, a conversa saiu tanto do trilho que já foi completamente descarrilada…

— E-Então, sobre o plano? — Haruhiro perguntou, nervoso.

— Ahh… — Setora estava prestes a dizer algo quando…

To, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to…

— De novo, não! — Kuzaku chutou o chão.

Shihoru olhava para Haruhiro com os olhos voltados para cima. Mesmo completamente exausta, seu olhar era de determinação.

— …Parece que não temos espaço para decidir.

Haruhiro assentiu. Ela estava certa. Ele e a party já estavam sendo encurralados. Não importava qual fosse o plano, eles teriam que colocá-lo em prática.

O sol iria se pôr em breve. Estava sombrio; ou melhor, já estava escuro. Os insetos cantavam. Mesmo que ocasionalmente ouvissem os guorellas batucando, os outros sons não paravam. Sons como papel sendo rasgado, metal arranhando vidro e lamentos.

Seus ouvidos doíam, e sua cabeça parecia prestes a explodir. Mais do que isso, seu corpo todo estava pesado.

Não, ele disse a si mesmo. Não pense em coisas difíceis ou desagradáveis. Só vai tornar tudo mais difícil. Está mais fresco agora do que durante o dia. Isso mesmo. Nem tudo é ruim.

Com Setora liderando o caminho do alto dos ombros de Enba, Haruhiro e a party avançaram cada vez mais para o leste, na porção sudoeste das Montanhas Kuaron. Embora estivessem nas montanhas, estavam próximos ao sopé, então a inclinação era suave, no geral.

Eu posso continuar, ele disse a si mesmo. Meu corpo se moverá. Está tudo bem.

Mais do que a si mesmo, ele queria encorajar seus companheiros, especialmente Shihoru. Mas, se ele olhasse para trás e tentasse falar, sentia que suas cordas poderiam se romper. Que cordas? Não tinha certeza, mas essas cordas eram finas como fios de cabelo, esticadas ao máximo, e, se afrouxassem ou se partissem, ele estaria em sérios apuros.

De novo? Quando chegariam ao destino? Ainda tinham que continuar andando?

E se os guorellas atacassem agora?

Essa era a única coisa que ele tentava evitar pensar. Se apenas alguns atacassem, talvez pudessem dar conta, mas, se fossem mais de dez e atacassem todos de uma vez, a party não duraria muito. Preocupar-se com coisas sobre as quais não podia fazer nada era inútil.

Além disso, eles ainda não tinham atacado. Talvez não atacassem enquanto a party continuasse andando. Podiam estar esperando o momento em que suas presas estivessem exaustas e incapazes de resistir.

Era uma disputa de resistência. O perseguidor ou o perseguido. A perseguição não terminaria até que um deles cedesse.

À frente, Enba parou. Setora, sobre seus ombros, ergueu a mão direita.

Não estava claro quando ele tinha aparecido, mas havia um nyaa cinza aos pés de Enba. Kiichi.

— Hoooooooooooooooooooooohhhhh!

O quê?

Aquilo era o som de um guorella?

Haruhiro nunca tinha ouvido aquele chamado antes.

— Heh!

— Huh!

— Hoh!

— Heh! Heh!

— Huh! Huh!

— Hoh! Hoh!

— Heeeeh! Hoh!

— Hoooooooh! Huh!

— Heh! Huh! Hoh! Hoh! Hoh!

— Hoh! Hoh! Huh! Huh! Hoh! Huh! Ho-hoh!

Os gritos, provavelmente dos guorellas, vinham de todos os lados.

Haruhiro se virou. Kuzaku, Yume, Shihoru, Mary. Todos estavam prontos para correr. Haruhiro também estava assustado.

Então, chegou a hora, huh.

— Hoh, hoh, hoh, hoh, hoh!

— Heh, heh, huh, hoh, huh, hoh, heh!

— Hah, hah, huh, heh, huh, hah, huh, hoh!

— Huh, huh, huh, huh, huh, huh, huh, huh, huh!

O céu ainda estava um pouco claro, mas o sol já tinha se posto no horizonte ocidental, e o crepúsculo avançava. Apesar de não conseguir distinguir suas figuras, as vozes indicavam que os guorellas estavam se aproximando de todas as direções.

Não, não era isso. Não vinham de todas as direções.

Setora desceu dos ombros de Enba. Agachando-se, estendeu a mão para Kiichi. Kiichi soltou um curto “Nya” e correu até Setora. Ela o pegou e o abraçou apertado. Em seguida, olhou para Haruhiro e os outros.

— Estão todos prontos?

Kuzaku respirou fundo antes de responder: — …Tá!

— Miau! — Yume fez um gesto semelhante a uma saudação.

Shihoru acenou silenciosamente com a cabeça.

Mary respondeu com um breve “Sim”, olhou para Haruhiro e sorriu um pouco.

— Houh!

— Huh!

— Hauh!

— Huh! Hoh-hoh!

— Heh, huh, huh, hoh, huh, huh!

— Hauh, hah, hah, hah, hah, hah, hah!

Perto.

Eles estavam bem perto agora.

Haruhiro e os outros se moveram até onde Setora e Enba estavam. Ao olhar por cima da borda, um calafrio percorreu sua espinha.

É bem alto…

Achando melhor não dizer isso em voz alta, Haruhiro manteve os pensamentos para si.

Era um beco sem saída. Se dessem mais um passo, não haveria nada ali. Além deles, havia um penhasco tão íngreme que seria impossível rolar até o fundo. Não era só dez metros de altura. Eram mais de vinte. Dezenas de metros. Menos de cinquenta, no entanto. Provavelmente.

Felizmente, o que havia no fundo não era terra, mas um rio. Se não fosse por isso, o plano não funcionaria. Obviamente.

Imagine se fosse terra sólida lá embaixo. Se caíssem, a morte seria instantânea. Não tinham, por falta de opções melhores, decidido cometer suicídio em massa ao invés de serem devorados pelas guorellas. Mesmo sendo uma medida desesperada, ainda havia alguma esperança. A party pretendia sobreviver.

— Hoh, hoh, hoh, hoh, hoh, hoh!

— Heuh! Hoh, hoh, hoh, hoh, hoh, hoh!

— Lembrem-se, pés primeiro — Haruhiro disse aos outros. — Caiam com os pés primeiro. Apenas foquem em–

Antes de terminar, ele saltou. De repente, sentiu a determinação de fazer aquilo e agiu por impulso.

Será que ele tinha cometido um erro? Estragado tudo? Feito uma bagunça?

Mas, em vez de ficarem se empurrando, dizendo “Você vai primeiro,” “Não, você vai,” se alguém desse o primeiro salto, talvez fosse surpreendentemente mais fácil para o resto seguir.

— Whoaaaaaaaaaaaaaaa?!

Não pode ser, não pode ser, não pode ser, não pode ser, não pode ser, pensou freneticamente. Alto, alto, alto, alto, alto. Isso é muito mais alto do que eu pensei. Merda, merda, estou com medo. Minhas entranhas. Elas vão sair. Pela minha boca. Meu cérebro está gritando, “Guwahhhhhhhhhh!”

É isso que eu acho que é?

Uma passagem só de ida para a morte?

E é meio longa, também. Não estou caindo centenas de metros, então achei que acabaria rápido, que estaria tudo bem, sabe?

Me pergunto, por que não é assim? E os outros? Eles me seguiram? Conseguiram pular? Como foi isso?

Ah, droga. Eu tava pensando que estava demorando, mas agora vejo o rio. Não é longo, nem está longe. Rio, rio, rio. Perto, perto, perto, perto, perto, perto, perto, perto, perto, perto.

— Pés primeiro! — ele gritou.

Por que estou gritando algo que já disse? Haruhiro estava exasperado consigo mesmo.

Então, houve um splash incrivelmente alto, e o impacto, é claro, foi insano.

Fim do capítulo…

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