Capítulo 4 (Parte 2)

Saudações

 

Isso não podia estar certo.

O homem desenhou algo no ar com o dedo indicador direito e disse: — Marc em Parc.

Isso é…

Haruhiro não via isso há muito tempo, mas se lembrava. Aquele feitiço. Aqueles símbolos elementais.

Uma esfera de luz apareceu diante do rosto do homem.

Sem dúvida alguma, era o Magic Missile. O primeiro feitiço que magos aprendiam. O mais básico dos básicos.

Mas aquilo…

Era grande.

Do tamanho de sua cabeça—não, provavelmente maior.

Com uma exclamação silenciosa, Shihoru balançou seu cajado.

Parecia que Dark tentava desviar da esfera de luz e atacar o homem. Ele não voava em linha reta. Shihoru podia controlar Dark até certo ponto, e estava tentando fazê-lo. Mas Dark foi capturado.

A esfera de luz movia-se lentamente e prendeu Dark.

No momento em que Dark fez contato, formou-se um redemoinho.

Haruhiro, que estava a cerca de dez metros de distância, ficou bem, obviamente, mas o manto do homem esvoaçou violentamente, e seu capuz foi arrancado para trás.

— Você… — Haruhiro ficou sem palavras, arregalando os olhos.

A luz brilhou intensamente por um instante, depois se contraiu como se fosse neutralizada por Dark, e por fim desapareceu.

A escuridão e a esfera de luz desapareceram ao mesmo tempo.

Com apenas um Magic Missile, ele havia apagado Dark, o elemental de Shihoru.

Era um mago? Se fosse, talvez não fosse surpreendente—talvez. Afinal…

— Uwahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!

Do alto e pela lateral das Rochas Sinistras, Kuzaku descia correndo em direção a eles, empunhando seu escudo e sua grande katana. O grito estupidamente alto era intencional. Ele estava tentando chamar atenção.

O homem virou-se para olhar Kuzaku. E foi exatamente nesse momento.

Yume saltou dos arbustos. Ela estava perto. Não mais do que cinco metros dele. Pensar que ela estava escondida ali o tempo todo. Haruhiro sequer havia notado. Isso feriu seu orgulho como ladrão.

Boa, pensou ele.

Yume avançou silenciosamente contra o homem.

O homem não estava olhando em sua direção. Seus olhos estavam fixos em Kuzaku.

Haruhiro achou estranho. Quando o manto do homem havia sido aberto antes, ele tinha visto. O homem carregava uma espada ou algo assim presa à cintura. Mesmo assim, ele não a sacava. Talvez, por ser um mago, aquela arma fosse apenas decorativa.

Aparentemente, não.

Yume desferiu um golpe. Pouco antes disso, o homem puxou sua espada.

— Chuwah! — Yume desferiu um golpe diagonal, mas ele bloqueou com a espada.

Com facilidade, sem sequer olhar.

Sem perder tempo, ele chutou Yume no estômago, empurrando-a para longe.

— Gwah…?

— Sowahhhhhhhhhhhhhhhh! — Kuzaku avançou contra o homem.

Com o impulso que tinha, protegido por seu elmo, armadura e escudo, Kuzaku era imparável. Claramente, sua intenção era colidir com o homem, lançá-lo longe ou derrubá-lo, e depois perfurá-lo com sua grande katana. Era uma estratégia rudimentar, sem sofisticação, mas quando Kuzaku, com sua estatura avantajada, usava sua força dessa forma, ele era realmente poderoso. Mesmo que o homem tentasse desviar, Kuzaku usaria seus longos braços para balançar sua grande katana ou escudo. Sua intensidade era incrível, e, embora parecesse possível escapar, geralmente não era.

— Nnngahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! — O escudo de Kuzaku acertou o homem. Eles definitivamente colidiram.

O homem foi arremessado? Algo estava estranho. Ele foi lançado para trás, ou melhor, para trás na diagonal e para cima. Além disso, parecia que ele deu um giro no ar.

— O quê…?! — Kuzaku tropeçou, cambaleando alguns passos para frente, incapaz de parar, e olhou para cima.

O homem já havia aterrissado atrás dele. Kuzaku acabou passando por baixo dele.

O sujeito acertou um chute nas costas de Kuzaku. Kuzaku soltou um “Uou” e perdeu o equilíbrio.

Se Enba não tivesse saltado das Rochas Sinistras e avançado contra o homem, Kuzaku poderia ter sofrido outro ataque.

Os braços de Enba, parecidos com clavas, balançaram violentamente em direção ao homem. Mas erraram.

O homem recuou. Para a direita, para a esquerda, ele dava passos pequenos e rápidos, usando as árvores como cobertura para escapar dos golpes de Enba.

Qual era a desse sujeito? A party estava lutando a sério e tinha uma vantagem numérica, mas ele parecia estar brincando com eles. Seria a diferença de força tão grande assim?

Não, Haruhiro e os outros ainda não tinham aproveitado plenamente a vantagem numérica. Shihoru e Mary estavam ainda nas Rochas Sinistras. Setora também. Haruhiro, Yume, Kuzaku e Enba estavam lá embaixo. Ele não queria que Shihoru e as outras entrassem em combate corpo a corpo, então, assumindo que isso não fosse possível, eram quatro contra um. Apesar disso, no momento, eles só tinham conseguido confrontos um contra um com o homem. Isso era, bom, porque ele era habilidoso, mas se eles o cercassem, isso tinha que funcionar. Mesmo que quatro contra um ou três contra um fosse difícil, se ao menos conseguissem dois contra um…

— …Sou eu — Haruhiro murmurou.

Era exatamente para isso que os ladrões existiam, não? Yume e Kuzaku já estavam perseguindo o sujeito. Mas isso não era bom. Ele lidava com os ataques de Enba enquanto se movia para lugares onde Yume e Kuzaku não podiam alcançá-lo.

O homem tinha cabelos loiros, nem longos nem curtos, como se os cortasse apenas quando começavam a atrapalhar. Talvez só se barbeasse ocasionalmente também. Pele clara. Olhos azuis. Era muito mais velho que Haruhiro e os outros. Era alto, mas não tanto quanto Kuzaku.

Não importava como olhassem, ele era humano.

Se ele podia usar magia, isso significava que ele era um ex-soldado voluntário?

Havia humanos na Forgan, o grupo liderado por Jumbo, o orc, então talvez não fosse algo tão surpreendente. Ou melhor, agora não era hora de se surpreender ou desconfiar. Não importava quem fosse aquele homem, qual era sua situação ou como tinha acabado ali, nada disso importava.

Haruhiro olhou para as Rochas Sinistras. Seus olhos encontraram os de Shihoru, Mary e Setora. Shihoru assentiu, então invocou o Dark.

Shihoru, ao menos, sabia o que Haruhiro queria fazer. Mary cuidaria de Shihoru se algo acontecesse. Setora também saberia lidar bem consigo mesma.

Haruhiro respirou fundo.

Relaxando todas as articulações do corpo, ele deixou sua mente afundar em um lugar profundo. Ele se apagou.

Stealth.

Seus pensamentos e sentimentos se tornaram distantes e diluídos.

Mesmo assim, Haruhiro ainda estava aqui. Aqui?

Onde era “aqui”?

Não importava.

Onde quer que fosse.

Se ele se tornasse um fantasma, poderia ser assim que se sentiria. Deixando de lado a questão de existirem ou não fantasmas.

Ele não tentava evitar fazer barulho enquanto andava; era mais como se, ao andar, ele simplesmente não fizesse barulho por algum motivo. Ele estava no mundo, mas parecia existir um pouco à parte dele.

Ele estava respirando?

Sim.

Bem devagar.

Seu coração batia.

De forma incrivelmente lenta.

Kuzaku estava completamente incapaz de acompanhar o homem. O sujeito parecia se mover com facilidade e era bem rápido. Enba conseguia acompanhar porque era um golem e nunca se cansava, mas até Yume estava com dificuldades, e só conseguia perseguir o homem. Do jeito que as coisas estavam, conseguir flanqueá-lo e pegá-lo em um ataque de pinça com Enba seria extremamente difícil.

Havia um nyaa cinzento em uma árvore à frente, à esquerda do homem. Kiichi parecia não ter detectado Haruhiro.

Haruhiro se escondeu entre as árvores enquanto avançava. Era como se seus nervos se estendessem para fora de seu corpo, cobrindo a área ao seu redor.

O chão.

A grama.

A casca das árvores.

O vento.

Ele conseguia sentir tudo.

Essa pode ser a primeira vez que ele se envolve tão profundamente assim.

Quando tentava um Backstab, às vezes ele via uma linha de luz vaga. Será que isso é equivalente ao Stealth?

Estou realmente imerso nisso.

Eu meio que consigo perceber as coisas. Não é como aquela linha. É mais como: eu deveria fazer isso. Ou melhor, eu preciso fazer isso, talvez?

É como se eu tivesse escolha, mas na verdade não tivesse. Em qualquer momento, só existe uma única opção. Não sou eu quem decide, nem estou sendo forçado. Em uma palavra, é destino? Eu não decido. Já está decidido.

Fazia muito tempo que já estava decidido que Haruhiro iria se posicionar atrás daquele cara. Enquanto ele pulava para trás para evitar os golpes de Enba, sua atenção estava focada à sua frente, à esquerda, em Shihoru.

Shihoru estava descendo das Rochas Sinistras com Mary e Setora. Ela tentava soltar Dark.

— Vai! — ela gritou.

Dark disparou.

O homem não recuou; deu meia-volta e saiu correndo. Ele era rápido. Enquanto aumentava a distância entre ele e Enba, trocou a espada para a mão esquerda, provavelmente planejando desenhar sigilos elementais com a direita.

Yume e Kuzaku não conseguiam alcançá-lo. Enba, tampouco.

Haruhiro não precisava se mover, porque já estava em movimento.

O homem conjurou uma magia: — Marc em Parc.

Uma esfera de luz. Outro Magic Missile.

O homem atraiu Dark o máximo que pôde e o atingiu com outra esfera de luz.

Houve outro redemoinho. Haruhiro se moveu ao mesmo tempo.

Ele cravou o estilete nas costas do homem. Já havia confirmado que ele não usava armadura pesada, graças ao manto que se abriu.

A lâmina do estilete era resistente, mas fina, capaz de deslizar entre as costelas. Contudo, se Haruhiro acertasse mais perto dos quadris, em um ângulo levemente ascendente, onde não atingiria as costelas, ele acertaria os órgãos internos, o que era mais simples. Ele poderia mirar nos rins de cada lado. Ou no fígado.

Qualquer órgão que Haruhiro atingisse causaria hemorragia interna massiva, eventualmente resultando em uma ferida fatal. Mas os rins doeriam muito. Por mais resistente que fosse, a dor seria insuportável, e o homem gritaria. Se não fosse curado com magia de luz, ele não sobreviveria. E teria que ser rápido. Isso valia para humanos, orcs e, provavelmente, até elfos ou anões.

— Nngh…

O homem, no entanto, não gritou. Apenas gemeu, estremeceu e virou-se para olhar para trás. Haruhiro refletia-se em seus olhos azuis. Ele levantou a sobrancelha esquerda e soltou um leve suspiro pelos lábios. Estava surpreso, mas impressionado. Era isso que sua expressão dizia.

— Nada mal — disse o homem. Então, sem querer admitir a derrota, sorriu. — Mas sinto muito.

— …Hã?

Haruhiro havia cometido um erro. Um erro doloroso. Ele tinha sido ingênuo. Por que achou que isso derrubaria o cara? Quão tolo ele poderia ser?

Era falta de experiência. Ele tinha ficado cheio de si, achando que havia adquirido alguma experiência. Por que achou que esse homem era um humano comum? Mesmo que parecesse, ele poderia não ser. Não seria nada estranho se existisse um monstro que se parecesse com um humano.

Muitos pensamentos e sentimentos passaram pela cabeça de Haruhiro, confundindo-o. Já era tarde demais. O homem envolveu o braço em volta do pescoço de Haruhiro, puxando-o para perto e girando os quadris.

Isso parece uma técnica de judô, pensou Haruhiro. Judô…?

Ele foi arremessado e girou no ar. Quando percebeu, o homem estava montado sobre ele, olhando para baixo.

— Não sou muito fã de socar as pessoas. É bárbaro, sabe?

O que ele dizia e o que fazia não combinavam. O homem pressionava a palma da mão com força contra o queixo de Haruhiro.

Oh, mas—

Isso não é exatamente um soco, huh? Era um golpe estranho que fazia seu cérebro e sua visão tremerem, drenando toda a força de seu corpo.

Então, enquanto desenhava sigilos elementais com a mão direita: — Marc em Parc — o homem entoou.

…Ei. O que você está fazendo? Pare com isso.

Magic Missile.

A esfera de luz desceu.

Não vou sair dessa sem me machucar. De jeito nenhum.

Talvez porque sua mente estivesse enevoada, parecia que aquilo estava acontecendo com outra pessoa, mas a esfera de luz se aproximava dos olhos de Haruhiro.

Era tão brilhante.

Haruhiro ouviu o som de ossos se partindo. Provavelmente era seu nariz. Ou talvez sua bochecha. Bem, era alguma parte de seu rosto.

Não estava escuro, mas ele não conseguia ver nada.

Blugh… Um sopro escapou de sua boca. Seu nariz parecia entupido. Sua garganta estava apertada e sua boca não se mexia. Estava atordoado—talvez?

Ele realmente não sabia.

Seus companheiros estavam chamando pelo nome de Haruhiro.

— Não se mexam — disse o homem.

Haruhiro não conseguiria se mover, mesmo se quisesse.

Desculpem, pessoal. Sinto muito mesmo.

— Se se moverem, esse garoto morre — o homem continuou. — Eu também não quero matá-lo, então todos vocês, fiquem onde estão. Entendido? Certo. Muito bem. Agora, larguem suas armas. Ah, você aí—você é da aldeia oculta, não é? Tentar se esconder não vai adiantar. E vejo que você tem um nyaa te seguindo. O nyaa cinza. É melhor não fazer com que ele tente nada engraçado. Se é só esse, ele deve significar muito para você. Certo. Assim está bom…

— E agora, o que fazer? Somos seis, incluindo o golem, um nyaa, e então esse garoto. Vou carregá-lo, mas o resto de vocês vai andar com suas próprias pernas. Eu poderia matá-los aqui, mas, como eu disse, não quero. Não sou fã de tirar vidas desnecessariamente. Entendem isso? É o budismo. Talvez não. Bem, se for necessário, não vou hesitar, mas é raro humanos aparecerem por aqui. Quero entender melhor quem vocês são antes de decidir qualquer coisa.

Posso matar vocês a qualquer momento, afinal, Haruhiro ouviu o homem dizer ao longe.

Era o fim?

Ele queria resistir. Queria estar ali.

Precisava fazer alguma coisa.

Apesar disso…

…sua consciência estava se esvaindo.

— Bem-vindos à Jessie Land (Terra de Jessie) — disse o homem.

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