Capítulo 9 (Parte 1)
Por quê?
…Então, percebi uma coisa.
Você está tomando refrigerante, não é? Mesmo reclamando que sua garganta dói, vive tomando bebidas gaseificadas, né?
Esse refrigerante, o que você está bebendo. Me dá um pouco. Só um gole.
Estou com sede.
Minha garganta está tão seca que chega a ser desconfortável.
Você está sentado na frente daquela máquina de vendas, como sempre, tomando refrigerante.
É noite?
Talvez já seja bem tarde da noite.
Está escuro, afinal.
Completamente escuro.
Para onde quer que eu olhe… é um breu total, ou melhor, um vazio escuro.
Exceto por aquela máquina de vendas.
Você está iluminado pela luz da máquina de vendas.
Mas eu não consigo ver seu rosto. É a única coisa que não consigo enxergar.
Estranho. Eu deveria saber como é. Então, por quê?
Quem é você…?
Estou perguntando. Tenho perguntado há um bom tempo. Repetidamente.
Você não me ouve?
E você, está com a cabeça baixa? É por isso que não consigo ver seu rosto?
Você está tomando refrigerante, como sempre. Continuamente bebendo. Só refrigerante.
Por causa disso, há latas vazias espalhadas por aí. Dezenas, centenas, talvez mais.
Aqui, ali, por toda parte. Não estão apenas jogadas; são tantas que parece que você e a máquina de vendas vão ser soterrados por elas.
Ei, você. É perigoso ficar aí.
Levanto minha voz para alertá-lo.
É perigoso, tá ouvindo?
As latas vazias. Elas são estranhas. Continuam aumentando em número.
De onde essas latas vazias estão surgindo?
Heeeey.
Heeeey, eu disse.
Por favor, me responda.
Por que será? Não sei, mas só consigo chamar você daqui.
Não consigo ir até aí.
Você sabe, não sabe?
Ao ouvir uma voz familiar, viro para olhar.
Há alguém ali.
Na escuridão absoluta, há alguém.
Eu sei que está ali. Mas não consigo vê-lo. Ele fala:
Esse não é o seu lugar.
É verdade, diz outra pessoa. Você não pode ir para lá. Ainda não. E não pode vir para cá também.
O que é isso?
O que vocês querem dizer?
Então, eu tenho que ficar aqui…?
Se você quiser vir, pode.
Não. Isso não é bom.
Sim, você tem razão. É cedo demais.
Sim. Não vá para lá. Também não deveria vir para cá.
Vocês dizem isso, mas me deixam completamente sozinho.
Está tão escuro.
Não há nada.
Ficar aqui sozinho pode não ser impossível, mas eu não consigo suportar.
Venha, você diz, da frente da máquina de vendas.
Quando olho, você está se levantando.
Você estava olhando para baixo, mas não mais. Você levanta o rosto e olha para mim.
Com uma das mãos, segura um refrigerante, e seu rosto está negro, como se borrado.
O líquido escorre da boca da lata. Um fluido negro, negro como tinta.
A própria escuridão.
Venha para cá, você diz. Mesmo sem ter algo que se assemelhe a lábios.
Estou sozinho. Venha.
Estou assustado.
Apavorado, mas tão triste que não consigo aguentar.
Eu quero ir.
Quero ir até você.
Não quero deixá-lo sozinho.
Você não pode ir, você diz. Espere. Não vá.
Por que está me impedindo?
Eu não quero te deixar sozinho, e também não quero ficar sozinho. Você sabe disso, certo?
Quero dizer, este lugar…
Onde é?
Oh…
Choco.
Manato.
Moguzo.
Eles não estão aqui.
Nenhum deles.
É isso mesmo. A máquina de vendas.
Ela não está aqui.
Nenhuma luz.
Só a escuridão.
Essa escuridão completa e esmagadora.
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Ouviu o som de alguém engolindo seco.
Logo percebeu que não estava escuro.
Estava em um lugar fechado. Sim, não era ao ar livre. Estava sob um teto. Além disso, era macio. Não estava deitado no chão, ou no piso, mas em uma cama de verdade.
Quando tentou se levantar, alguém chamou seu nome.
— Haru?!
— Huh… Mary…?
Mary. Era definitivamente Mary.
Parece que Haruhiro estava deitado em algum tipo de cama. Mary estava sentada em uma cadeira colocada bem ao lado dele. Ela se levantou com tanta força que quase derrubou a cadeira, então se jogou sobre ele. Não, ela não se jogou exatamente. Mas veio com tanta rapidez que parecia que poderia, colocando a mão esquerda ao lado da cabeça dele para se apoiar, enquanto usava a mão direita para tocar a bochecha e o pescoço de Haruhiro.
O cabelo de Mary caiu sobre o rosto de Haruhiro. Ele podia sentir o perfume dela.
Provavelmente era noite. Estava escuro de um jeito estranho, mas havia uma janela, e um pouco de luz entrava por ela, permitindo que ele visse vagamente o rosto de Mary. Seus olhos, em especial. Não encontravam os dele. Mary o tocava aqui e ali, e então olhava em seus olhos, como se quisesse confirmar se ele estava bem.
Ele queria dizer “Estou bem”, mas não conseguia.
Haruhiro não conseguia tirar os olhos de Mary. Talvez isso fosse impróprio da parte dele, mas, mesmo que não precisasse ser para sempre, queria que ela continuasse o tocando por mais um tempo. Se estendesse os braços, poderia abraçá-la. Esse pensamento lhe ocorreu. De algum modo, sentia que Mary não o rejeitaria. Quando essa ideia tola cruzou sua mente, sentiu-se desesperadamente patético.
— Estou bem, Mary — disse Haruhiro com um sorriso. Será que ele estava mesmo sorrindo? Não conseguia dizer com certeza e não tinha confiança. Sempre era assim.
— …Entendi. — Mary respirou fundo, levantou-se e acabou sentando-se na borda da cama. As mãos de Mary se afastaram de Haruhiro, e o perfume dela ficou mais fraco. A ponto de ele mal poder senti-lo.
Não sabia se sentia decepção ou alívio. Talvez fosse um pouco dos dois.
De qualquer forma, estava tudo bem. Assim, ele conseguia manter a sanidade. Precisava haver uma distância apropriada entre companheiros. Muito provavelmente, isso era ainda mais verdadeiro quando confiavam suas vidas uns aos outros.
— …Desculpa — acrescentou ele.
— Por que está pedindo desculpas? — perguntou ela.
— Bem, é que… Não sei. Hm, sobre o que aconteceu pra tudo ter chegado a esse ponto… Eu realmente não sei. Mas, tipo, dá pra dizer que é culpa minha estarmos nessa situação.
Mary balançou a cabeça silenciosamente. Haruhiro já sabia. Era culpa dele. Ele tinha tomado a decisão errada. Mesmo assim, seus companheiros não o culpavam unilateralmente. Ele sabia disso, então quantas vezes ainda ia passar por essa mesma situação?
Não havia tempo para desculpas. Havia muitas coisas que precisava perguntar. Por que não conseguia dizer nada?
Mary permanecia calada.
O silêncio pesava sobre ele. Principalmente sobre seu coração e estômago. Eles doíam.
Eventualmente, Mary fungou.
Haruhiro ficou surpreso.
— …Mary?
— Me desculpe. — Mary cobriu o rosto com a mão esquerda. Pressionando a área ao redor dos olhos, talvez estivesse tentando conter as lágrimas.
— Não… Mas isso…
— Não é nada. Só… fiquei aliviada.
— Entendo. Se for só isso, bem…
— Idiota. — Mary deu um leve soco no peito de Haruhiro e então riu. Sua mão direita tentou se afastar, mas não conseguiu. Ficou suavemente sobre o peito de Haruhiro. — …Não. A idiota sou eu.
— Huh?
— Deixa pra lá. Provavelmente não estou dizendo nada com sentido.
— Você… não está?
— Não sou muito esperta, então às vezes faço isso.
— Eu não acho que seja verdade que você não é esperta.
— Tenho medo de ser menosprezada, então só escondo isso — Mary apertou levemente sua mão direita. — Mas tenho certeza de que fica evidente.
Haruhiro soltou um “Ah…” soando como um idiota. Em momentos como aquele, ele se amaldiçoava por não conseguir dizer algo inteligente e atencioso. Mas que tipo de momento era aquele? Que tipo de situação era essa?
— Mary, você é…
O que ela era? Mary era… o quê?
Haruhiro inspirou, expirou.
Palavras, apareçam, ele implorou. Por favor, venham.
Por favor, por favor… apareçam.
Vamos lá. Estou implorando. Não importa quais palavras sejam neste ponto.
— …insubstituível… — ele concluiu. — Para todos nós… Sim. Você nos salvou. A mim… Meu rosto estava um desastre, não estava? Quem consertou isso foi você, não foi, Mary?
— Porque sou uma sacerdotisa — ela respondeu.
— Você é necessária, Mary. Um… para todos nós… sem dúvida.
— Esse é você, Haru — disse ela. — Sem você, estaríamos em apuros. Todos nós.
— Todos nós… Sim.
— Então…
— Então?
— Estou feliz, Haru. Que… você está aqui. Que eu pude te conhecer.
— Não, eu sou quem… quem deveria dizer isso…
— Dizer o quê? — Mary perguntou.
— Huh?! Oh… bem… Que estou feliz por ter te conhecido… Espera—
O que é isso?, ele pensou freneticamente. Essa conversa?
Estamos agradecidos por termos nos conhecido. Isso não é estranho, por si só. É um fato, afinal. Eu sou grato, sabe? Mas, de alguma forma, isso parece diferente. Huh?
Não parece?
Estou interpretando demais? Demais? Como?
Huhhhhhh? Não sei mais de nada.
— Whuh? — ele começou a vocalizar, mas Haruhiro não tinha ideia do que estava tentando dizer. — Whuh. Whuh. Whuh…?
— Whuh? — Mary repetiu, inclinando a cabeça para o lado.
— Whuh…
Droga.
Sua mente estava em branco. Apesar de estar escuro. Pensando bem, eles estavam dentro de uma construção, mas não havia nenhuma luz.
Uma construção.
Uma construção?
— Whuh…?
Onde ficava essa construção? Naquela aldeia? Se sim, por quê? Haruhiro não parecia exatamente estar amarrado de pés e mãos. Parecia que o mesmo valia para Mary. O que havia acontecido depois que ele desmaiou?
Mary estava ali. Onde estavam Shihoru? Yume? Kuzaku? Setora, Enba e Kiichi?
— Whuh…
Aquele “Whuh.” Quantas vezes ele já tinha dito isso?
Mary começou a rir um pouco, depois retirou a mão que tinha deixado sobre ele.
— Vou te dar um resumo do que aconteceu.
— P-Por favor. Ah, certo… Posso me levantar? Tudo bem?
Mary riu novamente e disse: — Vá em frente.
Quando ele se levantou, sentiu-se um pouco tonto, mas nada parecia estar fora do normal. Considerando que seu rosto tinha sido esmagado antes de desmaiar, bem, era uma melhora.
Mais que isso, pelo comportamento de Mary, parecia que todos os seus companheiros estavam bem. Mary explicou a Haruhiro os eventos que levaram ao homem que se chamava Jessie capturá-lo, forçar seus companheiros a se submeterem e depois levá-los para Jessie Land.
Depois, mesmo que esperassem ser presos juntos, não foi isso que aconteceu. Mary foi designada para cuidar de Haruhiro, enquanto o restante de seus companheiros recebeu ordens para fazer outras coisas em lugares diferentes.
Shihoru foi com Jessie para observar como as coisas eram. Setora, Enba e Kiichi estavam aparentemente confinados em algo parecido com uma prisão. Yume e Kuzaku pareciam ter sido designados para trabalhos também. Shihoru estava sendo forçada a acompanhar Jessie e perguntava a ele várias coisas sobre Jessie Land.
— Quer dizer que ele está revelando o estado real das coisas para a Shihoru? — Haruhiro perguntou.
— Sim. Segundo ela, é isso. Mas pode estar escondendo algo.
— Nunca se sabe… — ele murmurou.
— Para começar, aquele homem levou um golpe direto do seu Backstab, mas ficou bem.
— Ele parece não ser nada além de humano, mas não é — Haruhiro disse. — Gumows, era isso? Os bebês que os orcs obrigavam os humanos a terem?
— Não ouvi muitos detalhes sobre eles — disse Mary. — Mas, basicamente, na guerra em que a Aliança dos Reis derrotou a humanidade, os orcs…
— Ahm, é… Eu meio que sinto pena dessas pessoas. Ah, acho que não são pessoas. Não, mas eles têm sangue humano, então… É, comparados aos orcs puros, eles deveriam ser mais parecidos conosco.
— Os que estão guardando este lugar são gumows de manto verde — disse Mary. — Esta é uma aldeia de gumows, então era de se esperar. Eles são relativamente gentis. Oh, certo.
Mary levantou-se da cama. Havia um móvel parecido com uma mesa perto da parede. Mary voltou segurando algo que estava em cima dele.
— Comida e água. Os gumows trouxeram isso também. Eu experimentei. Não acho que tenham colocado nada estranho.
— Oh… — O estômago de Haruhiro roncou de repente, e sua boca encheu-se de água.
— Espere. — Mary sentou-se novamente na beira da cama. — A comida está embrulhada. Vou abrir agora. Tome isso primeiro.
Haruhiro levou à boca o cantil de couro que havia recebido e bebeu. A água era morna e levemente ácida. Não era uma acidez desagradável, como algo estragado. Era fácil de beber. Ele não conseguiu evitar engolir tudo de uma vez.
— Aqui — disse Mary, oferecendo algo achatado. Obviamente, ele deveria pegar com as mãos, mas, movido pela fome, Haruhiro inclinou o pescoço para morder diretamente o que Mary segurava.
Ela pareceu surpresa, soltando um pequeno grito.
— Eek!
Antes que ele pudesse se desculpar, uma sensação como um choque elétrico percorreu seu cérebro.
— Droga, isso é bom! — exclamou.
— N-Né? Isso aqui é delicioso.
— Isso está me trazendo de volta à vida.
— Apesar de você já estar vivo.
— Bem, sim, mas, sabe…
— Ainda tem mais.
— Ah, claro.
— Aqui.
Ele abriu a boca, e o restante daquela coisa achatada, parecida com um bolinho, foi para dentro. Ele hesitou um pouco, mas não sabia quando teria outra chance de comer, e queria comer, então mastigou e engoliu.
Era realmente delicioso. E ele tinha a sensação de que não era só porque estava com fome.
Primeiro, a textura mastigável era boa. Também tinha um leve sabor salgado. Muito bom.
Além disso, havia algo dentro. Carne moída e vegetais saborosos combinados em um sabor agridoce. Era esse tipo de recheio. Isso também era delicioso. Tinha gosto de civilização. Afinal, ele não comia nada decente há algum tempo. Mas, mesmo sem isso, era provavelmente delicioso. Um sabor de que ele não se cansaria.
Se tivesse que dizer mais, o sabor deixava uma sensação de nostalgia. Como comida caseira. Mas de onde? Ele não sabia, mas era incrível.
— Quer mais um? — perguntou Mary.
Ele não poderia recusar. Mesmo que não fosse Mary oferecendo, ele teria pedido outro. Sem dúvida. Dois, três, comeria tudo que ela tivesse.
— Por favor.
— Diga “Ah”.
— Tá bom. Ah…
Hm?
Com a boca aberta, Haruhiro olhou nos olhos de Mary.
Seus olhares se encontraram.
— Ah…! — Mary desviou o olhar. — D-Desculpe. Eu meio que me deixei levar. N-Não tinha nenhum… significado mais profundo…
— C-Claro. — Haruhiro abaixou os olhos, coçando o ombro mais do que o necessário. — Eu sei disso.
— Pode comer — disse ela, atrapalhada.
Ele mordeu hesitante o bolinho achatado que ela lhe estendeu. Tão bom. Ele podia sentir aquilo se infiltrando em si. O sabor era gentil. Combinaria com qualquer coisa. Sentia que, se essas pessoas comessem isso todos os dias, poderia se dar bem com elas, mesmo sendo de outra raça.
Naturalmente, era apenas uma sensação. Ele não levaria o sabor da comida em consideração ao tomar decisões. Mas era difícil ter uma má impressão. Afinal, já tinha comido o segundo.
— Vamos parar por aqui… tá bom? — disse ele. — Se eu comer tudo de uma vez, meu corpo pode reagir mal.
Mary riu.
— Isso é tão a sua cara, Haru.
— Sério? Por quê?
— O jeito como você tenta se controlar calmamente. Sempre penso que preciso aprender com o seu exemplo.
— Não sou nada de especial… sabe? Não, sério.
— O jeito como você é modesto também.
— Hmm… — Haruhiro começou a se coçar todo.
Ele não era bom em aceitar elogios. Não que não ficasse feliz, mas eles o deixavam envergonhado, e ele não queria se tornar arrogante.
Quero dizer, é óbvio, não é? Fico nas nuvens quando a Mary me elogia tanto. É por isso que quero que ela pare. Não quero ficar feliz demais. Quando coisas boas acontecem, começo a me preocupar. Há momentos bons e ruins. Para cada subida, há uma descida logo à frente. Dizem que vivemos em uma teia de fortuna e infortúnio.
— Mary — ele chamou.
— Sim?
— Eu sinto que…
A janela deste quarto estava posicionada em um ponto elevado, com a persiana de madeira aberta e sustentada por varas. Do lado de fora, estava tudo silencioso.
Até que não estava mais.
To, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to…
Esse foi o som que ele ouviu.
De jeito nenhum, ele pensou. No fundo, não queria acreditar, mas o corpo de Haruhiro reagiu rapidamente.
Ele se levantou rapidamente da cama e tentou olhar pela janela. Sem sucesso. Estava escuro, e ele não conseguia ver nada. Mas aquele som distinto de: to, to, to, to, to, to, to continuava ecoando à distância.
— É um redback.
— Não pode ser… — Mary ficou sem palavras.
Ele entendia. Haruhiro sentia exatamente o mesmo.
Os guorellas eram incrivelmente persistentes. Haruhiro havia matado o redback líder do bando. Mesmo assim, eles continuavam os perseguindo. Parecia que aquele era um bando excepcional, com vários redbacks. A party tinha conseguido escapar arriscando suas vidas e pulando de um penhasco. Era para ter terminado assim.
Não era só as batidas. Ele ouvia outros sons também. Gritos. Não entendia o que estavam dizendo. Era no idioma Gumowan? Havia luzes indo de um lado para o outro. Tochas, aparentemente.
A porta se abriu, e o quarto se iluminou.
— Mary! Haruhiro-kun?!
Era Shihoru. Atrás dela, estava um homem loiro carregando uma tocha. Jessie.
— Estão acordados, hein. Perfeito. Parece que vou precisar da ajuda de vocês — disse Jessie, calmamente.
Ele falava como se não estivesse nem um pouco tenso. Sua expressão também era serena.
Haruhiro se armou com seu estilete e a faca com guarda-mão, além do manto e outros equipamentos que estavam em um canto do quarto, e saiu da casa junto com Mary. Ele estava um pouco instável, mas se continuasse se movendo, ficaria bem. Era uma boa coisa ter comido algo antes.
A aldeia estava surpreendentemente calma. Os moradores não estavam em pânico, saindo correndo de suas casas em desespero.