Vol. 2 Cap. 161 Uma longa espera
Bem como Arran esperava, a força da Essência que permaneceu na cidade ficou mais forte conforme ele se aproximava do centro. Contudo, mesmo estando preparado para esse aumento, Arran não esperava sua magnitude.
Por volta de um quilômetro e meio do centro da cidade, a violenta pressão da Essência se tornou tão forte que até as ruínas e os escombros já pareciam ter se desintegrado. No lugar disso, o chão foi coberto por uma camada lisa por um material que lembrava um vidro escuro e turvo.
Arran realizou várias tentativas de coletar parte do material, mas sem sucesso. Nem os seus punhos ou a espada de metal – a única arma que podia resistir à Essência na área – deixaram o menor arranhão, por mais que ele tentasse.
No final, acabou desistindo de adquirir o material vítreo mas decidiu deixar a espada ao ar livre durante o treinamento. Essa espada aparentemente não foi afetada negativamente pelo ambiente hostil e talvez pudesse se beneficiar de alguma forma.
Uma vez que não havia mais ruínas obstruindo a visão de Arran, observou que os grandes edifícios construídos no centro da cidade se encontravam entre o que parecia ser um mar de vidro. Tudo o resto havia sido completamente obliterado, mas aqueles edifícios haviam resistido ao cataclismo quase intactos, mesmo estando no centro dele.
Isso só podia significar que eles foram protegidos de alguma forma, e isso deu a Arran a esperança de que ainda poderiam conter tesouros.
Contudo, as esperanças de Arran em relação aos tesouros no coração da cidade aumentavam, enquanto suas esperanças em alcançá-los diminuíam a cada dia que passava.
Todos os dias, ele passou horas sentado no meio da invisível mas violenta Essência que preenchia a cidade, absorvendo-a e usando-a para fortalecer seu corpo, como um martelo de ferreiro endurecendo o aço. Por mais eficaz que fosse o treinamento, a força da Essência que o envolvia parecia se tornar cada vez mais forte ao se aproximar do centro da cidade.
O lago de vidro percorria um quilômetro e meio do centro da cidade e, para atravessá-lo, Arran precisou levar duas semanas, e na segunda delas o progresso era de apenas cem passos.
Isso o deixou com apenas duas semanas a mais para percorrer a distância restante, o que era claramente impossível – caso seu instinto estivesse correto, o último trecho levaria mais tempo do que todos os anteriores.
Ele pensou um pouco sobre o assunto, mas não importava o quanto pensasse, ele não conseguia encontrar uma maneira de aumentar sua resistência à Essência mais rapidamente. Sem aumentar a resistência, ele não teria como percorrer todo o caminho – não sem ser gravemente ferido ou até mesmo morrer.
Desanimado, ele se dirigiu para fora da cidade pela primeira vez em meses.
Mesmo faltando apenas duas semanas, Snow Cloud poderia já ter voltado e, neste caso, Arran não queria se atrasar mais. Ainda que o treinamento na cidade pudesse beneficiá-lo, era inútil fazê-la esperar se não conseguisse atingir seu objetivo.
Sair da cidade levou apenas alguns minutos. Como ele já havia chegado aos limites da cidade várias vezes ao dia para se recuperar entre os treinos, a distância até a borda externa da formação era curta.
Assim que Arran saiu da cidade, não se surpreendeu ao descobrir que Snow Cloud não estava lá. Ainda restavam duas semanas para o encontro, e a tarefa dela estava longe de ser fácil.
Mas o que o surpreendeu – e de forma desagradável – era que seu sentido estava muito mais fraco comparado ao que era antes de entrar na cidade. Após meses suportando a pressão da cidade, ele percebeu que agora não conseguia observar o mundo de sussurros que existia fora dela.
Ainda assim, ele tinha confiança de que, ao deixar a cidade para sempre, o seu sentido iria se recuperar rapidamente. Como não havia sinais de danos permanentes, deve ser uma questão simples se acostumar com o mundo exterior novamente.
Mas primeiro, ele deveria continuar seu treinamento, pelo menos até que Snow Cloud voltasse.
As duas semanas que restaram se passaram rapidamente, e Arran progredia ligeiramente na cidade todos os dias, além de checar regularmente se Snow Cloud havia retornado.
Contudo, depois de três meses, não havia sinal dela, e Arran começava a se preocupar. Ainda que fosse possível que ela tivesse simplesmente se atrasado em sua tarefa, ele não podia deixar de pensar no que poderia ter acontecido com ela.
Mesmo preocupado, ele continuou seu treinamento. Mesmo que ele sentisse o desejo de sair em busca de Snow Cloud, ele também não definiria por onde começar a procurar e, no caso dela retornar quando ele estivesse procurando por ela, poderiam se passar meses até que eles se encontrassem.
No entanto, as suas preocupações causaram uma grande lentidão em seu progresso. Quando ele treinava, acabava se distraindo com mais frequência e, depois da primeira semana, passou a verificar fora da cidade várias vezes ao dia.
Passaram-se mais duas semanas assim, e Arran passava a maior parte de seu tempo fora da cidade, e mal conseguia obter resultados naquelas poucas horas que restavam para o treinamento todos os dias.
Só isso já teria sido suficiente para interromper seu progresso em direção ao coração da cidade, mas mesmo quando o treinamento de Arran diminuía, os obstáculos de avanço aumentavam aos trancos e barrancos. A esta altura, parecia que a densidade da Essência persistente dentro da cidade duplicava a cada passo adicional e, em duas semanas, ele não avançou nem doze passos.
Finalmente, ele desistiu.
Era impossível chegar ao centro da cidade em um período de tempo razoável, e as suas preocupações com Snow Cloud aumentaram ao ponto do seu treinamento ser prejudicado para ser útil. Prosseguir assim seria um exercício de futilidade, ele sabia.
Ele não gostava de admitir que havia falhado, porém não havia outra solução a não ser aceitar a derrota – pelo menos temporariamente. Ele retornaria à cidade em alguns anos e, até lá, conseguiria entrar e encontrar os tesouros que estavam no coração da cidade.
No momento, ele ficaria mais algumas semanas esperando por Snow Cloud fora da cidade, dando tempo para que seu sentido se recuperasse.
Se até lá a Snow Cloud não voltasse, ele sairia em sua busca – e nessa tarefa, ele não iria falhar. Não importa onde ela estivesse ou quanto tempo levasse, ele a encontraria, mas se alguém ficasse em seu caminho…
Só o fato de pensar nisso fez com que um sentimento frio de raiva surgisse em Arran, e ele levou algum tempo para se acalmar.
Vol. 2 Cap. 162 Inimigos
Os sentidos de Arran se recuperaram rapidamente depois que ele deixou a cidade. Por mais que a pressão da Essência dentro da cidade o tivesse desestabilizado temporariamente, esse efeito começou a diminuir depois de um dia que ele deixou a formação e, em uma semana, seu Sentido estava completamente restaurado.
Mesmo preocupado com Snow Cloud, a recuperação rápida não o confortou muito. Já havia se passado quase um mês desde que ela deveria ter retornado e, ainda assim, não havia sinal dela.
Por várias vezes, ele chegou ao ponto de sair em busca dela. No mínimo, isso poderia aliviar o vazio que recaía sobre ele enquanto aguardava do lado de fora das muralhas da cidade.
Esse também foi o seu plano original – seguir à procura de Snow Cloud assim que seu Sentido se recuperasse, e fazer de tudo para localizá-la e encontrá-la.
No entanto, depois de ter pensado mais sobre o assunto, ele se decidiu, relutantemente, por não fazer isso.
Ele mal sabia sobre a região no momento e, por tolice, esqueceu de perguntar a Snow Cloud qual era o local onde ela planejava procurar os cristais espirituais. Sem uma orientação para guiá-lo, procurá-la poderia levar meses ou anos, se é que a encontraria.
Mesmo odiando isso, o ideal era ficar fora da cidade e esperar, na esperança de que ela voltasse por conta própria. Ainda que isso o fizesse se sentir inútil, era mais provável que eles se reunissem do que sair em uma perseguição às cegas.
Sem ter nada a fazer além de esperar, Arran gastou seus dias estudando o selo em seu Reino da Destruição. O treinamento na cidade havia mostrado a ele uma pequena amostra de como fortalecer sua resistência à magia e, se o Ancião Naran estiver certo, assim que ele liberasse seu Reino da Destruição, ele conseguiria se fortalecer ainda mais.
Com o tempo, o Ancião disse a ele, que até mesmo magos poderosos teriam dificuldade em feri-lo, e até os Grão-Mestres temeriam seu potencial. Ele ainda estava longe de chegar a esse ponto, mas a sua experiência na cidade permitiu que ele acreditasse nas palavras do Ancião como verdadeiras.
Para se beneficiar de seu Reino da Destruição, ele teria que abri-lo primeiro. Embora ele tivesse feito um pequeno progresso no entendimento do selo, ele ainda estava longe de ser capaz de rompê-lo.Passaram-se várias semanas quando Arran permaneceu fora da cidade, dividindo seu tempo entre o trabalho do selo e a ansiedade na tentativa de encontrar algum sinal de Snow Cloud.
Seu trabalho com o selo obteve alguns pequenos resultados. Era evidente que para quebrá-lo levaria meses de trabalho dedicado, mais ele sabia que estava se aproximando cada vez mais de entendê-lo. Tudo o que ele precisava era um lugar onde pudesse ficar quieto e se proteger. Bastava ter um lugar silencioso durante vários meses para trabalhar nele e ele acreditava que seria capaz de desvendá-lo.
No entanto, a maior preocupação de Arran era Snow Cloud, que ainda não dava notícias.
A cada dia que passava, suas esperanças de que ela voltasse ficavam cada vez menores, e seu desejo de partir em busca dela ficava mais forte. O que o impedia era o fato de saber que, se ele saísse, poderia ser que ela voltasse e não o encontrasse mais, o que poderia levar muito tempo até que se encontrassem.
Ainda assim, com o passar do tempo, Arran ficou cada vez mais convencido de que algo havia dado terrivelmente errado. Finalmente, ele não suportou mais e resolveu sair da cidade e procurar Snow Cloud na região. Não importa quanto tempo leve, ele a encontraria. Caso alguém a tivesse machucado…
Rapidamente, ele descartou o pensamento, com receio de que só o fato de pensar nisso poderia se tornar realidade. Por ora, ele não abandonaria suas esperanças de encontrá-la ilesa.
Mas então, no dia anterior em que Arran planejava partir, ele avistou uma figura vestida emergindo da linha das árvores.
Por um instante, ele permaneceu imóvel, esperando que a figura fosse um estranho. Ele já havia chegado perto de perder a esperança de que Snow Cloud retornaria e, agora, era difícil acreditar que era realmente ela.
No entanto, acabou reconhecendo o manto e a figura e, depois que o choque passou, ele viu que era realmente ela. Ele havia retornado.
Rapidamente, ele correu até ela, e seu coração disparou no peito quando ele percorreu a distância entre eles com passos largos. Assim que ela o viu se aproximar, acelerou o passo também e, momentos depois, já estavam nos braços um do outro, com seus corpos entrelaçados em um forte abraço.
Durante vários minutos, permaneceram em silêncio, com o alívio inundando Arran ao ponto de deixá-lo sem palavras. Por um breve momento, o controle que ele tinha construído de forma tão delicada desapareceu, e ele só conseguia segurá-la em seus braços o mais forte que podia.
Snow Cloud foi a primeira a abrir o abraço e, quando ela o fez, Arran olhou para ela mais de perto. Ao vê-la, ele ficou imediatamente preocupado. Ela parecia estar exausta e ele pôde ver um traço de pânico em sua expressão.
Ele também viu que o rosto dela possuía várias cicatrizes novas. Há uma cicatriz totalmente curada na sobrancelha e outra na bochecha, ainda recente por estar vermelha. Aparentemente, ela correu um sério perigo no período em que ele estava treinando na cidade.
Antes que Arran pudesse dizer alguma coisa, Snow Cloud falou.
“Você tem que ir embora”, disse ela, com uma voz estremecida. “Eles estarão aqui em breve e você precisa ir antes que eles cheguem.”
“Eles? De quem você está falando?” perguntou Arran, com a preocupação substituindo o alívio que ele havia sentido momentos antes. “E o que aconteceu com você? Você está bem?”
Ela balançou a cabeça. “Não tenho tempo para explicar. Um grupo de magos está me perseguindo, vários deles, pelo menos, e logo estarão aqui.” Seu rosto ficou com uma expressão de dor. “Eu não deveria ter vindo aqui, mas eu queria vê-lo pela última vez…”
“Esses magos, o quão fortes eles são?” Arran a interrompeu. Ele entendia que havia problemas, mas a primeira coisa que eles tinham que fazer era resolvê-los. Depois disso, haveria tempo para conversar.
“A força deles não é o problema”, respondeu ela, demonstrando hesitação em sua voz. “Embora não sejam tão fortes como os novatos mais fracos da Chama da Sombra, eles vêm em um número muito grande para lutarmos.” Ela deu uma olhada amedrontada para a linha das árvores, com se esperasse que os perseguidores aparecessem a qualquer momento. “Você deveria ir embora agora mesmo. Ainda dá tempo de você escapar.”
Mesmo com o estado de medo da Snow Cloud, Arran suspirou de alívio com as palavras dela. Ele temia que os inimigos da Snow Cloud pudessem ser especialistas, ou até mais poderosos. Se esse fosse o caso, ele certamente lutaria para encontrar uma saída para a situação.
Mas se seus inimigos fossem apenas novatos, não havia com o que se preocupar.
Vol. 2 Cap. 163 Medo
Snow Cloud olhou para Arran como se ele tivesse enlouquecido.
“Você quer lutar com eles?!”
Arran balançou a cabeça. “Eu quero matá-los.”
“Você não pode…” A voz da Snow Cloud ficou rouca e ela deu uma olhada na cidade. “Você conseguiu encontrar algo no templo?”
“Não consegui alcançá-lo”, respondeu Arran, e acrescentou: “Mas consegui alguns benefícios ao tentar.”
“Mas há…”, Snow Cloud começou, mas de repente, seus olhos arregalaram e sua expressão ficou em pânico. “Eles estão aqui”, afirmou ela em uma voz baixa.
Arran olhou para a árvore e viu que um grande grupo de pessoas tinha surgido da linha das árvores. Pareciam ser pelo menos trinta, sendo que estavam a poucos passos dele e de Snow Cloud.
Apesar de sua confiança anterior, Arran não conseguiu deixar de sentir uma certa apreensão quando viu o grupo. Embora fossem mais numerosos do que esperava, pareciam quase assustadoramente calmos, se movendo com uma certeza suave enquanto se aproximavam.
Antes, o temor incomum de Snow Cloud o deixou confuso, mas agora ele começava a entender por que os perseguidores a haviam assustado tanto.
Existia uma aura de poder incontrolável em torno deles, como se estivessem fadados à vitória. Sua aproximação dava uma impressão de fatalidade, o que fez com que a confiança de Arran começasse a vacilar. Diante desse tipo de inimigo, não havia nada a fazer…
De repente, um sorriso apareceu em seu rosto.
“Esses bastardos astutos”, ele murmurou quando a sensação de pânico se dissipou quase que instantaneamente.
Essa sensação de pavor o afetou brevemente, mas ele percebeu que o sentimento era familiar – foi a mesma sensação que teve quando encontrou a criatura sem olhos na prisão da Academia e na fortaleza dos desertores. Só que dessa vez era bem mais fraca. Qualquer que tenha sido a magia que a causou, os perseguidores de Snow Cloud claramente eram menos habilidosos em seu uso do que a criatura.
Só o fato de saber o que era ajudou Arran a resistir, mas os efeitos de sua têmpera o ajudaram ainda mais. Com o aumento do controle físico e mental que a Têmpera havia lhe dado, não foi necessário muito esforço para resistir a esse ataque.
Snow Cloud, por sua vez, ficou visivelmente afetada. Embora ela já tivesse entrado em pânico antes, agora ela parecia quase congelada de medo.
Depois de pensar um pouco, Arran se dirigiu ao grupo de magos, deixando Snow Cloud para trás. A forma mais rápida de derrotar a magia que afetava a mente seria matar aqueles que a usavam e, até que estivessem mortos, quando mais longe ela estivesse da batalha, mas segura estaria.
Ele se aproximou rapidamente do grupo, andando em direção a eles de forma quase casual. Não adiantava se apressar – eles imediatamente saberiam o que estava acontecendo e atacariam. Era melhor diminuir a distância primeiro.
Ao se aproximar, notou que os magos se vestiam de forma idêntica, todos eles com túnicas cinzas simples, sendo que tanto os homens quanto as mulheres tinham a cabeça raspada como monges. Somente o homem na frente que estava vestido de forma diferente, com sua túnica cinza com franjas vermelhas.
O plano de Arran pareceu funcionar, porque ele podia sentir que os magos do grupo haviam reunido Essência, mas ainda não haviam o atacado.
“Você não tem medo de nós?”, disse o líder do grupo, com um toque de preocupação na voz.
“Eu deveria?” Arran respondeu, e continuou a se aproximar deles com um ritmo casual. A essa altura, a distância entre eles estava em apenas trinta passos e, com o passar do tempo, ele se aproximava mais.
Enquanto isso, os magos pararam. Como Arran esperava, sua aproximação calma havia deixado os magos sem saber o que fazer – qualquer pessoa que se aproximasse deles de forma tão relaxada só poderia ser um mago assustadoramente perigoso ou um louco e, caso fosse o primeiro, poderiam estar caminhando para uma batalha que não poderiam vencer.
“Afaste-se”, respondeu o homem, demonstrando certa preocupação. “Nosso conflito é com a garota. Não temos nenhum desejo de lutar com você.” Quando ele viu que Arran não mostrava sinais de parar, disse apressadamente: “Mantenha distância!”
“Por quê?” disse Arran. Agora, restavam menos de vinte passos entre ele e o grupo e, ainda assim, ele avançou em um ritmo casual. “Vocês têm medo de mim?” Ele sorriu largamente enquanto sua mão movia a espada.
Ao ver isso, os magos entenderam o que estava acontecendo, mas já era tarde demais.
Arran avançou como um raio, empunhando sua espada enquanto corria para o grupo de magos. Alguns ataques mágicos ainda o acertaram bem antes de ele cruzar a distância, que mal foram capazes de feri-lo e nem de longe foram suficientes para atrasá-lo.
O líder foi o primeiro a morrer, com o rosto contorcido de choque enquanto a espada de Arran atravessava seu peito. Os outros três morreram no segundo seguinte, com a espada metálica atravessando sem esforço as vestes, a carne e os ossos.
A essa altura, os outros magos lançaram seus primeiros ataques, mas Arran já se encontrava no meio do grupo. Somente alguns dos magos conseguiram atingi-lo, mas o caos repentino levou a que outros atingissem seus companheiros. Embora Arran tenha se livrado dos ferimentos, os magos atingidos não tiveram a mesma sorte, já que a explosão matou instantaneamente meia dúzia deles.
Mesmo antes de seus corpos caírem no chão, Arran se aproveitou do caos e matou mais seis, com a lâmina atingindo-os antes que tivessem a chance de se defender.
O massacre inesperado deixou os magos em pânico, e seu medo se intensificou ainda mais quando viram que os ataques deles não tinham efeito visível sobre Arran. Como eles perderam os seus últimos segundos com magias impotentes, Arran os atravessou como um demônio furioso, com a sua lâmina cortando-os como ratos.
A metade do grupo já estava morta quando os magos pensaram em sacar suas espadas. Se a magia deles era inútil, suas armas não se mostraram muito melhores, já que a força e a velocidade de Arran eram muito superiores às deles.
A cada respiração, um número maior de magos morria, mas não demorou muito para que o primeiro deles corresse em pânico, sua coragem foi destruída ao enfrentar um inimigo contra o qual não tinha como se defender. Momentos depois, todos os outros magos seguiram seu exemplo, tentando escapar da morte desesperadamente.
Mas Arran não pretendia deixar que nenhum deles vivesse para avisar os aliados. Mesmo que os magos tentassem fugir, ele os perseguiu, cortando-os sem piedade ou hesitação.
Assim que o último dos magos morreu, dois minutos depois do início da luta, Arran se virou e voltou para Snow Cloud.
Quando chegou até ela, viu que o medo em seus olhos havia desaparecido e entendeu que, de fato, tinha sido a magia dos perseguidores que a afetou antes.
Contudo, ela não parecia mais temerosa, e também não parecia aliviada. Ao contrário, sua expressão era de preocupação quando encarou Arran.
“Como você fez isso?”, perguntou ela, com a testa franzida. “O que aconteceu com você na cidade?”
Por um momento, Arran hesitou, mas então lhe deu um breve aceno de cabeça.
“Eu vou contar”, disse ele, “Se você me explicar quem eu acabei de matar e porque estavam perseguindo você”.
Vol. 2 Cap. 164 Cristais Espirituais
A Snow Cloud olhou para os trinta ou mais corpos que estavam espalhados pela grama, como se fosse confirmar que eles estavam realmente mortos. Por um momento, ela olhou para cima e encarou Arran.
“Eles são sacerdotes Eidaran”, disse ela. “Eles me perseguiram porque eu peguei um cristal espiritual.”
“Sacerdotes?” Arran franziu a testa. “Os magos dessa região são sacerdotes?”
“Nem todos”, respondeu Snow Cloud, “E nem todos os sacerdotes são magos. Mas pelo que aprendi, a maior parte do sacerdócio de Eidaran consiste de magos, e são os sacerdotes que controlam a maior parte da magia. Ou pelo menos controlavam até a queda do império”.
“Então, em que os cristais de espíritos se encaixam nisso?”
“Os cristais de espírito são como o sacerdócio Eidaran usa a magia. Embora os magos normais abrissem seus próprios reinos, os sacerdotes Eidaran recebiam um cristal de espírito assim que eram considerados dignos, e o cristal de espírito é o que lhes permitia usar a magia, desenvolvendo sua força à medida que a usavam. Quando morrem, o cristal espiritual é repassado para outro sacerdote”.
Imediatamente, Arran olhou para os sacerdotes mortos. “É possível usar os cristais espirituais deles?”, ele perguntou, considerando imediatamente as possibilidades.
Snow Cloud balançou a cabeça em resposta. “Sem uma preparação de anos, não é possível e, ainda assim, você não vai querer. Os sacerdotes utilizam os cristais espirituais para atingir o nível de seus antepassados, no entanto, depois disso, o progresso é quase impossível. Essa é uma abordagem terrível para a magia”.
Arran ficou com uma cara feia. “Então por que usá-los?”
“Tradição, eu suponho.” Snow Cloud deu de ombros. “Antes da queda de seu império, haviam muitos cristais espirituais poderosos. Só que os sacerdotes mais importantes morreram na guerra civil, o que destruiu os cristais espirituais com eles. Se você matou os que estavam atrás de mim, pode ter apagado a última esperança de sobrevivência do sacerdócio Eidaran”.
Arran olhou para os corpos. E mais uma vez, suas ações pareciam ter consequências de longo alcance. “Por que eles estavam atrás de você?”
Snow Cloud soltou um suspiro. “Eu prometi ensinar a eles uma maneira de obter e abrir Reinos em troca de um cristal espiritual. É por isso que fiquei fora por tanto tempo – eu passei meses ensinando a eles o básico da magia.”
“Presumo que o acordo não deu certo?”
Snow Cloud lhe deu um sorriso irônico. “Quando me dei conta de que eles não pretendiam cumprir sua parte do acordo e me dar um cristal espiritual, eu peguei um de seus túmulos e fugi.” Ela suspirou mais uma vez. “Eu não esperava que o monastério inteiro viesse atrás de mim.”
“Você devia ter ido”, disse Arran, com uma expressão pensativa no rosto. “Do ponto de vista deles, você tirou deles muitas das gerações de futuros sacerdotes.”
Ela assentiu com a cabeça. “Eu sei. Mas eu fiquei desesperada e pensei que eles não mandariam mais que alguns sacerdotes atrás de mim.”
“Acho que no final deu tudo certo”, respondeu Arran com simplicidade.
Mesmo querendo repreender Snow Cloud por sua imprudência, ele sabia bem que não estava em posição de fazer isso. Poucos minutos antes, ele atacou dezenas de magos com base apenas na crença desconhecida de que a magia deles não era forte o suficiente para prejudicá-lo seriamente.
“Eu já contei a minha parte, agora é a sua vez”, disse Snow Cloud. “Eu quero saber o que realmente aconteceu com você na cidade que permitiu que você fizesse… isso”. Com um gesto, ela apontou para os corpos espalhados pelo chão.
“É uma longa história…” Arran começou.
Ele já havia decidido contar a Snow Cloud sobre seu Reino da Destruição e explicou a história com calma, não omitindo nada além de seus encontros com Panurge. Explicou como ele tinha um Reino proibido, como o Ancião Naran disse a ele que era um Reino da Destruição que deveria fazer, e como ele havia treinado na cidade para aumentar sua resistência à magia.
Quando ele falou, a surpresa surgiu no rosto de Snow Cloud, e logo se transformou em choque. Assim que ele terminou de explicar os detalhes de seu Reino da Destruição e do seu treinamento na cidade, ela olhou para ele com indisfarçável espanto.
“Então você é resistente à magia?” Ela o olhou atentamente ao fazer a pergunta. “Quanto você consegue suportar?”
“Eu sou”, confirmou Arran. “Quanto à quantidade de magia a que posso resistir… eu posso suportar pelo menos vários ataques de força máxima sem me machucar muito. No entanto, qualquer ataque maior do que isso provavelmente ainda me causaria ferimentos graves.”
Snow Cloud assentiu enquanto ouvia, com emoção em seus olhos. Assim que Arran terminou a conversa, ela respondeu imediatamente. “Quando voltarmos ao Sexto Vale, você deve primeiro abrir seu Domínio da Destruição. Independentemente do tempo que levar, antes de fazer qualquer outra coisa. Isso…” Ela lhe deu um sorriso radiante. “Isso é incrível!” Arran se surpreendeu com a reação dela. Mesmo sabendo que seu Reino da Destruição oferecia a ele uma vantagem inimaginável para qualquer mago, o entusiasmo da Snow Cloud ainda parecia excessivo.
Percebendo a expressão confusa de Arran, Snow Cloud balançou a cabeça. “Você não entende o que isso significa. Caso você consiga desenvolvê-lo ainda mais e encontrar uma maneira de criar Pergaminhos do Domínio da Destruição…” Seus olhos brilharam de entusiasmo. “A Shadow Flame Society não vai mais precisar temer a Academia! Apenas alguns Grão-Mestres com um Domínio da Destruição podem enfrentá-los! Assim que o avô souber disso, ele vai…”.
“Você não pode contar a ele”, Arran a interrompeu apressadamente. “Ninguém mais pode saber disso.”
Snow Cloud olhou fixamente para ele por um momento, um tanto confusa, mas depois percebeu o que estava acontecendo.
“Você está certo”, disse ela, substituindo o entusiasmo anterior pela preocupação. “Se você continuar desenvolvendo isso, vai se tornar um adversário natural dos magos. Quando mais forte você ficar, os outros terão ainda mais motivos para temer você. Se os outros descobrirem sobre isso…” Ela deu a Arran um olhar preocupado. “Por que você me contou?”
“Eu confio em você para manter o segredo”, disse Arran em um tom sério. “Já tivemos nossas vidas nas mãos um do outro muitas vezes, e eu acredito que faremos isso novamente muitas vezes mais. Se eu mentir para você sobre isso, de que forma posso esperar que você tenha confiança em mim?”
Snow Cloud assentiu com a cabeça, pensativo. “Eu entendo”, afirmou ela depois de um momento. “Não vou trair sua confiança. Mesmo assim, quando você achar que é o momento certo, você deve contar ao vovô. Essa questão não afeta apenas a nós, mas a toda a Shadow Flame Society.”
“Antes de qualquer coisa, você precisa curá-lo”, respondeu Arran. “Agora que você tem cristais espirituais, só resta um ingrediente, certo?”
“Sangue de dragão”, confirmou a Snow Cloud. “Eu tenho uma ideia de onde encontrar dragões, mas obter o sangue deles… isso não será fácil.”
“Então precisamos reunir os pertences dos sacerdotes e partir”, disse Arran. “Quando partirmos, você pode me dizer qual é o plano.”
Rapidamente, começaram a trabalhar para coletar os cristais espirituais dos sacerdotes e todos os outros pertences que eles carregavam.
A remoção dos cristais espirituais foi um trabalho sangrento – ao que parece, os cristais ficavam localizados em seus peitos – e Arran se decepcionou ao descobrir que não possuíam sacos vazios, levando apenas alguns pertences escassos em suas mochilas e bolsos.
Ainda assim, nada disso foi suficiente para abalar seu humor.
Finalmente ele se reuniu com Snow Cloud novamente e, embora ela tivesse enfrentado dificuldades, ela não estava gravemente ferida. Só isso já seria o suficiente para deixá-lo de bom humor, e com os cristais espirituais resolvidos, em breve eles partiriam em busca dos dragões.
O simples fato de pensar nisso fez com que Arran ficasse animado. Na sua juventude, ele já tinha ouvido muitas histórias sobre heróis matando poderosos dragões, alguns até os domando e montando. Mesmo que não ousasse dizer isso abertamente por medo de parecer tolo, ele se perguntou se seria possível capturar um dragão.
Ele já se imaginava cavalgando um dragão feroz pelos céus, despejando fogo sobre seus inimigos.
Não demorou muito para que eles partissem após coletarem os pertences dos sacerdotes e, ao fazê-lo, Arran observou a cidade pela última vez enquanto ela se distanciava. Mesmo não tendo conseguido chegar ao centro da cidade dessa vez, ele sabia que voltaria no futuro e, quando isso acontecer, certamente encontraria os segredos e tesouros que ela guardava.
“Agora, sobre os dragões…” Snow Cloud começou.
Vol. 2 Cap. 165 Sobre Dragões
“A primeira observação que você deve saber sobre os dragões”, disse Snow Cloud, “É que eles são feras cruéis. São criaturas gigantes, ferozes e canibais, com o temperamento de cães raivosos e metade da inteligência.”
Arran franziu a testa de forma um tanto amarga. “Mas nas histórias contam que eles são inteligentes e têm poderes mágicos”, disse ele finalmente, se lembrando um pouco das histórias de dragões que ele tinha ouvido quando era jovem. Embora sejam apenas histórias, ele ainda não se sentia à vontade para abandoná-las.
“As histórias estão erradas”, Snow Cloud respondeu categoricamente. “Ou, pelo menos, quase todas erradas”.
“Então, qual é a verdade?” Arran perguntou, indisposto a abandonar seus sonhos de infância tão facilmente.
A expressão pensativa apareceu no rosto da Snow Cloud. “Eu acho que devo explicar como os dragões crescem. Isso deve dar a você uma ideia mais clara do tipo de criatura que estamos procurando.”
Ela respirou fundo e começou a falar, com Arran ouvindo atentamente.
“Os dragões nascem de ovos”, disse ela, “As fêmeas põem centenas de ovos por vez e logo abandonam o ninho. Depois que os filhotes eclodem, eles matam seus irmãos, lutam até que apenas um sobreviva e se alimentam dos corpos.”
“O único sobrevivente – já do tamanho de um cavalo – começa a caçar nas redondezas, matando e comendo tudo o que encontra. Animais, pessoas, outros dragões – comem tudo o que se move, e são suficientemente fortes para que até os especialistas tenham dificuldade em matá-los.”
Arran continuou ouvindo a Snow Cloud enquanto ela falava, mas a sua expressão foi se tornando feia. De acordo com a descrição da Snow Cloud, os dragões pareciam mais com bestas ferozes ao invés das criaturas mágicas das quais ele tinha ouvido falar em suas histórias de infância.
“Após um século de caça e alimentação constantes”, ela continuou, “Um dragão fica do tamanho de uma casa. Quando ele atingir a maturidade, ele criará asas, permitindo que caçasse em uma área ainda maior. Até lá, ele poderá se igualar facilmente aos Mestres em combate, com uma pele grossa resistente tanto à magia quanto às armas. Conforme ele vive, fica maior e mais forte, se bem que, por mais fortes e ferozes que sejam os dragões, são criaturas simples. Sua vida inteira consiste em caçar, comer e dormir.”
“Então os dragões não são inteligentes?” perguntou Arran, que agora se sentia um pouco desanimado. “E quanto à magia? Eu achava que eles podiam usar isso?”
“Os dragões não são naturalmente inteligentes”, respondeu Snow Cloud. “Mas à medida que passam séculos comendo qualquer ser vivo que encontram, absorvem constantemente grandes quantidades de Essência Natural. Se eles viverem o suficiente, isso permite que eles ganhem alguma inteligência – apenas o suficiente para praticar magia, o que ocorre muito raramente.”
Arran respirou com decepção e perguntou: “De que tipo de dragão precisamos?”
“Um jovem adulto”, respondeu Snow Cloud. “Com alguns séculos de idade, mas não mais do que isso.”
“Alguns séculos de idade? Você não me disse que um dragão de um século já é muito forte para se equiparar a um Mestre?”
Ainda que Arran estivesse ficando mais confiante em suas habilidades, ele ainda estava longe de ser capaz de se igualar a um especialista, muito menos a um mestre. Diante de um inimigo ainda mais formidável, eles não teriam a menor chance.
Caso o plano da Snow Cloud precisasse que eles derrotassem tal inimigo, não havia sentido em tentar – era melhor voltar atrás agora, porque mesmo com toda a sorte do mundo, não havia chance de sucesso.
Porém, a Snow Cloud simplesmente acenou com a cabeça em resposta, com uma expressão confiante, mas Arran descobriu que ela devia ter pensado em algo que daria a eles pelo menos uma chance de sucesso.
“Não vamos lutar contra ele”, disse ela. “Vamos envenená-lo.”
“Envenenar?”
“Com os ingredientes que coletamos, podemos criar o veneno que foi usado no vovô.” Havia um certo orgulho nos olhos de Snow Cloud. “É isso que vamos usar no dragão.”
Arran deu um suspiro de alívio. “Então vamos esperar que o veneno mate o dragão e só então iremos coletar seu sangue?”
“Não exatamente”, respondeu Snow Cloud. “Os dragões são muito resistentes a veneno e, mesmo que esse veneno seja forte o suficiente para fazê-lo adoecer, ele vai acabar se recuperando. Uma vez que isso aconteça, seu sangue será um antídoto para o veneno.”
Arran franziu a testa. “Como podemos matar o dragão se deixarmos que ele se recupere?”
“Essa é a parte difícil”, disse Snow Cloud, com a expressão um pouco preocupada. “Precisamos atacá-lo no momento em que os efeitos do veneno começarem a passar, desde que ele ainda esteja fraco demais para lutar. Caso nos atrasemos demais, não poderemos derrotar o dragão. Se atacarmos cedo demais, o sangue do dragão vai me matar.”
“O sangue vai matar você?” Arran perguntou, confuso. “O sangue não é destinado ao seu avô?”
Snow Cloud respirou fundo e deu a Arran um olhar hesitante. “O antídoto no sangue do dragão será mantido apenas por alguns dias depois de sua morte”, disse ela. “Mas se eu mesma o tomar, essa imunidade será transmitida a mim e poderei usar um pouco do meu próprio sangue na cura do vovô.” Com um pequeno suspiro, ela acrescentou: “Pelo menos é assim que deve funcionar”.
Por vários períodos, Arran continuou em silêncio, observando Snow Cloud com espanto. Quando finalmente falou, ele não conseguiu conter a descrença em sua voz.
“O seu plano é encontrar um dragão tão forte quanto um Mestre, tentar envenená-lo de alguma forma, deixando que ele se recupere antes de lutar com ele, e então beber o sangue dele enquanto espera que ele não o mate?” Ele olhou para Snow Cloud com um olhar fixo. “E você acha que isso vai funcionar?”
Até agora, o entusiasmo que ele sentia em lutar contra um dragão não existia mais. O plano de Snow Cloud – caso pudesse ser chamado assim – soava como suicídio. Ele não fazia ideia de como eles poderiam envenenar o dragão, e isso era só o primeiro passo. Todos os passos seguintes eram pura insanidade.
“Eu sei que parece loucura”, respondeu ela. “Mas não conheço nenhuma outra maneira de curar o vovô. Se ele não se recuperar, isso não vai me afetar só a mim – sem ele, o conflito no Sexto Vale pode se transformar em uma guerra.” Ela olhou para Arran com desânimo. “Se não quiser vir comigo, eu entendo. Mas eu não posso voltar atrás.”
Arran não respondeu de imediato, demorando um pouco para considerar a situação. Para qualquer padrão razoável, o plano da Snow Cloud era completamente insano. Havia milhares de coisas que podiam dar errado, e a probabilidade de dar certo era quase inexistente. E mesmo assim…
Ele deu de ombros. “Eu o segui até aqui. Posso muito bem ir até o fim.”
O plano é pura loucura, mas não é mais louco do que enfrentar um exército inteiro ou batalhar com dezenas de magos sozinho.
Mais ainda, se fosse perigoso para os dois juntos, era praticamente impossível para Snow Cloud ter sucesso sem a ajuda dele – e era claro que ela não tinha intenção de voltar atrás, independentemente do perigo.
“Então, ficarei feliz em tê-lo comigo”, disse Snow Cloud, com um alívio visível em seus olhos. Por mais decidida que fosse, era evidente que ela entendia que tinha poucas chances de ser bem-sucedida sozinha.
“Existe uma coisa que você deve saber”, disse Arran.
“O que é? perguntou Snow Cloud.
“Se morrermos, vou culpá-la.”
Vol. 2 Cap. 166 Jornada às Terras do Dragão
“Eu acho que o seu mapa deve estar errado”, disse Arran, não conseguindo manter a exasperação em sua voz.
“Mas as montanhas deviam estar aqui”, respondeu Snow Cloud. Ela olhou mais uma vez para o mapa, só para confirmar que seus olhos não estavam mentindo.
Arran apontou para as vastas e planas pastagens que os cercavam. “Eu acho que devemos concordar que não é aqui que ficam as montanhas.”
Não havia nem um formigueiro na área, e muito menos a cadeia de montanhas que Snow Cloud acreditava ser a melhor chance de encontrar dragões.
A viagem havia se passado há mais de um mês desde que deixaram a cidade de Uvar para trás e, até agora, a jornada tinha sido mais tranquila do que o esperado. Além de não terem visto nenhum sinal de magos da Shadow Flame ou sacerdotes vingativos, não haviam encontrado nenhum bandido.
Em vez disso, só encontraram campos sem fim, repletos de fazendas ou vilarejos ocasionais.
A região estava excepcionalmente calma, mas ao contrário das ruínas do Império Eidaran, a região não estava abandonada. Pelo contrário, pareceu que a área evitou de alguma forma o tumulto espalhado pelas terras vizinhas, permanecendo calma e pacífica.
No entanto, mesmo sendo uma viagem segura e agradável, seus objetivos permaneciam indefinidos.
Snow Cloud possuía um mapa que mostrava a região de forma detalhada e, de acordo com ele, deveriam estar bem no meio de uma vasta cadeia de montanhas. Mas em vez de montanhas, só conseguiam ver pastagens gigantescas, que eram tão planas que pareciam que a terra em si estava zombando do mapa de Snow Cloud.
Os moradores locais também não ajudaram muito. Entre aqueles com quem conversamos, poucos tinham se aventurado por mais de um dia de viagem de sua própria aldeia, e ninguém tinha ido além da aldeia mais próxima. Arran pensou que a região era tão calma, porque seus habitantes tinham toda a curiosidade e ambição das rochas.Por outro lado, o modo de vida deles talvez fosse melhor. Ao contrário de Arran, pelo menos não estariam enfrentando dragões em um futuro próximo.
Durante vários dias, Arran e Snow Cloud prosseguiram em direção ao norte, percorrendo pequenas estradas de terra através da planície sem fim. Mas não importava quantos quilômetros de pastagens eles cruzassem, não existia sinal de montanhas no horizonte e, apesar do ambiente tranquilo, a cada dia que passava, ficavam mais frustrados.
Em mais uma manhã clara e ensolarada, passaram por mais uma pequena fazenda – que era uma das muitas que já haviam encontrado.
“Vamos tentar pedir informações”, disse Snow Cloud.
“De novo?” perguntou Arran. Até agora, eles já haviam perguntado a dezenas de fazendeiros e aldeões, mas em todas as vezes, só recebiam olhares interrogativos e olhares vazios.
“Tenho um bom pressentimento aqui”, respondeu Snow Cloud simplesmente.
Arran deu de ombros. “Acho que podemos tentar.”
Aos seus olhos, aquela fazenda não parecia diferente das dezenas que já haviam encontrado, mas não faria mal tentar novamente. Ainda assim, ele não esperava ter muito sucesso. Até onde ele podia ver, sua maior esperança era encontrar uma cidade ou um mercador viajante – uma pessoa que não passou a vida inteira sem se aventurar a mais de 30 quilômetros de sua casa.
Eles percorreram o curto caminho que ia até a fazenda e bateram na grossa porta de madeira. Por alguns instantes, não houve resposta, mas depois a porta se abriu lentamente, mostrando um homem idoso com o rosto enrugado.
O fazendeiro deu um olhar de avaliação para eles. “Vocês são viajantes?”
Snow Cloud sorriu para o homem. “Somos”, disse ela. “Esperamos que o senhor possa nos dar algumas orientações.”
“Não vejo muitos viajantes por aqui”, respondeu o fazendeiro, olhando cautelosamente para as espadas que Arran e Snow Cloud continha ao lado do corpo. “Para onde estão indo?”
“Estamos procurando as Montanhas Redpeak”, disse Snow Cloud.
“Você não vai querer ir para lá”, disse o homem, balançando a cabeça. “Aquelas terras são de dragões. Não se encontra nada de bom lá.”
Imediatamente, surgiu um sorriso radiante no rosto de Snow Cloud, que lançou um olhar rápido de triunfo para Arran e voltou para o fazendeiro. “Mesmo assim, ficaríamos gratos se você pudesse nos dizer para onde ir.”
O homem suspirou, demonstrando uma certa decepção em seus olhos. “Existe uma cidade no pé das montanhas, Relgard. Vocês vão encontrá-la uma ou duas semanas a nordeste. Sigam mais longe que isso e vocês vão acabar arriscando suas vidas.”
“Obrigado”, disse Snow Cloud, esticando a mão para dar ao homem algumas moedas de ouro.
O fazendeiro arregalou os olhos quando viu o ouro e apenas conseguiu gaguejar algumas palavras de agradecimento.
Depois que eles estavam a caminho novamente – agora em uma direção diferente – Arran deu uma olhada para Snow Cloud. “Provavelmente foi a primeira vez que ele viu ouro em sua vida”, disse ele.
“Ele mereceu”, respondeu Snow Cloud. Ela suspirou e acrescentou: “Se não fosse por ele, teríamos passado meses viajando na direção errada”.
“Pode ser que você não esteja fazendo um favor a ele”, disse Arran. “Esse tipo de riqueza, em um lugar como este… seria uma fortuna que se tornaria facilmente uma maldição.”
Ainda que algumas moedas de ouro sejam uma ninharia para um mago, para um agricultor seria uma fortuna incomparável. O suficiente para criar vários rebanhos de vacas, construir outra fazenda e até mesmo um pequeno vilarejo. O bastante para provocar inveja no coração de muitos.
Snow Cloud olhou preocupada para a direção da fazenda. “Eu poderia…”
“Agora é tarde demais para isso”, disse Arran. “Vamos esperar que ele saiba guardar um segredo.”
Agora que eles sabiam o caminho a seguir, eles conseguiram percorrer uma boa distância e, depois de duas semanas de viagem, atingiram o topo das montanhas Redpeak. Depois de alguns dias, conseguiram encontrar a cidade chamada Relgard.
Era a única colônia da região que poderia ser chamada de cidade e, para a surpresa de Arran, tinha a mesma aparência. Com paredes de pedra maciça e o que pareciam ser milhares de casas, era quase como se fosse uma cidade pequena.
Ainda assim, os viajantes eram incomuns o bastante para que Arran e Snow Cloud recebessem alguns olhares quando passavam, já que a cidade possuía apenas duas pousadas. Eles optaram por uma delas ao acaso, pagando um pouco de prata para os dois maiores quartos. O estalajadeiro os encarou com desconfiança, mas ao ver que eles carregavam muitas moedas, ele os recebeu de forma educada, ainda que um pouco relutante.
“Então, o que faremos a seguir?” Arran perguntou assim que eles se acomodaram.
“É melhor eu preparar o veneno agora”, disse Snow Cloud. “Vai levar uma ou duas semanas e, depois disso, podemos subir as montanhas e encontrar um dragão.”
Arran refletiu por um momento e depois balançou a cabeça. Ele não se importava de ter algumas semanas para tentar abrir seu Reino da Destruição, ao contrário, ele suspeitava que encontrar dragões levaria um bom tempo. Se eles passassem mais tempo aqui, seria mais demorado retornar ao Sexto Vale.
“É bem melhor se eu for à frente quando você fizer o veneno”, disse ele. “Isso vai nos poupar tempo, mas quanto mais cedo isso for feito, melhor.”
“Tudo bem”, respondeu Snow Cloud, apesar de não parecer entusiasmada com a ideia. “Só tome cuidado. Caso encontre um dragão, fique bem longe dele.”
Arran retornou para a sala comum, ignorando os olhares atentos dos outros hóspedes ao se aproximar do estalajadeiro.
“Eu estou pensando em explorar as montanhas”, disse ele. “Você sabe se tem algum guia que esteja familiarizado com a área?”
“As montanhas?” O estalajadeiro fez uma cara feia. “Você não vai querer ir para lá. Há dragões lá.”
“Eu sei”, respondeu Arran. “Mas gostaria de encontrar um guia mesmo assim.”
“Só um louco o guiaria para as montanhas.” O estalajadeiro olhou para a moeda de prata que Arran tinha deixado para ele, em seguida, encolheu os ombros, pensando que a segurança do estranho não era problema dele. “Então, eu acho que você vai querer o velho Crassus. Pode encontrá-lo na taverna no final da rua.”
Vol. 2 Cap. 167 Perseguindo Dragões
O ambiente da taverna exalava um ar denso de cerveja vencida e, mesmo sendo o meio do dia, seu interior estava quase completamente escuro, e as poucas janelas do prédio eram pequenas e cobertas de sujeira marrom-amarelada.
Nela, estavam pouco mais de uma dúzia de habitantes locais, a maioria já embriagada, mesmo que fosse cedo. Poucos deles olharam para Arran assim que ele entrou na taverna, mais logo voltaram a atenção para as bebidas à sua frente.
Arran observou a sala e depois se dirigiu ao dono da taverna. “Eu quero uma caneca de cerveja e uma garrafa de conhaque”, disse ele, pondo uma pequena moeda de prata no balcão.
“Você é um viajante?”, perguntou o homem, lançando um olhar curioso para Arran.
Arran respondeu com um aceno de cabeça. “Eu estou procurando por alguém chamado Crassus.”
O gerente da taverna colocou no chão uma caneca de cerveja com uma garrafa com aparência suja e deu a Arran um olhar inquisitivo. “Quem está perguntando?”
“Alguém com pouca paciência para estranhos intrometidos”, respondeu Arran sem rodeios.
Ele franziu a testa, mas após dar uma rápida olhada na espada de Arran, a expressão desapareceu. “Ele está ali”, disse ele, indicando uma pequena mesa no canto da taberna.
Havia na mesa um homem de rosto corado, de meia-idade, corpulento e cabelos mais grisalhos do que pretos.
Arran aproximou-se da mesa e perguntou: “Você é Crassus?”
“Sou eu”, o homem corpulento respondeu. Ele olhou com avidez para a garrafa na mão de Arran. “Você vai dividir isso?”
“É toda sua.” Arran pôs a garrafa sobre a mesa. “Eu só preciso lhe fazer algumas perguntas.”
Crassus abriu a garrafa e tomou um gole. Depois, ele deu a Arran um olhar de avaliação. “O que você quer?”
“Estou procurando um guia”, respondeu Arran. “Alguém que conheça as montanhas.”
“As montanhas?” Crassus bufou, depois deu outro gole na garrafa. “Você não quer ir para lá. As montanhas estão repletas de dragões.”
“Eu sei”, disse Arran. “Estou buscando alguém que saiba onde encontrá-los.”
Diante disso, o homem fechou os olhos. Por vários minutos, se manteve em silêncio, até que finalmente disse: “Eu posso fazer isso, mas vai lhe custar caro”.
“Quanto?”
“Será perigoso…” Crassus olhou para Arran pensativamente, procurando saber quanto poderia pedir. “Talvez uma dúzia de moedas de prata?”
Arran jogou uma moeda de ouro sobre a mesa. “Isso deve ser suficiente, então.”
Crassus agarrou a moeda de ouro em um instante, com uma velocidade que surpreendeu Arran. Depois de olhar brevemente para a moeda, ela desapareceu em seu casaco.
Então, ele lançou a Arran um olhar preocupado. “Claro, para mim isso é suficiente, mas minha pobre família… minha mulher diz que me deixaria se eu fosse para as montanhas novamente.”
Arran não acreditava muito que o homem tivesse uma família, mas pôs outra moeda de ouro na mesa. Ele estava desinteressado em perder tempo regateando ouro.
“Isso é suficiente para comprar uma nova família para você”, disse ele. “E eu lhe darei mais dez se formos bem-sucedidos.”
O homem pegou rapidamente a segunda moeda de ouro e deu a Arran um olhar desconfiado. “Como posso saber se você vai me pagar quando voltarmos?”
“Eu poderia negociar com você meia dúzia de moedas de prata e outra garrafa de bebida”, disse Arran, começando a perder a paciência. “Agora, você está dentro ou não?”
Crassus pensou nas palavras de Arran por um momento, depois assentiu. “É justo.” Pegou a garrafa em sua mão, aparentemente para medir o que restava dentro dela. “Partiremos ao amanhecer. Encontre-me no portão leste.”
Ainda que Arran tivesse planejado partir imediatamente, ficou óbvio que seu guia não queria partir antes de esvaziar a garrafa. E uma vez que a garrafa estivesse vazia, Arran duvidava muito que ele estivesse em condições de viajar.
Em vez disso, ele retornou à estalagem e explicou a Snow Cloud os seus planos, sem contar muito sobre o guia que havia encontrado – não queria deixá-la muito preocupada, mesmo que fosse necessário.
Assim que amanheceu, ele foi para o portão leste da cidade, onde já encontrou Crassus esperando. Arran percebeu que o homem tinha o rosto corado e pálido e imaginou que Crassus tinha bebido mais do que apenas uma garrafa no dia anterior.
Ainda assim, o homem parecia bem-humorado – sem dúvida, já estava animado com a expectativa de ganhar a fortuna que Arran havia lhe prometido se eles fossem bem-sucedidos.
Ao se aproximar, Arran viu que Crassus carregava o que parecia ser um pacote de cobertores em seus braços.
“Pegue isso”, disse o homem, e então entregou a Arran um dos cobertores.
Esse cobertor era cinza e mofado, e Arran olhou para ele com certa confusão. “O que é isso?”, perguntou ele, querendo saber por que o homem de porte alto achava que ele precisava de um cobertor usado.
“É um cobertor”, disse Crassus.
Arran havia percebido isso e lançou um olhar intrigado para o homem. “Mas para que serve?”
“É uma forma de se esconder”, explicou o homem. “Os dragões são feras violentas, mas também são burros demais. Caso veja um, se esconda debaixo do cobertor e ele achará que você é uma pedra. Fique com ele sempre em mãos e você vai ter uma boa chance de sobreviver se encontrarmos um dragão.”
“Isso funciona?” Arran perguntou duvidoso.
O homem assentiu enfaticamente com a cabeça. “Salvou minha vida mais do que algumas vezes.”
Apesar de Arran ter mais confiança em seu Manto do Crepúsculo, ele não discutiu com o homem. Entre eles dois, apenas Crassus viu um dragão, e Arran aceitou seu julgamento.
Os dois partiram imediatamente, Arran estava tão ansioso em encontrar dragões quanto Crassus em ganhar seu ouro, e eles não levaram nem um dia de viagem para sair das colinas e chegar às montanhas propriamente ditas.
Para o alívio de Arran, o seu guia pareceu estar intimamente familiarizado com a área, e os conduziu com confiança por caminhos e desfiladeiros ocultos enquanto se aventuravam mais profundamente nas montanhas. Apesar de Arran ter duvidado das capacidades do homem, era evidente que Crassus tinha viajado pela área muitas vezes.
Durante a viagem, encontravam regularmente pequenos vales onde havia aldeias abandonadas há muito tempo. Parece que, em um passado distante, essas montanhas estavam repletas de pequenas comunidades, mas agora só restavam ruínas.
“O povo mudou com a chegada dos dragões”, explicou Crassus. “Segundo a lenda, esse é o motivo pelo qual Relgard é tão grande: quando os habitantes das montanhas deixaram suas casas, resolveram se estabelecer fora das montanhas, na esperança de que os dragões fossem embora.”
Aos poucos, foram se aprofundando nas montanhas e, conforme avançavam, Crassus ficava menos confiante. Na primeira semana, a velocidade deles já tinha caído pela metade, com Crassus insistindo para que explorassem todos os caminhos com cuidado antes de avançar, para evitar encontrar dragões.
Essa diminuição do ritmo causou uma leve frustração em Arran, mas não reclamou. Se o guia dissesse que era necessário, ele só poderia aceitá-lo – afinal, o homem conhecia muito mais sobre a região do que ele.
No final da primeira semana, percorreram mais um caminho íngreme por um penhasco ainda mais íngreme. No final dele, Arran encontrou um pequeno vale que continha o que parecia ser uma vila grande e abandonada.
Antes que Arran pudesse se aventurar, Crassus sibilou para ele: “Espere! A última vez que estive aqui, havia um dragão. Temos que ver se o caminho está livre antes de continuarmos”.
Por insistência do homem, passaram mais de uma hora esperando, observando a aldeia em ruínas atrás de algumas grandes rochas à procura de qualquer sinal de movimento. No entanto, não viram nada e, por fim, Crassus deu um suspiro de alívio.
“Você espera aqui”, disse ele a Arran. “Vou dar uma olhada rápida por aí”.
A essa altura, isso já era muito familiar para Arran. Quando encontravam vilarejos, Crassus sempre insistia em tirar um tempo para procurar objetos de valor que estivessem nas ruínas.
Arran descobriu que essa era a razão pela qual Crassus conhecia tão bem a região: frequentemente ele se aventurava nas montanhas em busca de objetos de valor nas aldeias abandonadas.
Arran se sentou em uma rocha, observando enquanto Crassus se dirigia para a aldeia. No entanto, após um momento, seus olhos se arregalaram ao ver um movimento – uma criatura grande, marrom-ferrugem, duas vezes maior que um cavalo, com um corpo poderoso e escamas de aparência afiada. Um dragão.
Mas enquanto Arran via o dragão, Crassus não percebeu o que estava à sua frente. Diversas casas arruinadas estavam entre ele e o dragão, sendo que cada passo que dava o aproximava da criatura.
Por um instante, o choque deixou Arran paralisado, mas então ele gritou: “Dragão!” Mesmo estando chocado, ele não conseguia deixar seu guia caminhar na direção da morte certa sem aviso.
O homem gordo reagiu instantaneamente, caindo no chão e se envolveu com o cobertor, se transformando no que se assemelhava vagamente a uma grande rocha.
Ao mesmo tempo, a enorme criatura virou sua cabeça para Arran. Ele abriu a boca, mostrando uma série de dentes semelhantes a adagas, emitindo um grito de arrepiar os ossos.
Depois, correu em direção a Arran.
Vol. 2 Cap. 168 Mais burro que pedras
Por um instante, Arran permaneceu congelado vendo o dragão se lançar em sua direção. A fera era absolutamente aterrorizante, uma gigantesca massa de músculos revestida de escamas afiadas, com longas e grossas pernas que terminavam em garras como picaretas. Apesar de seu tamanho, ele se movia de forma felina e com uma velocidade impressionante, atravessando metade da distância entre ele e Arran em questão de segundos.
E o pior é que Arran ainda não tinha para onde correr. O terreno rochoso do vale permanecia aberto por quase cem passos de cada lado dele e, atrás dele, o penhasco íngreme que eles tinham acabado de escalar – uma fenda de 121,92 metros de altura com nada além de pedras afiadas no fundo.
À medida que o dragão se aproximava dele, Arran rapidamente se moveu para trás, até que chegou à beira do penhasco. Foi um plano terrível, mas não teve outra escolha. A única coisa que ele podia fazer agora era torcer para que a criatura fosse de fato tão burra quanto Crassus e Snow Cloud disseram.
Um momento depois, a criatura estava quase em cima dele, exibindo seus dentes enormes em antecipação à matança. De perto, a criatura era ainda mais assustadora do que de longe, com seu peso fazendo com que parecesse mais uma avalanche que se precipitava em direção a Arran.
Mesmo com medo, Arran não tentou correr. Ao contrário, ele esperou pelo último momento, mantendo sua posição mesmo quando todas as fibras de seu corpo gritavam para que ele fugisse.
Em seguida, usou toda a força que seu corpo possuía e pulou para o lado.
A criatura golpeou Arran com as garras enquanto passava por ele, mas por pouco não o acertou. Então, ela chegou à beira do penhasco. Quando viu o abismo à sua frente, ela lutou para parar, mas não adiantou – entre sua enorme quantidade de massa e sua velocidade impressionante, o impulso era praticamente imparável.
O dragão deslizou pela borda do penhasco íngreme e despencou no abismo com um grito ensurdecedor. Poucos segundos depois, ele se espatifou nas rochas abaixo com um estrondo estrondoso.
Arran deu uma olhada imediata na borda do penhasco, deixando escapar um profundo suspiro de alívio ao ver a criatura imóvel no fundo do penhasco.
Até mesmo nos breves momentos em que o dragão ficou perto dele, ele se surpreendeu com a aura de poder que o envolvia. Não se tratava apenas da força física de um monstro do tamanho de um celeiro, ele sabia – ao se aproximar dele, ele sentiu que a criatura possuía uma quantidade impressionante de Essência Natural.
“Deveria ter usado seu cobertor”, uma voz soou atrás de Arran.
Quando se virou, Arran viu Crassus parado ali, seu rosto pálido e a testa coberta de suor. Por mais calmo que ele parecesse, era evidente que o encontro o havia abalado.
“Era tarde demais para isso”, disse Arran. “Ele já tinha me visto.”
“Não importa”, respondeu Crassus, limpando o suor do rosto com o cobertor. “Eles são burros como pedras, principalmente os mais jovens. É possível se esconder quando estiverem observando e, ainda assim, eles não saberão para onde você foi.” Ele olhou por cima do penhasco, depois disse: “Devemos nos mexer”.
“Ainda não”, disse Arran. “Quero dar uma olhada no corpo primeiro.”
“O corpo?” Crassus deu uma risadinha. “Ele não está morto. Está machucado, talvez, mas se passar algumas horas, ele voltará a se levantar, feroz como sempre.”
Arran encarou o homem com certa incredulidade. “Está me dizendo que ele sobreviveu a uma queda como essa?”
Crassus apenas assentiu com a cabeça. “Por mais estúpidos que sejam, já teriam morrido há muito tempo se não conseguissem aguentar um ou dois golpes. Precisamos sair daqui antes que se recupere. Caindo assim, deve demorar pelo menos algumas horas até… ei, aonde você está indo?”
Mesmo antes de Crassus terminar de falar, Arran correu pelo caminho estreito ao longo do penhasco. Caso o dragão se recuperasse logo, ele não podia se dar ao luxo de esperar – só havia uma pequena janela em que a criatura estaria atordoada por causa dos ferimentos, então ele não podia desperdiçar essa oportunidade.
Em poucas semanas ou meses, ele e a Snow Cloud enfrentariam um dragão muito maior e, mesmo que ele estivesse envenenado, Arran não duvidava que ele ainda lutaria.
Mas agora ele tem a chance de matar um dragão gravemente ferido e, com o cadáver, pode descobrir os pontos fracos das criaturas. Embora ainda fosse perigoso lutar contra um dragão gravemente ferido, os conhecimentos que poderia adquirir agora poderiam ajudá-lo a enfrentar um perigo ainda maior.
Um minuto depois, ele chegou ao fundo do penhasco, com seu corpo melhorado em Essência permitindo que se movesse muito mais rápido do que um cidadão comum. Em seguida, foi imediatamente em direção ao dragão ferido, desembainhando a espada ao se aproximar.
Quando se aproximou do dragão, percebeu que, mesmo que não estivesse morto, os ferimentos eram graves. Parecia que duas de suas pernas foram quebradas e podiam ver os ossos saindo de uma delas.
No entanto, mesmo com todos os ferimentos do dragão, Arran rapidamente percebeu que Crassus estava certo – ele ainda não estava morto. Era possível ouvir um som alto e estridente quando ele respirava e, mesmo com os olhos fechados, Arran viu que seu peito se movia a cada respiração.
Sem hesitar, ele resolveu atacar. De imediato, correu em direção à criatura, golpeando o pescoço com a espada de metal com toda a força que podia reunir – com força o suficiente para rasgar pedra ou aço com facilidade.
No entanto, mesmo tendo desferido o golpe com um poder devastador, ele se surpreendeu em ver que sua lâmina mal havia cortado um centímetro do pescoço da criatura, visto que suas escamas grossas resistiram facilmente ao impacto do golpe.
Arran posicionou-se para outro golpe, mas, bem antes que pudesse atacar, de repente, a perna dianteira da criatura, que não havia sido ferida, o golpeou. Arran já estava preparado para isso e recuou no instante em que viu a criatura se mover.
Mesmo assim, o dragão se movia com tamanha velocidade que as suas garras afiadas passaram de raspão por Arran enquanto ele se esquivava, causando três feridas no peito que mediam cerca de meio centímetro de profundidade. Ignorando a dor, ele deu mais alguns passos para trás, ficando fora do alcance das garras da criatura.
Ele demorou um pouco para se recompor, sua mente estava acelerada tentando pensar em uma maneira de matar a criatura que parecia quase imune a danos.
Naquele momento, a criatura abriu os olhos amarelo-escuros. Por um segundo, ele olhou fixamente para Arran com um olhar faminto e, em seguida, voltou a se mover para a frente, aparentemente sem se incomodar com as pernas quebradas.
No seu estado aleijado, a criatura se moveu muito mais devagar do que antes, e Arran sabia que ele ainda poderia escapar se corresse. No entanto, mesmo tentado a fugir, ele tinha certeza de que uma oportunidade como essa não se repetiria.
Em vez disso, ficou esperando até que o dragão apoiasse seu peso na perna dianteira ilesa e, em seguida, correu para frente como uma flecha, avançando com toda a velocidade que possuía enquanto enfiava a espada no olho aberto do dragão.
Dessa vez, não houve quase nenhuma resistência e, bem antes da criatura ter a chance de reagir, a lâmina foi enterrada até o cabo em sua cabeça, e vários metros de metal perfuraram seu cérebro.
Aquilo deveria ser o suficiente para matar a criatura, mas a essa altura, Arran estava tão desconfiado da resistência da criatura que imediatamente arrancou a espada e recuou novamente. Ainda bem que ele fez isso, uma vez que, um instante depois, as garras afiadas como navalhas atacaram novamente, dessa vez atingindo apenas o ar.
Arran recuou mais rapidamente, ficando surpreso com a capacidade do dragão de resistir ao castigo. De acordo com qualquer padrão razoável, aquela criatura já devia estar morta há muito tempo, mas de alguma forma, ela ainda avançava.
No entanto, justamente quando ele começou a planejar sua retirada, a criatura vacilou. O dragão deu mais dois passos, com seus olhos focados em Arran, mas de repente desabou como uma marionete que teve suas cordas cortadas, com suas forças finalmente esgotadas.
Mesmo assim, Arran não ousou ficar aliviado ainda. Rapidamente, ele avançou contra o dragão e cravou a espada em seu olho remanescente, desferindo mais um punhado de golpes violetas.
Apenas quando teve certeza de que o cérebro do dragão havia sido completamente destruído, finalmente deu um suspiro de alívio. Mesmo assim, distanciou-se várias dezenas de passos do cadáver da criatura gigante antes de ousar relaxar.
Durante vários minutos, ele permaneceu sentado em silêncio, encarando a criatura gigante à sua frente.
Essa visão não trouxe nenhum conforto ou confiança para ele – se até um jovem era difícil de matar, então era impossível matar um adulto. Mas, ainda assim, foi isso que ele e Snow Cloud planejaram fazer.
Vol. 2 Cap. 169 Notícias inesperadas
Quando Arran olhou para o dragão morto à sua frente, não conseguiu deixar de se preocupar com a possibilidade de enfrentar um espécime adulto.
Do que ele entendia, esse dragão deveria ser um jovem, de apenas uma ou duas décadas de idade. No entanto, ele já havia sido quase impossível de matar, apresentando uma força medonha e uma resistência surpreendente.
Mesmo que a luta tenha sido enganosamente curta, Arran nunca teve ilusões sobre como teria se saído em um confronto direto. A lesão que o jovem dragão sofreu em sua queda foi muito maior do que qualquer coisa que Arran poderia infligir com espada ou magia, e nem mesmo isso foi suficiente para matar a criatura completamente.
Apenas com sua própria força, era impossível vencer uma batalha como aquela – a não ser que ele conseguisse de alguma forma convencer a fera a deixá-lo livremente esfaquear seus olhos com sua espada, pelo menos.
Alguns minutos depois de Arran ter matado o dragão, Crassus desceu o penhasco.
O homem esperou até ter certeza que a criatura estava morta antes de se juntar a Arran, o que Arran considerou justo. Agora que tinha uma ideia de quão poderosos são os dragões, ele não estaria ansioso para se aproximar de um vivo.
Assim que Crassus chegou à base do penhasco, se aproximou do cadáver do dragão jogado sobre as rochas, mas manteve uma distância de algumas dezenas de passos entre ele e o corpo.
“Isso foi demais”, afirmou o homem corpulento, com certa admiração em sua voz.
Arran assentiu em silêncio, com os olhos ainda fixos no cadáver.
“É a segunda vez que vejo alguém matar um dragão”, continuou Crassus. “É claro que o outro mago jogou metade da montanha em cima do maldito. Aquilo o matou bem rápido.”
De imediato, os olhos de Arran se voltaram para Crassus. “O outro mago?”, ele perguntou, olhando de repente para o outro homem atentamente.
“Bem, eu imagino que você seja um mago”, disse o homem dando de ombros. ” As pessoas normais não podem simplesmente fazer o que…”
“Que outro mago?” Arran o interrompeu bruscamente. “E quando foi isso?”
Um olhar estudioso apareceu no rosto corado de Crassus. ” Aproximadamente uma década atrás, alguns anos mais ou menos”, disse ele depois de pensar um pouco. “Foi uma jovem mulher, e bonita também. Me pediu para guiá-la até um covil de dragões – ela queria uma das grandes criaturas, assim como você. Também pagou uma boa quantia por ele”. Ele fez uma cara feia. “Eu teria ganhado a vida toda se minha sorte nas cartas fosse melhor.”
Ao ouvir as palavras, Arran olhou para o homem com espanto.
Arran sabia bem que a mãe de Snow Cloud havia partido em busca de uma cura para o Patriarca quase uma década atrás e, como ela foi a criadora da receita de Snow Cloud, ela precisaria encontrar um dragão.
“Depois que você a guiou até o covil do dragão”, disse Arran, lutando para manter a voz calma. “Ela voltou?
“Claro que sim”, respondeu Crassus com um aceno de cabeça alegre. “Voltou para Relgard um mês depois de eu tê-la deixado. Me pareceu estar de bom humor também – inclusive me deu mais algumas moedas de ouro.” Ele fez uma cara feia. “Aquele desgraçado do Sulla me roubou tudo isso. Eu nunca deveria ter…”
Quando Crassus falou sobre suas desventuras no jogo, Arran refletiu sobre o assunto.
Ele não tinha certeza absoluta que a mulher era a mãe da Snow Cloud, mas a coincidência era grande demais para que houvesse outra explicação. Se ele estivesse certo e fosse realmente ela, então isso significava que ela tinha conseguido encontrar a cura que procurava.
Este último pensamento fez Arran hesitar um pouco. Caso a mãe da Snow Cloud tenha conseguido reunir todos os ingredientes e criar a cura, bastava retornar ao Sexto Vale, uma viagem que certamente não seria muito perigosa para um mago forte.
Porém, a mãe de Snow Cloud nunca havia retornado. Como ela não correria nenhum risco desnecessário ao levar a cura para o Patriarca, isso só podia significar que alguém a havia impedido – era alguém que sabia da sua busca e com poder suficiente para detê-la.
Por um instante, Arran pensou em voltar a Relgard imediatamente para informar a Snow Cloud o que havia descoberto. Sem dúvida, ela gostaria de saber disso agora mesmo e, diferente de Arran, ela certamente seria capaz de saber se a maga descrita por Crassus era de fato sua mãe.
No entanto, depois de pensar cuidadosamente no assunto, ele acabou decidindo não fazê-lo. Por mais importante que fosse a informação, sua preocupação principal era encontrar uma forma de matar um dragão adulto. Para isso, seria necessário obter informações somente por meio de observação.
Ainda assim, ele levou algum tempo para questionar Crassus minuciosamente, garantindo que memorizaria tudo o que o homem lembrava a respeito da maga que ele tinha guiado pelas montanhas uma década atrás. Não era tanto quanto Arran gostaria – a bebida pesada de Crassus não havia favorecido sua memória -, mas ele ainda se certificou de não perder nem o menor detalhe.
Quando ficou evidente que não havia para Crassus lembrar, Arran se concentrou novamente no dragão morto, arregaçou as mangas e desembainhou a espada rumo ao trabalho sangrento que estava por vir.
Passou várias horas desmembrando cuidadosamente o cadáver, examinando escrupulosamente o corpo enquanto recolhia toda a carne da enorme carcaça, além da pele, dos ossos e dos órgãos.
Ele já tinha sentido que o corpo do dragão possuía uma quantidade de Essência Natural muito além de qualquer coisa que ele tivesse encontrado anteriormente, portanto, naturalmente, ele não deixaria nada disso ser desperdiçado. Embora não tivesse nenhum uso específico para as outras partes, ele tinha certeza de que elas seriam valiosas.
Naturalmente, analisar o cadáver foi ainda mais importante para ele do que a carne e as partes do corpo, já que isso lhe permitiu entender as partes mais fracas e mais fortes do corpo da criatura.
Ele ficou desapontado, mas não surpreso, ao perceber que a criatura quase não tinha pontos fracos. Mesmo que sua barriga e garganta não sejam tão resistentes como suas costas e pernas, ele precisou de meia dúzia de golpes com a espada apenas para cortar a pele. Em uma luta, ele certamente não teria a chance de atacar a criatura até que cortasse a pele.
Quando ele finalmente terminou de esquartejar o cadáver e recolher as partes, só restou uma mancha de sangue vermelho escuro nas rochas, com dezenas de passos de largura.
“Você seria um ótimo açougueiro”, disse Crassus alegremente. Esse homem observou com muito interesse quando Arran desmembrou o cadáver do dragão, parecia bastante divertido com a ideia de um dragão sendo abatido como uma vaca.
Arran deu de ombros. “Quanto falta para o covil do dragão?”, ele perguntou, ansioso para continuar a jornada.
“O lugar mais próximo fica a cerca de meia semana daqui”, respondeu Crassus. “Eu não vou lá há anos, mas o dragão deve estar lá ainda – a menos que outro o tenha comido, eu suponho.”
Arran acenou com a cabeça. “Vamos embora, então.”
Partiram imediatamente e, durante a viagem, Arran se perguntava se a maga que Crassus guiou pelas montanhas uma década antes era mesmo a mãe da Snow Cloud. Se fosse, temia que os dragões não fossem o maior perigo que os aguardava.
Vol. 2 Cap. 170 O Covil do Dragão
Conforme Arran e Crassus seguiam pelas montanhas, o terreno se tornava cada vez mais hostil. Anteriormente, as encostas rochosas das montanhas tinham pelo menos algumas árvores e arbustos, se bem que quanto mais longe e mais alto eles viajavam, mais esparsa a vegetação se tornava, até que finalmente só restavam grama e musgo.
No entanto, para surpresa de Arran, ainda era possível ver uma grande quantidade de vida selvagem nas montanhas, com vários animais conseguindo se desenvolver apesar do ambiente hostil. Entre eles, os que mais se destacavam eram as cabras montesas, que subiam até mesmo as encostas das montanhas mais íngremes com aparente facilidade, mas havia também ovelhas, lebres e vários pequenos roedores.
Isso respondeu a uma das perguntas mais importantes que Arran tinha sobre os dragões: como eles podiam encontrar alimento suficiente para o seu enorme volume em uma área tão inóspita. Mas parece que, sem a presença de caçadores, não faltava vida selvagem para o banquete dos dragões.
Enquanto avançavam, Crassus sempre ficava de olho nos céus acima deles, agarrando seus cobertores com firmeza para o caso de um dragão aparecer.
Inicialmente, Arran ficou zombando um pouco da confiança do homem em seus cobertores, mas agora já entendia que o simples disfarce não era motivo de piada. Ele aprendeu que os dragões caçavam pela visão e a falta de inteligência deles tornava os simples cobertores cinza um instrumento surpreendentemente eficaz.
É claro que Arran não precisou de um cobertor – ele tinha seu Manto do Crepúsculo, o qual seria ainda mais útil para se esconder dos dragões que encontrassem.
Mesmo assim, as viagens foram tranquilas, mas Arran tinha uma dificuldade enorme em pensar em uma maneira de matar um dragão adulto.
Por vários dias, ele refletiu sobre o assunto, mas por mais que pensasse, não encontrava soluções. Apesar de ter certeza de que deveria haver alguma forma de matar um monstro quase invulnerável,
Finalmente, ele pediu conselhos a Crassus.
“A outra maga”, ele começou, “Você diz que ela matou um dragão derrubando uma montanha sobre ele. Como ela fez isso exatamente?”
“Não faço ideia”, respondeu o homem gordo. “Havia um dragão atrás de nós – não um adulto, mas perto o suficiente – e em vez de se esconder, ela simplesmente acenou com a mão. Um instante depois, várias rochas grandes se desprenderam da encosta da montanha. Isso causou o maior deslizamento de pedras que já vi, mas como ela fez isso…” Crassus deu de ombros. “Provavelmente algum tipo de magia.”
Depois de ouvir as palavras do homem, Arran travou na hora e se amaldiçoou por ter deixado passar uma solução tão óbvia.
Ele e Snow Cloud não possuíam o poder de enfrentar um dragão adulto com suas próprias habilidades, mas provocar um deslizamento de rochas era outra questão. Era algo que eles podiam fazer, ainda por cima com facilidade.
É claro que Arran tinha consciência de que não seria tão fácil como jogar algumas pedras no dragão. Para matá-lo, precisariam encontrar uma maneira de posicioná-lo corretamente, e matar um dragão adulto iria precisar de pedras do tamanho de casas, se não maiores.
Mesmo assim, o fato de saber que havia uma solução para o problema deixou Arran aliviado.
Por um tempo, ele havia considerado que a tarefa poderia ser impossível para ele e Snow Cloud – uma coisa que eles não teriam como realizar com os poderes atuais. Mas agora ele sabia que poderia ter pelo menos uma chance de sucesso.
No decorrer dos dias que se seguiram, eles percorreram uma boa distância, mas Arran já não via nenhum sinal de outros dragões.
Quando perguntou a Crassus sobre isso, ele assentiu com a cabeça. “Perto do covil de um dragão grande, não se encontra nenhum dos menores”, explicou. “Qualquer um que se aproxime demais acaba sendo comido.”
Arran sentia certa preocupação quando Crassus falava. O dragão juvenil que ele enfrentou já era uma criatura terrivelmente poderosa e, caso os maiores vissem uma criatura como essa como nada além de uma refeição, ele não conseguia nem imaginar o quão poderosos eles seriam.
Por fim, cerca de duas semanas depois de terem saído de Relgard, alcançaram um vale amplo e vazio. O vale era coberto de rochas, com apenas alguns trechos de musgo verde e grama amarelada nas bordas. Para os olhos de Arran, ele não tinha nada de especial, porém Crassus o observava com entusiasmo.
“É aqui”, disse Crassus, apontando para o espaço vazio. “O covil do dragão.”
“Não há nenhum dragão”, disse Arran.
“Os dragões costumam passar a maior parte do tempo caçando”, explicou Crassus. “Só retornam ao covil para dormir. Ele aparecerá ao pôr do sol.” Ele lançou um olhar cauteloso para o céu e acrescentou: “É claro que quero estar bem longe até lá.”
“Como você sabe que há um dragão?” Arran perguntou, franzindo a testa. Pelo que podia ver, era um vale normal e vazio.
“Há merda de dragão”, respondeu Crassus, indicando a borda do vale, na qual havia várias pilhas enormes que pareciam ser pedregulhos enormes. “E vê que não há um único pedaço de grama no centro? É onde o dragão dorme.”
Arran observou o vale e, após as palavras de Crassus, percebeu que as pilhas de pedras pareciam incomuns – pareciam mais bolas de terra ressecadas do que pedras de verdade – e que o centro do vale estava, de fato, excepcionalmente vazio.
Ainda assim, ele lançou um olhar cético para Crassus. “Como é que eu sei que você não está planejando levar o ouro e depois me deixar em um vale aleatório onde nunca vi a sombra de um dragão?”
Crassus riu. “Posso não ser o homem mais honesto do mundo, mais não sou burro o bastante ao ponto de tentar enganar um mago. Eu vi o que você fez com o dragão há muito tempo e prefiro não saber o que você pode fazer com um homem. O dragão estará aqui – eu apostaria minha vida nisso”.
Após um momento de reflexão, Arran assentiu. “Tudo bem”, disse ele ao entregar a Crassus um punhado de ouro. “No entanto, há outra coisa que preciso que você faça.”
“Outra coisa?” Crassus olhou para ele com desconfiança.
“Minha companheira teve alguns negócios para terminar em Relgard”, disse Arran, “Mas deve estar pronta no momento em que você voltar. Se você puder trazê-la aqui, eu lhe pagarei o dobro do que acabei de lhe dar.”
Crassus hesitou, mas por pouco tempo. Então, ele balançou a cabeça. “Nada feito.”
Essa resposta pegou Arran de surpresa. Ele já tinha dado a Crassus uma pequena fortuna em ouro e, pelo dobro disso, o homem poderia comprar metade de Relgard – ele poderia passar os últimos dias tomando banho de conhaque, se quisesse.
No entanto, o olhar astuto de Crassus apareceu nos olhos de Arran. “Eu não quero seu ouro”, disse ele. “Eu quero que você me ensine um pouco dessa sua mágica.”
Arran piscou os olhos de surpresa. “Você está querendo que eu lhe ensine magia?”
Crassus assentiu fervorosamente com a cabeça. “Eu vi parte do que você pode fazer, mas aposto que há muito mais. Eu levarei seu companheiro, mas só se você prometer que vai me ensinar magia quando voltarmos.”
Por um instante, Arran permaneceu sem palavras. Independentemente do que pensara anteriormente de Crassus, com certeza não o considerava um aspirante a mago.
Finalmente, ele suspirou. “Tudo bem”, disse ele. “Eu posso ensinar o básico, mas depois disso, se você terá sucesso, vai depender de sua própria sorte e talento.”
“Muito bem”, respondeu Crassus, esticando a mão gorducha para que Arran a apertasse. ” Agora que isso foi resolvido, eu vou buscar seu amigo de Relgard.”
“Antes de você ir…”
Arran logo informou a Crassus onde encontrar a Snow Cloud, e depois instruiu o homem a contar a ela o que sabia sobre a maga que havia conhecido uma década antes. Se era de fato a mãe da Snow Cloud, Arran imaginou que ela deveria saber disso o mais rápido possível.
Depois que Crassus finalmente saiu, Arran se escondeu em algumas rochas e se cobriu com sua capa de crepúsculo. Se o guia estivesse certo, o dragão iria aparecer dentro de algumas horas. Arran já sentia a excitação crescendo dentro dele com o pensamento de finalmente ver um dragão adulto de verdade.