Capítulo 6 – Prioridades na Vida. (Parte 1)

O kanji favorito de Haruhiro era o de “terra”. Ele não gostava absolutamente de tudo a respeito dele, mas apreciava a maioria das palavras e expressões em que aparecia. “Ter os pés firmemente no chão”, por exemplo.

 

(NT: O kanji é um sistema de escrita originário da China. Diferentemente do alfabeto romano, cada kanji representa uma ideia.)

 

Ele era mais uma pessoa da “terra” do que uma pessoa do “céu”. Preferia ser um inseto rastejando no chão do que um pássaro voando pelos céus. Não que gostasse particularmente de insetos—na verdade, ele os odiava, mas por mais que as pessoas dissessem “Você é nojento” ou “Você é irritante” ou “Não apareça” ou “Espero que você se extinga” e os insultassem, os insetos continuavam sobrevivendo teimosamente. Ele respeitava isso neles. Era por isso que se podia dizer que esse trabalho se encaixava perfeitamente para Haruhiro.

Sob o céu multicolorido do Reino do Crepúsculo, Haruhiro segurava uma pá com firmeza. Isso é óbvio, mas uma pá é uma ferramenta para cavar buracos e tirar terra. Ele havia conseguido uma no Posto Avançado do Campo Solitário.

Haruhiro achava que combinava perfeitamente com ele. Era um homem que ficava bem com uma pá. Isso era legal. Não, talvez não fosse. Ele não precisava ser legal.

— Delm, hel, en… — Mimorin entoava enquanto usava seu cajado para desenhar sigilos elementais. — Balk, zel, arve.

Quando ela o fazia, o chão era explodido, espalhando terra e areia por toda parte, deixando um buraco com cerca de 1,5 metros de diâmetro.

Esse era o feitiço Blast da Magia Arve. Talvez por ter acabado de aprender, não era tão poderoso quanto haviam esperado. Isso tinha a ver com a habilidade básica da maga, assim como com seu domínio, que variava entre as diferentes escolas de magia.

— Mimorin, mais uma vez, vai! Yeah! — gritou Anna-san, incentivando-a.

Com o incentivo de Anna-san, Mimorin soltou um grunhido estranho de “Mnnngh” e começou a lançar sua magia novamente.

— Delm, hel, en, balk, zel, arve.

Dungh.

— Delm, hel, en, balk, zel, arve.

Zongh.

— Delm, hel, em, balk, zel, arve.

Bokongh.

— Delm, hel, en, balk, zel, arve.

Bugoom.

— Delm, hel, en… — no meio do encantamento, Mimorin se inclinou e apoiou o peso no cajado que enfiou no chão. — …Cansada.

— Você trabalhou duro! — Tokimune piscou e sorriu para ela antes de levantar uma pá. — Certo, vamos cavar!

Os cinco buracos que Mimorin havia aberto no chão com Blast estavam espaçados dez metros um do outro em todas as direções. Haruhiro, sua party e todos os Tokkis, exceto Mimorin e Anna-san, um total de dez pessoas, pegaram uma pá e começaram a expandir os buracos. Eles alargaram e conectaram os cinco buracos, criando um buraco muito maior.

O que eles estavam fazendo, você pergunta? Não entendeu ainda?

— Zwooooooooooreeeeeeeeee! — Ranta gritou.

— …Ranta — disse Haruhiro. — Você está fazendo muito barulho. Não pode simplesmente calar a boca e trabalhar?

— Não dá! Se eu ficar quieto, meu espírito vai se despedaçar de tédio!

— Deixa despedaçar… — Kuzaku murmurou enquanto balançava sua pá.

— O que você disse?! Kuzacky, por que vocêeeee?! — Ranta berrou.

— Você realmente é barulhento — Mary disse friamente, afastando o cabelo para trás da orelha.

— Ah, eu estou sendo baaarulhento. Descuuuulpa, tá? Tudo beeeem. Eu tô acostumado a ser criticado assim. Tanto faz o que vocês digam sobre mim. Hyuk, hyuk, hyuk, hyuk.

— Você é o pior — Shihoru cuspiu.

— Yahoo! Eu sou o pior! Sou o pior tipo de humano! Bugabugaboo!

— Ranta idiota! Que tal parar de falar e começar a mexer as mãos, hein? — Yume retrucou.

— Eu tô mexendo as mãos. Olha elas indo! Olha, olha, olha!

Na verdade, quanto mais Ranta falava, mais rápido sua pá se movia. Era bem… não, era muito estranho. Ranta era prejudicial, e suas ações eram insuportáveis.

Devo repreendê-lo? Haruhiro pensou nisso por cerca de três segundos. Não. Deixa pra lá.

Esse era o (inútil) (irritante) Ranta (o pedaço de lixo). Ele iria argumentar de qualquer jeito, não importava o que Haruhiro dissesse. Teria o efeito oposto. Seguindo o princípio mais importante ao lidar com Ranta, ele o ignorou.

Já tenho problemas suficientes só com a escavação, Haruhiro pensou consigo mesmo.

Era um trabalho pesado, mas pouco a pouco o buraco ia se expandindo. Ele até estava gostando, conforme ia cavando. Pessoalmente, ele não se importava com esse tipo de trabalho.

Mas por que estamos fazendo isso, afinal?

— Sabe de uma coisa… — Tada jogou sua pá no chão e pegou seu martelo de guerra, que havia deixado por perto. — Ficar só escavando vai demorar uma eternidade. Vamos acelerar as coisas.

— Caramba, cara! — Kikkawa exclamou. — Tadacchi, você vai mesmo fazer isso?!

O que foi, Kikkawa? Tá tentando bajulá-lo? Haruhiro pensou. Bem, ele sempre pareceu ser desse tipo mesmo.

— Heh… — Inui se sentou. — Estou entediado.

— Não diz que tá entediado, tá?! — Anna-san deu um tapa na cabeça de Inui.

Não que faça muita diferença, mas Anna-san realmente não participa quando há trabalho braçal envolvido, né? Haruhiro notou.

— Lá vai! — Tada tomou distância, deu um mortal e gritou: — Somersault Bomb…!

Boom… O martelo de guerra de Tada explodiu e deixou uma enorme cratera no chão.

— Parece que vai precisar de mais do que isso, hein — Tokimune disse provocativamente.

— Tch… — Tada estalou a língua e se preparou para mais uma Somersault Bomb. — Vou fazer quantas forem necessárias! Somersault Bomb!

Faça o que quiser, pensou Haruhiro. Mas pra que estamos fazendo isso…?

Por quê?

Ele sabia, claro. Não estaria cavando se não soubesse o motivo. Cavoucar combinava com a personalidade de Haruhiro, mas ele não gostava tanto a ponto de transformar isso em um hobby.

 

Logo depois das seis da tarde, no dia seguinte ao encontro com Akira-san, Gogh, Kayo, Miho, Branken e Taro, Haruhiro e os outros se encontraram com Soma no Posto Avançado do Campo Solitário.

Foi um pouco agitado. Soma era uma espécie de estrela, afinal, e não apenas entre os soldados voluntários. Quando os mercadores das ruas dos fundos e até os soldados do exército da fronteira viram Soma, começaram a cochichar: Ei, aquele é o Soma, cara, Soma. É ele mesmo. Não é o Soma? É o Soma! Uau, o Soma de verdade… Foi mais ou menos assim que as coisas aconteceram.

Então, ainda tinha a party de Akira-san, o que tornou tudo uma verdadeira bagunça. Foi como um pequeno—não, isso é mentira—um enorme festival se formando ali na hora.

Decidiram que iam sair para comer e beber nas ruas dos fundos, mas Haruhiro e sua party estavam tão tensos que não conseguiam dizer muita coisa. Mesmo com todo o barulho dos curiosos, até Ranta estava tão quieto quanto podia.

Enquanto isso, as equipes de Soma e Akira-san eram, com algumas exceções, amigáveis e acolhedores, então todos eventualmente se acostumaram. Onde vocês estiveram? O que têm feito? Eles chegaram ao ponto em que poderiam fazer essas perguntas.

Até que os Tokkis entraram em cena, é claro.

— Ei, Soma — Tokimune disse despreocupadamente.

— Yo — Tada foi mais direto.

— Heh… — Inui, sem sentido algum, completou.

— Aqui está a Anna-san, yeah?! — Anna-san estava sendo a de sempre.

— Oi — Mimorin acenou com uma mão.

— H-Heyaa, heyya, heeeeya! — Kikkawa foi o único cuja voz deu uma falhada.

Quando os Tokkis chegaram fazendo barulho, Akira-san pareceu se divertir. Ele disse:

— Ah, é, agora que me lembro… — e trouxe à tona um assunto. — Ouvi dizer que tem algo interessante acontecendo no Reino do Crepúsculo que o Haruhiro-kun, Tokimune-kun e a equipe deles encontraram um tempo atrás.

Soma mastigou sua carne por um tempo e depois engoliu.

— Algo interessante? — respondeu. — Gostaria de saber o que é.

— Que tal? — Akira-san perguntou. — Por que não vamos todos dar uma olhada?

— Vamos.

— Isso foi rápido… — Haruhiro murmurou sem querer.

— Hm? — Os olhos de Soma se arregalaram surpresos e ele olhou para Haruhiro. — O que foi rápido?

— Nada — disse Haruhiro, sem jeito. — Ah, quero dizer, o quão rápido você decidiu, como foi instantâneo…

— Isso é um verdadeiro problema — Lilia disse com um olhar exasperado em seu rosto, que ainda assim era belo demais. — Eu sei que sempre digo isso, mas por favor, considere sua posição atual e aja com prudência, Soma. Você é impulsivo demais às vezes.

— Ooh, ela está brava — Shima soltou uma risadinha sexy.

— Pois é — Kemuri coçou a bochecha. Da última vez que se encontraram, ele estava barbeado, mas agora sua barba havia crescido consideravelmente. Combinava bem com seus dreads. — Ainda assim, às vezes isso joga a nosso favor.

— É porque ele é um idiota — Pingo disse, estreitando os olhos de um jeito que não combinava com seu rosto infantil. — Uheheh… Pensamento pobre parece descanso, então os pensamentos de um idiota parecem estar em repouso… No fim, ele é um idiota, então é inútil ele pensar. Não existe remédio pra curar estupidez…

— Queria que houvesse uma cura — Soma disse, abaixando a cabeça como se estivesse pensando, então a ergueu rapidamente, como se tivesse percebido algo de repente. — Eu sou um idiota?

— Você achava que não era? — Pingo perguntou. — Uheheheh…

— Pingo — Lilia olhou para ele de lado. — Você está indo longe demais. Nós, elfos, temos um ditado: seja cortês mesmo entre amigos íntimos, e…

— Bem, eu não vejo problema, Lilia — Soma disse apaziguadoramente.

As bochechas de Lilia queimaram de raiva.

— Pra quem você acha que estou dizendo isso?!

— Pra quem?

— Hã…? I-Isso, é… B-Basicamente..

A maneira como Lilia ficou se contorcendo foi incrivelmente fofa. Era um alívio para os olhos, mas não acalmava o coração de Haruhiro. Isso porque o esquema de Tokimune havia funcionado. Apenas funcionado? Não, havia sido um sucesso inacreditavelmente grande. Soma, Akira-san e os Day Breakers estavam todos prontos para invadir o Reino do Crepúsculo, ao que parecia.

Os rumores correram pelo Posto Avançado do Campo Solitário, se espalhando em uma velocidade incrível.

Eu também! Eu também! As pessoas corriam para se juntar.

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