Capítulo 8 (Parte 1)

O Passado Nos Persegue?

Shihoru não sabia como chamar a pessoa do outro lado das grades.

Pelo visto, mesmo em Jessie Land, que não era um lugar grande, precisavam de uma prisão. Esta construção aparentemente tinha sido construída para cumprir essa função.

Não havia janelas, e apenas a luz do sol poente, que entrava pela porta aberta, iluminava fracamente o interior.

Grades de madeira separavam o corredor de chão de terra de três salas. Duas à direita do corredor e uma à esquerda.

Na primeira sala à direita estava Enba, com o braço único amarrado ao corpo e as pernas acorrentadas. Na sala ao fundo estava Shuro Setora, também amarrada de mãos e pés. Além disso, Kiichi, o nyaa cinza, tinha sido colocado na sala à esquerda.

Kiichi estava encolhido em um canto da sala, dormindo. Enba estava de pé no centro de sua sala. Setora estava sentada com as costas contra a parede, olhando fixamente para a parede oposta. Ela nem sequer olhou para Shihoru, que estava do outro lado das grades.

— Hum… — Shihoru olhou, não para Setora, mas para Jessie, que estava ao seu lado. — Por que só eles têm que ser confinados assim?

— Por precaução, é claro. — Jessie acariciou o queixo barbado. — Sendo uma mulher da família Shuro, eu entendo ela ser uma necromante e andar com um golem de carne. No entanto, também ser uma domadora de nyaas… Isso é suspeito, ou perigoso, por assim dizer. Apesar da aparência, os nyaas são criaturas assustadoras. Se você treiná-los, eles podem realizar assassinatos ou qualquer outra coisa que você desejar.

Setora bufou.

Jessie sorriu de leve e colocou os dedos nas grades de madeira.

— O que é tão engraçado?

— Apesar de todo o seu discurso, parece que você não entende nada sobre nós, ou sobre nossos nyaas.

— Não, remanescente de Kuzen — ele disse. — Sei tudo sobre o seu povo. Talvez mais do que vocês mesmos.

Setora virou o rosto em sua direção. Não demonstrou na expressão, mas Shihoru percebeu que ela estava surpresa.

— …Você. Não é apenas um desertor dos soldados voluntários.

— Apenas aprendi um pouco de história, só isso — disse Jessie. — Seu povo usava nyaas para tudo. Até criavam nyaas que só comiam carne de orc. Nyaas são criaturas inteligentes, mas não têm consciência ou moralidade. Dependendo de como são criados, eles farão até as coisas mais abomináveis sem hesitar. São parecidos com golems nesse sentido. Seu povo se especializa em fugir, se esconder e criar ferramentas para assassinar pessoas. E depois as usam.

— Nosso país foi destruído, e fomos expulsos de nossa terra — retrucou Setora. — Tivemos que superar tempos difíceis.

— Eu entendo isso. Simpatizo, até. Da minha parte, pelo menos. Ainda assim, não consigo confiar no seu povo, sabe? Além disso, vocês não confiam em ninguém além de vocês mesmos, certo? É por isso que se esconderam no Vale dos Mil.

— Quando nossa pátria foi atacada, ninguém se ofereceu para nos ajudar. — Setora rebateu. — Como poderíamos confiar em forasteiros tão facilmente?

— Em outras palavras, vocês mesmos escolheram o caminho do isolamento. Como posso confiar em pessoas que não fazem nenhum esforço para se dar bem com os outros? Mesmo entre vocês, cortam relações rapidamente com qualquer um que viole suas leis.

— Eu abandonei a aldeia oculta.

— Considerando que você é uma excêntrica nascida na casa dos Shuro, mas decidiu criar nyaas, não era de se esperar que já fosse excluída?

— Hum…! — Shihoru não conseguiu se segurar mais e forçou-se a falar.

Os olhos azuis de Jessie se voltaram para ela. Havia algo estranho nos olhos daquele homem. Algo errado. Talvez não fosse apenas os olhos. Provavelmente era o rosto inteiro.

O rosto de Jessie… Se ela retirasse a pele e os músculos por baixo, tinha a sensação de que encontraria um rosto completamente diferente. O rosto dele não parecia falso, mas também não parecia real.

— Setora-san cuida muito bem de seus nyaas — disse Shihoru hesitante. — Ela não faria as coisas que você está dizendo… É o que eu acho. Certo, não ficamos juntas o tempo todo… Talvez eu nem possa chamá-la de companheira. Talvez Setora-san… nem me veja dessa forma. Mas, mesmo assim… ela nos salvou várias vezes… Não sei muito sobre a aldeia oculta, mas Setora-san é uma pessoa em quem eu posso confiar.

— Entendo. — Jessie segurou o queixo e inclinou a cabeça levemente para o lado. — Você tem um coração mole. Ah, não digo isso de forma sarcástica. É minha opinião sincera. Gosto de garotas como você. Oh, não me entenda mal. Não é afeto, é consideração positiva. Da minha parte, pelo menos.

— …Obrigada.

— Você é direta, mas não imprudente. Isso é bom também. De qualquer forma… — Jessie bateu nas grades de madeira com as costas da mão. — Ainda não consigo confiar nela. Estou jogando este jogo com cuidado. Se você não levar a sério, não é divertido, certo?

Shihoru franziu a testa.

— Jogo…?

— Vou decidir como lidar com ela mais tarde. Venha, Shihoru.

Jessie começou a andar em direção à saída, fazendo um gesto para que ela o seguisse.

Shihoru olhou para Setora. Ela estava novamente com os olhos fixos na parede. Ia ser necessário muito esforço para que Setora a reconhecesse como uma companheira.

Ela seguiu Jessie para fora, e o céu já estava bastante escuro. Nenhum dos moradores estava passeando. Devem estar preparando o jantar. A fumaça das fogueiras de cozinha subia de cada uma das casas.

— Agora, Shihoru, você viu como estão as coisas em várias partes da Jessie Land, então… — Jessie continuou falando enquanto caminhava. — O que acha?

Kuzaku havia sido mandado para trabalhos braçais. Yume tinha sido levada para fora da aldeia por um dos homens de manto. Mary estava cuidando de Haruhiro. Setora, Enba e Kiichi estavam presos.

Shihoru tinha sido guiada por Jessie a vários lugares. Ela visitou os campos e as casas dos moradores, entrou nos celeiros e depósitos, viu o poço, o sistema de irrigação, o moinho de água e outras instalações. Jessie só respondia perguntas simples, como: “Isso é uma roda d’água?”

— O que acho… sobre o quê? — ela perguntou.

— Você acha que conseguiria viver aqui?

— É uma aldeia… — Shihoru olhou para baixo, escolhendo as palavras. — …tranquila. Também é organizada… Enquanto tivermos comida e água, conseguimos viver.

— Bem, sim, obviamente. Mas não é entediante só viver?

— …Acho que sim.

— Você era uma soldada voluntária, então posso entender por que não consegue deixar para trás um estilo de vida com tanta… estimulação. Da minha parte, pelo menos.

— Eu acho… que talvez esteja mais inclinada a uma vida tranquila — disse ela.

— Eu estava exausto — concordou Jessie. — Exausto? Não, não é isso. Qual era a palavra? Farto? Não sei dizer exatamente como me sentia naquela época. De qualquer forma, deixei de ser um soldado voluntário, abandonei meus companheiros e fiquei sozinho. Uma viagem solo, você poderia dizer, para onde o vento e meus sentimentos me levassem. Tem uma expressão assim em japonês, não tem?

— Uhh… japonês…

— Você é japonesa, certo? Do Japão. Embora, mesmo se eu disser isso, você não vai saber.

— Eu não…

Os pés de Shihoru pararam sozinhos. Ela sentiu como se estivesse esquecendo algo importante.

E não era a primeira vez que isso acontecia. Já tinha ocorrido antes. Muitas vezes. Tantas que perdeu a conta.

Ela balançou a cabeça suavemente. Se movesse muito rápido, sentia que poderia desabar. Onde…? Onde estava isso…?

 

Jessie Land.

Uma aldeia nas montanhas.

Grimgar.

Que lugar é este?

 

***

 

Um pássaro parecido com um corvo grasnava em algum lugar.

Ela odiava corvos; eram assustadores.

Se ela carregava doces, às vezes eles a atacavam.

Eles se lembravam quando os humanos carregavam coisas gostosas.

Andando pela cidade ao pôr do sol, ao se virar, sua sombra parecia desconfortavelmente longa. Isso a fazia querer correr, mesmo sem razão. Mas, corresse o quanto corresse, quando se virava, a sombra ainda estava lá. Sempre a seguia. Era sua própria sombra, então isso era esperado, mas ela a assustava.

A assustava de forma irracional.

— Você é tão medrosa, Shihoru — alguém zombou. — Sempre foi.

 

***

 

Quem está dizendo isso…?

Não sei.

Não consigo lembrar.

Esqueço.

De você.

De tudo.

Que havia alguém ali.

Ali?

Onde?

Em algum lugar que não aqui?

Isso é…

Ah…

Eu não sei.

Não sei. Não sei.

Não sei. Não sei. Não sei.

 

— Eu… — Shihoru cobriu o rosto com as mãos.

Eu não sei. Eu não sei. Eu não sei. Eu não sei. Eu não sei. Eu não sei.

— O que foi que eu…?

— Você está bem? — perguntou um homem.

Uma mão pousou em seu ombro.

Ela levantou o rosto.

No rosto sombrio do homem, apenas seus dois olhos azuis brilhavam intensamente.

— Eu… estou… bem — Shihoru conseguiu responder. — Eu… disse algo, agora há pouco…?

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