Epílogo – O Demônio Convida
Tradução: Reiki Project
– Você quer fazer isso agora? Embora eu pessoalmente não recomende.
Apesar de terem recebido esse aviso, Raishin e Charl rapidamente decidiram desfazer a maldição.
O local era o grande salão subterrâneo, pouco antes da operação de resgate do Shin começar.
Alice preparou uma mesa para substituir o altar, depois de desenhar um círculo mágico no chão. Raishin foi instruído a ficar de frente para a pequena Charl, que estava sobre a mesa.
Tendo a atenção de Frey, Loki, Yaya e Sigmund, Alice começou a explicar o procedimento a ser realizado.
– Vamos agora começar a desfazer a maldição, mas— Raishin, você ama a Charl?
– Do que diabos você está falando agora!?
As pupilas de Yaya se contraíram rapidamente. Charl e Frey também estavam olhando para Raishin com expressões sérias. Normalmente, ele apenas evitaria a resposta, mas se aquela fosse uma pergunta relacionada ao cancelamento da maldição, ele não poderia fazer isso desta vez.
– Se falamos em odiá-la ou amá-la… sim, eu a amo.
– Sendo assim, apenas inclua esses sentimentos quando você disser o seguinte—
– Espere, não me diga que o comando de cancelamento é…!?
– De fato. O comando de cancelamento é “Eu amo você”.
– Sua! Por que você escolheu essas entre todas as outras palavras possíveis!?
– O cancelamento da maldição será ativado com três coisas. Primeiro, olhem um para o outro estando separados por não mais que dez centímetros. Segundo, pronuncie o comando com firmeza. Por fim, a proclamação deve ser feita sem qualquer traço de mentira.
– …Mentira?
– Significa que você precisa ser muito sincero ao dizer isso. Seja claro, isso mesmo, apenas lembre-se de alguma coisa boa sobre a Charlotte. Se você falhar, a Charlotte nunca mais irá voltar a sua forma original.
– Não brinque com isso! Como pode algo tão perigoso—
– Você não vai fazer? Você não vai fazer?
Charl olhou para baixo desanimada. Ela provavelmente estava nervosa. Ninguém poderia culpá-la por isso.
Raishin finalmente tomou sua decisão.
– Não tenho outra escolha!
Ele então respondeu com força.
Os olhos de Frey e Yaya doíam. Raishin tinha desistido de resistir quando moveu seu rosto para ficar frente a frente com o de Charl com um movimento rápido.
Os fervorosos olhos lacrimejantes de Charl. Sua expressão indefesa era estranhamente encantadora. Raishin começou a falar enquanto corava.
– Charl. Você é, bem… uma garota muito rude.
Charl caiu para trás.
– Você não é honesta e atira em qualquer um por qualquer coisa, sem nem ouvir o que eles têm a dizer.
– O que é isso!? Você quer brigar!?
– No entanto, como você conhece o código de obrigações da nobreza, você também é uma pessoa muito gentil com os outros e seus autômatos. É por isso que… eu realmente amo essa parte de você.
De repente, um som parecido com o de vidro se quebrando se espalhou pela área quando a maldição foi destruída.
– Você conseguiu! Consegui voltar ao meu tamanho normal—
Charl congelou no meio de sua declaração.
Ela estava completamente nua, e o rosto de Raishin estava a cerca de quatro centímetros do seu umbigo.
– Lu… Luster Cannon!
Parte 2
– Observar a Charlotte-san naquele momento foi ótimo.
Alice riu divertidamente.
O quinto andar do prédio da Faculdade de Medicina, a ala de tratamento do setor hospitalar. Alice estava sentada ao lado da cama, tendo uma conversa amigável com uma jovem estudante hospitalizada.
– T-Rex… então aquela garota era mesmo virgem, afinal.
A linda garota com cabelos loiros cor de mel que sorriu de forma provocante era Olga Saladin. Não uma transformação de Alice, mas a verdadeira Representante dos Estudantes.
Alice ajustou sua postura na cadeira e dirigiu seu olhar sério na direção de Olga.
– Permita-me agradecer a você, Olga. Graças ao seu apoio imediato, fomos capazes de revelar para a Família Real o segredo… de que o cadáver do Cedric estava nesta Academia.
Enquanto Raishin e Loki estavam atraindo a atenção representando o papel de iscas, a força principal— Frey e Charl tinham invadido o Armário para remover o cadáver daquele local.
– Você não precisa me agradecer, nós duas tínhamos um interesse em comum… Ainda assim, que drástico da sua parte. Não teria sido estranho o Diretor acabar sendo expulso.
A Alemanha tinha sido acusada de assassinar Cedric— mas caso o corpo fosse encontrado dentro da Academia, a Alemanha seria inocentada dessa acusação. A Grã-Bretanha e a Alemanha rapidamente se reconciliariam, evitando temporariamente uma guerra mundial.
– Meu pai é astuto e calculista. Ele não seria expulso por um erro como esse.
– É o que parece, se analisarmos os resultados. A desculpa de que isso foi obra de alguém maldoso que queria prejudicar a Academia— não só ele conseguiu de algum modo convencer a Família Real de que essa era a verdade, mas você também acabou livre depois de tudo que fez.
– Nós todos fomos tratados como pessoas que ajudaram a desvendar o segredo sob ordens do meu pai. O bastante para sermos condecorados ao invés de assassinados. Além disso— meu pai provavelmente também queria tornar isso público.
– Público? Por que razão?
– Ainda é muito cedo para uma guerra mundial— ainda não é a hora certa para o meu pai. No entanto, se ele tivesse exposto tudo sozinho, teria sido o mesmo que admitir que ele estava envolvido. Ele precisava de alguém… como nós para revelar o segredo.
– Se for assim, então pode-se dizer que todos vocês foram enganados para fazer exatamente o que ele queria, hein… E agora que você mencionou, no fim das contas não está realmente claro se todo esse incidente foi intenção da Academia ou não. Cobrir as pessoas com uma cortina de fumaça— um método realmente distinto daquele velho astuto.
Depois de sorrir desagradavelmente, Olga lançou um olhar na direção do relógio na parede.
– Hum. Já está na hora? Você poderia empurrar minha cadeira, Alice?
– Você está bem o bastante para sair?
– Estarei de volta na próxima semana. Eu nunca posso saber o que vai acontecer se deixar você continuar me substituindo, afinal de contas.
– Eu não me livrei do seu noivado?
– E por isso eu quase fui deserdada. Seus métodos são muito extremos.
Alice pegou a mão da sorridente Olga, enquanto a ajudava a se sentar na cadeira de rodas. As duas garotas tinham então começado a deixar o quarto do hospital.
Depois de descerem para o primeiro andar pelo elevador mecânico, saindo para o corredor—
– Bom dia, Representante dos Estudantes. Eu vim te buscar.
Um estudante atraente havia cumprimentado Olga com eloquência.
Um jovem rapaz com pele clara e cabelos loiros, cercado por uma atmosfera suave. Outro estudante alto estava de pé atrás dele— um estudante de cabelos loiros opacos e uma expressão severa no rosto, o qual estava cercada por um ar hostil.
Os irmãos Zekaros. Ambos eram pessoas influentes, membros dos Rounds. Aliás, o jovem gentil era o irmão mais novo, e o de expressão séria o mais velho.
– Desculpe, Alice. Aqui está bom.
– Vou ocupar o seu lugar agora, Senhorita Bernstain.
O irmão Zekaros mais novo havia chamado Alice por um nome nostálgico enquanto sorria inocentemente.
A situação em si não parecia motivo para sentir-se mal, mas Alice também não se sentia bem. Ela olhou silenciosamente para Olga, enquanto os irmãos a levavam consigo.
Parte 3
Dez minutos depois, Olga estava na sala de conferências do auditório principal.
Havia uma enorme mesa redonda na sala, e personalidades sentadas em cada um dos assentos ao seu redor.
– Obrigada por sua presença. Vamos agora iniciar as Conversas da Távola Redonda, então— companheiros Rounds.
Olga moveu seu olhar penetrante por todos os presentes.
Magnus estava sentado de frente para Olga. Apenas Hotaru o acompanhava.
Ao seu lado estava a Imperatriz, Sonechka. Pode-se dizer que ela estava usando o uniforme da Academia, mas era mais característico, não importa como se olhasse para ela. Ela usava uma saia longa e bufante, parecida com uma crinolina[i], enquanto seu colete parecia um espartilho. A área ao redor dos seios de sua blusa também tinha uma grande abertura— ela parecia muito mais uma dama do começo do século XX do que uma estudante.
No entanto, se tinha alguém que poderia chamar mais ainda a atenção, era a donzela sentada do lado oposto a Sonechka. Uma Yamato Nadeshiko[ii] vestindo um hakama[iii], acompanhada por dois homens às suas costas. Sua aparência não tinha qualquer traço do uniforme da Academia. As únicas coisas ocidentais em sua vestimenta eram seus laços e as botas.
No entanto, o indivíduo mais escandaloso era um homem com uma revista sobre a cabeça e as duas pernas sobre a mesa. A única pessoa naquele local que não demonstrava um pingo sequer de cortesia.
Além deles, havia também um estudante transferido da Índia, os irmãos Zekaros, uma mulher carregando uma espada negra e um jovem que aparentava não ter mais de dez anos de idade.
O último membro era o prodígio e orgulho da Grã-Bretanha, o Executivo-chefe da Festa Noturna, Cedric Grandville— entre todos os presentes, apenas Magnus e Olga sabiam que aquele não era o verdadeiro.
Excluindo Charl e Loki, que não foram chamados, todos os atuais Rounds estavam naquela sala.
– A razão pela qual convoquei esta reunião não é outra, senão— a questão envolvendo o Penúltimo e o Imperador da Espada. Como todos vocês já sabem, eles continuam avançando invictos— tenho certeza de que ninguém mais pode pará-los.
O irmão Zekaros mais novo começou a distribuir alguns documentos. Os papeis continham as instruções para o plano proposto.
Todos os presentes começaram a ler em silêncio. Olga continuou falando, depois de verificar calmamente cada um deles, procurando por quaisquer mudanças em suas expressões.
– Deixando de lado os estudantes, também temos recebido reclamações vindas de fora da Academia. É realmente uma situação desagradável para os executivos, mas— infelizmente, nenhum regulamento está sendo quebrado quanto a Festa Noturna em si. Por essa razão, unindo forças por uma causa e usando métodos justos até o fim, eu gostaria de interv—
A Imperatriz, Sonechka, levantou-se rápida e graciosamente.
– Você vai embora, Sonechka?
– Peço que me perdoem. Eu não tenho intenção de participar desta conspiração.
Apesar de suas maneiras elegantes, seus olhos ardiam como uma chama. Ela parecia ofendida. A Imperatriz se virou para deixar a sala daquele conselho estudantil. O som de seus passos ecoou pela sala.
O irmão Zekaros mais novo forçou um sorriso em seu rosto.
– Uau. Já perdemos uma.
– Ela disse apenas que não planeja participar desta “conspiração”. Não podemos ter certeza de como ela irá agir. Talvez, inesperadamente, ela possa acabar tomando a iniciativa sozinha— Magnus?
Olga olhou para frente. O homem com a máscara de metal havia se levantado silenciosamente.
– Você também vai embora?
– Eu entendo sua proposta. Infelizmente, não estou interessado.
Magnus se afastou com Hotaru. Olga olhou para cada um dos presentes mais uma vez.
– Aqueles que se opõem a esta ideia, por favor se pronunciem. O que você acha, Princesa Izanagi?
Olga fez uma pergunta para a Yamato Nadeshiko. A garota rápida e ferozmente lançou um olhar na direção de Olga, mas—
Depois de perder a paciência de forma abrupta, ela olhou para baixo como se fosse uma flor murcha.
– …O que está acontecendo? Você está um pouco pálida… hum, você está chorando?
Os olhos de todos os presentes estavam focados na garota. Como Olga havia dito, o rosto da Yamato Nadeshiko estava coberto de lágrimas.
A garota rapidamente começou a soluçar. Ela não estava em condições de responder.
Um de seus dois servos, um homem fisicamente apto, levantou-se e se curvou no lugar de sua mestra.
– Desculpe-me, Representante dos Estudantes. A senhora no momento… huum, ela está com o que é conhecido como um coração partido.
– Coração partido— ela foi rejeitada por alguém?
Aparentemente, mencionar essas palavras tinha sido um golpe letal para a garota. A Yamato Nadeshiko saiu correndo da sala, cobrindo o rosto choroso com as mãos.
– Senhora!? Huuum… Por favor, controle-se! Estou dizendo para esperar!
– Como você pode ver, teremos que sair por hora—
O outro servo, um homem alto, disse essas palavras enquanto sorria educadamente. De alguma forma incompreensível, depois de pouco tempo três pessoas já haviam se retirado às pressas.
– Hum… bem, não importa. O que o novato tem a dizer?
Olga voltou sua atenção para o homem mais rude e menos voluntarioso da sala.
O garoto havia retirado a revista de sua cabeça, revelando um rosto inesperadamente atraente. Sua apatia doentia exalava uma atmosfera estranha.
O garoto suspirou depois de olhar brevemente para Olga.
– Tanto faz. Se vocês vão falar sobre isso, permitam que eu volte para o meu quarto. Eu quero dormir.
O garoto havia deixado o local depois de bocejar. O irmão Zekaros mais novo começou a rir.
– Que apatia!
– É claro. Ele é o Último, afinal.
– Ele entrou para os Rounds no lugar do Felix, certo?
– Suas notas são as piores da Academia. Seus exames de seleção foram todos deixados em branco, e ele nunca entregou nenhum relatório. A única razão pela qual uma pessoa assim ainda não foi expulsa desse lugar é apenas porque—
– Ele possui algum talento notável, eu me pergunto?
– Exatamente. Dizem que se lutasse a sério, ele estaria no nível de Sua Excelência, o Marechal. Embora ele nunca tenha mostrado esse lado sério.
– Heh… parece interessante.
– Há mais alguém que queira sair? Lembrem-se de que vocês não são obrigados a nada.
Olga questionou se mais alguém queria deixar aquele lugar. No entanto, mais ninguém se levantou.
– Nesse caso, vamos realizar esse plano com as pessoas presentes. Os Rounds aqui irão ter suas posições voluntariamente rebaixadas e, ordenadamente, pisarão no palco da Festa Noturna. Vocês todos estão livres para ajudar ou eliminar outros participantes. Entretanto, enquanto todos aqui não estiverem presentes no campo de batalha— é estritamente proibido lutar neste período de sete a oito noites.
– Isso só se aplica a nós, certo?
Cedric levantou a mão para confirmar sua dúvida. Olga respondeu acenando positivamente.
– Se Raishin, Loki ou Frey atacarem qualquer um de vocês durante este período, vocês podem responder na mesma moeda.
– Entendido. Como devemos chamar esse plano?
– Tem razão… estamos falando dos Rounds se aliarem a outros Gauntlets, formando grupos. Uma disputa entre peças, ataques surpresa, planejamento estratégico, entre outras coisas— portanto.
Olga assentiu com satisfação, tendo chegado a um consenso interno quanto ao nome perfeito para a operação.
– Que tal chamarmos de Guerra da Távola Redonda?
Olga olhou ao redor. Todos os presentes bateram as palmas na mesa. Um sinal de consentimento.
– Perfeito. Então, aqui e agora, vamos dar início a essa guerra. Prossigam com descrição, senhores.
Olga declarou corajosamente essas palavras, enquanto um pequeno dragão vermelho sorria, descansando em suas coxas.
Parte 4
Um Raishin desanimado estava descansando no primeiro andar da Faculdade de Medicina, dentro do quarto habitual.
– Isso realmente me dá vontade de vomitar.
– …
– Imensamente nojento. Eu quero vomitar.
– …
– Eu deveria sangrar de uma vez, para que eu possa purificar meus vasos sanguíneos.
– Então faça isso! Pare de reclamar comigo!
Finalmente perdendo a compostura, Raishin se levantou.
Loki, que estava na cama ao lado, já reclamava há um bom tempo.
– Do que você está reclamando depois que eu fui tão generoso a ponto de compartilhar meu sangue com você!?
– Seu miserável buscador de gratidão asiático. Você está apenas devolvendo o que te emprestei há um tempo atrás.
– Então não diga que é nojento, se originalmente era o seu próprio sangue!
– Silêncio. Você deve ser educado o bastante para devolver o que te emprestam exatamente como era quando te entregaram. Não misture impurezas.
– Como diabos eu poderia separar nosso sangue!? Na verdade, não me trate como impuro!
A porta do quarto se abriu de repente, enquanto Loki e Raishin continuavam a brigar.
– Que animado, Raishin. Eu podia ouvir vocês do corredor.
Alice entrou com um sorriso no rosto. Loki e Raishin ficaram em silêncio ao mesmo tempo.
– Ó? Parece que não sou bem-vinda aqui. Estou atrapalhando sua briguinha de casal?
– Pare de criar esses mal-entendidos distorcidos!
– Pare de criar esses mal-entendidos distorcidos!
Raishin e Loki responderam com uma harmonia amigável. Alice começou a rir.
– Se você está tão saudável, então venha comigo por um tempo. O Shin preparou um chá para nós.
Raishin não estava em ótimas condições devido ao sangue coletado dele. Ele também se sentiria mal por sair sem a Yaya ou a permissão do Cruel. No entanto, qualquer coisa era melhor do que ficar ali brigando com Loki.
Guiado por Alice, Raishin foi para o jardim da Faculdade de Medicina.
Uma mesa branca havia sido posta ali, e Shin estava esperando no local com um chá da tarde.
– Sente-se, senhor Akabane.
Shin havia puxado a cadeira para Raishin. Ele decidiu se sentar, mas não baixaria a guarda.
Por alguns minutos, Alice e Raishin tomaram seu chá em silêncio.
Ambos olhavam calmamente para as árvores ligeiramente descoloridas.
Depois de um tempo, uma dúvida tomou conta de Raishin. Ele hesitou por um momento, mas decidiu falar.
– Ei, daquela vez que você falou sobre as lesões no seu coração e tudo o mais…
– —Sobre uma Machine Doll?
– Você estava falando sobre você e não da Yaya, certo?
– —
– Você foi implantada com um circuito mágico e o Diretor busca obter uma Machine Doll— além disso, você também disse algo sobre pensar que você era o verdadeiro objetivo do seu pai. Em outras palavras… você é a Machine Doll da Academia?
– …Aquilo foi apenas uma suposição, algo em que pensei de forma egoísta.
Alice sorriu tristemente, colocando sua xícara de chá sobre a mesa.
– Sabe, Raishin, eu não nasci com um corpo saudável.
Alice acariciou o braço esquerdo. Não parecia estranho à primeira vista, mas tratava-se de um braço mecânico.
– A cirurgia mecânica foi necessária para salvar minha vida. O papai assumiu o controle da Academia quando eu tinha dois anos, e forçadamente iniciou o projeto de desenvolvimento de uma Machine Doll. Qualquer tipo de filha esperaria isso de seu pai. Que tudo o que ele fez foi para ser capaz de transformar sua filha em um ser humano normal.
– Então, a razão pela qual você executou todas as ordens do seu pai…
– Achei que eu tinha a obrigação de fazer isso, além de ter vontade de ajudar, caso ele realmente estivesse fazendo tudo aquilo por mim.
– …Como estão as coisas entre vocês agora?
– Nada mudou. Nem um pouco.
A posição dela. A atitude dele— Nada.
– Também é muito provável que essa seja a última vez que poderei tomar chá com você dessa forma.
De repente, a voz de Alice murchou.
Ela havia dito algo sobre isso. Algo sobre sua vida—
Raishin estava com uma expressão muito séria? Alice começou a rir.
– Que cara você está fazendo. Estou falando sobre como vou ter que me esconder até que tudo se acalme. Nesse tempo, é possível que você faça algo maluco novamente e acabe morrendo, então não poderíamos mais desfrutar de um chá, certo?
– …Então você estava se preocupando comigo.
No entanto, Raishin não conseguia se sentir mais calmo. Afinal de contas, Alice era uma especialista em enganar as pessoas.
Os olhos de Alice ficaram mais sérios que o normal, enquanto ela olhava para Raishin de forma abrupta.
– Ei, Raishin. Você não seria realmente meu?
– …Eu recuso.
– Então, como eu te disse antes… você não me faria sua?
– Eu também recuso.
– …Entendo. Que pena.
– Você é sua e de mais ninguém.
– —
– Quando você entender isso— quando você puder se aceitar como minha igual, então eu irei aceitá-la.
Alice ficou muito surpresa ao olhar para Raishin.
Depois de corar um pouco, Alice lançou a Raishin um olhar de lado, envergonhada.
– Posso tomar isso… como uma proposta de casamento sua?
– Não! Não distorça assim! Não importa como você olhe para isso, eu pretendia aceitar você como amiga!
– Sabe, a maneira como o receptor interpreta a mensagem é muito mais importante do qualquer que fosse a intenção do remetente. Mesmo que não seja sua intenção, se suas palavras ferirem alguém, elas se tornam uma ofensa— e uma vez que eu tomei isso como uma proposta de casamento, tudo o que você deve fazer agora é assumir a responsabilidade por suas palavras.
Antes que ela terminasse de dizer isso, Alice já havia se sentado no colo de Raishin.
O cheiro de seu cabelo, sua temperatura e o peso de seu corpo rapidamente colocaram em perigo o julgamento de Raishin.
Felizmente— ou como dizer— Raishin nem sequer teve tempo de cometer algum tipo de erro.
Um calafrio se espalhou por seu corpo. Depois de se virar timidamente, ele deu de cara com um sorriso macabro… Yaya estava espalhando uma aura negra atrás dele.
– Alice-san… por favor, afaste-se do Raishin enquanto a Yaya ainda está sorrindo…
– Acalme-se, Yaya! Você pode estar sorrindo, mas ainda parece arrepiante!
– Fique quieto, Raishin! Essa megera é especialmente perigosa! O bastante para enganá-lo e fazer com que você saia com ela!
– Ah, não diga que eu o enganei. O Raishin realmente queria se casar comigo.
– Não minta, Alice! Por que diabos você está complicando tudo!?
– Não estou mentindo. Veja.
Alice havia tocado seu brinco direito com um dedo, enviando energia mágica para ele. Naquele instante—
“Você ainda faria sexo comigo?”
“Eu não te deixaria dormir nem uma noite sequer.”
As vozes de Alice e Raishin ecoaram em uma gravação.
Um silêncio cobriu o lugar, como se o tempo tivesse parado.
Depois de um tempo, Alice foi a primeira a falar.
– Você está se esquecendo de que eu sou uma especialista? Eu sempre carrego instrumentos de gravação mágicos comigo.
– Raishin… você realmente disse isso?
Olhos completamente negros encararam Raishin. Uma gota de suor frio começou a escorrer de sua testa.
– Eu não vou ficar brava, então, por favor, me diga a verdade… eu não vou estrangular você enquanto aperto e destruo seus ossos, ou arrancar seu crânio com um tapa…
– Você realmente quer fazer isso!
– O Raishin é um idiota! Uwaaaaah!
Yaya saltou sobre ele. Raishin conseguiu escapar por um fio de cabelo, depois de empurrar Alice para o lado.
Um jogo de perseguição começou dentro do jardim. Alice observou Yaya e Raishin com um sorriso.
Shin exibiu uma expressão irritada enquanto enchia a xícara de chá de sua senhora.
– Você está de bom humor, senhorita.
– Isso mesmo, de bom humor.
– Bom saber. Por outro lado, minhas entranhas estão fervendo.
– O ciúme de um homem é deplorável. Mas… eu te perdoo por hoje.
– Posso interpretar que isso significa que estaria tudo bem se eu fizesse o senhor Akabane desaparecer?
– Espere! Que coisa perigosa é essa que você está dizendo!?
A voz de uma garota se ergueu vinda de um lado.
Charl estava de pé com os braços cruzados, enquanto Sigmund descansava sobre o chapéu dela.
– Não saia por aí dizendo coisas como a Yaya você também! Você vai apenas aumentar o perigo desnecessário!
– O mordomo da Família Rutherford é excelente, mas perigoso acima de qualquer coisa.
– Não seja desafiador!
– Não a incomode, Shin. A Charlotte apenas está preocupada com o Raishin.
– O quê— Na-não—!
– Estou enganada?
Charl não respondeu. Ela estava vermelha até as orelhas.
Ainda irritada, Charl sentou-se na cadeira de Raishin.
– Shin. Você poderia me servir um pouco de chá também?
– Entendido.
Shin serviu habilmente mais chá, e depois entregou um sanduíche de carne de frango para Sigmund.
Por um tempo, Charl apenas bebeu seu chá em silêncio.
Alice então notou como Charl constantemente olhava para ela de forma sorrateira. Sorrindo amargamente, ela decidiu prestar atenção.
– O que está acontecendo? Você tem algo para me dizer, certo?
– …É sobre o dia anterior, o comando para cancelar a maldição. Por que… hum… por que você escolheu uma frase estranha como aquela!?
– Eu pretendia escolher uma frase que o Raishin não pudesse dizer por engano, uma ação que ele não escolheria realizar em condições normais.
– O quê— você realmente tem uma personalidade degenerada, não é!?
– Eu sei perfeitamente disso. No entanto, isso se aplica a nós duas, certo?
– Guh… você pretendia me matar com aquela maldição, depois de ter escolhido uma frase daquelas?
– Eu sabia que o Raishin conseguiria destruir a maldição. Ou talvez eu devesse dizer… que eu confiava que ele conseguiria.
Charl ficou em silêncio, talvez tendo entendido o significado das palavras de Alice.
Alice sabia que Raishin destruiria aquela maldição. Que Charl voltaria ao seu tamanho normal. E também, que Raishin diria aquele comando…
– Por isso, aquilo foi uma expressão da minha boa vontade do meu próprio jeito. Fico feliz que você tenha gostado, princesa.
– Go-go-gostado!? De-de-de jeito nenhum! Algo assim—
Depois de negar com todas as suas forças, Charl olhou para Alice, frustrada.
– …Acho que não adianta negar. Você ainda vai conseguir ver através disso.
– Isso mesmo. Eu sou cerca de três vezes mais inteligente que você, afinal.
– Gugu…!
– Bom, todos na Academia já sabem que você está terrivelmente apaixonada por ele.
– Você está mentindo… certo? Você só está dizendo isso porque gosta de me torturar, certo!?
– Hum, o que poderia ser, eu me pergunto?
– Diga a verdade!
Alice riu enquanto se esquivava de Charl, que tentava agarrar seu braço.
Para outra pessoa, pareceria que elas estavam apenas brincando.
Raishin conseguiu notar aquele cenário enquanto era perseguido.
Yaya finalmente conseguiu saltar sobre ele—
– Elas parecem muito amigáveis. Eu me pergunto sobre o que elas estão falando?
– Quem sabe… mas o sensor da Yaya está apitando. A sede obscura de sangue do meu corpo… involuntariamente…!
– Não espalhe isso. Mantenha essa sede profundamente dentro de você!
Yaya sorriu vividamente depois de sair das costas de Raishin.
– Estou feliz pela Alice-san.
– Sim.
Pelo Shin também.
O mordomo falho que continuava a servir chá de forma inexpressiva e aparentemente desinteressada poderia parecer entediado à primeira vista, mas— Raishin agora entendia o quanto ele se sentia realizado por executar suas obrigações.
Raishin não tinha como saber o que aconteceu entre Alice e o Diretor, ou o que aconteceria de agora em diante.
No entanto, ao menos por hora, ela parecia ser livre o bastante para sorrir.
Isso era bom. Sem dúvidas.
Entretanto, a luta de Raishin ainda não tinha chegado ao fim.
Havia apenas pouco mais de um mês até que ele tivesse que lutar contra Magnus novamente. Até lá— ele precisava conseguir. Poder o bastante para derrotá-lo.
E assim, esta noite as cortinas da Festa Noturna se ergueram mais uma vez—
[i] Crinolina é uma armação em forma de gaiola que é usada pelas mulheres para aumentar a saia dos vestidos.
[ii] Yamato Nadeshiko é uma expressão usada pelos Japoneses para indicar uma mulher que possui atributos considerados tradicionalmente desejáveis na perspectiva masculina. Ou seja, é o ideal de beleza japonesa.
[iii] Hakama é uma vestimenta tradicional japonesa que cobre completamente as pernas do usuário com uma saia/calça longa. Normalmente é usado por homens que praticam artes marciais como aikido e kendo. As mikos, que são auxiliares em santuários xintoístas, são famosas por usarem um hakama vermelho muito característico.