Capítulo 201: Barreira

“Eu consigo quebrá-lo”, repetiu Arran, mais alto dessa vez.

“Alguém pode fazer essa criança louca calar a boca?” A voz do Ancião Feng carregava um toque de irritação, mas nada mais do que isso.

“Deixe-o falar”, disse o Ancião Naran com firmeza. Então, ele se virou para Arran. “Você tem certeza?” Ele tinha dúvidas em seus olhos, mas não rejeitou a ideia de imediato.

Arran hesitou antes de falar. “Tenho”, disse ele finalmente. “Quase sempre.”

Selo Ancestral ou não, ele conheceu a formação no mesmo instante. Apesar de ser maior e formada por Essência de Fogo ao invés de Essência das Sombras, o padrão que ela usava era quase perfeito em relação ao selo em seu Reino da Destruição. E mesmo depois de anos com o selo dentro dele, ele não podia deixar de notar a semelhança.

Isso, por si só, não o deixaria confiante para rompê-lo, é claro. O selo é algo que ele não pode romper e, se a formação corresponder exatamente a ele, ele não teria como lidar com ele.

Mas onde os fios de Essência no selo do Mestre Zhao formaram um todo perfeito, esse não foi o caso da formação. Enquanto suas partes são as mesmas, é como se elas fossem montadas por alguém que não soubesse o que estava fazendo – alguém que seguiu as instruções cegamente para criar algo que ele não compreendia de verdade.

Como Arran conhecia muito bem, a maior força do selo era justamente sua perfeita unidade. Cada fio de Essência era ligado a todos os outros por um padrão complexo que parecia não ter pontos fracos, o que tornava praticamente impossível desmontá-lo.

No entanto, na formação, não havia essa unidade.

 

Para alguém que não passou inúmeras horas irritantes lutando com o selo real, os pontos fracos da formação teriam sido quase impossíveis de ver. Mas para Arran, elas eram inconfundíveis.

“De qualquer forma, deixem o jovem tentar”, disse o Ancião Feng. O incômodo de sua voz havia desaparecido, e a diversão brincalhona assumiu o lugar. “Talvez ele consiga ver o que dezenas de Anciões não perceberam.”

Alguns dos magos soltaram risadinhas de escárnio, mas Arran os ignorou. Ele se concentrou totalmente na formação e lentamente se aproximou dela, parando quando já estava perto o suficiente para tocá-la.

Na maior parte de uma hora, ele estudou a formação meticulosamente, observando todas as diferenças em relação ao selo em seu Reino da Destruição. As diferenças representam uma fraqueza, e Arran teve o cuidado de não perder nenhuma delas.

“Não é tão fácil como parece, não é?”

Mesmo sem ver o Ancião Feng, Arran soube que havia um sorriso de satisfação no rosto do homem. No entanto, a intenção do Ancião era distrair, mas ele ficaria desapontado – mesmo que a vida do Patriarca não estivesse em jogo, Arran não iria abrir mão dessa chance de praticar as suas habilidades de quebra de selos.

Enquanto Arran prosseguia com seu trabalho, alguns murmúrios soavam dos magos que aguardavam, mas a cada vez, uma palavra rápida do Ancião Naran era suficiente para silenciá-los.

Finalmente, Arran aprendeu tudo o que podia e teve plena certeza que sabia como romper a formação. Bastava apenas interromper os fios de Essência na ordem específica, sem dar tempo para que se reforçassem mutuamente.

No entanto, o sorriso largo surgido em seu rosto apenas durou um instante, uma vez que, logo em seguida, uma verdade horrível se abateu sobre ele.

Embora ele soubesse o que fazer, ele não tinha uma maneira de fazê-lo de fato.

 

Ao se concentrar em derrotar o padrão, ele esqueceu que havia uma diferença fundamental entre o selo do Mestre Zhao e essa formação.

O selo existia dentro dele mesmo e foi criado usando sua própria Essência. Ele precisava apenas de um pensamento para manipulá-lo. O fato de não conseguir derrotá-lo era devido à falta de conhecimento para isso.

Mas a formação era completamente diferente. Ao invés de manipulá-la com o pensamento, ele deveria bloquear cada fio de Essência usando magia – e havia centenas de fios na formação.

Ele sabia que essa tarefa estava além de sua capacidade, mas não queria desistir – se isso acontecesse, o Patriarca iria morrer e os traidores poderiam ainda alcançar a vitória. Caso isso acontecesse, ele e Snow Cloud correriam grande perigo.

Ele franziu a testa enquanto pensava no que fazer, mas então começou a trabalhar.

Primeiro, ele criou um pequeno Escudo de Força, o qual usou para bloquear um dos fios de Essência de Fogo. O escudo aguentou e ele o retirou rapidamente, colocando um escudo menor. Ele fez isso diversas vezes, logo encontrou a força que precisava para bloquear um único fio da formação.

Em seguida, ele começou a criar mais escudos, todos os que podia suportar. Mas, mesmo com toda a sua força física, não tinha habilidade em magia e mal tinha conseguido formar apenas dois escudos pequenos até chegar ao limite do que podia controlar.

Isso foi muito menos do que o necessário para romper a formação – mesmo que cem vezes mais não seriam suficientes, e Arran já estava se esforçando para controlar tanto. Na verdade, destruir a formação com seu atual nível de habilidade era totalmente impossível.

No entanto, foi nesse momento que uma ideia surgiu em sua mente. Seria perigoso, mas…

“Chega disso”, disse o Ancião Feng. “O jovem certamente não sabe o que está fazendo…”

 

O Ancião ficou em silêncio enquanto Arran entrava na formação.

A ideia foi tão simples quanto louca. Embora Arran não conseguisse quebrar a formação, ele conseguia mirar em seus pontos fracos para abrir uma fenda grande apenas o suficiente para que ele pudesse passar ileso, com dois escudos de força que bloqueavam os pontos-chave da formação.

Se cometesse o menor erro, ele seria perfurado por mil fios de Essência de Fogo. E tudo que o separava da morte era a sua habilidade com a magia – uma fraqueza vergonhosa na melhor das hipóteses, e algo de que ele agora lamentava muito ter negligenciado por tanto tempo.

Ele forçou a fenda pela formação a se abrir ainda mais e, em seguida, avançou rapidamente mais um passo enquanto ela se fechava atrás dele.

“Ele vai causar um desequilíbrio na formação!” O Ancião Feng gritou, com um rastro de pânico em suas palavras. “Ele vai matar todos nós! Não podemos deixá-lo continuar!”

Arran sabia que aquilo era um absurdo. Ele foi a única pessoa que esteve em perigo. Em sua luta contra a formação, porém, ele não conseguiu desviar a atenção para refutar a afirmação ridícula do homem.

“Nós conseguimos e vamos conseguir.” O tom de voz do Ancião Naran trazia uma ameaça de violência que mal se podia ver, pois ele ignorou as preocupações do Ancião Feng.

“Se você deseja se juntar a esse homem na morte, eu não posso impedi-lo”, disse o Ancião Feng, sua voz quase gritando. “Mas eu vou embora – eu não vou jogar a minha vida fora tão facilmente!”

“Você vai ficar!” As palavras do Ancião gigante ecoaram pelo salão, e o que era uma ameaça disfarçada há pouco tempo agora se tornou uma promessa. “Vocês vão ficar ou vão morrer. Será que você acredita que somos tolos o suficiente para crer em suas mentiras? Você vai continuar aqui, e será julgado pelo Patriarca quando ele acordar.”

“Você se atreve a me acusar de traição?!” O Ancião Feng gritou em uma voz aguda que continha medo e fúria em igual medida. “Você ousa…”

 

Arran ignorou a agitação atrás dele. Toda a sua concentração foi necessária para manter a fenda na formação. Ao sentir que seu controle não duraria muito mais tempo, ele se apressou em dar mais um passo à frente.

Apenas com mais um passo agora, ele conseguiria atravessar a formação. Ele posicionou novamente os escudos e voltou a se mover – e encontrou um obstáculo invisível bloqueando o caminho. A formação interna.

Ele esperou que houvesse um espaço entre as duas formações, mas com o seu controle à beira do colapso, já era tarde demais para voltar atrás. E mesmo que ele pudesse, o conflito entre os Anciões já estava prestes a se transformar em uma batalha, e o Ancião Feng sem dúvida era o único traidor do grupo.

Não havia outra escolha a não ser avançar e esperar ser aceito pela formação interna. Era uma expectativa um tanto distante, mas não absurda. Ele suspeitou que o Patriarca, de alguma forma, controlava a formação interna e, se assim fosse, existia uma chance de ele ser autorizado a entrar nela.

Ele pressionou novamente e se viu forçado a voltar. Mas, dessa vez, a barreira apresentou alguma resistência. Um sinal, talvez – ou talvez apenas esperança inútil. De qualquer forma, ele só podia tentar novamente.

Ele deu o terceiro empurrão e, dessa vez, não houve resistência alguma. Ele tropeçou para a frente e a formação externa imediatamente se fechou atrás dele.

Quando ele se levantou e olhou para o corpo na plataforma diante de si, ele ouviu os Anciões ficarem em silêncio. Até mesmo no calor do conflito, eles haviam visto o que havia acontecido.

“Preciso que me empreste seu corpo. Não resista; não quero lhe fazer mal.”

Arran precisou de um tempo para perceber que a voz era de sua mente e, naquele momento, o seu corpo começou a se virar, totalmente fora de seu controle. Não tinha como resistir – ele não era mais um mero espectador em seu próprio corpo, e suas ações não eram mais suas para decidir.

Ele levantou o braço e apontou para o Ancião Feng. “Traidor!”, disse ele com uma voz que não era a sua. “Em seu desejo de poder, você traiu tanto a mim quanto ao Vale, se aliando aos inimigos da Sociedade e fazendo com que milhares dos nossos morressem. Sua posição e sua vida estão anuladas.”

 

“Patriarca, eu…”

O Ancião não teve a chance de dizer suas últimas palavras. Mesmo quando falava, Arran sentiu que o Patriarca utilizou um vasto reservatório de Essência, encaminhando quantidades impressionantes de Essência de Fogo e Sombra em seu corpo. Então, em um instante, os dois tipos de Essência foram fundidos perfeitamente, e uma fina corrente de chamas invisíveis foi lançada na direção do Ancião traidor.

Arran conseguia sentir o ataque com se fosse seu, mas, mesmo assim, o feitiço foi rápido demais para sua mente conseguir acompanhar. O ataque foi tão rápido que ele percebeu o que havia acontecido apenas quando viu o Ancião Feng cair no chão com um buraco na testa.

“Traidor!”, disse ele novamente, indicando outro Ancião.

Em menos de um minuto, morreram doze Anciãos e Grão-Mestres. Outros tentaram se defender, outros imploraram ou fugiram, mas o resultado era o mesmo para cada um deles. Usando o corpo de Arran como um condutor para seu poder, o Patriarca atirou neles como moscas.

Finalmente, os olhos de Arran foram direcionados para os sobreviventes. “Ancião Naran”, ele se ouviu dizer. “Leve Snow Cloud e seus Anciões até a sala do trono e espere lá. O restante de vocês, eliminem os traidores do Vale. Peguem os espiões do Sétimo Vale com vida e matem os outros. Agora saiam!”

Os Anciões e Grão-Mestres presentes obedeceram imediatamente ao que ele disse, mostrando uma mistura de medo e reverência em seus rostos.

Apenas a Snow Cloud demonstrou algo diferente – preocupação, pensou Arran. No entanto, o Ancião Naran a conduziu rapidamente para fora do salão e, momentos depois, só restavam Arran, o corpo encolhido do Patriarca e doze magos mortos.

Enquanto Arran observava a cena, as palavras do Patriarca soavam em sua mente mais uma vez.

“Quanto a você… há muitos coisas nas suas memórias que me interessa.”

Capítulo 202: O Patriarca

A voz do Patriarca ressoou na mente de Arran. “Você está pensando que eu quero fazer mal a você?”

Embora Arran não tenha demonstrado o seu medo, era evidente que o Patriarca conseguia ver os seus pensamentos sem a necessidade de que ele dissesse qualquer palavra.

“Embora as suas memórias me interessem, eu não vou prejudicá-lo por elas. Eu não o recompensaria tão mal pelo auxílio que você deu a mim e à Snow Cloud.”

Arran deu um suspiro de alívio. O Patriarca não precisava mentir – se ele pretendia fazer mal, não podia fazer absolutamente nada para detê-lo.

“Antes de mais nada, por favor, me traga a cura para esse veneno horrível. Os céus estão cientes de que eu tive que suportar isso por tempo suficiente.”

Arran entendia que o Patriarca conseguiria facilmente forçá-lo a entregar a cura. O fato dele não ter feito isso foi provavelmente uma prova de boa vontade – um bom sinal, se nada mais.

“Um sinal de boa vontade? Em parte, eu acho. Mas eu não obrigaria um aliado a fazer algo, a não ser que fosse absolutamente necessário. Agora se apresse. Algumas gotas de sangue derramadas sobre a minha boca já devem ser o suficiente.”

Depois de ignorar o desconforto por ter seus pensamentos lidos tão facilmente, Arran foi até o corpo imóvel do Patriarca e utilizou a sua espada para fazer um corte profundo em sua mão. No curto período de tempo até que o corte se curasse novamente, ele lançou uma fina corrente de sangue nos lábios do corpo enrugado.

“Excelente! Com isso, vou conseguir me recuperar em questão de semanas!”

 

As palavras casuais do Patriarca esconderam um sentimento profundo de alegria, e Arran não precisava ter muita noção de que, depois de passar décadas aprisionado em seu próprio corpo, a perspectiva de liberdade não era algo pequeno para o homem.

“Agora, se me permitir usar seu corpo novamente, eu posso cuidar da formação do Ancião Feng. Caso contrário, você vai ter que esperar eu me recuperar e removê-la eu mesmo. Acredito que você não vai gostar de passar as próximas semanas preso com um velho seco e uma dezena de cadáveres.”

Arran concordou rapidamente. Ele não queria passar mais uma hora na sala, e muito menos várias semanas.

Ele sentiu que o Patriarca assumia o controle de seu corpo mais uma vez. Um momento depois, ele sentiu a Essência correndo para dentro de seu corpo – muito maior do que ele poderia controlar por si mesmo.

Foram formadas inúmeras fibras de Essência, que lentamente foram se estendendo em direção aos pontos fracos da formação que Arran reconheceu anteriormente. No entanto, bem antes de tocá-la, eles acabam se dissipando inesperadamente.

“Atacar esses pontos fracos é uma maneira muito eficaz na destruição da formação, embora não ajude em nada contra uma versão mais habilidosa. Infelizmente, não sei quem ensinou isso ao Ancião Feng, mas ele foi extremamente ruim. Se ele utilizasse uma de suas próprias formações, você não seria bem-sucedido – mas, nesse caso, o trabalho desse homem teria sido fácil de reconhecer.”

Com um sobressalto, Arran se deu conta que o Patriarca estava oferecendo instruções – em vez de simplesmente romper a formação, ele mostrou como ela poderia ser feita.

“É claro”, disse a voz do Patriarca. “Não adianta nada deixar passar uma oportunidade como essa. Agora presta bem a atenção.”

Em uma sucessão rápida, ele mostrou cerca de doze maneiras distintas de atacar a formação, e cada uma delas forneceu a Arran uma nova visão sobre a função dos selos. Era como observar um mestre artesão trabalhando e, com o Patriarca utilizando o corpo de Arran, até mesmo os menores detalhes podiam ser vistos com facilidade.

Finalmente, as palavras do Patriarca ressoam na mente de Arran novamente. “Mas a maneira mais eficiente de romper uma formação é através de uma contra-formação.”

 

Em um piscar de olhos, o Patriarca moldou um modelo incrivelmente complexo de milhares de fios de Essência. Ainda que a maior parte esteja acima de seu entendimento, ele percebeu que o padrão era uma versão oposta ao padrão usado na formação.

Quando o padrão foi finalizado, de repente começou a crescer de tamanho, se expandindo até que cobriu perfeitamente a formação do Ancião Feng.

Como uma vela que se apaga, a formação se dispersou em um instante, e não deixou nenhum traço dela.

A cena deixou Arran admirado. A habilidade do Patriarca foi além do que ele podia imaginar. E enquanto ele observava isso, uma ideia surgiu em sua mente. Se o Patriarca podia destruir a formação do Ancião Feng tão facilmente, talvez ele pudesse remover o selo do Mestre Zhao também.

“Eu poderia, mas não o farei”, foi a resposta do Patriarca. “Esse selo tem mais valor que o Reino que ele cobre. Portanto, estude-o bem e, quando conseguir rompê-lo, você mesmo terá dado o primeiro passo em direção a se tornar um mestre dos selos.”

Arran assentiu em silêncio, já que entendia que o Patriarca estava certo. E agora que ele sabia que os selos e as formações são essencialmente a mesma coisa, ele entendeu que o domínio da habilidade o ajudaria muito.

“Mas talvez eu consiga fazer outra coisa por você. Se você permanecer aqui um pouco mais, eu posso dar algumas pequenas dicas de como usar a magia corretamente.”

“Tudo bem”, respondeu Arran rapidamente.

“Preste atenção. Essa oportunidade não vai se repetir e você vai poupar anos de estudo.”

O Patriarca reuniu um grande volume de Essência no corpo de Arran e começou a lançar vários feitiços.

 

Os feitiços são todos os que Arran já conhecia – Lâmina de Vento, Escudo de Força e Força de Batida – porém a diferença entre suas versões e as do Patriarca era como a noite e o dia. Mesmo com a restrição da quantidade de Essência que Arran conseguia controlar, os feitiços do Patriarca eram, de alguma forma, bem mais poderosos.

No entanto, com o Patriarca utilizando seu corpo, era como se estivesse lançando os feitiços ele mesmo e, em alguns minutos de observação, ele adquiriu mais entendimento do que havia adquirido em anos de prática.

“É claro que também pode ser usado com diferentes tipos de Essência.”

O Patriarca voltou a lançar os feitiços, mas, dessa vez, ele usou outros tipos de Essência. A Lâmina de Vento se transformou em uma Lâmina de Força, o Escudo de Força passou a ser um Escudo de Sombra e a Força de Batida passou a ser uma tempestade violenta.

“Praticar suas variações vai melhorar sua habilidade e vai ajudá-lo a desenvolver um controle maior sobre a Essência – algo de que você está desesperadamente carente.”

Arran não discutiu isso. Ele conhecia bem que esse controle da magia era um ponto fraco que precisava resolver o quanto antes.

“A seguir, eu vou mostrar a você um novo feitiço. Chama-se Ataque Flamejante, e você já viu esse feitiço ser usado algumas vezes. Aprender a utilizá-lo não vai apenas lhe dar um novo ataque poderoso, mas também vai permitir que você se torne um novato.”

O Patriarca criou uma magia complexa, muito mais complicada do que as anteriores e, um momento depois, um fluxo de Essência de Fogo branco e ardente saiu da mão de Arran que nem um raio.

Arran imediatamente reconheceu o feitiço. Ele já tinha visto a Snow Cloud usando-o várias vezes contra os seus inimigos e sabia que o poder dele não podia ser subestimado.

O Patriarca conjurou o feitiço Ataque Flamejante algumas vezes mais, sempre de forma lenta e cuidadosa. Arran sabia que não seria fácil aprender o feitiço sozinho, mas essa lição era valiosa, pois ele economizaria anos de prática, se não mais.

 

“Outro feitiço em que você precisa aprender é o Manto de Sombras. Você já tem alguma habilidade em usar a Essência das Sombras e, com sua força física, deve ser particularmente útil dominá-la. Observe.”

Novamente, o Patriarca iniciou a conjuração, mostrando o feitiço Manto de Sombra várias e várias vezes. Era bem mais complexo em comparação com o feitiço Ataque Flamejante, mas, ainda assim, Arran acreditava ter uma boa chance de aprender esse feitiço em menos de um ano.

“Sua ideia de usar o Manto do Crepúsculo em um estudo do feitiço Manto das Sombras é boa, mas, como pode ver, existem pequenas mudanças no funcionamento do feitiço e do artefato. Portanto, aproveite e aprenda com a capa, ao mesmo tempo em que se lembra do que eu falei para você”.

Arran concordou com a cabeça, com a sua atenção voltada para memorizar cada detalhe do que havia sido mostrado.

“Finalmente, o último feitiço – o que deu nome à nossa sociedade. Se você o aprender, vai se qualificar para ser um especialista e, se o dominar, vai se tornar uma ameaça até mesmo para os Grão-Mestres. Contemplem – Chama das Sombras”.

O Patriarca iniciou o feitiço, e Arran identificou o feitiço como o que ele havia usado contra os Anciãos. Só que, dessa vez, o Patriarca o conjurou lentamente, demonstrando cada passo envolvido.

O feitiço Chama das Sombras funcionou perfeitamente a Essência das Sombras e a Essência do Fogo, e então a usou com um ataque que se parecia muito com o feitiço Ataque Flamejante. Só que era evidente que esse feitiço possuía um poder muito maior, e Arran pensou…

Antes que ele pudesse terminar o pensamento, as palavras do Patriarca ressoavam em sua mente. “Você está certo. Se executar com perfeição, outros magos não podem sentir o feitiço Shadow Flame. Poucos magos conseguem alcançar esse nível de domínio, mas aqueles que o conseguem se tornam temidos por todos.”

Arran não precisava se perguntar sobre o domínio do Patriarca – a resposta era óbvia. A resposta foi óbvia. Da mesma forma, o feitiço era assustador, especialmente quando era combinado com o feitiço Manto de Sombras. Com esses dois feitiços, um mago teria a capacidade de atacar das sombras, eliminando inimigos sem ser visto.

“De fato”, foi a resposta do Patriarca. “Mas note que a fraqueza do Manto das Sombras foi descoberta por você. O que você chama de Visão das Sombras – um bom nome, eu acho – pode ser usado na detecção daqueles que o usam. Há maneiras para contornar isso, mas não são simples.”

 

Arran franziu a testa, registrando os feitiços e os dizeres do Patriarca em sua mente.

Ainda que a aula não tivesse levado mais do que uma hora, ele sabia que o valor dela era muito maior. Mesmo se essa fosse a única recompensa que ele teria por salvar o Patriarca, já tinha valido a pena – e muitas vezes mais.

“Quando sair, peça ao Ancião Naran para fornecer os pergaminhos com os feitiços e que a Lâmina Brilhante forneça instruções a você e a Snow Cloud. Você deve praticar enquanto as memórias estão frescas em sua mente.”

Arran concordou silenciosamente com a cabeça, mas não havia nenhuma necessidade de lembrá-lo disso. Depois de tudo o que foi mostrado, ele estava muito ansioso para colocá-lo em prática.

“Mas agora, é melhor você ir. Eu preciso me concentrar na recuperação. Peça ao Ancião Naran para levar você e a Snow Cloud para a minha propriedade e não saia até que eu volte. Até que os últimos traidores sejam eliminados, o Vale não vai ser seguro para nenhum de vocês.”

Com isso, Arran sentiu a presença do Patriarca desaparecer da sua mente.

Em um breve momento, ele permaneceu em silêncio, analisando o que havia acontecido. Ele ainda não conseguia entender como o Patriarca entrou em sua mente, mas foi uma grande ajuda, além de qualquer coisa que ele poderia ter esperado.

Finalmente, ele se dirigiu para a saída, com uma expressão de entusiasmo no rosto.

Quando ele entrou na sala do trono, ele encontrou o Ancião Naran e os outros aguardando por ele. E antes mesmo que ele pudesse dizer uma palavra, Snowcloud correu em sua direção, e o abraçou com força.

Vários minutos se passaram antes que ela o soltasse e, quando o fez, Arran percebeu uma expressão de alívio em seus olhos cheios de lágrimas.

 

“Eu estava muito preocupada”, disse ela. ” Eu não sabia o que o vovô poderia fazer. Eu temia que ele pudesse tomar seu corpo para si mesmo, ou pior.”

O Ancião Naran deu uma risadinha. “Como eu disse, não precisava se preocupar. Seu avô pode ter ficado inconsciente durante sua juventude, mas eu já o conhecia há séculos. Por mais terrível que ele seja, eu nunca vi ele tratando os seus amigos e aliados com algo além de lealdade absoluta.”

Apesar de suas palavras, Arran percebeu que o Ancião gigante ficou aliviado também. Mesmo que ele acreditasse no Patriarca, a informação o deixou preocupado.

Depois disso, Arran explicou detalhadamente o que aconteceu e repassou às instruções do Patriarca, e os olhos dos demais se arregalaram de surpresa.

“Você não tem noção da sorte que tem”, disse o Ancião Naran. “O que ele fez por vocês… não existe um Ancião no mundo que não daria a mão direita por isso. Ao experimentar a magia do Patriarca dessa forma, você pode alcançar um nível de entendimento em que poucos de nós conseguem chegar.”

Com essas palavras, Arran franziu a testa. “Mas você já consegue fazer esses feitiços, não consegue?”

“Não como o Patriarca”, respondeu o Ancião. “Alcançar os conhecimentos necessários para lançar feitiços com perfeição é algo que requer séculos de estudo. Mas você – testemunhou isso em primeira mão. Quando estiver com dificuldades, vai saber exatamente o que melhorar.” Ele sorriu melancolicamente e acrescentou: “Com o tempo suficiente, você poderá me superar”.

“Não há dúvida disso”, disse a Lâmina Brilhante, com um sorriso largo no rosto. “Ele não vai apenas ter as percepções do Patriarca, mas também um professor mais habilidoso do que você.”

Eles não passaram muito tempo no palácio, Snow Cloud segurou o braço de Arran com muita força e se dirigiram para a propriedade do Patriarca.

Sons de batalha puderam ser ouvidos ao longe, mas, pela primeira vez em anos, Arran não se preocupou – com o Patriarca curado, os aliados do seu lado e a Snow Cloud junto a ele, o futuro pareceu excepcionalmente brilhante.

Capítulo 203: A Convocação do Patriarca

“Patético!” gritou Lâmina Brilhante. “Isso não mataria nem um pombo!”

Arran gemeu de cansaço, depois passou a formar outro Golpe Flamejante com o fragmento de Essência de Fogo que ainda restava em seu corpo.

Conforme ele lutava com o feitiço, uma massa de Essência de Vento foi disparada da mão da Lâmina Brilhante e atingiu o Escudo de Vento que a Snow Cloud formou rapidamente para se proteger. Mas a defesa feita às pressas fez com que o ataque fosse enfraquecido, e Snow Cloud foi jogada no chão.

“Não é bom o bastante! O meu próximo ataque vai ser mais forte!” Com um sorriso no rosto, Lâmina Brilhante se virou de volta para Arran. “Está querendo esperar a minha morte? Ataque já!”

Arran deixou escapar outro gemido forte e atirou mais um Golpe Flamejante em sua professora.

Foi ligeiramente melhor do que a última tentativa, pensou ele. Embora não fosse capaz de matar um pombo, ele tinha plena confiança que poderia pelo menos ferir um.

Três meses se passaram depois que eles chegaram à propriedade do Patriarca e, nesses meses, o tempo de Arran foi dividido entre o estudo do selo do Mestre Zhao e a prática de magia com a tutela da Lâmina Brilhante.

Sua evolução no selo era tão rápida quanto irritante. Quanto mais ele entendia o selo, mais claro se tornava o quão difícil era rompê-lo.

Mesmo antes das demonstrações do Patriarca, ele imaginou que poucos meses de estudos intensivos seriam o suficiente para realizar a tarefa. Mas agora, ele viu que levaria pelo menos mais um ano. Foi um pequeno consolo descobrir que o processo ajudou muito na sua  compreensão dos selos em geral.

 

Seus estudos mágicos, entretanto, foram ainda mais irritantes. Mesmo com o conhecimento praticamente perfeito do que ele estava tentando fazer, ele rapidamente descobriu que não possuía a habilidade e o controle necessários para realizá-lo efetivamente.

Depois de três meses de estudo árduo, ele conseguia formar um Golpe Flamejante que atacava com a força de um bebê irritado. E, embora Snow Cloud tenha dito que isso era o suficiente para classificá-lo como um novato – ainda que por pouco -, não adiantava muito em combate.

Quando a sessão de treinamento do dia terminou, Arran e Snow Cloud deixaram o campo de treinamento e retornaram para suas pequenas cabanas na propriedade do Patriarca. Como sempre, Arran iria passar a noite estudando o selo, enquanto a Snow Cloud seguiria com seus estudos de alquimia.

Quando caminhavam pelos luxuosos jardins da propriedade, Snow Cloud deu a Arran um olhar estudioso. “Você está melhorando”, disse ela.

“Não está parecendo”, respondeu Arran. “Já se passaram meses e eu só consigo usar o Golpe Flamejante.”

Ela o olhou com descrença. “Você avançou mais em meses do que a maioria dos magos em anos, ou mesmo décadas.”

“Acho que você tem razão”, admitiu Arran. “Mas me parece muito lento. Com a ajuda do Patriarca, eu deveria ter progredido mais rápido.”

Snow Cloud deu apenas uma olhada para ele, depois suspirou. “Seu progresso será mais rápido se você não consumir toda aquela carne de dragão”.

Ela estava certa, é claro. Arran passou os últimos meses se alimentando de uma dieta constante de carne de dragão e pouco mais, absorvendo vários Cristais de Essência como forma de compensar o efeito negativo que a Essência Natural teve em sua afinidade mágica.

Os Cristais de Essência ajudaram, mas, mesmo assim, a quantidade de Essência Natural que ele consumiu desacelerou o seu progresso na magia. E embora Arran acreditasse que a força que ela proporcionava valia a pena, Snow Cloud claramente discordava.

 

Arran estava prestes a defender mais uma vez a sua escolha quando viu um servo se aproximar deles. Vestido com um simples manto branco, o homem se parecia mais com um sacerdote do que com um mago, embora Arran não tivesse dúvidas de que teria pelo menos a força de um adepto.

“Jovem mestre Lâmina Fantasma”, disse o servo com um pequeno aceno de cabeça. “O Patriarca requisitou sua presença.”

“O Patriarca? Agora?” Arran franziu a testa de surpresa.

O Patriarca deixou o palácio duas semanas depois dos eventos, mas eles raramente tinham visto o homem nos meses seguintes. Das poucas informações que passavam pelas paredes da propriedade, toda a sua atenção se concentrava em lidar com os traidores e colocar o Vale em ordem novamente.

“Imediatamente”, confirmou o servo de veste branca. Acreditando, obviamente, que não havia necessidade de mais nenhuma informação, ele se virou e saiu correndo.

“Vejo você hoje à noite”, disse Arran rapidamente a Snow Cloud depois de correr atrás do servo.

O terreno era vasto, mas a mansão do Patriarca não era muito longe do campo de treinamento, e não levou muito tempo para que chegassem ao grande edifício. Construído com madeira em um estilo simples, mas elegante, ele parecia mais a casa de verão de um nobre de baixo escalão do que a mansão de um mago poderoso.

O servo rapidamente guiou Arran para dentro, e os guardas os deixaram passar sem dizer nada.

Eles atravessaram uma série de corredores até chegarem a uma sala grande e simples, com uma mesa redonda de madeira, diversas cadeiras e pouco mais. O Patriarca estava sentado diante da mesa, com uma xícara de chá e com uma tigela de sopa à sua frente.

“Senhor Patriarca, eu trouxe para o senhor o jovem mestre Lâmina Fantasma”, disse o servo e saiu imediatamente.

 

“Sente-se”, disse o Patriarca a Arran. “Eu espero que você me dê licença ao comer enquanto conversamos – depois de várias décadas sem comer, eu tenho muito a fazer.”

Arran se sentou e olhou para o Patriarca. O homem já não parecia tão magro como no palácio, mas sua aparência ainda continuava magra a ponto de emaciar. E com seus cabelos brancos e rosto enrugado, ele aparentava ser assustadoramente frágil aos olhos de Arran.

“Não é tão ruim como parece”, disse o Patriarca com uma risada. “Mais alguns meses e eu vou estar mais forte do que nunca.” Ele fez uma pausa para comer um pouco de sopa, depois continuou: “Agora, temos assuntos para discutir – assuntos que envolvam suas memórias”.

Arran imediatamente se arrepiou. Ele sabia que esse momento iria chegar há muito tempo, mas o temia mesmo assim. Em suas memórias estão enterrados segredos que ele não queria compartilhar com ninguém, nem mesmo com um aliado.

“Não precisa ficar tão preocupado”, disse o Patriarca, mantendo uma expressão agradável. “Eu vi as suas memórias e não tenho necessidade de questioná-lo. Eu o chamei aqui hoje a fim de responder às suas perguntas, não às minhas. Agora, o que você deseja saber?”

Isso não era o que Arran esperava, e ele se viu sem palavras, procurando se lembrar desesperadamente das muitas coisas que queria saber.

Finalmente, ele perguntou: “Como você entrou em minha consciência e assumiu o controle do meu corpo?”

“Quando eu criei a formação a fim de me proteger, coloquei uma parte de minha consciência dentro dela”, explicou o Patriarca. “Depois que você entrou na formação, jovem e fraco, ter entrado em sua mente foi muito simples. Mas não tem motivo algum para se preocupar com outro fazendo a mesma coisa – separar parte da consciência de uma pessoa não é uma tarefa simples e tem… consequências desagradáveis.”

Uma expressão desagradável surgiu em seu rosto ao falar essas últimas palavras, e Arran compreendeu que esse era um assunto que não seria discutido com prazer. Em vez da tentativa de ir mais fundo, ele perguntou: “Com seu poder, como eles foram capazes de envenená-lo?”

O Patriarca sorriu ironicamente. “Ao contrário de você, eu não possuo a Ruína do Dragão em meu sangue. E os traidores conseguiram me envenenar enquanto eu me encontrava gravemente ferido, quando o meu corpo estava mais fraco.”

 

“Ferido? Quem o feriu?” Com a força do Patriarca, Arran achou muito difícil acreditar que havia um inimigo poderoso o suficiente para machucá-lo gravemente. Mas, evidentemente, havia, e Arran desejava saber sobre eles – para saber para onde não viajar.

O Patriarca tomou outra colher de sopa e disse: “Foi quando a guerra civil de Eidaran terminou. Agentes do Caos haviam fornecido as facções em guerra com magias muito além do seu controle, e os idiotas lutaram entre si em uma batalha final desesperada – embora, tendo seu império à beira da ruína, eu não saiba exatamente o que eles pretendiam ganhar com a vitória. O resultado… bem, você já viu Uvar. Como a cidade ficou impossível de ser salva, eu a fechei.”

“Você criou a formação ao redor de Uvar?” Os olhos de Arran se arregalaram de surpresa.

O Patriarca concordou com a cabeça. “Se eu não a criasse, não haveria sobreviventes em um raio de 160 quilômetros da cidade. Para criar a formação, eu tive que entrar na cidade enquanto a magia dentro dela continuava a correr desenfreada. Sobrevivi, mas estive a um fio de distância da morte. E quando retornei ao Vale, o meu corpo ainda não havia se recuperado, fui traído”.

Arran assentiu pensativo, os eventos começando finalmente a fazer sentido para ele. “Você disse que os agentes do Caos se envolveram na guerra?”

“São poucas guerras nas quais eles não estão envolvidos. Se você se aprofundar no assunto, sem dúvida vai encontrar agentes do Caos por trás dos traidores do Vale também. A Sociedade está lutando há muito tempo contra os inimigos, e o poder da resistência aos nossos inimigos é tentador para muitos.”

“Mas por quê?” perguntou Arran. “Esses agentes do Caos, o que ganham ao iniciar guerras?”

“Receio que não seja possível responder a essa pergunta”, respondeu o Patriarca. “Todo o conflito entre o Caos e a Ordem vem existindo desde muito antes da formação da Sociedade, mas eu não sei qual é o objetivo da luta entre eles. Tudo o que posso dizer é que ambos são nossos inimigos.”

“É isso?” Arran não conseguiu deixar de ficar desapontado com a resposta. Ele queria obter as respostas que procurava, mas parecia que o patriarca sabia pouco em relação ao assunto.

“Não há nada a dizer que já não seja do seu conhecimento”, confirmou o Patriarca. “A Academia nos expulsou do Império há milhares de anos e busca o controle de toda a magia dentro do Império, e as forças do Caos espalham guerra e desordem onde quer que vão. Mas além disso? Até eu ver suas memórias, eu não sabia nem mesmo sobre os supostos deuses deles.”

 

O rosto de Arran caiu quando ele percebeu que sua pergunta mais urgente não seria respondida.

“Mas acredito que existe alguém que tem mais respostas”, continuou o Patriarca. “Alguém que você já conheceu.”

Naturalmente, Arran soube de quem o Patriarca estava falando. “Mestre Zhao? Você sabe quem ele é?”

“Não posso ter certeza, mas acho que posso adivinhar.” Um pequeno sorriso surgiu no rosto do Patriarca. “Pelo selo que ele colocou em seu Reino da Destruição, eu desconfio que ele seja um dos ancestrais da Sociedade – os seguidores originais do Santo das Sombras. A maioria deles desapareceram assim que a Academia derrotou a Sociedade das Chamas das Sombras, mas depois disso, existem rumores de que eles têm trabalhado nas sombras para proteger a Sociedade.”

Arran levou um momento até processar as palavras, depois perguntou: “Isso significa que ele é mais poderoso do que você?”

O Patriarca riu alto. “Se ele é de fato um dos Ancestrais, a diferença que existe entre nós será como noite e dia. Eu sou um Mago Supremo – um Mago de verdade, veja bem, não sou como aqueles imbecis da Academia – enquanto os Ancestrais são Sábios.”

“Sábios?” Arran nunca ouviu esse termo antes.

O Patriarca franziu a testa. “Eu esqueci que ninguém ensinou adequadamente a você as fileiras de magos. É hora de remediar isso.”

Enquanto Arran aguardava ansiosamente, o Patriarca comeu mais uma colher de sopa de forma rápida e depois limpou a garganta. Então, ele começou a falar.

“No nível mais baixo temos os magos comuns – os iniciados, os novatos e os praticantes. São títulos simples com pouco significado além da tradição e variam muito entre os grupos. O que uma ordem de magos denomina novato pode ser considerado um aprendiz em outra.”

 

“Acima deles estão os Mestres, Grão-Mestres e Arquimagos. Esses títulos têm significado, mas não tanto quanto você imagina. Os Mestres foram aqueles que conseguiram condensar a Essência em seus corpos ao ponto de ela se assemelhar a um líquido, o que aumenta muito as reservas de Essência que eles podem utilizar. Os Grão-Mestres têm condensado sua Essência ainda mais, tornando-a sólida. Naturalmente, as suas reservas de Essência são muito superiores às dos Mestres.”

“Arquimagos como eu estão um passo além. Podemos utilizar a Essência de nossos Reinos diretamente, o que nos proporciona o que é essencialmente uma reserva infinita. Somos limitados por nossa mente e corpo, mas a maioria de nós consegue manter feitiços simples como o Manto de Sombras indefinidamente.”

“Mas observe o que não mencionei: habilidade. Nenhuma dessas classificações requer que um mago seja necessariamente habilidoso. Em teoria, é possível se tornar um Mago Supremo sem conseguir lançar um único feitiço, mesmo com um corpo que não consegue lidar com um fragmento de Essência.”

“É por isso que as classificações da Academia são tão insignificantes – todos os magos, com exceção de alguns, não têm força ou conhecimento para controlar feitiços verdadeiramente poderosos, e somente aqueles que são considerados suficientemente leais e talentosos são indicados para o caminho do verdadeiro poder. Os outros são iguais a espadachins sem treinamento que carregam suas espadas gigantes, as quais não possuem força nem habilidade para empunhar adequadamente.”

Arran franziu a testa. “Então e os Sábios?”

Com isso, um brilho de fervor surgiu nos olhos do Patriarca. “Os Sábios são totalmente diferentes. Suas percepções sobre magia atingiram um nível tão alto que é como se seus feitiços tivessem uma alma própria.”

“Uma alma?” Arran olhou para o Patriarca confuso. Ele não fazia a menor ideia do que o velho estava falando.

“Veja o selo em seu Domínio da Destruição. Mesmo que eu criasse o mesmo selo, ele seria muito mais fraco, porque não tenho a percepção necessária.” O Patriarca soltou uma risada e continuou: “Na verdade, eu obtive um grande benefício apenas por ter observado o selo enquanto estive dentro de sua mente. E você vai ter benefícios ainda maiores – com bastante estudo, você pode até mesmo obter parte das percepções ocultas no selo. É por isso que ele se tornou um tesouro inestimável, muito mais valioso do que o seu Reino da Destruição”.

Arran refletiu sobre as palavras do Patriarca, mas sabia que seu conhecimento sobre magia era muito limitado para realmente compreender o que ele estava falando. Depois de um momento, ele perguntou: “Então o Mestre Zhao é um Sábio?

“É quase certo”, respondeu o Patriarca. “E se não for, ele está apenas um fio de cabelo longe de se tornar um. De qualquer forma, o seu conhecimento de magia é muito superior ao meu.”

 

“Existe um estágio além dos Sábios?” Arran perguntou, com a curiosidade que ainda não foi satisfeita.

O Patriarca deu uma risadinha. “Além dos Sábios estão os Santos – assim como o fundador de nossa Sociedade. Todos são figuras lendárias, mas não sei se ainda existem alguns vivos hoje. Se você encontrar um, não tenho certeza se será uma maldição ou uma bênção.”

Arran afirmou com a cabeça, mas tinha dificuldade em imaginar o poder de um Santo. Se o Patriarca criou a formação em torno de Uvar e os Sábios são muito mais poderosos do que o Patriarca, então os Santos têm que ser totalmente aterrorizantes.

“Mas temos um outro assunto para discutir”, disse o Patriarca, sua expressão ficando séria. “Um assunto relacionado ao seu futuro.”

“Meu futuro?” As ideias de Arran sobre Sábios e Santos foram imediatamente esquecidas.

Capítulo 204: Um Novo Caminho

“Quando você chegou ao Sexto Vale, você procurou um lugar onde pudesse fortalecer a sua força em segurança”, disse o Patriarca. “Um lugar em que você possa estudar magia em silêncio, sem a ameaça constante de inimigos o perseguindo.”

Arran assentiu com a cabeça. O que o ancião disse era totalmente correto – mas então, ele havia obtido isso das próprias memórias de Arran.

“Mas depois que você salvou minha vida, a chance disto acontecer se perdeu completamente”, continuou o Patriarca. “Todos os Anciões do Vale sabem o que você é e, em pouco tempo, sua fama vai se espalhar para o resto do Vale. Se você permanecer aqui, jamais vai ter a tranquilidade que procura – nem a segurança.”

Naturalmente, Arran chegou a essa conclusão sozinho. Por romper a formação do Ancião Feng na frente dos Anciões e Grão-Mestres, ele assegurou que seu rosto fosse gravado na mente de todos.

“Então, o que você sugere?” Estava evidente que o Patriarca já tinha algo em mente. Ele não chamaria Arran de outra forma.

“Eu tenho um plano”, respondeu o Patriarca. “Ou melhor, uma proposta. Mas antes de continuar, a Snow Cloud também deve estar aqui. Ela tem o mesmo problema que você, e o que eu tenho em mente envolve vocês dois.”

Ele tirou um sino dourado de sua túnica e o tocou. Embora o som tivesse sido tão suave que quase não se ouvia, um servo de veste branca surgiu em um instante.

“Você ligou, Senhor Patriarca?”

 

“Por favor, busque a Snow Cloud”, disse o Patriarca ao homem.

“Imediatamente, Senhor Patriarca.” O servo saiu correndo imediatamente.
Enquanto Arran aguardava ansiosamente a chegada da Snow Cloud para ouvir os planos do Patriarca para ele, o velho calmamente terminou sua tigela de sopa.

A Snow Cloud logo entrou na sala. Com um sorriso no rosto, ela deu ao Patriarca uma pequena reverência. “Vovô”.

“É bom ver você”, respondeu o Patriarca. “Sente-se.” Quando Snow Cloud se sentou, ele continuou: “Ao me salvar, ambos se tornaram alvos fáceis para meus inimigos. Como o Vale já não é mais seguro para vocês, decidi mandá-los embora”.

“Mandar-nos embora?” O sorriso de Snow Cloud sumiu em um instante e ela olhou para o avô com olhos arregalados. “Você não consegue nos proteger aqui?”

“Posso, é claro”, respondeu o Patriarca. “Eu poderia tomar vocês dois como aprendizes pessoais e mantê-los sob proteção o tempo todo. Vocês poderiam ter a mim e aos Anciões do Vale como professores, com os recursos suficientes à sua disposição para que até mesmo os Grão-Mestres ficassem verdes de inveja. Seria o caminho que levaria vocês dois a se tornarem Anciãos”.

Arran franziu a testa. O que o Patriarca falou era tudo o que ele queria, mas, pelo que parecia, não era o que ele tinha em mente para eles.

“Mas suas vidas estariam protegidas”, continuou o Patriarca. “Vocês não conseguiriam sair do Vale ou enfrentar batalhas reais e, ainda que seu vasto conhecimento de magia fosse vasto, não possuiriam a experiência necessária para temperá-la. Embora um dia vocês possam se tornar Anciões, o seu poder será, na melhor das hipóteses, insignificante.”

“Então, o que você está planejando para nós?” perguntou Snow Cloud.

“Ao ver as memórias de Lâmina Fantasma, me lembrei que o caminho que a maioria dos magos segue é limitado. Na busca pelo poder mágico em vez de todo o resto, eles acabam ficando cegos para suas fraquezas. Até eu cometi esse erro. Confiando apenas na minha força mágica, ignorei meu corpo e fui vítima de um veneno simples. O que pretendo para vocês é um caminho que evite essas armadilhas”.

 

Ficou nítido na expressão da Snow Cloud de que a resposta não a satisfazia, mas depois de um instante, ela soltou mais um suspiro de resignação. “O que você espera que façamos?”

“Para começar, eu vou mandar vocês dois para o Nono Vale, no qual ninguém conhece sua identidade. Vocês vão se passar por iniciados, os alunos de um especialista visitante.”

“Iniciados?!” A voz de Snow Cloud estava cheia de indignação.

“Você vai nos fazer estudar com um especialista?” Arran se sentiu tão indignado quanto Snow Cloud. Depois de meses aprendendo com um Ancião, ele entendia muito bem a diferença entre os dois – sendo ensinado por um simples especialista, ele duvidava que o progresso fosse tão rápido quanto a metade.

“Acho que fiz um bom trabalho ao ensiná-lo até agora”, soou a voz de uma mulher no fundo da sala.

Arran se virou rapidamente e viu que era a Lâmina Brilhante. Ela entrou na sala sem ele perceber e, ao ver sua expressão assustada, sorriu amplamente.

“Mas você não é um especialista”, disse Arran, de forma um tanto redundante.

“Faz apenas alguns séculos que eu não ocupo esse posto”, respondeu a Lâmina Brilhante. “Assumir essa função não deve ser muito difícil. E, como estou ensinando você, existe uma pequena esperança de que se torne um mago de verdade.”

O Patriarca arranhou a garganta e, quando os outros ficaram em silêncio, ele disse: “A Lâmina Brilhante vai acompanhar você, como sua mestra e protetora. Com um Ancião se fazendo passar por um especialista, eu acredito que vocês não vão se sentir humilhados por se fazerem de iniciados”.

Snow Cloud sacudiu a cabeça apressadamente, e Arran percebeu que havia um tom avermelhado em suas bochechas.

 

“Agora, tendo resolvido esse assunto, gostaria de dar algo a vocês.”

O Patriarca pegou dois anéis e depois os colocou na mesa diante de Snow Cloud e Arran. Os anéis são excepcionalmente simples e aparentam ser feitos de ferro, e Arran não sentiu nenhuma magia vindo deles.

Ao ver seus olhares perplexos, o Patriarca explicou: “São anéis vazios. Eles são parecidos com os sacos vazios, só que quando você recupera itens, eles surgem diretamente em sua mão – uma qualidade muito útil para lutar ou jogar. Dentro desses anéis, vocês vão encontrar os suprimentos que eu preparei para vocês. Vá em frente e amarre-os”.

Arran fez o que o Patriarca disse e, ao ver o conteúdo do anel, ele teve que se conter para não ofegar de espanto. O espaço que o anel apresentava possuía dezenas de milhares de Cristais de Essência, além de inúmeros pergaminhos, amuletos de memória e vários objetos que ele não reconheceu.

No entanto, enquanto Arran não conseguia controlar sua empolgação, Snow Cloud falava com tristeza: “Há carne de dragão aqui”.

“Um presente gracioso do Ancião Naran”, disse o Patriarca. “Você vai encontrar uma técnica de refinamento corporal que ele desenvolveu com a ajuda de seu conhecido nas Cordilheiras do Pico Vermelho. Mesmo que não seja tão eficaz como a Ruína do Dragão, ela deve permitir que você se fortaleça bastante nos próximos anos.”

“Mas…” O tom de tristeza de Snow Cloud se tornou um terror. “Usar isso vai atrapalhar a minha magia!”

“Isso vai atrasar seu progresso”, confirmou o Patriarca. “É um preço pequeno a se pagar pelos benefícios que você receberá.”

Antes que Snow Cloud fizesse qualquer outra objeção, ele continuou: “Entre os suprimentos, vocês vão se deparar com amuletos, um para cada um de vocês. Eu os criei recentemente, com certeza vocês irão gostar deles. Você pode usá-los para liberar um ataque constante de Essência não vinculada sobre si mesmo, o que permite que você crie mais resistência contra a magia.”

Arran franziu a testa. O que o Patriarca explicou soava exatamente o que ele tinha feito em Uvar e, como o Patriarca viu suas memórias, ele percebeu que isso não era coincidência.

 

“Isso…” Uma expressão complicada apareceu no rosto de Snow Cloud. “Você quer que eu siga o caminho do Lâmina Fantasma?”

“Não”, disse o velho. “Quero que vocês dois se unam e criem um novo caminho. Quero que vocês – os dois – se transformem igualmente formidáveis em magia e combate físico. Quero que evitem os pontos fracos de outros magos, sem perder seus pontos fortes.”

“Você quer que eu abandone o Caminho Verdadeiro.” O espanto era evidente nos olhos da Snow Cloud ao pronunciar as palavras, como se ela tivesse entendido somente agora a importância do que seu avô estava sugerindo.

“O Caminho Verdadeiro é apenas um dos muitos caminhos para o poder”, disse o Patriarca. “E, ainda que tenha nos servido bem, não é mais o suficiente. A traição da Montanha de Ferro foi apenas o último de uma longa lista de desastres e, a cada ano em que passa, a Sociedade fica ainda mais fraca e dividida. Você viu a evidência disso com seus próprios olhos, no ano passado.”

“Mas por que nós?” perguntou Snow Cloud, parecendo perplexo. “Se um novo caminho for necessário, por que não pedir a um Ancião para procurá-lo?”

“Naturalmente, nós fizemos isso”, respondeu o Patriarca. “Eu não deixaria o destino da Sociedade nas mãos de um novato – e muito menos de um que compartilha do meu sangue. Há muitos Anciãos procurando formas de melhorar nossa força, e talvez alguns deles tenham sucesso. Mas vocês são jovens e seu caminho ainda não foi definido, e eu me sentiria um tolo em desperdiçar essa oportunidade.”

“Então somos um experimento?” Arran olhou fixamente para o Patriarca.

“De certa forma”, disse o velho. “Mas um que acredito fielmente que beneficiará vocês dois.”

“Se for um experimento, e se falhar?” perguntou Arran. Acreditasse ou não, as palavras do velho não inspiravam confiança.

“Então você vai ter perdido alguns anos viajando pelo caminho errado.” O Patriarca deu de ombros. “Em sua idade, há muito tempo para mudar de rumo. Mas mesmo sem a minha sugestão, você iria desistir de seus esforços no Refinamento Corporal para focar apenas na magia?”

 

Arran suspirou, porque sabia muito bem que não o faria. “Muito bem. Eu vou embora.”

O Patriarca concordou com a cabeça, depois se virou para a Snow Cloud. “E você?”

Ela demorou para responder, mas finalmente, depois de olhar para Arran, ela disse: “Tudo bem”.

“Excelente”, disse o Patriarca. “Vocês vão partir daqui a uma semana.”

Capítulo 205: Uma longa jornada

“Ela só pode estar se escondendo na copa das árvores naquela colina ali.” Os olhos de Snow Cloud mostravam um olhar sombrio e de determinação. “É o único lugar nas proximidades que tem cobertura e um bom ângulo de visão. Se você conseguir distraí-la, eu irei dar a volta e atacarei por trás.”

As pontas de seus dedos se tornaram brancas quando ela, por reflexo, apertou a espada. Com mais de meio ano de treinamento de força e manejo da espada, ela já não tratava a arma com desdém. Agora, ela a manejava com tanta confiança quanto os seus feitiços.

Arran olhou para uma densa região desértica que estava diante deles, analisando a avaliação de Snow Cloud. A paisagem ondulada era coberta de arbustos, mas, pelo que ele pôde ver, ela estava certa – a colina no topo das árvores era o único lugar que dava abrigo e também uma boa visão da área.

Ele fez um rápido sinal de cabeça para Snow Cloud. “Vamos fazer isso.”

Ela se moveu lentamente, se agachando e se arrastando silenciosamente em direção à colina. Levou alguns minutos até que Arran não conseguisse mais vê-la, o que não teve importância – ele a conhecia o suficiente para adivinhar o tempo que ela levaria para se posicionar.

Depois de um quarto de hora, Arran resolveu que era hora. Ele respirou fundo e começou a acumular Essência de Fogo, se preparando para atacar.

Seu primeiro Golpe Flamejante detonou a maior árvore do bosque, inundando a área ao redor em grandes fragmentos de madeira. O segundo ataque ocorreu um instante depois, despedaçando duas das árvores menores.

Ele avançou rapidamente, mantendo um Force Shield com a mão esquerda e continuando a lançar Ataques Flamejantes com a direita. Embora o bosque estivesse em ruínas e em chamas, ele não cessou com seus ataques – se o inimigo estiver ali, a distração seria extremamente necessária.

 

Enquanto Arran avançava, Snow Cloud surgiu do mato a uma distância razoável do bosque em chamas. Ela avançou imediatamente, com sua espada empunhada e pronta para atacar.

Mas então, Arran o viu – um vulto surgindo às suas costas, com uma lâmina erguida em suas mãos.

“Atrás de você!”, ele gritou.

Snow Cloud se virou bem a tempo e, por alguns breves segundos, segurou o atacante. Mas, mesmo com sua defesa furiosa, a luta foi desequilibrada, e ela caiu bem antes que o ataque Golpe Flamejante de Arran atingisse o inimigo.

Arran correu para a frente, preparando um segundo Golpe Flamejante, quando o vulto levantou a mão – o sinal da Lâmina Brilhante indicando que o exercício havia terminado.

Com isso, Arran deu outro suspiro de alívio. Seja qual foi o motivo, ele se sentiu feliz de ter escapado da surra que enfrentaria com seu professor.

Enquanto Snow Cloud se levantava, Arran começava a se dirigir a seus dois companheiros, ansioso para ver qual golpe de sorte o havia salvado de mais uma derrota dolorosa.

Desde que eles partiram do Sexto Vale, meio ano antes, se escondendo dentro de carroças de mercadores na calada da noite, Lâmina Brilhante fez com que Arran e Snow Cloud a enfrentassem em batalha centenas de vezes.

Às vezes, eles eram emboscados, às vezes eram perseguidos e, às vezes, a Lâmina Brilhante os enfrentava diretamente por dias a fio, fazendo com que eles lutassem a cada passo antes de serem inevitavelmente derrotados e se vangloriarem de sua vitória.

Às vezes, era o bastante para que Arran desejasse realmente ter se isolado durante a próxima década, como os Anciões do Vale haviam dito. Entre o isolamento e os métodos de ensino de Brightblade, o primeiro com certeza era o que parecia ser a opção menos dolorosa.

 

No entanto, por mais cansativos que fossem os métodos de treinamento da Lâmina Brilhante, sua eficiência era fora de questão. Muitas vezes, ela fazia Arran lutar utilizando apenas a magia dele e Snow Cloud apenas sua força, e a prática contínua fez com que as habilidades de Arran aumentassem consideravelmente.

Talvez seus Golpes Flamejantes não fossem ainda tão fortes como os da Snow Cloud e, no entanto, a diferença não era mais o vasto abismo que havia sido antes.

E o progresso da Snow Cloud foi pelo menos tão surpreendente, se não mais. No entanto, Arran sabia muito bem que isso não acontecia apenas devido à habilidade da Lâmina Brilhante como professora.

Uma semana antes de partirem, o Patriarca tinha passado vários dias conversando longamente com a Snow Cloud, e ela ficou silenciosa e triste por várias semanas depois disso. Ela tinha se recusado a discutir o assunto com Arran, mas ele sabia que o Patriarca tinha comentado sobre os pais dela – e era muito óbvio que as notícias não eram boas.

Seu ânimo eventualmente melhorou, mesmo que ligeiramente, mas algo mudou dentro dela. Ela começou a estudar o refinamento corporal e o manejo da espada de uma forma tão intensa que beirava o fanatismo, estudando e praticando até mesmo nos poucos momentos de descanso que eles tinham todos os dias.

O que ele viu deixou Arran preocupado, mas não podia fazer nada além de torcer para que a dor dela pudesse diminuir – ou que ela resolvesse compartilhá-la com ele.

Por mais que ele quisesse ajudá-la, ele sabia que não poderia forçá-la.

Quando Arran chegou aos seus dois companheiros, ele se voltou rapidamente para Lâmina Brilhante. “Algum motivo para você ter decidido não atirar em mim um feitiço ou dois?”

“Eu estava sendo misericordiosa”, respondeu ela com um sorriso. “E o mais importante de tudo é que temos um convidado.”

Ela gesticulou para trás e, quando Arran olhou, viu uma jovem mulher ao longe que caminhava devagar em direção a eles. Em uma olhada rápida, ele pôde ver que ela se vestia como uma maga das Shadow Flame – uma novata, pelo visto.

 

Os três aguardaram enquanto a jovem se aproximava. Naturalmente, Arran não sentiu nenhuma preocupação – com a Lâmina Brilhante ao lado deles, não existia muita coisa nas terras fronteiriças que poderia ameaçá-los.

Quando a estranha chegou mais perto, Arran viu que ela era mais nova do que ele pensava inicialmente. Em vez de uma mulher, ela se parecia mais com uma menina, com um rosto inocente, grandes olhos verdes e cabelos castanhos encaracolados.

A garota parou a uma distância de doze passos deles, com alguma hesitação em seu rosto. “Vocês também são novatos?”, ela perguntou com uma voz tímida.

“Eu sou um especialista”, respondeu Lâmina Brilhante. “Esses dois iniciados são meus alunos.

“Oh!”, exclamou a garota, depois olhou para o bosque em chamas. “Então foi a sua magia que eu senti. Isso explica por que você é tão poderoso.”

Arran suprimiu um sorriso, rapidamente se dando conta de que já gostava da garota.

“Eu sou Acantha”, disse ela. “Peço desculpas por não reconhecê-lo. Eu… não conheço muitos adeptos.”

“Eu sou Lâmina Brilhante”, apresentou-se Lâmina Brilhante. “Estes dois são Snow Cloud e Lâmina Fantasma. O fato de não nos ter reconhecido é natural – não somos do seu Vale.”

“Vocês não são do Nono Vale?” Os olhos de Acantha arregalaram de surpresa. “Então vocês viajaram desde o Oitavo Vale?”

“Isso é mais um pouco”, respondeu Lâmina Brilhante. “Mas viemos visitar seu Vale”.

 

“Vieram? Ah! Mas eu posso mostrar a vocês o caminho! Só estamos a alguns dias da fronteira!”

A Lâmina Brilhante assentiu. “Indique o caminho.”

“É claro, Especialista Lâmina Brilhante”, disse a garota, mal contendo sua empolgação.

Eles logo começaram a andar novamente, mas, apesar de sua promessa, não levou muito tempo para que Acantha ficasse para trás da Lâmina Brilhante. Empolgada ou não, ela claramente não se sentia confortável em liderar um especialista e, depois de algumas tentativas fracassadas de falar com Lâmina Brilhante, ela se enfiou silenciosamente entre os iniciados.

No entanto, o silêncio não durou muito, e ela tentou iniciar uma conversa com Snow Cloud. Como era de se esperar, isso não deu certo – Snow Cloud não estava muito a fim de conversar atualmente, especialmente com estranhos – e, finalmente, com todas as outras opções esgotadas, Acantha se voltou para Arran.

“Na verdade, eu acabei de terminar o meu primeiro ano no outro lado da fronteira”, disse ela, com um sorriso um pouco forçado.

“Sozinha?” Arran ergueu uma sobrancelha. “Você não teve nenhum recruta com você?”

“Não consegui nenhum recruta bom para me acompanhar”, respondeu ela, desanimada.

“Mas não era perigoso?” Embora Arran conhecesse que os novatos deviam ser capazes de se defender sozinhos, ele teve algumas dúvidas em relação a essa novata em particular.

“Foi”, disse ela em um aceno firme de cabeça. “Encontrei com um grupo de bandidos e tive o trabalho de ferir um deles para assustá-los.” Então, em voz baixa, ela acrescentou: “Ouvi de outros novatos que um dos novos recrutas foi morto há alguns meses”.

 

Arran a olhou com desconfiança. “É raro que recrutas morram?

“Claro!” Ela olhou para ele como se tivesse perguntado se a grama era verde. “Se isso ocorresse com frequência, os Anciãos não nos mandariam simplesmente para o outro lado da fronteira.”

“Mas não existem inimigos nas terras fronteiriças? Magos hostis e refinadores de corpos?”

“Na verdade, não”, disse Acantha. “Há os Caçadores, é claro, mas eles não incomodam os novatos. A menos que você…”.

“Caçadores?” Lâmina Brilhante a interrompeu bruscamente. “Você disse que existem Caçadores na região?”

Capítulo 206: No Vale

Uma expressão de pavor cruzou o rosto de Acantha. A resposta vigorosa da Lâmina Brilhante ao mencionar os Caçadores foi algo que ela não esperava.

“Sim, Especialista Lâmina Brilhante”, disse ela. “Caçadores costumam ser comuns nas terras fronteiriças.” Com um leve tremor na voz, ela acrescentou: “Mas não há com que se preocupar. Eles não costumam atacar os magos das Shadow Flames. A menos que nós os desafiemos – mas ninguém foi burro a ponto de fazer isso em anos.”

Lâmina Brilhante ergueu uma sobrancelha. “Eles não têm como alvo os magos do Nono Vale? Mas eles estão atacando outros?”

Acantha assentiu com a cabeça. “Eles caçam todos os magos que não são da Sociedade das Shadow Flame . Pelo menos, é o que meus professores dizem…”.

“Então, o que você faz?” perguntou Lâmina Brilhante, com o rosto franzido enquanto olhava para a novata.

O rosto de Acantha ficou intrigado. Em um tom incerto, ela perguntou: “O que nós fazemos?”

“Nas terras fronteiriças. Onde não existem outros magos, o que vocês, noviços, fazem aqui? Seus Anciões não os enviam aqui apenas para acampar, não é mesmo?”

Com isso, começou a perceber nos olhos de Acantha. “Nós protegemos a região de bandidos e criaturas perigosas”, respondeu ela, com uma expressão de orgulho no rosto.

 

De repente, Arran compreendeu por que as fronteiras do Nono Vale são tão seguras para os novatos. Com apenas bandidos e bestas como inimigos, não existiam perigos reais para os magos.

“Entendo”, disse Lâmina Brilhante. “Muito bem, vamos voltar a andar”.
Ela se virou e não disse mais nada, embora Arran pudesse perceber uma ponta de insatisfação em seu olhar. Ele suspeitou que ela não acreditava que tal segurança era um bom treinamento para novatos.

Enquanto seguiam o caminho novamente, Acantha ficou visivelmente mais quieta do que antes, aparentemente com medo de chamar a atenção da Lâmina Brilhante mais uma vez. No entanto, essa breve calma de Arran não durou mais do que uma hora, depois disso ela voltou a tagarelar.

Eles viajaram por dois dias, Snow Cloud e Lâmina Brilhante permaneceram em silêncio enquanto Acantha tagarelava com Arran sobre o ano que passou nas terras fronteiriças. Isso não o incomodava muito – parte dela lembrava algumas das garotas que ele havia conhecido em Riverbend, com uma inocência que ele não via há muito tempo.

Então, para a surpresa de Arran, ocorreu uma mudança inesperada na paisagem. Anteriormente, havia uma área silvestre ao redor deles, mas agora eles chegaram em uma região cheia de terras agrícolas. Os campos de trigo e as pastagens cheias de gado estendiam-se ao norte até onde ele conseguia ver e até as montanhas a leste.

“Estamos perto agora!” disse Acantha, parecendo animada. “O caminho para o Vale está a menos de três dias daqui!”

Arran olhou em volta para as casas e fazendas que ocupavam os campos ao redor deles. “Há pessoas morando fora da entrada do Vale?” Ele ainda se lembrava muito bem do terreno baldio que havia na entrada do Sexto Vale, mas aqui a situação era completamente diferente.

“É claro”, respondeu Acantha. “Até aqui, existem apenas alguns vilarejos menores, mas tem mais gente morando perto da entrada. E na própria entrada, há uma cidade – Mountain Gate.” Ela olhou para Lâmina Brilhante e, quando viu que ela não olhava, sussurrou: “Você precisa visitar Mountain Gate quando seu professor não estiver com você. Eles têm o melhor vinho de morango e…”.

Arran escutou com a metade do ouvido quando Acantha continuou, sua atenção voltou para a área em volta deles. Não parecia com qualquer outra parte das terras fronteiriças que ele tivesse visto antes. Mesmo no Império, ele havia presenciado poucas regiões que fossem tão pacíficas e prósperas como essa.

Como Acantha havia dito, a população ficou ainda mais densa ao se aproximarem da entrada do Nono Vale, encontrando muitos vilarejos e até algumas pequenas cidades.

 

No entanto, a maior surpresa foi quando chegaram a Mountain Gate.

Arran já esperava ver uma cidade, mas não imaginava que fosse tão grande quanto essa. Em uma olhada rápida, ele podia dizer que ela era pelo menos o dobro do tamanho de Hillfort, se não maior, e as estradas próximas a ela estavam lotadas de comerciantes, viajantes e fazendeiros trazendo produtos para a cidade.

“Estamos chegando a Mountain Gate”, disse Acantha de forma um tanto desnecessária. “Tenho que encontrar algumas pessoas na cidade, mas se você quiser, posso levá-lo…”

“Vamos seguir direto para o Vale”, interrompeu a Lâmina Brilhante. “Obrigado por sua ajuda.” O tom de sua voz mostrou que ela queria que Acantha fosse embora, e sem demora.

“Tudo bem”, disse Acantha. “Foi um prazer conhecê-los, talvez possamos nos ver novamente.” Ela deu um sorriso para Arran e depois saiu, sumindo na multidão em questão de instantes.

Por alguns minutos, seu pequeno grupo seguiu em silêncio. Então, Lâmina Brilhante falou. “Não estou gostando disso.”

“Nem eu”, concordou Snow Cloud. “Há algo de estranho nisso. É aquela garota…”

“Ela não era tão ruim”, disse Arran. “Ela era muito amigável e nos ajudou a mostrar o caminho.”

Snow Cloud lançou um olhar irritado para ele. “Talvez você esteja cego pelo sorriso bonito, mas deve ter percebido que havia alguma coisa estranha nela. Ela era praticamente como… uma plebeia”. Ela acentuou as últimas palavras, com o desgosto claro em sua voz.

Mesmo que Arran não gostasse de julgar a garota de maneira muito severa, ele teve que admitir que Snow Cloud estava certa. Ele não viu Acantha usar magia, mas, pelo seu comportamento, ela se parecia mais com uma jovem garota da aldeia ao invés da maga habilidosa que uma novata deveria ser.

 

“Acho que você tem razão”, admitiu ele com relutância.

“Ela tem”, disse LâminaBrilhante. “E eu pretendo descobrir o mais rápido possível sobre o que está acontecendo aqui. Nada disso é normal – não são as fazendas na fronteira, não é o novato absurdamente fraco, e certamente não são os caçadores amigáveis”. Ela balançou a cabeça. “Mas, primeiro, precisamos nos instalar no Vale”.

Eles circularam ao redor de Mountain Gate, descobrindo a trilha para o Nono Vale sem muita dificuldade. Assim como nas outras estradas da região, ela era repleta de carroças de mercadores e fazendeiros, um fluxo constante de tráfego nos dois sentidos.

O movimento fez com que seu progresso fosse lento, e eles demoraram a maior parte do dia para chegar ao portão do Vale.

Quando finalmente o alcançaram, Arran se sentiu quase aliviado por ver que, pelo menos, era o mesmo que no Sexto Vale – uma passagem longa e estreita com muralhas íngremes dos dois lados que levavam a um portão enorme, com uma enorme muralha pairando sobre ele.

Logo surgiu outra diferença. Onde os guardas do Sexto Vale examinavam cuidadosamente cada viajante, aqui, os guardas apenas acenavam para que todos passassem, no máximo aconselhando os viajantes que estavam passando a não se demorarem no portão.

Até mesmo Arran e seus dois companheiros, os três eram claramente magos, e mal recebiam um único olhar, muito menos um segundo.

Esse desrespeito à segurança fez com que Arran erguesse uma sobrancelha, mas ele percebeu que os guardas não tinham muita escolha – inspecionar todos os que chegavam faria com que a longa fila de carrinhos e pessoas na trilha abaixo fosse rapidamente interrompida.

Lâmina Brilhante, por sua vez, olhava a cena com um desagrado que mal podia ser disfarçado, e Arran chegou a suspeitar que ela causaria um escândalo por pura frustração com a displicência dos guardas. No entanto, ela seguiu em frente rapidamente, lançando um olhar furioso para os guardas enquanto eles passavam para o Nono Vale.

“Inaceitável”, ela murmurou em voz baixa quando já haviam passado pelos guardas. “Completamente inaceitável.”

 

Ainda assim, mais um choque os esperava quando atingiram o penhasco que descia para o vale. Imediatamente, eles viram que o Nono Vale era muito mais populoso do que o Sexto Vale. No cenário que se estendia diante deles, Arran contou no mínimo seis cidades, e ele entendeu que havia muitas mais à frente.

“Há tantas pessoas aqui”, disse ele, muito mais para si mesmo do que para os outros.

Ao lado dele, Snow Cloud concordou com a cabeça, com os olhos arregalados de espanto. “Não é nada parecido com o Sexto Vale…”

“Não estou gostando disso”, disse Lâmina Brilhante mais uma vez. “Vou levar vocês dois a uma pousada na cidade mais próxima e depois vou descobrir o que aconteceu aqui. Esperem que eu volte e não atraiam nenhuma atenção.”

Capítulo 207: Fazenda do Amieiro

“Abra!” Arran bateu na porta de Snow Cloud, com mais força do que na primeira vez.

“Já estou indo”, sua voz abafada foi ouvida por trás da porta. Ela foi aberta um instante depois, mostrando o rosto confuso da Snow Cloud. Pelo suor em sua testa, Arran notou que ela estava em uma sessão de treinamento. “O que é isso?”, perguntou ela.

“Estamos indo para a cidade”, anunciou Arran.

“Não posso”, respondeu Snow Cloud sem hesitação. “Eu tenho que praticar meu Refinamento Corporal.”

Arran a olhou diretamente. “Depois de seis meses de treinamento contínuo, ter uma pequena folga não vai fazer diferença.”

“A Lâmina Brilhante disse para não chamarmos atenção”, ela retrucou.

“Ela também disse para aproveitarmos a cidade”, disse Arran. “Se ela pretendia dizer que devíamos ficar em nossos quartos, ela deveria ter escolhido uma pousada mais aconchegante.”

“Eu não vou arriscar”, disse Snow Cloud. “Você pode ir se quiser, mas eu vou ficar aqui.”

 

Ela tentou fechar a porta, mas Arran a bloqueou com a mão antes que ela fechasse. “Você pode ir sozinha ou eu vou jogá-la no ombro e carregá-la, sem chamar a atenção dos habitantes locais.”

“Você não vai fazer isso!” Os olhos dela ficaram arregalados diante de tal ameaça e ela o olhou com desconfiança por alguns segundos. Então, ela soltou um suspiro. “Tudo bem. Se isso é tão importante para você, eu vou junto. Espere por mim na sala comum. Eu chego lá em quinze minutos.”

Arran sorriu para ela, deu meia-volta e desceu as escadas, indo para o salão comum da pequena pousada.

Quando chegaram três dias antes, Lâmina Brilhante havia passado algumas instruções breves e, em seguida, foi para a capital. Depois disso, Snow Cloud passou o tempo todo em seu quarto, sem diminuir nem um pouco o seu interesse pelo treinamento, agora que tinham chegado ao seu destino.

Arran, por sua vez, passou seus dias explorando a cidade.

A Fazenda do Amieiro, como era chamada, não era muito grande, mas por estar localizada perto do portão do Nono Vale, tinha muito movimento. E isso significava que a cidade era repleta de inúmeras pousadas, restaurantes e pequenas lojas.

Inicialmente, a mudança do ambiente era como uma brisa de ar fresco para Arran. Depois de seis meses no deserto, ele aproveitou a chance de estar entre pessoas novamente e de comer outras coisas que não fossem a vasta montanha de carne de dragão que ele carregava em seu anel vazio.

No entanto, conforme os dias passavam, suas preocupações com Snow Cloud cresciam.

Ele esperava que o espírito dela pudesse melhorar quando eles voltassem à civilização, mas, em vez disso, as coisas só pioraram. Anteriormente, ela estava quieta, mas agora se isolou completamente. E, pelo o que Arran podia perceber, as coisas estavam piorando.

Finalmente, ele havia decidido pôr um fim a isso. Ele não conseguia resolver os problemas dela, mas não ficaria parado enquanto a via seguir por esse caminho.

 

Talvez não fosse necessário arrastá-la para fora, ou talvez isso só pioraria as coisas. Mas, independentemente da situação, ele não iria desistir sem ao menos ter tentado.

Quando Snow Cloud apareceu na sala comum quinze minutos depois, ela não tinha mais o aspecto de ter acabado de sair de um campo de batalha. Em vez de um traje de treino surrado, ela usava uma túnica preta simples, e seu cabelo foi penteado e amarrado para trás.

Arran deu um sorriso quando a viu, depois pegou rapidamente sua mão e a guiou para fora.

“Para onde estamos indo?”, ela perguntou. “O que é tão importante para você não conseguir lidar com isso sozinho?”

“Para começar”, começou Arran, “Existe um excelente restaurante aqui perto. Eles oferecem pão fresco e um tipo de pasta de ervas que tem um gosto diferente de tudo o que você já comeu antes. O frango assado é muito bom também, sem mencionar o cozido de legumes. E você precisa experimentar…”

Ele continuou contando enquanto arrastava Snow Cloud, temendo que, se ele der a ela a menor chance, ela ainda mudaria de ideia.

Mas ela não mudou e, uma hora depois, eles estavam em um pequeno restaurante, com a mesa entre eles cheia de pratos vazios.

“Você tinha razão”, disse Snow Cloud, pegando o último pedaço do molho de seu prato com um pedaço de pão. Ela o comeu de uma só vez e depois continuou: “Está bom. Mas por que você pediu para que eu viesse junto?”

Arran hesitou em responder, pensando brevemente se ele deveria contar ou não para ela a verdade. “Estou preocupado com você”, disse ele. “Você não é a mesma pessoa desde que conversou com seu avô. Eu não posso exigir que você explique o que aconteceu, mas também não vou permitir que você desapareça. Seja qual for o problema, se fechar para o mundo não vai ajudar”.

Snow Cloud sacudiu lentamente a cabeça. “Eu sei que você tem boas intenções, mas isso não pode ser decidido por você.”

 

“Claro que posso”, respondeu Arran. “Eu posso não ser o melhor tagarela, mas sou forte como um touro. Se for preciso, eu vou pegar você e carregá-la junto comigo pelo tempo que for necessário.”

Com isso, um sorriso surgiu em seus lábios. “A força de um boi e a habilidade para se igualar a ela”, disse ela com um suspiro. “Muito bem, então. Para onde iremos em seguida?”

“Não faço ideia”, respondeu Arran sorrindo. “Vamos descobrir.”

Eles saíram do restaurante não demorou muito e seguiram para a cidade.

Por quase duas horas, caminharam sem rumo, visitando várias lojas e – por insistência de Arran – várias barracas de comida que ficavam nas ruas. Na maior parte do tempo, porém, eles simplesmente caminharam, olhando as multidões que passavam.

“É tão pacífico”, disse Snow Cloud, observando com curiosidade as pessoas ao redor deles.

“É uma sensação estranha, não é?” Arran olhou ao redor com certo espanto também. “Ninguém está tentando nos matar, não existe nenhum mago inimigo para enfrentar. É quase como se fossemos plebeus.”

Snow Cloud assentiu com a cabeça. “Fazia muito tempo que não me sentia assim.”

O tempo passou rapidamente durante a caminhada pela cidade e, pela primeira vez depois de meses, Arran ouviu a risada da Snow Cloud novamente. Mesmo sendo óbvio que os problemas dela ainda se escondiam logo abaixo da superfície, sua situação parecia melhor do que há muito tempo.

Não demorou para o anoitecer e a luz do dia começava a desaparecer. Quando passaram em frente a um dos grandes parques da cidade, Snow Cloud lançou um olhar e disse: “Vamos entrar”.

 

Havia poucas pessoas nesse parque e, por algum tempo, eles caminharam em silêncio por suas trilhas sinuosas. Mas então, Snow Cloud falou de repente.

“Eles estão mortos”, disse ela. “Meus pais… Meu avô me contou que eles foram mortos.”

Arran não sabia mais o que dizer, mas após um momento, ele esticou a mão sem palavras e puxou Snow Cloud para abraçá-la com força. Por vários minutos, os dois ficaram assim, em silêncio, a não ser pelo som dos soluços da Snow Cloud contra o ombro de Arran.

Depois de se soltarem, os olhos dela já estavam vermelhos de lágrimas. “Passei esses anos todos esperando que pudesse salvá-los, como uma criança tola. E eles já estavam mortos.”

“Não é tolice ter esperança contra todas as probabilidades”, respondeu Arran. “Especialmente quando se está lutando por quem se ama.”

“Essa é a pior parte”, disse Snow Cloud, com os olhos baixos e a voz triste. “Eu não faço ideia se os amo. Eu sequer me lembro deles. Na época em que eles partiram, eu era criança e, naqueles anos em que sonhava em salvá-los, eu queria ter pais novamente. Eu não apenas falhei em salvá-los, mas também falhei em manter viva a memória deles.” As lágrimas voltaram a brotar em seus olhos.

Arran balançou a cabeça. “Você não falhou. Você concluiu a tarefa final de sua mãe e conseguiu salvar seu avô. Isso foi muito mais do que qualquer um esperaria de você.”

“Eu sei disso.” Ela suspirou desanimada. “Mas não importa o que eu saiba, ainda assim parece que fracassei. E não posso me vingar deles. Meu avô não me disse quem são os assassinos deles – ele disse que se eu fosse atrás deles, não sobreviveria.”

“Ele sabe quem os assassinou?” Arran ergueu uma sobrancelha ao ouvir isso. Se o Patriarca sabia quem eram os assassinos, mas não se atreveu a agir… um calafrio desceu por sua espinha ao pensar nisso.

“Ele sabe. E se o avô não tem segurança para enfrentá-los, então eu não tenho a menor chance.”

 

“É por isso que está treinando tão duro?” Arran perguntou, começando a entender o comportamento da Snowcloud no último semestre. “Você pretende caçar os assassinos de seus pais?”

“Eu sei que é um plano ridículo… a ideia de me tornar mais forte que o vovô…”

“Bobagem”, respondeu Arran de forma brusca. “Nós dois vamos superá-lo e, na hora certa, eu vou ajudar você a matar as pessoas que mataram seus pais.”

Com isso, um pequeno sorriso surgiu no rosto de Snow Cloud. “Obrigada”, disse ela. “Talvez possamos ter sucesso juntos. Quando você fica ao meu lado, eu sinto que…”

Antes que ela conseguisse terminar as palavras, eles são interrompidos pelo som de passos tropeçando em direção a eles. Com seus sentidos aguçados depois de meio ano nas terras fronteiriças, o som imediatamente chamou a atenção deles e, como um só, eles se viraram para ele.

No entanto, ao invés de uma ameaça, o que eles viram foi um novato. Ele não andava com firmeza, andando em um ritmo instável que sugeria que havia bebido mais que algumas garrafas de vinho além do seu limite. Mas, ainda que seus olhos estivessem apenas entreabertos, era evidente que ele se dirigia a eles.

Quando o novato já estava a alguns passos de distância, Arran percebeu que ele estava fedendo a álcool. Então, de repente, o jovem avançou vários passos rápidos e esticou as mãos para Snow Cloud. “Uma garota bonita como você deveria…”

O novato cambaleou para trás, com uma marca vermelha da palma da mão da Snow Cloud em seu rosto. A embriaguez sumiu de seus olhos imediatamente, e a raiva agora tomou seu lugar.

“Sua vadia!”, gritou ele, sacando a espada. “Eu vou-“

Em um instante, Arran surgiu entre Snow Cloud e o novato. A espada da Snowcloud estava desembainhada pela metade, mas ele a impediu de desembainhar com sua mão esquerda. E, ao mesmo tempo, a palma de sua mão direita atingiu o peito do novato.

 

O novato foi jogado no chão, e parou a uns doze passos de distância. Arran não ficou preocupado com a condição do jovem – ele conteve sua força e, a não ser por cinco ou seis costelas quebradas, seu adversário deveria estar bem.

O novato lutou para se levantar e, quando finalmente conseguiu, ele apontou sua espada para Arran. “Você não sabe quem eu sou?! Eu vou-“

“Você vai fechar essa boca estúpida agora mesmo!”, disse uma voz aguda.

Arran rapidamente se virou em direção ao desconhecido e viu a pessoa que tinha se pronunciado era um homem de meia-idade parado no caminho a uma pequena distância atrás deles. Alto e magro, seus traços eram nítidos como sua voz, e havia repulsa em seus olhos quando ele encarou o novato.

“Esse jovem apenas salvou sua vida”, disse o homem. “Você não deveria desperdiçar esse presente não merecido tão facilmente. Agora se dirija ao seu professor e peça uma punição. Se eu a considerar insuficiente, será aplicada uma segunda punição a meu critério. Agora vá embora!”

O novato estremeceu com as palavras do homem, mas depois se curvou profundamente e saiu correndo.

“Inútil!”, resmungou o homem, com uma voz cheia de desagrado. No entanto, quando se virou para Arran e Snow Cloud, um sorriso de satisfação apareceu em seu rosto. “Vocês dois, no entanto, têm muito potencial.”

Capítulo 208: Um Convite

Arran olhou para o homem alto diante deles, com os olhos repletos de suspeita. Ainda que o estranho não tenha demonstrado qualquer sinal de hostilidade, ele não acreditou nem um segundo que a sua chegada fosse uma coincidência.

“Você está nos seguindo.” Ele deu um olhar de avaliação para o estranho, mas os olhos disseram pouco sobre o homem. Alto e de meia-idade, usando uma túnica simples, mas cara, e uma espada bem feita, ele suspeitou que o homem tivesse uma posição importante no Nono Vale – mas ele sabia disso pela reação do novato.

“Eu era”, respondeu o homem. “Não é todo dia em que recebemos visitantes de outro Vale”.

“Como você descobriu?” perguntou Snow Cloud. Ela se mostrou curiosa e não chocada, com se já esperasse que fossem identificados.

“Os magos que voltam das terras fronteiriças raramente permanecem na Fazenda do Amieiro por mais de uma noite. Mas quando dois jovens magos permanecem por três dias, e um deles continua dentro de seu quarto por dias a fio, o dono da estalagem acaba suspeitando.” O homem deu uma risada. “Ainda existem alguns de nós no Vale que não dão a nossa segurança por garantida.”

“Então você sabia que éramos de outro Vale”, disse Arran. “Isso vai ser um problema?”

“Longe disso”, disse o homem. “Os visitantes de outros vales são raros, mas são todos bem-vindos. E, no seu caso, são especialmente bem-vindos.” Ele fez um sinal para Arran e Snow Cloud. “Permitam-me que os acompanhe enquanto voltam para a sua hospedagem. Eu tenho uma oferta que pode ser do seu interesse.”

Arran olha para Snow Cloud, que responde com um aceno de cabeça. “Tudo bem”, disse ele. “Vamos ouvir.”

 

Enquanto eles se dirigiam em direção à saída do parque, com o ambiente totalmente envolto na escuridão da noite, o senhor começou a falar.

“Já que você chegou até aqui, imagino que pretende ficar no Nono Vale por um tempo.” Ele olhou para Arran e, não havendo nenhuma oposição, continuou. “Bem, eu assumo que vocês dois são especialistas…”
“Nós somos apenas iniciados”, interveio Arran.

“Iniciados?” O homem alto ergueu uma sobrancelha. “Pelo pouco que vi, vocês certamente são bem mais fortes do que qualquer outro iniciado que já encontrei, e já vi muitos. Mas não importa. E aquela companheira de vocês, que foi para a capital há alguns dias?”

“Ela é nossa professora”, disse Snow Cloud. “Ela é uma especialista.”

“Dois iniciados e uma especialista…” O homem franziu a testa em pensamento, depois perguntou: “Estou correto quando digo que vocês três têm alguma experiência em batalha?”

“Está.” Arran sabia que não adiantava esconder esse fato. Uma mentira apenas serviria para deixar o homem desconfiado.

“Excelente. Nesse caso, eu gostaria de fazer um convite para se juntar à Casa das Espadas, tanto para você como para a sua professora.”

“A Casa das Espadas?” Arran não tinha ouvido esse nome antes e franziu as sobrancelhas confuso ao olhar para o homem alto.

“Somos um grupo de pessoas do Vale e ainda não esquecemos a importância da força.” O orgulho era evidente na expressão do homem ao falar e ele continuou: “Mesmo nestes tempos de paz, não deixamos de lado nosso treinamento – ao contrário do que acontece com muitos de nossos colegas magos, temos consciência de que a paz não dura para sempre”.

Arran franziu a testa. “Mas por que você está querendo que nos juntemos a eles?”

 

Com uma ponta de arrependimento, o homem disse: “Nenhuma forma de treinamento pode se comparar à experiência real. Embora eu seja velho o suficiente para lembrar dos tempos em que a batalha era comum, muitos de nossos membros mais novos não enfrentaram uma luta de verdade.”

“Você acha que o treinamento entre nós vai beneficiá-los.”

Arran entendeu as intenções do homem com clareza. Se seus alunos sem experiência gastassem seu tempo treinando ao lado de parceiros também inexperientes, seria muito fácil adquirir hábitos perigosos.

Ter alunos com mais experiência em suas fileiras não iria resolver completamente o problema, mas certamente não seria ruim.

“Exatamente”, respondeu o homem com um sorriso. “É claro que também traz benefícios para você. Ao entrar para a nossa associação, você pode treinar com os magos mais talentosos do Vale. Além disso, isso dará a você status e privilégios dos quais os outros não possuem.”

“Sua oferta é muito gentil”, disse Snow Cloud. “Mas não podemos aceitá-la. Vamos transmitir a oferta à nossa professora assim que ela retornar, mas a decisão é dela.”

“É claro”, disse o homem. “Quando ela voltar, digam a ela que o Grão-Mestre Solin gostaria de falar com ela. Ela pode nos encontrar na Casa das Espadas, na seção reservada da capital.”

Parecia que ele já estava indo embora, e seu interesse diminuiu depois que ele soube que Snow Cloud e Arran não passavam de iniciados, sendo que o mestre deles é que tomaria a decisão final.

No entanto, quando Arran entendeu que ele era um Grão-Mestre, rapidamente percebeu que existia uma oportunidade aqui – uma oportunidade que não deixaria ser desperdiçada.

“Grão-mestre Solin”, disse ele, forçando a assumir um tom obsequioso, “Eu queria saber se você pode me explicar uma coisa. Algo sobre o Nono Vale”.

 

“O que você gostaria de saber?” Disse o Grão-Mestre franzido a testa

“Em nosso próprio Vale, as terras fronteiriças estão cheias de perigos e os Caçadores foram considerados inimigos mortais. No entanto, aqui, as fronteiras são tão seguras como o próprio Vale, com os Caçadores acabando com os inimigos da Sociedade. Como é que esse cenário estranho surgiu?”

O Grão-Mestre Solin soltou uma risada. “Você certamente tem razão em chamá-lo de estranho”, disse ele. “Um século atrás, eu veria isso da mesma forma que vocês veem agora. Mas a verdade parece ser extremamente simples.”

Arran prestou muita atenção no que o homem falava. Simples ou não, ele se mostrou extremamente interessado na explicação e duvidou que conseguisse encontrar uma fonte melhor por algum tempo.

O Grão-Mestre continuou: “Durante séculos, batalhamos contra os Caçadores, tanto nas derrotas quanto nas vitórias. Mas, meio século atrás, houve uma trégua não declarada. E como as duas principais forças das terras fronteiriças não estavam mais lutando entre si, rapidamente foram eliminadas as outras ameaças sérias.”

“Uma trégua não declarada?” perguntou Arran. “Qual foi o motivo disso?”

“Os dois lados ficaram cansados da batalha”, disse o Grão-Mestre. “Passamos séculos lutando contra os Caçadores, mas não importa quantos matamos, sempre surgiam mais. Um dia, a Matriarca ordenou que parássemos de atacar os Caçadores, a menos que eles atacassem primeiro, assim como os líderes deles. Desde então, temos tido paz”.

“Parece que a paz serviu bem a vocês”, disse Arran.

“Serviu”, disse o Grão-Mestre Solin. “Em alguns aspectos, pelo menos. Nossa quantidade triplicou no último meio século, mas o fato de não ter perigo fez que as nossas forças se reduzissem. Nós nos tornamos como o aço não endurecido, e temo que, se os Caçadores voltarem a pegar em armas mais uma vez sobre nós, a pressão poderá nos quebrar.”

“Então você não está de acordo com a decisão da Matriarca?” Arran perguntou com cautela.

 

“É uma pergunta arriscada”, respondeu o Grão-Mestre, com uma expressão inquieta. “Se seu professor resolver participar da Casa das Espadas, talvez tenhamos que discutir isso no futuro.” Ele suspirou. “Mas, agora, eu preciso me retirar. Diga ao seu professor que eu o convidei e, com sorte, eu o verei novamente em breve.”

Com um último sinal amigável, o homem partiu, desaparecendo rapidamente nas ruas escuras da Fazenda do Amieiro.

Arran e Snow Cloud prosseguiram em silêncio por um tempo, nenhum dos dois se atreveu a falar em um lugar onde estranhos pudessem ouvir. No entanto, a noite já tinha reduzido o movimento nas ruas e, quando Arran abriu a sua Visão das Sombras, viu se não havia ninguém nas proximidades para ouvi-los.

“Podemos conversar”, disse ele. “Então, o que você acha?

Snow Cloud pensou por um momento, depois sacudiu a cabeça. “Eu não sei. Ao que parece, mesmo com a paz, o Nono Vale não é nada estável. E se os magos são tão fracos quanto o Grão-Mestre Solin disse…”

“Se os Caçadores os atacarem, pode haver um banho de sangue. A menos é claro que a paz também tenha feito os caçadores ficarem fracos. Mas eu duvido disso.” Arran suspirou. “Eu suponho que vamos ter que esperar pela Lâmina Brilhante e esperar se ela aprendeu algo útil.”

Alguns minutos depois, eles voltaram para a estalagem, onde Arran olhou desconfiado para o gerente da estalagem. No entanto, ainda que não gostasse do fato de ser espionado, ele não podia culpar o homem pela intenção de proteger sua terra natal.

Foram necessários outros três dias para o retorno da Lâmina Brilhante, a maior parte do tempo que Arran e Snow Cloud dedicaram a explorar a cidade e suas diversas lojas e restaurantes. Embora Snow Cloud não tivesse parado completamente seu treinamento, Arran gostou do fato de ela não ter se isolado mais.

A Lâmina Brilhante retornou na manhã do sexto dia na Fazenda do Amieiro. Ela entrou no quarto de Arran um pouco antes do amanhecer, com um olhar cansado no rosto e Snow Cloud com sono ao seu lado.

Arran já estava acordado. Ele não costumava treinar tão intensamente quanto a Snow Cloud, se bem que ele passava uma hora todas as manhãs utilizando o amuleto do Patriarca para reforçar a resistência contra a magia. Não era tão eficiente como seu treinamento em Uvar, mas, em seis meses, ele tinha avançado tanto que estava confiante de que poderia resistir facilmente aos ataques dos especialistas.

 

“Você já está acordado. Ótimo.” Lâmina Brilhante entrou no quarto e se sentou na cama. “Eu descobri um pouco nestes últimos dias.” Ela se virou para Snow Cloud. “Feche a porta atrás de você!”

Depois que a Snow Cloud fez o que ela disse, ela agitou algumas vezes com sua mão direita, e Arran podia sentir uma fina camada de Essência que se espalhava pelo quarto.

“Agora podemos conversar”, disse ela. “Para começar, descobri a situação dos Caçadores e por que as fronteiras são tão calmas.”

“A Matriarca decretou uma trégua meio século atrás”, disse Arran. “Nós sabemos.”

Lâmina Brilhante franziu a testa. “Parece que eu não fui o único a ter uma experiência feliz. O que aconteceu?”

Arran rapidamente contou a ela sobre seu encontro com o Grão-Mestre Solin, fazendo questão de repetir todas as coisas que o homem havia dito a eles.

Lâmina Brilhante assentiu com a cabeça conforme ele falava, parecendo estar inesperadamente satisfeito pela situação. Quando ele acabou de falar, ela abriu um sorriso. “Parece que iremos fazer parte da Casa das Espadas”.

“Você está mesmo pensando em aceitar o convite dele?” Os olhos da Snow Cloud arregalaram de surpresa, e Arran também ficou surpreso. Mesmo sabendo o pouco que sabia, ele suspeitou que se juntar à Casa das Espadas iria colocá-los lado a lado com os adversários da Matriarca.

“A situação no Nono Vale está mais complicada do que parece, e vocês dois nos deram, sem querer, uma oportunidade excelente.” Ela se levantou. “Mas eu vou explicar isso quando partirmos. Arrumem suas coisas; estaremos indo para a capital imediatamente.”

Capítulo 209: Casas do Nono Vale

Eles haviam percorrido vários quilômetros da Fazenda do Amieiro até que o sol surgisse sobre as montanhas, sua luz revelou as terras altamente populosas do Nono Vale.

Até onde Arran podia ver, os campos cobertos de vegetação eram repletos de fazendas e casas de campo e, ao longe, existiam vários vilarejos. Em um palpite, ele imaginou que seria difícil percorrer até mesmo um único quilômetro para qualquer direção sem encontrar alguém.

Havia algo naquela paisagem que o deixou desconfortável. Mesmo no Império, ele jamais tinha passado por um lugar como esse – um lugar sem qualquer espaço para a verdadeira solidão. E, o que era mais importante, nenhum lugar onde pudesse fugir ou se esconder.

Antes que ele pensasse mais sobre o assunto, a voz da Lâmina Brilhante rompeu com seus pensamentos. “Agora que já estamos a caminho, quero deixá-lo informado sobre a situação.”

As palavras imediatamente atraíram a atenção de Arran, e ele e Snow Cloud se viraram para Lâmina Brilhante, preocupados em ouvir o que ela descobriu nos dias anteriores e, mais importante, o que os aguardava.

“Para começar, a Casa das Espadas é apenas uma entre muitas”, começou Lâmina Brilhante. “O Nono Vale está cheio de Casas diferentes, e cada uma delas possui metas e objetivos diferentes.”

“Como as facções do Sexto Vale?” perguntou Snow Cloud, bastante cautelosa depois de tudo o que eles enfrentaram no ano anterior.

Lâmina Brilhante balançou a cabeça. “Não é bem assim. As Casas são mais como guildas, cada uma delas especializada em uma determinada área da magia. Embora elas apresentem discordâncias sobre o curso do Vale – grandes discordâncias, aliás – seu objetivo original consistia em unir os especialistas do Nono Vale para que pudessem combinar seus conhecimentos.”

 

Snow Cloud assentiu com a cabeça lentamente, mas sua expressão sugeria que ela considerava a ideia bastante esquisita.

“No topo estão as Quatro Casas maiores”, disse Brightblade, “E muitas outras menores abaixo delas. Ao longo dos anos, essas Casas maiores se transformaram quase em sociedades separadas, sendo que cada uma reuniu especialistas nas disciplinas das outras também. O mesmo se aplica às Casas menores, embora em menor grau”.
Arran ouviu com atenção as palavras dela, seu interesse cresceu ao entender que o Nono Vale era muito diferente do Sexto Vale.

Lâmina Brilhante olhou para Arran e Snow Cloud, como se esperasse perguntas.

Como não houve perguntas, ela continuou: “A primeira das Casas Grandes é a Casa dos Selos. Essa é a maior e mais influente Casa, de longe, e seu foco tradicional são os selos e as formações.”

“O foco deles são os selos?” A curiosidade de Arran foi despertada imediatamente. Ele ainda não tinha conseguido abrir seu Reino da Destruição, e aprender mais sobre os selos o ajudaria. “Se eles são a maior Casa, não devíamos nos unir a eles?”

“Não”, respondeu Lâmina Brilhante rapidamente. “A Casa dos Selos está sob o controle absoluto da Matriarca. Se nos juntássemos à Casa dos Selos, iríamos nos aliar a ela de maneira definitiva. E, considerando o estado do Nono Vale, isso é algo que eu quero evitar.”

Arran acenou com a cabeça de forma resignada, embora não tenha conseguido evitar a decepção.

“A segunda é a Casa das Chamas”, continuou a LâminaBrilhante. “Ela foi criada por especialistas de magia ofensiva e, atualmente, ela possui os maiores críticos da Matriarca. Naturalmente, não podemos nos juntar a eles também – se aliar aos adversários da Matriarca não seria sábio.”

Nem Arran nem Snow Cloud comentaram sobre isso. Que seria péssimo se juntar aos inimigos da Matriarca era óbvio.

Lâmina Brilhante deu outra olhada neles e depois continuou. “A terceira é a Casa da Criação. Seus membros são, em sua maioria, artesãos – alquimistas, encantadores, escribas e assim por diante. A Casa da Criação tem a tendência de evitar a política do Vale, se mantendo neutra quando possível.”

 

Os olhos de Snow Cloud brilharam com a menção dos alquimistas, mas só por um momento. O seu objetivo principal em vir para o Nono Vale era se fortalecer, não ser um artesão habilidoso.

“E, finalmente”, disse Lâmina Brilhante, “Temos a Casa das Sombras. Como o nome sugere, seu ponto forte são as magias das sombras, principalmente as que servem para ocultar. Eles são muito reservados, então não pude descobrir muito mais sobre eles”.

Eles ficaram brevemente em silêncio quando um agricultor passou por eles, com uma carroça cheia de produtos atrás. O homem os cumprimentou de forma amigável, mas, fora isso, mal notou a presença deles.

Alguns momentos depois, depois que o fazendeiro deixou de ser visto, Arran perguntou: “Então a Casa das Espadas é uma das Casas menores?

“Correto”, disse Lâmina Brilhante. “A Casa das Espadas é especialista em combate físico e, ainda que sua história ofereça algum status, tanto sua quantidade como sua força estão bem abaixo das Casas maiores.”

“Foi por isso que você a escolheu? Você quer que a gente se dedique ao estudo do combate físico?” perguntou Snow Cloud, franzindo as sobrancelhas em pensamento.

Lâmina Brilhante balançou a cabeça. “Escolhi esse lugar porque precisamos chamar a atenção sobre nós mesmos. E isso é mais fácil em uma Casa menor”.

“Você vai ter que explicar isso”, disse Snow Cloud, claramente confusa em seu rosto. ” Eu pensei que o plano não era atrair muita atenção?”

“Seu treinamento requer recursos que eu não posso fornecer sozinho”, respondeu Lâmina Brilhante. “Para conseguir esses recursos, vamos depender do apoio total de uma Casa. E, para isso, temos que nos mostrar valiosos para eles. Esse objetivo é mais fácil de ser alcançado em uma Casa menor que em uma maior”.

Agora, Arran começava a entender seu plano. Ela pretendia fazer um grande movimento em um pequeno lago, de modo que pudessem ganhar o apoio total de sua Casa. No entanto, depois de refletir um pouco, ele percebeu que a estratégia parecia muito arriscada. “Se nós mostrarmos a nossa força, isso não vai atrair muita atenção dos outros?”

 

Lâmina Brilhante sorriu em resposta. “Essa é a segunda vantagem de se juntar a uma Casa Inferior. Mesmo que a gente provoque um tumulto na Casa das Espadas – o que eu pretendo fazer – as outras Casas nem vão notar.”

Arran franziu a testa e encolheu os ombros. Pelo que parecia, Lâmina Brilhante havia pensado em tudo isso.

No entanto, Snow Cloud ainda não estava satisfeita. “E quanto a…”, começou Snow Cloud.

“Isso é tudo por enquanto”, interrompeu a Lâmina Brilhante. “A maioria das suas perguntas será respondida em breve, e tem muita gente na estrada que poderia nos ouvir.”

Essa última parte não foi exagero. O sol nasceu há pouco tempo, e a estrada já se tornou movimentada. A maioria das pessoas que passaram por eles pareciam ser fazendeiros e aldeões, mas alguns pareciam ser magos.

O fato de que nenhuma das pessoas que passavam por eles os olhavam com atenção não trouxe muito conforto a Arran. Depois que o proprietário da pousada em Fazenda do Amieiro os espionou, ele ficou totalmente ciente que qualquer um desses fazendeiros poderiam fazer o mesmo.

Eles avançaram devagar pelas estradas cheias de tráfego e, mesmo antes de anoitecer, Lâmina Brilhante recomendou que parassem numa cidade próxima para procurar uma pousada. Ela parecia não se importar com o ritmo lento deles.

Quando Arran perguntou a ela sobre isso, ela deu um sorriso para ele. “Eu vou deixar o Grão-Mestre descansar um pouco”, ela explicou. “É mais fácil lidar com ele depois de passar alguns dias preocupados se vamos aparecer.”

E por alguns dias, Arran descobriu, ela pretendia dizer mais de uma semana. Eles podiam ter percorrido a distância em um ou dois dias se corressem durante a noite, mas Lâmina Brilhante fazia questão de viajar devagar.

A demora o deixou um tanto frustrado, mesmo sabendo o motivo. Com mais de meio ano de viagem, a sua paciência começou a se esgotar e ele ficou ansioso para ver o seu destino.

 

No entanto, ao chegarem à capital do Nono Vale, todas as suas frustrações foram esquecidas instantaneamente.

A cidade tinha um tamanho inacreditável – pelo menos cinco vezes maior que qualquer outra cidade que ele já tinha visto antes, se não maior. Em vez de uma simples cidade, ela se parecia com uma paisagem ilimitada de colinas onduladas onde pareciam ter surgido de forma espontânea um número infinito de edifícios.

Lâmina Brilhante observou as expressões estupefatas de Arran e Snow Cloud e depois deixou escapar uma risada alta. “Se a simples vista o deixou tão deslumbrado, você deveria saber que pelo menos 25% das pessoas aqui são iniciadas.”

“O quê?!” Snow Cloud arfou de espanto. “Como… como é possível haver tantos? A trégua só está em andamento há 50 anos, não é?”

“Muita coisa acontece em cinquenta anos”, disse Lâmina Brilhante. “Sem que houvesse perigo de se tornar um mago, todos que tinham um mínimo de talento ou ambição aproveitavam a oportunidade.” Ela deu de ombros. “A maioria dos iniciados não passa desse estágio, mas com tantos deles, até mesmo essa pequena fração chega a centenas de milhares de noviços.”

“Isso é aterrorizante”, disse Snow Cloud, com a voz calma de espanto. “Centenas de milhares de noviços… isso significa que há mais iniciados do que o Sexto Vale”.

Lâmina Brilhante deu um risinho. “Devo mencionar que, mesmo que a Casa das Espadas seja apenas uma Casa menor, ela ainda tem pelo menos dez mil membros.” Ela apontou para a cidade. “Vamos lá. Chegar à Casa das Lâminas vai levar várias horas, e eu pretendo estar entre seus membros mais importantes ao anoitecer”.

Ela partiu para a cidade, e Arran e Snow Cloud foram atrás dela, ainda com os olhos fixos na enorme cidade diante deles.

Quando se aproximou da cidade, Arran entendeu o plano de Lâmina Brilhante. Em um mar de magos como esse, seria fácil passarem despercebidos – mesmo que eles fizessem questão de chamar a atenção.

Capítulo 210: Uma mudança para pior

A capital do Nono Vale era tão grande que eles levaram várias horas para passarem por ela e, enquanto percorriam as ruas cheias de trânsito da cidade, Arran ficou surpreso com as vistas.

Ele achava que conhecia as cidades, mas esta era algo completamente diferente. Muitas lojas, pousadas e tavernas que fariam parte do centro da cidade em outros lugares se estendiam infinitamente aqui, rua após rua repleta de tráfego e comércio.

Em apenas algumas horas, eles cruzaram várias lojas que vendiam itens mágicos, entre elas várias com placas indicando que vendiam armaduras e armas encantadas.

Arran rapidamente decidiu que, se tivesse a chance, voltaria para comprar um conjunto adequado de armadura. Ainda que seu corpo fosse resistente o suficiente para resistir a maioria dos ataques sem sofrer um arranhão sequer, mais proteção não faria mal, principalmente se ele tivesse que enfrentar adversários mais fortes.

Depois de pensar um pouco, ele decidiu consultar a Lâmina Brilhante antes de sair gastando – ele se lembrava muito bem o que aconteceu quando ele mostrou sua riqueza em Gold Haven, e isso não era uma experiência que ele desejava repetir.

No entanto, enquanto as lojas chamaram sua atenção, o que fez seus olhos arregalaram de surpresa foram as tavernas.

Embora a maioria das tavernas da cidade parecessem normais, ele viu várias garotas servindo ao redor da entrada, com roupas tão escandalosamente decotadas que fez seu rosto ficar vermelho de vergonha.

Mesmo assim, ele não desviou o olhar, pelo menos não até que Nuvem de Neve o olhou com um olhar claramente irritado. Depois disso, ele se certificou de olhar discretamente.

 

Mas, ainda que as vistas da cidade chamassem sua atenção, o que seu sentido dizia a ele causava ainda mais espanto.

Um zumbido contínuo de Essência invadia a cidade, fazendo com que milhares de pessoas usassem constantemente pequenas quantidades de magia ao seu redor. Nada era muito forte, mas havia o bastante para que o sentimento fosse inconfundível.
No início, Arran acreditava que isso era resultado do treinamento de magos em outras partes da cidade. Mas então, quando passou por uma das barracas de comida espalhadas pelas ruas da cidade, ele viu que o vendedor usava Essência de Fogo para assar carne.

Imediatamente, ele parou em seu caminho.

“Você é um mago?”, perguntou ao homem, mas já sabia a resposta.

Um breve olhar de confusão passou pelo rosto do vendedor, mas então ele começou a sorrir. “Sim, sou”, disse ele. “E meu pão recheado de cabra é um dos melhores da cidade, e custa apenas um cobre por peça.”

“Vou levar três”, disse Arran.

Quando o vendedor acabou de preparar a comida, Arran entregou a ele uma moeda de prata. “Fique com o troco”, disse ele, e então correu de volta para Lâmina Brilhante e Nuvem de Neve, que haviam parando um pouco adiante quando notaram que Arran saiu do curso.

“Aquele vendedor era um mago”, disse ele ao entregar a cada um deles um pedaço de pão achatado recheado. Parecia muito ridículo para ser verdade. Um mago vendendo pão recheado de cabra.

“Isso é de cabra?” Lâmina Brilhante olhou com cara feia e devolveu seu pedaço de pão achatado para Arran. “E sim, existem muitos iniciados como vendedores, fazendeiros, lojistas e até mesmo empregados. O Nono Vale possui mais iniciados do que consegue treinar adequadamente, e aqueles que não possuem talento o suficiente muitas vezes retornam às suas vidas antigas caso não consigam avançar.”

Arran franziu a testa. “Então eles viraram magos e depois simplesmente desistiram?”

 

“Os iniciados não têm muito status no Nono Vale”, disse Lâmina Brilhante. “Somente os que se juntam às Casas têm permissão de entrar na seção restrita do Vale, e as Casas só recebem aqueles com talento suficiente. Os outros recebem poucas orientações, o que torna o progresso deles praticamente impossível.”

“Então, por que recrutá-los?” A raiva surgiu na voz de Snow Cloud, como se essa ideia a assustasse. “Para que permitir que eles se tornem magos se não vão receber treinamento? Por que desperdiçar todo esse potencial?”

“Uma boa pergunta”, disse Lâmina Brilhante, “E eu ainda preciso responder. Mas, no momento, o nosso foco é a entrada na Casa das Espadas. O portão da seção restrita do Vale fica logo à frente.”

Arran olhou para ela e percebeu um leve sorriso em seu rosto. Seja lá o que ela estivesse planejando, não ia demorar muito para que ele descobrisse.

Eles conseguiram chegar até o portão logo em seguida e encontraram um longo grupo de magos na frente dele, aguardando a entrada dos guardas. Embora a fila se movesse rapidamente, havia um número de pessoas considerável que levaria pelo menos meia hora para chegar ao portão.

Lâmina Brilhante olhou uma única vez a fila e disse em voz alta: “De jeito nenhum”.

Sem olhar para a fila novamente, ela passou direto para o portão com Arran e Snow Cloud andando a alguns passos atrás dela. Isso gerou muitos resmungos dos magos que aguardavam, mas a Lâmina Brilhante os ignorou completamente.

Assim que chegaram na entrada, um grupo de guardas correu em direção a eles, tendo como líder um homem de aparência cansada.

O homem deu um olhar incerto para Brightblade antes de falar, sem saber ao certo qual era o status dela e com medo de ofender alguém poderoso. No entanto, após um momento, ele parecer ter concluído que ela não era importante. “Você vai precisar ir para o final da fila.”

“Fui convidada pelo Grão-Mestre Solin da Casa das Espadas”, respondeu ela. “E eu não vim do Quarto Vale para ficar na fila”.

 

Ela falou de maneira confiante, mais de acordo com seu status atual de Anciã do que como especialista que deveria ser, mas Arran sabia que não era um descuido. Ela deixou claro que pretendia atrair a atenção, e parecia que já tinha começado.

“O Quarto Vale?” A expressão do homem indicava que ele não sabia como lidar com a situação e não estava nem um pouco contente com isso. No entanto, depois de um momento, ele suspirou e disse: “Sigam-me”.

O homem os levou a um posto de guarda a uma curta distancia do portão, depois os conduziu para dentro, onde se acomodaram em algumas cadeiras simples de madeira.

“Por favor, esperem aqui”, disse ele. “Vou chamar alguém da Casa das Espadas para acompanhar vocês”. Ele partiu com pressa, mas não antes de deixar três guardas para vigiá-los.

O tempo que eles haviam ganhado ao passar pela fila foi perdido na espera, mas Lâmina Brilhante não parecia se importar, e Arran compreendeu que economizar tempo não era o objetivo real dela.

O guarda finalmente voltou depois de meia hora e, quando voltou, tinha outro homem com ele. O segundo homem era de meia idade e estava vestido com uma túnica fina, e seus traços marcantes transmitiam um ar de autoridade.

“Mestre Kallias”, disse o guarda, “estes são os três magos que afirmam ter negócios com o Grão-Mestre Solin”.

O homem de meia-idade acenou com a cabeça pensativamente quando olhou para eles, depois perguntou: “E quem são vocês três?”

“Eu sou a Adepta Lâmina Brilhante do Quarto Vale e estes são meus alunos”, disse Lâmina Brilhante. Ela se levantou e continuou: “Agora, nos leve até a fortaleza de sua Casa. Já perdi muito do meu tempo”.

“Adepta Lâmina Brilhante”, disse o Mestre Kallias, dando destaque ao título com certo desprezo, “Não acho que seja apropriado uma especialista se dirigir a um Mestre dessa forma. Se você tem assuntos a tratar com o Grão-Mestre Solin, terei prazer em fazê-lo.”

 

“Meus assuntos com o Grão-mestre não são de seu interesse saber”, interrompeu Lâmina Brilhante. “Eu imagino que ele esteja esperando a minha chegada ansiosamente. Mas se você desperdiçar mais do meu tempo, eu levarei a minha oferta para outra Casa. Entendido?”

O Mestre quase ficou vermelho de raiva com suas palavras, mas a explosão que Arran aguardava não aconteceu. Um momento depois, ele falou com os dentes cerrados: “Eu vou acompanhá-lo até o Grão-Mestre Solin”.

“Então, pare de se atrasar”, respondeu a Lâmina Brilhante de forma brusca. Sem falar mais nada, ela foi em direção à porta.

O Mestre Kallias saiu atrás dela, com sua expressão assassina, com Arran e Snow Cloud acompanhando silenciosamente o homem.

Ao saírem da guarita, Arran pressentiu que, independente de qual fosse o plano de Brightblade, obter o apoio na Casa das Espadas não fazia parte dele.

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