Capítulo 5: Orgulho e Laços
Tradução: Reiki Project
De qualquer modo, ele tinha dificuldade para respirar.
Quando percebeu que estava debaixo d’água, ele já não tinha forças.
A memória de Raishin terminava aí. Ele só conseguia se lembrar de pequenos fragmentos.
— Raishin… Raishin!
O grito cuja voz ele não sabia a quem pertencia.
Nervosa, Yaya se debulhava em lágrimas.
Correndo pela estrada da montanha, carregado nas costas de alguém.
Quando voltou a abrir os olhos, Raishin estava em um futon.
A textura do teto era familiar. Ele não estava na pousada de Hakone, mas em seu quarto na residência de Shouko.
Sua memória foi ficando mais clara aos poucos.
Certo, eu estava lutando contra a Yaya nas montanhas de Hakone…
Ele se lembrou que fora lançado violentamente contra uma área rochosa e rolou até o córrego que passava pela montanha.
Enquanto sua memória retornava vagamente, a porta deslizante de papel se abriu de repente e Yaya entrou.
— Shouko! O Raishin está…! Shouko!
A voz de Yaya ressoou em suas feridas, e ele sentiu uma dor surda. Essa dor o fez perceber que estava vivo. Ele checou seu corpo nervosamente, suas mãos e pés ainda estavam ali.
Fazendo suas roupas farfalharem suavemente, Shouko surgiu vinda do corredor.
— Você é uma criança lamentável, jovem. Não consegue ser nem mesmo um garoto de recados adequado.
— Estou envergonhado…
— Você é um grande patife. Você quase perdeu a coluna.
— …Você quer dizer quebrar?
— Parece que você ficou pendurado em uma pedra afiada. A carne inteira foi perfurada.
— Geh…
Sua obstinação de repente desapareceu. E suas costas começaram a doer abruptamente.
— Bom, eu apenas cuidei do que é meu.
— …Cuidou do que é seu…? O que é seu…?
— Você se lembra da sua aposta comigo? A vida do jovem pertence a mim. Eu nunca mais irei permitir que você faça qualquer coisa assim novamente. Se você entende isso, então cuide de sua saúde.
— …Certo. Eu irei fazer isso.
Shouko saiu da sala deixando palavras severas, um sorriso e o cheiro de jasmim do cabo para trás.
Depois de um curto período de tempo, Yaya voltou.
Ela tinha uma pequena bandeja com um pote de cerâmica.
E reservadamente sentou-se sobre os joelhos ao lado dele. Sem dizer nada, sem fazer contato visual. Era doloroso abrir a boca, mas ele não conseguiu evitar e começou a falar com ela.
— Ei, você me trouxe de volta?
— …Não. A Yaya só chegou até o pé da montanha.
— Entendo, desculpe. Graças a você, eu escapei da morte.
Por um instante, lágrimas se formaram e começaram a cair dos olhos de Yaya. Raishin ficou confuso.
— Espere… tem algo errado? É por minha causa?
— …Não é nada. A Yaya apenas se sente aliviada.
De repente, as palavras de Yaya foram revividas em seus ouvidos.
“Humanos… não entendem os sentimentos da Yaya!”
Sim, Raishin, como estava agora, não conseguia entender os sentimentos de Yaya.
Ele pretendia ser atencioso. Ele sabia que ela o odiava. Porém, ele não compreendia. Mesmo quando tentava entendê-la, ele não conseguia.
No fundo, ela era uma [boneca]—
Uma existência que embora usada pelos humanos, os desprezava.
No entanto, Yaya tinha um coração. Ela ficava irritada, era impaciente, e sentia-se aliviada.
Ela chorava, ficava brava, odiava alguém e tinha muito orgulho de si mesma.
Como ela se diferenciava de um humano comum?
— Sinto muito.
— …Eh?
— Eu peço desculpas por ter dito que você era “minha boneca”. Obviamente, o acordo que fizemos na montanha também está anulado. Apesar disso, peço a você.
Ele moveu seu corpo dolorido e se levantou do futon. Raishin sentou-se apropriadamente sobre o futon e abaixou a cabeça.
— Por favor, seja minha parceira.
— Parceira?
— Estou certamente pelo menos dez anos adiantado para me tornar seu dono. Por isso, seja minha parceira. Eu gostaria que você me ajudasse como alguém do mesmo nível.
— …Você não é inferior?
— Por enquanto, sim. Mas em breve estarei lado a lado com você— Eu prometo.
Ele olhou para ela, colocando entusiasmo em suas palavras.
Yaya baixou os olhos para o pote de cerâmica e fez gestos como se estivesse refletindo.
Então, ela balançou a cabeça calmamente.
— …Eu não posso fazer isso. A Yaya perdeu a partida. Como prometido, a Yaya vai te ajudar como sua boneca.
Não havia desdém ou malícia nos olhos negros de Yaya.
Ao que parece, Yaya havia acabado de dizer seriamente que iria se tornar a boneca de Raishin.
— …O que há com isso? Eu disse parceira, não disse?
— Você está errado. Afinal, a Yaya é uma boneca.
— Uma parceira. Não seja teimosa.
— Raishin!
Os dois se encararam— um momento depois, eles simultaneamente explodiram em risadas.
— A Yaya sempre irá te proteger. A qualquer momento. Enquanto eu estiver viva.
— Sim. Conto com você, parceira.
— No entanto, mesmo que eu me entregue a você, não vou te entregar meu coração.
— Eu não disse para você se entregar a mim! O que você pensa que eu sou!?
Yaya ignorou o protesto de Raishin e se moveu em direção a bandeja que estava diante de seus joelhos.
— Eu preparei mingau de arroz. Desta vez, este também será o dever da Yaya… Estou relutante, mas a Yaya vai alimentar você sozinha. Abra sua boca e diga “aaah”.
— Ó, desculpe.
Yaya pegou uma colher do mingau de arroz, soprou várias vezes e a levou na direção da boca de Raishin.
Fazendo o que lhe foi dito, Raishin abriu a boca e deixou que ela o alimentasse.
— Está bom?
— Sim.
— Estou feliz.
Ela sorriu gentilmente.
Aquela era a primeira vez que ele via o sorriso terno de Yaya.
De repente, Raishin teve um pensamento assustador e perguntou timidamente.
— …Não está envenenado, certo?
— Você… você é mau! Mesmo que a Yaya tenha preparado isso de todo o coração!
— Des-desculpe! Mas não é minha culpa, é? Seu comportamento habitual é o culpado aqui!
— O Raishin é um idiota! No fim… no fim, os humanos são…!
— Espe… espere! Eu ainda estou ferido… paaaaaaaaaare!
A residência tremeu e o sino de vento soou de forma refrescante.
Alguém estava espiando aquela cena de longe.
Do outro lado do jardim, Irori fazia uma careta e se agarrava a um pilar.
Bem atrás dela estava Shouko, deitada relaxada na varanda com os pés descalços mergulhados em um balde com água. Uma postura preguiçosa que dava a ela a aparência de um gato preguiçoso.
— Mestra, o que aconteceu com a Yaya? Do nada ela começou a cuidar dele com tanto charme assim. Estou com ciúmes dela.
— Ara, você está com ciúmes? Você ama a Yaya, hein.
— Na-na-não é isso! E-e-eu apenas estava me perguntando o que aconteceu!
— Parece que a medida drástica funcionou. Fufufu.
Shouko riu e se deitou de bruços. Ela puxou o contêiner com tabaco para mais perto e acendeu seu cachimbo enquanto ainda estava deitada. Irori inclinou a cabeça, perplexa.
— Medida drástica? Então foi isso que a Mestra planejou?
— Eu apenas dei uma chance a ele. A estrada foi aberta pelo próprio jovem.
— E a compensação por isso foi aquele ferimento grave?
— Ele é uma criança terrivelmente desajeitada. Mas talvez aquele jovem compreenda o ponto vital— o coração das coisas.
— …O coração?
— Se for aquela criança…
Ela de repente apertou os olhos e olhou para o céu ao longe.
— Então o que a Karyuusai vem perseguindo por vários anos talvez possa ser revelado ao mundo.
Irori franziu a testa, parecendo confusa. Ela não conseguia entender as palavras de sua mestra. No entanto, sendo completamente honesta, agora não era hora para isso. Irori fez uma nova careta e voltou a observar Raishin e Yaya.
Shouko sorriu, fumou seu cachimbo e expirou.
O primeiro chilrear de uma cigarra este ano veio devido a fumaça do tabaco.
Parte 2
Saltando, Raishin acordou.
Ele tossiu violentamente, procurando oxigênio.
E retomou sua respiração. Até um pouco antes, ele realmente havia parado de respirar.
Griselda cruzou as pernas sobre a cadeira. Ela estava lendo um livro. Era um ângulo muito perigoso, mas ela não se importava.
— Você recuperou a consciência? Eu já estava me perguntando onde jogar seu cadáver.
— Não… me descarte… sua demônia…!
— É uma piada. Você não é forte o bastante para não morrer por algo assim?
Ela relaxou a boca de repente.
Ela me reconheceu?
Raishin fez uma careta. Ao ouvir algo assim de uma Senpai que reinou na Festa Noturna, ele perdeu a vontade de reclamar.
Sua respiração se acalmou. Raishin finalmente se levantou e limpou o suor de sua testa.
— Eu desmaiei novamente? O que foi isso agora, oshishou-sama?
— Você não sabe?
— …Fios de Ariadne?
Entendo— a técnica que fez os marionetistas na cidade desmaiarem.
Porém, como ela fez isso? Como ela poderia dirigir poder mágico até seus oponentes e sufocá-los?
Você sabe porque meu nome de Wiseman é [Labirinto]?
— …É por que sua personalidade é distorcida?
— Resumindo, você quer morrer?
*Malícia*
— Leve isso a sério! Você é uma adulta, não é!?
No momento em que gritou, um circuito subitamente se conectou na cabeça de Raishin.
— Ariadne entendo, o Labirinto de Knossos…
Ele precisou se lembrar da Mitologia Grega para maiores detalhes. Quando o herói Teseu precisou derrotar o Minotauro, houve uma garota que confiou a ele o segredo para que pudesse escapar em segurança do labirinto.
Seu nome era Ariadne. Ele avançou enquanto desenrolava um novelo de lã e voltou, seguindo o fio condutor— a sabedoria que ela concedeu a ele ficou conhecida como [O Fio de Ariadne]. Mesmo hoje em dia, podia-se dizer que era uma ideia engenhosa para resolver dificuldades.
— É por que você usou o Fio de Ariadne, Wiseman [Labirinto]…?
No momento em que ele se perguntou se era mesmo por algo tão simples, algo estranho aconteceu com o corpo de Raishin.
— Eu não consigo me mexer!
Seus membros não se moviam, como se ele estivesse petrificado. Como se suas mãos e pés estivessem amarrados.
Era um feitiço de ligação? Esse tipo de técnica também existia no Japão. Era usada por monges poderosos do alto escalão. Uma técnica que roubava a liberdade de uma pessoa através do uso da telecinese.
Poréma quilo era diferente.
Ele não estava sendo imobilizado por algo externo.
Está sendo operado pelo lado de dentro…!?
— Eu controlo labirintos. Até mesmo o labirinto chamado corpo humano. Portanto, também posso fazer algo assim.
No momento seguinte, o interior de sua garganta ficou pesado e sua respiração parou.
Ele não conseguia respirar! Ele não conseguia puxar o ar!
Era o mesmo de antes. Ele ia desmaiar novamente— antes disso, a dor rapidamente desapareceu.
Ele recuperou sua liberdade. Raishin tossiu enquanto olhava para Griselda, ressentido.
Por outro lado, Griselda foi tomada pela emoção.
— Que cara bonita você está fazendo… ♡
— Cale a boca, sua pervertida! Que rancor é esse que você guarda contra mim!?
— Você experimentou isso duas vezes. Você entende o que eu fiz, certo?
Ela perguntou com um tom sério. Raishin acalmou sua raiva e ponderou.
O [Fio] de Griselda era extraordinariamente produzido. No entanto, não era telecinese. Ele não sentia seu pescoço sendo esmagado por fora. Resumidamente…
— O interior. Entendo, é a [Circulação Mágica]!
— Sim, o [Fio] que enviei para dentro do seu corpo atrapalhou seu fluxo de poder mágico.
A [Circulação Mágica] era equivalente ao [Fluxo de Chi], como era conhecida na China.
O poder mágico não era apenas combustível mágico. Era a própria atividade vital do corpo humano. Em todo o mundo, clérigos aperfeiçoavam isso através de orações. Praticantes indianos aprimoravam isso por meio de técnicas de respiração. Era o mesmo que a respiração que Raishin aprendeu em seu dojo de esgrima.
Os seres humanos eram muito superiores em termos de poder mágico se comparados a outros animais. O fluxo de poder mágico que os magos possuíam era particularmente forte. O poder mágico passava a ser parte do corpo, tornando-se inseparável das atividades vitais. Se alguém pudesse controlar e obstruir essa circulação, então poderia se colocar em risco a atividade vital de outra pessoa…
Assim que entendeu a teoria, Raishin voltou a temer Griselda.
A teoria era simples, mas colocá-la em prática não!
O fluxo de poder mágico era menor que o dos vasos sanguíneos, de modo que se tornavam tão complicados quanto— um labirinto. Era impossível para um mago comum sentir e invadir este fluxo para perturbá-lo intencionalmente.
Conhecimento preciso do corpo humano, sentidos aguçados e um controle delicado eram essenciais.
Ele estremeceu e ao mesmo tempo, uma grande questão surgiu em sua mente.
— Certamente é uma habilidade aterrorizante, mas por que você está fazendo isso?
— Eu pensei em repetir isso todos os dias com você.
— Por quê!? Pare!
— As palestras em sala de aula não são suas favoritas, certo? Como seria de se esperar de alguém com uma cara idiota.
— “Cara idiota” não tem nada a ver com isso! Mas é verdade que palestras em sala de aula não são meu forte!
— Você é do tipo que consegue suas melhores notas por meio de habilidades práticas. Estou errada?
— …Você está certa.
— É uma perda de tempo tentar explicar as coisas verbalmente para alguém como você. Então vou te ensinar fisicamente. Quem é a mestra, não, o prazer da dor, não, a essência dos [Fios].
— Você se corrigiu duas vezes!? A verdade é que você está apenas se divertin— Ugh!
Novamente, o [Fio] atacou Raishin e ele rolou no chão.
Parte 3
E assim, outra semana se passou. Após a noite em que Griselda começou a usar roupas femininas, o trabalho escravo de Raishin passou a ser acompanhado por um duro componente ser [controlado].
O fenômeno de ser sufocado mencionado anteriormente o atacou da forma mais desagradável possível nos momentos mais variados, como enquanto ele estava carregando uma travessa de comida ou quando estendia os lençóis no varal para secar.
Se eles caíssem, isso acabaria se tornando um problema, então Raishin resistia desesperadamente. Ele deixava o sentimento de asfixia passar sem se mexer até que Griselda estivesse satisfeita.
Ele se acostumou com isso, e depois de cerca de três dias ele começou a trabalhar razoavelmente bem, mesmo ao ser sufocado.
No entanto, a fadiga definitivamente estava se acumulando. Naquele dia, enquanto ele lavava a louça do jantar junto de Komurasaki, Raishin sufocou pequenos bocejos por várias vezes.
— O que há de errado, Raishin? Você parece sonolento.
Komurasaki, que limpava os pratos enquanto vestia um avental, se aproximou dele, parecendo preocupada.
— Sim, de alguma forma, parece que estou perdendo o controle…
— Você não perdeu muitas células cerebrais? Com a falta de oxigênio?
— Pare com esses pensamentos assustadores…
— Mas seu cérebro já está fraco.
— Não diga que estou fraco! Até você!
Komurasaki perguntou hesitantemente enquanto polia a louça.
— Ei. Esse treinamento masoquista ainda está acontecendo?
— Claro.
Um treinamento que a Wiseman estabeleceu. Seria um desperdício negligenciar isso.
— Mesmo? Eu não acho que a Griselda-san seja uma pessoa ruim, mas… quando ela faz aquilo com o Raishin, ela realmente brilha, quero dizer, ela fica excitada.
— Isso é o que a inigualável Wiseman-sama pode fazer. Não é um mero passatempo. E eu conseguir me acostumar a isso, pelo menos. Minha capacidade pulmonar aumentou, eu me pergunto?
O barulho do polimento cessou. Komurasaki tentou dizer algo, olhando para seu reflexo no prato.
— Não se preocupe. Não importa quão sádica e pervertida a oshishou-sama possa ser, ela se divertir enquanto inflige bullying sem sentido a seu discípulo é— algo possível, mas— ugh!?
— Você está falando e se divertindo muito.
Griselda estava parada na entrada da cozinha com uma expressão que mostrava que ela estava prestes a se irritar a qualquer momento agora.
Sem colocar resistência, Raishin poliu os pratos rapidamente. Ele fez isso tão bem que ninguém poderia dizer que ele estava sendo sufocado.
Ó!
Komurasaki bateu palmas. No entanto, após fazer isso por cerca de três minutos, as coisas começaram a ficar realmente complicadas. Raishin baixou um prato e, enquanto era sufocado, colocou as palmas juntas ao se virar para Griselda.
— Ó… essa é realmente uma ótima expressão facial…!
Os olhos de Griselda brilharam intensamente.
No fim, mais três minutos se passaram antes que Griselda cancelasse a técnica.
— Você… como pensei, você está se divertindo…!
— I-isso não é verdade…?
— Não vire para o outro lado! É fácil descobrir isso!
— Ku… isso é irritante desuu…! Eu também quero fazer bullying com ele desuu…!
Sem que ninguém notasse sua chegada, Epsilon estava agora mastigando um lenço enquanto se escondia atrás da porta.
Ela lançou um olhar cheio de ódio na direção de Raishin. Ele fingiu não notar a presença dela.
— Então, em que posso ajudá-la? Isso é tudo por hoje?
— Quando você terminar com a cozinha, venha para o meu quarto.
— Para o seu quarto?
Griselda escondeu o peito apressadamente.
— Não— Não estou dizendo isso com um significado estranho! Não pense em nada ultrajante!
— Eu só pensei “para quê?”! Você não vai me asfixiar de verdade, vai!?
— Não se preocupe. Eu também não quero fazer isso à noite… Teria efeito no dia seguinte.
Ó.
Ele pensou.
Sim, provavelmente deve haver um fardo para Griselda ao disparar seus [Fios] repetitivamente.
Recentemente, ela não tinha usado nenhum sangue que ele tivesse visto. Mas ela certamente estava exausta. Importuná-lo sem razão devia ser algo impossível. Enquanto sentia vergonha de si mesmo, que tinha duvidado dela, Raishin acenou com a cabeça.
— Ah, se for esse o caso, você pode ir agora, Raishin. Eu termino de limpar os pratos.
Dizendo isso, Komurasaki deu um tapinha nele.
— É ruim incomodar dois jovens!
— Não é nada disso!? Quero dizer, não é a Yaya que fala assim!?
— Eu peguei isso emprestado!
Um empréstimo horrível, no entanto.
Embora estivesse no meio do verão, estava tão frio quanto no solstício de inverno.
— Argh, ela já te disse, deixe o resto para a donzela das flores.
Apressado por Griselda, Raishin deixou a cozinha.
Ele sentia a intenção assassina de Epsilon em suas costas enquanto se dirigia para o quarto de Griselda. Sobre a mesa havia um tabuleiro de xadrez, onde as peças brancas e pretas já estavam alinhadas.
— É por isso que te chamei para vir aqui. Eu queria um oponente há muito tempo.
— Shogi ocidental, hein… Mas eu não sei jogar.
— Não se preocupe. Eu vou te ensinar.
— Nesse caso, ela não se encaixa como uma oponente em potencial?
Epsilon, que estava agarrada à cintura de Griselda, mostrou suas presas e ameaçou Raishin. Ela parecia um cachorrinho.
Enquanto Griselda afagava a cabeça de Epsilon,
— Eu tentei ensiná-la várias vezes. Ela simplesmente não consegue se lembrar como as peças se movem.
— Ó, entendo… isso é incrível.
— Ehehee, eu não sou nada disso desuu.
Entendendo apenas o movimento das peças, algo que Griselda o ensinou rapidamente, a partida começou de forma imediata.
Ele pensou isso e aquilo enquanto jogava, mas ele virtualmente não foi páreo para ela em sua primeira partida.
— Você descartou peças demais. Você é um general sem coração.
Griselda riu dele. Ele se sentiu extremamente irritado com a garota violenta que acabara de dizer isso.
No entanto, o que Griselda apontou estava correto. Se ele descartasse as peças como em uma partida de shogi, ele ficaria sem poderio militar imediatamente. O arranjo e o papel das peças eram diferentes no xadrez e no shogi. Sem entender completamente a sequência no começo do jogo, ele acabou permitindo que sua oponente assumisse a liderança na formação de batalha antes mesmo que ela o atacasse.
Antes da segunda partida, ele aprendeu um ou dois movimentos padrões usados no começo do jogo.
Epsilon sentou-se no chão, encostou-se no colo de Griselda e adormeceu. Griselda movia suas peças devagar, enquanto usava a mão esquerda para acariciar o cabelo de Epsilon.
Por algum tempo, apenas o som das peças sendo movidas ecoou no quarto.
Quando a batalha estava prestes a chegar ao estágio final, Griselda murmurou algumas palavras.
— Você passou bastante tempo suportando minhas provocações, hein.
— Você está consciente de que estava me provocando, não é!?
Griselda ergueu um dedo e fez um gesto para que ele falasse baixo. Aparentemente, ela estava preocupada em não acordar Epsilon. Surpreso com a gentileza inesperada, Raishin baixou o tom de voz.
— Bom, eu consegui ler o timing que você estabeleceu.
Os lábios de Griselda se curvaram suavemente… Ela estava rindo dele?
— Você está atrás de um homem chamado Magnus?
Tendo seu ponto fraco subitamente abordado, Raishin ficou sem palavras.
— …Como você…?
— Eu sou uma Wiseman, não sou? Tenho minhas conexões. Eu também verifiquei se você era mesmo um estudante— ó, não se preocupe. Eu também sei que os militares do Império do Japão apoiam você.
— Se é assim, por que você não me expulsa? Mesmo o exército Japonês deve estar interessado em suas artes secretas.
— Você recebeu uma ordem assim?
— …Não, eu não fui ordenado a roubar suas artes secretas.
— Então está tudo bem.
— Você acredita em mim? Mesmo eu sendo um estranho, um oriental de origem duvidosa?
Griselda respondeu em voz baixa enquanto movia uma peça no tabuleiro.
— Tive vontade de treinar você porque ouvi sobre o que você andou fazendo.
— —Eu entendo cada vez menos. Para ser franco, os delitos e tudo mais?
Ele tentou roubar as qualificações de entrada para a Festa Noturna usando a força, invadiu uma oficina de autômatos particular e saiu de controle, fazendo o que bem entendesse. Se não fosse pelo apoio de Kimberley, ele já teria sido expulso há muito tempo devido a sua pobre performance acadêmica, danos a propriedade e comportamento hostil.
— …Agora, eu gosto da história. Digo, isso sobre o Magnus. Se o talento do Magnus vale 100, o seu vale 20, 30 no máximo.
Fazendo um som forte, Griselda derrubou uma peça.
Afrouxando o punho que ele parecia ter cerrado de forma inconsciente, Raishin relaxou a mão e a moveu até uma peça.
— Não estou nem um pouco impressionado. Se eu aumentar minha força em cem vezes o que é agora, minha previsão diz que posso vencer.
— Não, eu não estou falando sobre quantidades. Praticar é como encher um reservatório com água. Felizmente, seu reservatório ainda está vazio. Você pode colocar quanta água quiser nele. Porém—
— O tamanho do reservatório não pode ser alterado…?
— Correto. É tão pequeno que não há esperança. Seu talento.
Reservatório. Talento. Habilidades inatas— ele não gostava de nenhuma dessas palavras.
Provavelmente porque ficou preocupada com o súbito silêncio de Raishin, Griselda suavizou sua voz de uma maneira pouco característica,
— Não há porque ser pessimista. Você está bastante próximo de mim. Ser um Wiseman pode não ser um sonho irreal. Se não fosse o fato de o Magnus estar na disputa.
— Eu estou… perto o bastante de você…?
— Na-não me interprete mal! Estou falando sobre levar em consideração a existência dos [Fios], o atributo com o qual você nasceu. Se não fosse por isso, alguém como você não conseguiria nem sequer chegar aos meus pés!
— Ah, não, isso me surpreendeu também, mas— o Magnus é assim tão monstruoso?
Ele tinha um potencial três vezes maior que o de Griselda?
— Se todos os episódios ligados ao nome dele forem verdadeiros, então sim— A propósito, é verdade que ele também usa [Fios]?
— …Sim. Eu vi com meus próprios olhos.
Os olhos de Griselda ficaram afiados. Como se ela tentasse adivinhar algo.
— Ele usa seis autômatos ao mesmo tempo. É um fato que ele usa [Fios], porque a habilidade de combate de cada um dos autômatos equivale a de dez autômatos comuns.
Griselda derrubou outra peça. Ela pegou o bispo caído com os dedos e brincou com ele.
— Os estudos dele são excelentes, ele possui um amplo conhecimento de magia, e estuda textos antigos e artes secretas modernas avidamente. Além do mais, ele é um especialista na produção de bonecas. Quando se trata de lutar, eu me orgulho de não ser inferior a ninguém… mas o reservatório do Magnus definitivamente é superior ao meu.
Raishin sentia que havia acabado de ver um lado desconhecido de Griselda.
— Talvez ele aumente sua verdadeira força através de artes ou invenções secretas. Se seu poder é uma [Trapaça] assim, então interromper a técnica deve ser o bastante. Porém—
Você perguntar isso é como se estivesse me perguntando se posso voar pelo céu.
— Você pode determinar a verdadeira face do poder dele antes de encontrá-lo na Festa Noturna?
Isso era impossível.
Raishin só poderia determinar o verdadeiro poder de Magnus após a 99ª Noite, a batalha final. Mesmo se Magnus usasse um truque secreto, não seria algo que pudesse ser exposto após uma única batalha.
Subitamente, Griselda gemeu.
— Poxa…
Ela dobrou os braços e aproximou o rosto do tabuleiro. Ele se perguntou se ela estaria pensando sobre Magnus, mas ela não estava. Griselda apontou para o tabuleiro de xadrez e disse com um tom provocador,
— Ei, seu maldito. Essa é realmente a primeira vez que você joga xadrez? Assim que te ensinei os movimentos básicos, você entendeu tudo do nada. Seus movimentos são surpreendentemente bons.
— Sim… é a primeira vez que jogo xadrez, mas várias vezes já joguei coisas parecidas. Eu jogava shogi no Japão, porque era forçado a jogar com meu mestre todos os dias. O ponto é encurralar o rei do adversário sem as peças capturadas que podem ser reutilizadas. O ponto central do shogi é o caminho a ser percorrido.
— O quê? Conte-me essas coisas antes, seu covarde!
— Não, mas xadrez e shogi são muito diferentes, sabe?
— Cale a boca, seu maldito bastardo… você só ataca meus pontos fracos… e passa por cima de mim… seu imundo!
— Não diga isso de uma maneira estranha!
— Ku… Eu não vou ser encurralada por um— iniciante!
Griselda agarrou seu próprio cavalo e derrubou a rainha de Raishin.
— Fu… mas no fim, você não passa de um amador. Como você pôde sacrificar sua rainha?
— Eh? Tem certeza disso? Se você a comer não vai ser xeque-mate?
— O quê!?
Graças ao movimento do cavalo, o caminho até o rei ficou livre. Raishin havia despachado uma torre para bloquear o caminho de fuga do rei de antemão.
A formação de Griselda era fechada, não havia espaço para o rei escapar. Agora que ela moveu seu cavalo, o cavalo de Raishin tinha caminho livre e ela não poderia se defender dele. Essa era uma situação de xeque-mate. Se ela não pudesse aplicar um xeque-mate em Raishin em sua próxima jogada, o rei de Griselda iria cair.
Griselda olhou para o tabuleiro e desesperadamente procurou por uma sequência para um xeque-mate. Ele pensou que ela ficava fofa assim irritada, mas ele seria morto se dissesse isso em voz alta.
— …Ah, eu perdi! Sacrificar a rainha é uma desgraça para um cavalo!
— Eu sou um general sem coração. Para atingir o meu propósito, vou descartar minha rainha sem sequer pensar duas vezes.
Ele respondeu ao que lhe foi dito momentos atrás. Griselda corou lamentavelmente. Em seguida, ela abriu um sorriso gentil e apontou para o tabuleiro.
— Veja. Eu tinha mais peças. No entanto, fui eu que acabei derrotada no fim. Quanto mais peças, melhor, mas possuir um número maior de peças não significa que você sempre irá ser o vencedor.
Como a chuva caindo no deserto, Raishin ficou satisfeito com aquelas palavras.
Aquele que tinha vários autômatos. Aquele que tinha muito conhecimento em magia. Aquele que foi abençoado com um grande reservatório.
Seu irmão mais velho era tudo isso. Seu irmão mais velho era superior a Raishin em tudo.
Mesmo assim.
— Não me diga que você perdeu de propósito apenas para me ensinar isso…?
— Você está errado. Eu realmente perdi. Agora saia!
Ela estufou as bochechas e expulsou Raishin.
Ela tinha um lado humilde, mas no fim ela era uma Wiseman. Ela parecia estar verdadeiramente incomodada por ter sido derrotada.
— … Obrigado, oshishou-sama.
Agradecendo do fundo de seu coração, Raishin saiu do quarto.
No dia seguinte, Raishin saiu da cama antes que a névoa matinal se dissipasse.
Ele lavou o rosto, trocou de roupa e saiu para começar a limpeza matinal.
Primeiro, quando ele saiu para o jardim da frente para tentar varrer a área ao redor do portão, ele encontrou Griselda.
Ela estava sozinha diante da caixa de correio, que ficava posicionada logo abaixo do grande portão do castelo.
Seu rosto, que ele via de perfil, estava sombrio. Uma carta estava em sua mão.
— O que há de errado, oshishou-sama? Ainda é muito cedo.
Mesmo que Raishin tenha a cumprimentado, Griselda permaneceu olhando fixamente para a carta.
Uma expressão facial tensa. Sua pele não parecia melhor, estando igualmente tensa.
— O que é isso? Uma carta?
— …Você está dispensado por hoje. Acorde a donzela das flores agora mesmo e vão se divertir na cidade.
— Hum? Por que isso do nada? Mesmo que você me diga para sair uma hora dessas—
— Eu te disse para ir! Não discuta!
Griselda estava fervendo de raiva. Procurando pela razão, Raishin olhou ao redor. Olhando para a pequena colina adiante, o que ele pôde ver ao estreitar bem os olhos foi um movimento rústico. E—
Homens em trajes pretos estavam parados de pé na colina acompanhados de seus autômatos.
Parte 4
Ordenado por uma inflexível Griselda, Raishin desceu a colina com Komurasaki.
Conforme ordenado, ele desceu pela estrada da colina. Infelizmente, no caminho em linha reta até o pé da montanha, havia homens de ternos escuros esperando por eles.
Entre eles havia um jovem nobre com um notável cabelo loiro. Seu impacto, semelhante ao de uma espada desembainhada, não podia ser escondido. Aquele era o mesmo homem que havia lutado de igual para igual com Griselda no primeiro dia de Raishin nesta cidade.
Fingindo não notar a intenção assassina, Raishin passou diante deles.
Assim que ele entrou na cidade, Komurasaki se aproximou dele com passos rápidos.
— Eu sinto que algo definitivamente está para acontecer. Está realmente tudo bem nós nos divertirmos aqui na cidade em uma hora dessas?
— Claro que não.
Raishin rapidamente entrou em um beco e se escondeu atrás de alguma coisa. Ele rapidamente concentrou seu poder mágico e o direcionou para Komurasaki. Ela, por sua vez, compreendeu a intenção de Raishin e ativou seu circuito mágico, Yaegasumi.
A magia imediatamente mostrou seu efeito e encobriu as figuras de Raishin e Komurasaki. Os dois podiam ver um ao outro, mas terceiros não podiam vê-los.
Raishin deixou o beco com passos cautelosos e voltou pelo mesmo caminho por onde tinha vindo.
Escondidos nos portões surrados que levavam para fora da cidade, eles olharam para os homens vestidos de preto ao longe.
Ao que parece, eles não tinham notado a presença deles. Os homens estavam esperando em silêncio. Eram seis ao todo. O número de autômatos era equivalente. Olhando mais de perto, haviam mais cinco pessoas espalhadas, como se estivessem cercando a colina.
— O que fazemos, Raishin?
— Bem, primeiro vamos até a polícia.
No meio de suas palavras, ele compreendeu que isso não seria possível.
Várias figuras podiam ser vistas nos fundos e perto do centro da cidade. Homens de terno preto e policiais. Quando ele os viu trocando apertos de mão, um alarme soou na cabeça de Raishin.
Eles têm a polícia do seu lado…?
Ele não sabia como os homens haviam conseguido isso, mas era melhor supor que a polícia já estava do lado deles.
Quem diabos eram eles? Griselda estava lutando sozinha e sem poder contar com nenhuma ajuda.
Raishin prendeu a respiração e deixou que as figuras de preto que se aproximavam de onde ele estava passassem. Os homens de ternos pretos se juntaram a seus camaradas. Pouco depois, eles começaram a se mobilizar. Começaram a subir a colina enfileirados.
Foi nesse momento que Raishin também se moveu.
Ele gesticulou para que Komurasaki se aproximasse e focalizasse seus sentidos. Ele aumentou seu poder mágico e o transferiu para ela.
Komurasaki ficou surpresa com o poder mágico de uma qualidade diferente da anterior e ficou em êxtase.
— Haan… incrível… é minha primeira vez sentindo algo assim♡.
— Não faça vozes estranhas! Bom, a Yaya não está aqui, então tudo bem.
Recebendo o poder mágico de Raishin, o corpo de Komurasaki brilhou com um tom branco-azulado. Era como se houvesse uma fina película brilhante ao redor do corpo dela. Raishin concentrou o poder mágico na ponta do dedo e tocou gentilmente essa película.
Em resposta ao poder mágico, a película mudou de aparência. O dedo de Raishin tocou o braço de Komurasaki— mas ele não sentiu nenhuma resposta ou poder mágico em sua mão.
O poder mágico penetrou completamente. Agora eu giro o sensor [Ativo] e…
Como a percepção ultrassônica de um morcego, ele explorou os arredores com a reverberação do poder mágico— que era a percepção [Ativa]. Em resumo, Griselda provavelmente queria mandar Komurasaki para longe devido ao bom resultado do sensor [Ativo] por meio do uso de [Fios].
No entanto, Komurasaki não podia ser notada através da percepção ativa.
Este era o poder original do circuito Yaegasumi. Uma invisibilidade perfeita.
— Você é incrível, Raishin. Quando foi que você ficou tão bom nisso?
— Eu disse, não foi? Estou estudando.
— Ah… então, Raishin, você tem estudado meu circuito esse tempo todo?
— Você é minha parceira agora, não é?
Komurasaki corou e acenou com a cabeça, parecendo feliz.
— Tudo bem, vamos explorar primeiro. Vou me preparar para prover reforços daqui. Você—
— Devo dar uma olhada na situação no castelo?
— Se ficar muito perigoso, volte, entendido?
— Entendido! Deixe comigo!
Komurasaki acenou animadamente com a mão e partiu para a colina imediatamente.
Então, e por cerca de duas horas, Raishin esperou sem se mover.
Ele desesperadamente suprimiu seu coração agitado e esperou pacientemente pelo retorno de Komurasaki.
Ele gostaria de poder compartilhar seus sentidos com um autômato sob seu controle, como Frey podia fazer. Ele não podia fazer isso com Yaya, e também não podia fazer isso com Komurasaki.
O tempo passou. O sol já estava bem alto no céu.
De repente, ele sentiu como se seu coração tivesse sido agarrado com força pela mão de alguém.
— Raishin!
O pressentimento era real. Com o rosto pálido, Komurasaki desceu correndo a colina.
Preparado para o perigo de ser descoberto pelo inimigo, Raishin subiu a colina correndo tão rápido quanto podia.
— O que foi? O que aconteceu?
— Temos que nos apressar! A Epsilon-chan vai ser morta!
Komurasaki agarrou-se ao braço de Raishin e o puxou com grande vigor.
Não houve tempo para hesitar. Raishin e Komurasaki saltaram para dentro do terreno do castelo ao passar pelos portões.
Havia um homem de terno preto, que parecia ser uma sentinela, no portão do castelo, mas eles passaram bem ao lado dele sem se preocupar.
Komurasaki puxou a mão de Raishin e correu para dentro da casa. Eles correram pelo corredor e foram cada vez mais para o interior. Ao passar pelos homens de ternos pretos, Raishin contabilizou seus números e posições em sua cabeça.
Por fim, Komurasaki entrou em uma sala de convidados. Um lugar que provavelmente costumava ser uma capela. O teto era alto, e vitrais com imagens religiosas adornavam as paredes.
Dois homens de ternos pretos estavam parados na entrada. Griselda estava imóvel atrás deles. E diante dela, Epsilon segurava sua espada de prata. E—
Aquele homem loiro estava no centro da sala.
Ele sentiu-se incondicionalmente assustado, tal qual uma fera ao perceber as forças e as fraquezas de si mesma e de sua presa.
Raishin ficou assustado e se encorajou com afinco.
Acalme sua raiva. Primeiro, identifique o inimigo… Ele não está acompanhado por um autômato?
De repente, a figura do homem loiro foi engolida pelas chamas.
As chamas desapareceram em um instante e explodiram em outro ponto— bem diante de Epsilon.
As chamas imediatamente se transformaram no homem loiro… Raishin supôs que aquilo fosse um tipo de teletransporte que usava as chamas.
O homem loiro agarrou o pescoço de Epsilon e a ergueu no ar.
— !
Inesperadamente, e em um piscar de olhos, a mão de Griselda se estendeu para sua espada.
No entanto, ela se conteve. Griselda imobilizou sua mão direita com a esquerda e desviou o olhar.
— Epsilon-chan!
Raishin controlou Komurasaki, que estava prestes a sair correndo, com sua mão.
Ele não entendia a situação. Ele não se sentia à vontade sobre o motivo de Griselda não estar mostrando reação.
Acima de tudo, aquele homem era perigoso.
Ele não tinha notado sua presença ainda. Raishin controlou seu coração inquieto e avaliou a situação.
O homem loiro olhava para Griselda com um olhar que lembrava muito o de uma águia olhando para sua presa.
— Senhorita Weston. Este é o último autômato?
— …Isso mesmo. Não há nenhum outro autômato nesta mansão.
— Destruindo isso, meu trabalho estará completo. Você sabe por quê?
— …Eu sei.
Griselda fez uma careta de dor. Essa era a primeira vez que ela mostrava uma expressão facial assim.
— No entanto, há outra escolha para você. Posso ouvir o que você escolheu, Senhorita Weston?
— …Eu.
— Isso não é… necessário… mestra…!
Apesar de sua garganta estar sendo esmagada, Epsilon falou com bravura.
— Eu… não quero… ser um incômodo para… minha mestra.
A dor percorreu o rosto de Griselda. Ela apontou o rosto para baixo abaixando a cabeça.
Uma longa hesitação. Sua respiração estava perturbada e seu cabelo arrumado subia e descia várias vezes.
Por fim, e como se tivesse acabado de reunir forças, Griselda murmurou.
— …Sinto muito, Epsilon.
Essa foi sua resposta. O homem loiro exalou como se estivesse decepcionado,
— Nesse caso, esta boneca será des.
Raishin não ia permitir que ele terminasse de falar.
Raishin fechou a distância com um salto e chutou o braço do homem loiro.
No entanto, ele não sentiu que tivesse o atingido. No momento do golpe, o braço do homem se transformou em chamas, e o chute acabou acertando apenas vapor.
Graças a isso, a restrição de Epsilon foi cancelada e ela caiu no chão.
A perna de Raishin pegou fogo em um instante.
Chamas mágicas. Raishin rolou no chão para apagá-las. A dor da queimadura e a interferência mágica acabaram quebrando o valioso Yaegasumi.
— Você! Discípulo idiota! Por que você voltou!?
Reconhecendo Raishin, a voz de Griselda ficou mais alta.
Os dois homens de ternos pretos na entrada prepararam seus autômatos— mas o homem loiro ergueu a mão e os impediu.
No momento em que fez contato visual com o homem, Raishin sentiu arrepios em todo o seu corpo.
Esse cara… é um monstro…!
Magnus e o Diretor eram diferentes. O poder mágico daquele homem era infinitamente gélido.
Forçando sua mente assustada a se controlar, Raishin animou sua alma.
— …Desculpe. Eu não sei quem você é, mas ela é minha amiga.
— Quem é sua amiga aqui desuu… seu discípulo imbecil e inútil!
Epsilon o destruiu enquanto tossia.
O homem loiro desviou os olhos de Raishin e voltou sua atenção para Griselda.
— …Senhorita Weston?
— Por favor, espere, Räikkönen-dono! Este idiota não tem nada a ver com isso! Ele apenas está se hospedando aqui. E se algo acontecesse com ele, não seria um inconveniente para você?
— Mesmo que um aluno da Academia desapareça, isso não passará de uma notícia de terceira página.
Um brilho alegre, semelhante ao da lua no meio do inverno, perfurou o rosto de Griselda.
— Você sabe disso, não é? Você é um Wiseman inteligente.
— …Eu sei.
Griselda deu um passo à frente de Raishin e o empurrou para trás com suas costas.
— Afaste-se, seu discípulo idiota. Fique parado num canto.
— Ei, por que você está dizendo algo tão egoísta? Eu faço o que eu quiser—
Assim que tentou empurrar Griselda para longe, o corpo de Raishin parou de se mover.
— Oshishou… sama…!?
O dedo indicador de Griselda tocou o pescoço de Raishin.
Um [Fio] foi distribuído diretamente nele, e Raishin facilmente perdeu o controle sobre seu próprio corpo.
Durante esta interação, o homem loiro— Räikkönen— passou diante de Raishin e aproximou-se de Epsilon. Ela continuava sentada no chão.
Komurasaki, que não havia dito nada durante todo esse tempo, gritou com uma expressão que deixava claro que ela estava à beira das lágrimas.
— Raishin! O que deveríamos fazer!?
Raishin estava confuso. Komurasaki ainda não havia sido notada por ninguém. No entanto, seria imprudente que Komurasaki fizesse algo. Acima de tudo, mesmo que quisesse dar instruções, ele não conseguia mover nem sequer um dedo!
Komurasaki parecia ter tomado uma decisão. Ela fez um som com a garganta e disse,
— Eu, eu vou fazer isso!
— É inútil, Komurasaki.
Foi Epsilon que reprovou a imprudência de Komurasaki, não Raishin ou Griselda.
— Eu sei que você está aqui desuu. Mas por favor não faça nada desuu.
Ela não deveria ser capaz de vê-la, e ainda assim estava se dirigindo diretamente a Komurasaki!
Epsilon se levantou cambaleando e ergueu o rosto.
Ela mostrou um sorriso agradável diante de um perplexo Räikkönen.
— Obrigada, Komurasaki. E adeus.
Epsilon abriu as duas mãos, olhou para a pessoa à sua frente sem nenhuma timidez e declarou triunfantemente.
— Agora, faça o que quiser! Seu maldito General!
— Eu devo fazer isso.
Sem misericórdia, a mão direita de Räikkönen perfurou o peito de Epsilon.
Raishin ficou furioso. Ele fez tanta força que seus músculos pareciam que iriam se dilacerar em pedaços. No entanto, o poder do controle de Griselda sobre ele não diminuiu nem um pouco, então seu corpo não se movia.
O braço de Räikkönen se transformou em chamas dentro do corpo de Epsilon.
Ele queimou até a exaustão em um piscar de olhos, deixando um grande buraco no peito de Epsilon.
O peitoral, o material usado para fazer a pele macia e a moldura interna desapareceram completamente.
Epsilon caiu lentamente de joelhos e prostrou-se no chão de barriga para baixo.
Komurasaki deu um grito silencioso. Era isso ou ela estaria chamando o nome de Epsilon?
Algo estalou dentro da cabeça de Raishin.
— Maldito…!
Os ouvidos dele zumbiam. Seu cabelo estava em pé e seus músculos ondulavam. A parte mais interna de seu corpo, a parte onde ficava seu coração, ferveu e um extraordinário poder mágico começou a jorrar.
— O quê… pare…!
Raishin venceu a restrição do [Fio] e começou a se aproximar de Räikkönen um passo de cada vez.
De repente, um choque o atingiu lateralmente.
Enquanto era atirado para o lado, ele notou que Griselda havia brandido sua espada com uma expressão desesperada.
Ele havia recebido um golpe da Stratocaster? A espada permanecia na bainha, mas Raishin vomitou sangue enquanto rolava pelo chão. Então acabou atingindo uma parede e parou de se mover.
— …Eu te disse para parar, seu discípulo idiota.
Griselda se voltou para ele. Ela falou com uma voz monótona e sem emoção.
— Obrigado por sua cooperação, Senhorita Weston. Com isso, agora você já não possui armamentos.
Vestindo seu capuz, Räikkönen disse com indiferença.
— Voltarei a visitá-la amanhã. Quando a hora chegar, gostaria de escutar uma resposta mais favorável.
Sem parecer sentir qualquer tipo de emoção, ele saiu, acompanhado dos homens de ternos pretos.
Raishin não conseguiu se levantar até que suas presenças desaparecessem completamente dos terrenos da mansão.
Komurasaki cambaleou enquanto corria na direção de Epsilon.
— Raishin! Raishin! Me ajude, depressa! Socorra… a Epsilon-chan!
— …É impossível, donzela das flores.
Griselda respondeu no lugar de Raishin, que ainda não conseguia se mover.
— O coração dela não existe mais. Ela não pode mais ser salva.
Komurasaki soluçou. Incapaz de suportar aquilo, Raishin se enfureceu.
— O que… diabos há de errado com você!? Como você pode dizer algo assim.
Ele tentou gritar com ela, mas não conseguiu.
Griselda estava chorando.
Lágrimas transbordavam de seu olho direito. E talvez também de seu olho esquerdo, que estava oculto pelo cabelo.
Vendo as lágrimas de Griselda, Komurasaki também parece ter percebido.
Epsilon não podia mais ser salva.
Ela estava morta.
Soluços escaparam. Komurasaki agarrou-se ao cadáver de Epsilon e chorou, levantando a voz.
Griselda deu as costas para ela para esconder o rosto em prantos e tentou sair para o corredor.
Ela estava prestes a sair, mas parou por um momento e disse a Raishin,
— …Você ficará aqui por esta noite. Mas você irá embora amanhã de manhã. Não venha mais ao meu quarto. Este jogo de professora e aluno que venho fazendo com você termina aqui.
— Não brinque comigo. Ao menos me dê uma razão.
— Cale-se! E dê o fora!
— Eu recuso! Você disse que eu me tornei o seu discípulo. O meu treinamento ainda está incompleto e você não vai nem sequer me contar o motivo pelo qual estou sendo expulso— é isso que uma professora deveria fazer!?
— …Vá para o inferno!
Griselda saiu cambaleando. Raishin cerrou os dentes e virou a cabeça para o centro da sala.
Epsilon não se movia mais.
Komurasaki ainda estava chorando.
A luz que passava através dos vitrais e envolvia as duas garotas era cruelmente bela.