Capítulo 211: Exigências irracionais

Durante a curta jornada para a fortaleza da Casa das Espadas, a viagem seguiu tranquila e desconfortável.

Eles correram o caminho todo, com Lâmina Brilhante pedindo repetidamente ao Mestre Kallias que andasse mais rápido. Todas as tentativas de amizade forçada que ele fez foram rapidamente descartadas, com a Lâmina Brilhante o tratando como um servo e não como um igual, muito menos como um superior.

Logo, a expressão do homem se fechou em um olhar hostil e, se não soubesse que eles são convidados do Grão-Mestre Solin, Arran não tinha dúvidas de que ele atacaria a Lâmina Brilhante. Mesmo agora, ele parecia não ser capaz de se conter.

No entanto, depois do primeiro quinze minutos, Arran parou de se preocupar.

Por mais bizarro que o comportamento da Lâmina Brilhante fosse, era claro que era proposital. Ele não conhecia o propósito dela de provocar o Mestre, mas depois desse meio ano viajando com ela, ele confiou no seu julgamento – ela era muitas vezes impetuosa, mas nunca negligente.

Seguro de que havia um plano – mesmo sem saber qual era – ele concentrou sua atenção nos arredores.

Ele ficou na seção reservada do Sexto Vale por vários meses, mas a maior parte do tempo passou na propriedade do Patriarca. Mas aqui, no Nono Vale, ele tinha a oportunidade de dar uma olhada ao redor.

O muro que marcava a seção restrita do Vale atravessava a capital, e ele logo percebeu que a parte interna da cidade era totalmente diferente da parte externa.

 

Para começar, o número de pessoas era muito menor, e todos, com exceção de alguns, pereciam ser magos – e não do tipo que vende pão achatado na beira da estrada. A maioria deles eram novatos, mas alguns mostravam os trajes de níveis mais altos, usando vestes finas e espadas bem feitas nas laterais.

Havia muito menos comércio também. A parte externa da cidade era repleta de lojas e armazéns, mas Arran encontrou poucos deles na parte interna. E os poucos que ele encontrou eram grandes e imponentes, mais parecidos com palácios do que com lojas. Ele não precisava entrar para saber se os produtos e os preços combinavam com o exterior.
No entanto, por mais interessantes que fossem os pontos turísticos, ele não tinha muito tempo para olhar, pois eles demoraram apenas meia hora para deixar a cidade para trás.

Fora da cidade, a paisagem também era bem diferente da do Vale externo. Enquanto o Vale externo era cheio de campos e fazendas, a maior parte do Vale interno continha bosques, com a mansão ou propriedade ocasional mal visível da estrada.

Eles atravessaram diversas cidades muradas ao longo do caminho, as quais Arran soube que deviam ser fortalezas de alguma das Casas.

As duas primeiras eram vastas, grandes o suficiente ao ponto de serem consideradas cidades por si só. No entanto, ao se afastarem da capital, as fortalezas foram ficando menores – parecia que as Casas maiores ficavam mais próximas da capital.

Finalmente, após passar quase duas horas, ao chegarem a outra dessas cidades, o Mestre Kallias parou.

“Chegamos”, disse ele em voz baixa, e então os conduziu até o portão vigiado.

Assim que chegaram ao portão, os guardas olharam de leve para o Mestre Kallias e se curvaram em respeito quando eles passaram. Isso trouxe um breve sorriso ao rosto do homem – depois da agressão da Lâmina Brilhante à sua dignidade, aparentemente ele estava necessitando de alguma segurança.

Lá dentro, Arran logo percebeu que o forte se assemelhava muito mais com um grande patrimônio do que com uma cidade. Embora existissem vários edifícios no interior das muralhas, havia muitos campos grandes de grama, nos quais muitos grupos de magos estavam treinando.

Todos, com exceção de alguns, praticavam a arte da espada, seja na execução de várias formas de espada ou no combate entre si.

 

Arran avaliou os esforços deles e ficou inesperadamente impressionado.

Cada um desses magos claramente era um espadachim habilidoso. Seus movimentos são suaves e praticados, e eles reajam aos ataques uns dos outros de maneira instintiva, como os anos de treinamento poderiam fazer.

Além disso, alternavam entre estilos e técnicas com facilidade, com movimentos perfeitos e combinando com o que parecia ser pelo menos seis escolas diferentes de espadachim.

Mas, mesmo impressionado com suas exibições, Arran não conseguia deixar de pensar em algo estranho na maneira como lutavam.

Ele pensou no que tinha visto ao passar pelos campos de treinamento, sem perceber o que acontecia ao seu redor quando seus pensamentos ainda estavam ocupados com o treinamento dos magos.

Pelo que tinha visto, parecia que eles brincavam em vez de lutar de verdade, estavam mais preocupados em marcar pontos em vez de derrotar os adversários.

Seus pensamentos foram interrompidos quando eles chegaram a um grande prédio de pedra, onde o Mestre Kallias sinalizou para que entrassem.

No interior, o homem os conduziu por uma série de salas e corredores, até que, finalmente, chegaram a uma grande porta de madeira. O Mestre Kallias bateu algumas vezes e, um momento depois, ouviram uma voz pedindo que entrassem, onde eles encontraram o Grão-Mestre Solin sentado em uma escrivaninha.

“Grão-mestre”, disse o Mestre Kallias, mostrando ao outro homem uma reverência respeitosa. “Eu lhe trouxe a Adepta Lâmina Brilhante e seus alunos. Ela diz que tem negócios com você”.

“Excelente.” O Grão-Mestre Solin sorriu amplamente, aparentemente satisfeito com a chegada deles. “Mestre Kallias, o senhor pode sair.”

 

O mestre se curvou novamente, ainda que tenha ficado desapontado pelo fato de que a alegação da Lâmina Brilhante era verdadeira. Mas, desapontado ou não, ele rapidamente saiu, sem dúvida feliz por se livrar do odioso especialista.

“Especialista Lâmina Brilhante, não é?” O Grão-Mestre Solin olhou para a Lâmina Brilhante com um olhar avaliador. “Todos vocês, por favor, se sentem. Estou muito feliz em vê-los aqui – eu estava começando a ficar preocupado que vocês não aceitariam minha oferta.”

“Eu tinha outros assuntos a tratar”, disse a Lâmina Brilhante. “Mas agora que estou aqui, eu vou aceitar seu convite. Eu e minha sobrinha aqui pertencemos à família Dao do Quarto Vale e acredito que podemos oferecer muito à Casa das Espadas”.

“A família Dao?” Uma pitada de empolgação soou na voz do Grão-Mestre Solin. “Até mesmo aqui, eu ouvi rumores sobre a reputação de sua família.”

Arran franziu a testa. Ele imediatamente reconheceu o nome – era o verdadeiro nome de família de Snow Cloud, assim como de Dark Fire.

“Tenho certeza que sim”, disse Lâmina Brilhante, “Mas antes que possamos nos unir, existem algumas condições. Embora eu esteja feliz em oferecer minha ajuda, não quero que o treinamento de meus alunos sofra obstáculos, nem o meu próprio”.

O Grão-Mestre concordou com a cabeça. “Isso não é preciso dizer. Do que você precisa?”

“Para começar, precisamos de nossos próprios alojamentos dentro da fortaleza. Uma pequena mansão deve bastar. E também vamos precisar de recursos: cristais de essência, ervas e vários outros materiais.”

“É claro”, disse o Grão-Mestre Solin. “Posso providenciar tudo isso. Agora, se você…”

“Além disso”, Lâmina Brilhante o interrompeu, “Eu não posso dedicar todo o meu tempo ao treinamento de seus magos. Dos oito dias de cada semana, vou passar quatro deles oferecendo instrução na Casa das Espadas, e os quatro restantes serão dedicados aos meus próprios alunos.”

 

O Grão-Mestre franziu a testa e depois suspirou. “Embora eu tenha esperado ter mais do seu tempo, não devo exigir que você negligencie seus alunos. Vou concordar com você…”

Novamente, Lâmina Brilhante o interrompeu. “Há mais. Sua Casa de Espadas possui acordos com as outras Casas para oferecer treinamento aos alunos mais talentosos das outras Casas. Meus alunos também vão precisar disso”.

O Grão-Mestre Solin empalideceu um pouco diante de suas palavras. “Estou surpreso que você tenha conseguido aprender tanto sobre nós nesse curto espaço de tempo. Que tipo de instrução seus alunos precisam?”

“Meus alunos vão precisar de instrução semanal da Casa das Chamas e da Casa das Sombras”, respondeu Lâmina Brilhante. “Além disso, Snow Cloud vai precisar de treinamento da Casa da Criação e a lâmina fantasma da Casa dos Selos.”

Dessa vez, um olhar de choque apareceu no rosto do Grão-Mestre. “Você pede muito. Cada hora da instrução que seus alunos receberem das outras Casas deve ter o mesmo retorno de nossos próprios Mestres e Grão-Mestres. Para que cada um de seus alunos receba instruções de três outras Casas… nem mesmo os nossos novatos mais talentosos desfrutam de tais luxos”.

Mas a Lâmina Brilhante ainda não havia terminado. “Por fim”, disse ela, ” eu preciso de uma propriedade fora de sua fortaleza – uma propriedade isolada, na beira das montanhas. Alguma que esteja a pelo menos vários quilômetros de distância de qualquer outra propriedade, na qual eu e meus alunos possamos treinar sem sermos incomodados.”

Com isso, um olhar desagradável apareceu no rosto do Grão-Mestre Solin. “Especialistas Lâmina Brilhante”, disse ele com firmeza, “parece que você está confundindo meu interesse por desejo. O que você pede é ultrajante – é muito mais do que um Grão-Mestre habilidoso pode receber”.

Lâmina Brilhante respondeu com um sorriso calmo. “Se minhas exigências parecerem ultrajantes”, ela respondeu, “é porque você não entende o que ofereço. Talvez uma demonstração seja necessária”.

“Uma demonstração?” A irritação nos olhos do Grão-Mestre Solin desapareceu, e a curiosidade tomou seu lugar. “Que tipo de demonstração você tem em mente?

“Uma competição amigável – disse Lâmina Brilhante. “Faça com que os novatos e especialistas mais fortes de sua Casa venham buscar, e eu vou lhe mostrar o valor da experiência.”

Capítulo 212: Uma pequena demonstração

“Uma demonstração…” O Grão-Mestre Solin franziu a testa ao analisar a proposta e, finalmente, assentiu para Lâmina Brilhante. “Muito bem. Vamos ver se sua habilidade corresponde às suas exigências”.

Ele os levou para fora do prédio, detendo vários magos ao longo do caminho e mandando-os buscar várias pessoas, incluindo vários membros de alto escalão da Casa das Espadas. Aparentemente, o Grão-Mestre queria que a demonstração tivesse uma plateia.

Isso deixou Arran um pouco confuso, mas após pensar um pouco, ele compreendeu o raciocínio do homem.

Se o Grão-Mestre ceder às demandas da Lâmina Brilhante, a escolha de gastar recursos em um grupo de forasteiros certamente levantaria dúvidas. O fato de que os outros líderes da Casa tivessem testemunhado sua força iria responder a essas perguntas mesmo antes de elas serem feitas.

E se a Lâmina Brilhante não conseguisse impressionar… bem, não haveria necessidade alguma de aceitar suas exigências. Em vez disso, o Grão-Mestre Solin podia afirmar que isso seria uma validação do treinamento dos seus alunos – um sinal de que, mesmo após décadas de paz, a Casa das Espadas ainda podia produzir lutadores à altura dos outros Vales.

Independentemente do resultado, o Grão-Mestre seria beneficiado.

Meia hora depois de terem saído do prédio, eles estavam na beira de um campo de treinamento vazio, esperando que o último membro da plateia chegasse. Já havia pelo menos 50 magos presentes, e nenhum deles parecia fraco. O Mestre Kallias se encontrava entre eles, junto com vários outros magos que pertenciam ao grupo dos Mestres e Grão-Mestres.

Finalmente, o Grão-Mestre Solin concluiu que havia espectadores suficientes e avançou para encarar a multidão.

 

Em voz alta, ele disse: “Novata Ilena, um passo à frente”.

Diante de suas palavras, uma jovem de cabelos castanhos, usando uma túnica simples de treinamento, surgiu no meio da multidão e entrou na grama. Seus movimentos eram graciosos e seus olhos confiantes, e Arran imediatamente soube que ela não seria uma oponente fraca.

“A novata Ilena é uma das minhas alunas pessoais”, disse o Grão-Mestre Solin, com orgulho em sua voz. “Apesar de sua juventude, ela já dominou vários estilos de espada e sua técnica é perfeita. Mesmo contra especialistas, ela venceu na maioria das vezes.”

Ele olhou para Arran e Snow Cloud, depois se voltou para Lâmina Brilhante. “Se algum de seus alunos durar mais de um minuto contra ela, eu vou ficar muito impressionado.”

A Lâmina Brilhante ergueu uma sobrancelha, com um brilho de diversão em seus olhos. “Snow Cloud, você vai enfrentar a novata. Não se retraia.”

Imediatamente, Snow Cloud cumpriu a ordem, pisando na grama e desembainhando a espada. Ainda que ela estivesse calma por fora, Arran a conhecia bem o suficiente e percebeu que ela se encheu de empolgação com a batalha que estava por vir.

Não é de se admirar, pensou ele. Ela passou o último meio ano treinando espadachim e refinamento corporal, mas ainda não teve a chance de testar suas habilidades. Durante a viagem desde o Sexto Vale, só havia Arran e Lâmina Brilhante para lutar, sendo que ela não podia se comparar a nenhum deles.

Mas agora que ela podia colocar em prática suas habilidades recém-adquiridas, Arran não tinha dúvidas de que aproveitaria ao máximo a oportunidade.

“Comecem”, disse o Grão-Mestre Solin.

A palavra mal saiu de sua boca quando Snow Cloud e seu oponente avançaram um contra o outro e suas espadas começaram a se encontrar segundos depois.

 

Nos primeiros momentos da luta, cada lutador lançou uma chuva de golpes no outro e, por pouco tempo, foi difícil ver quem estava em vantagem na troca de golpes.

A novata do Nono Vale era sem dúvida a mais habilidosa dos dois, e seus movimentos praticados eram uma combinação de vários estilos de espada sem esforço. Ela não era negligente nem tímida, pressionando com ataques graciosos, porém poderosos. E, enquanto lutava, utilizava as fintas e os floreios continuamente para distrair o inimigo.

Snow Cloud, por outro lado, lutava no estilo esparso, mas eficiente, que havia aprendido com a Lâmina Brilhante. Cada movimento que fazia era uma ameaça de ferimento e, mesmo sem a graça de seu oponente, os ataques simples, mas úteis, não eram fáceis de bloquear ou desviar.

Apenas isso não permitiria que ela se igualasse à habilidade superior de seu oponente, mas ela também teve a vantagem em força e velocidade. Cada ataque da novata foi bloqueado antes que pudesse ser concluído, e cada golpe da Snow Cloud fez com que a adversária estremecesse em choque.

Depois de apenas um minuto, Arran soube que a luta era de Snow Cloud.

A novata do Nono Vale era habilidosa, mas não tinha nenhuma defesa contra a força de sua oponente. Cada vez que as espadas se encontravam, ela cambaleava, a graça de seus movimentos sumia ao se preparar para resistir aos golpes.

Só isso já era o suficiente para decidir a partida, mas Arran pôde ver que os ataques da Snow Cloud não abalavam só o corpo da novata, mas também sua mente. Sua confiança rapidamente diminuiu e, agora, ela tremia antes de cada troca, com medo de receber os golpes de Snow Cloud.

“Parece que a sua aluna vai superar a minha em breve”, disse o Grão-Mestre Solin a LâminaBrilhante. “Embora eu já tenha notado que ela só usa um único estilo.”

“Uma batalha não é uma dança, Grão-Mestre”, respondeu Lâmina Brilhante. “Um único estilo bem utilizado é mais valioso em comparação com uma dúzia de estilos mal utilizados.”

Como se quisesse ressaltar o ponto de vista da Lâmina Brilhante, Snow Cloud repentinamente intensificou seus ataques. Seus movimentos se tornaram mais rápidos e mais fortes, e logo seu oponente começou a tropeçar para trás, procurando se defender dos ataques.

 

Não adiantava. A Snow Cloud mostrou sua força que estava escondida anteriormente e se lançou a uma série de golpes selvagens que fez com que seu oponente recuasse ainda mais. Um momento depois, a lâmina da novata voou, e a espada da Snow Cloud se deteve bem diante do pescoço da garota em pânico.

Com um sorriso sutil nos lábios, Snow Cloud deu um pequeno cumprimento à novata. Quando ela embainhou a espada, várias pessoas podiam ser ouvidas aplaudindo entre a multidão que havia se reunido em volta do campo.

Quando Snow Cloud se aproximou da Lâmina Brilhante um momento depois, o Grão-Mestre Solin olhou para ela com interesse.

“Muito impressionante, iniciante”, disse ele, depois se voltou para a Lâmina brilhante. “Seu aluno foi muito bem, mas seu próprio adversário vai ser um desafio maior.”

Em voz alta, ele gritou: “Especialistas Doran, por favor, dê um passo à frente”.

Um jovem saiu do meio da multidão e foi para o campo de treinamento. Ele aparentava ter uns vinte e poucos anos, com cabelos castanhos rebeldes e uma barba curta e desalinhada. Ele era tão alto quanto Arran, mas era muito mais musculoso, com ombros enormes e pescoço grosso.

Com uma expressão satisfeita, o Grão-Mestre Solin disse: “O especialistas Doran está entre os maiores talentos de sua geração. Em combate físico, ele é o especialista mais forte não apenas em nossa Casa, mas em todo o Vale. Você certamente terá a minha admiração se conseguir derrotá-lo.”

“Não serei eu quem o enfrentará”, respondeu Lâmina Brilhante. Ela se virou para Arran. “Lâmina Fantasma, dê um passo à frente.”

“O quê?!” Os olhos do Grão-Mestre se arregalaram de choque. “Você quer que um simples novato enfrente um especialista? Não seja idiota. Você já demonstrou a força de seus alunos – não há necessidade disso. Um iniciado não pode…”

“Grão-mestre”, Lâmina Brilhante o interrompeu. “Eu prometi a você uma demonstração. Veja com atenção.” Ela fez sinal para que Arran entrasse no campo de treinamento. “Mostre sua habilidade, mas não exagere.”

 

Arran não ficou surpreso por ser ele o único a enfrentar o especialista – ele suspeitava isso no momento em que a Lâmina Brilhante disse ao Grão-Mestre Solin para buscar seu especialista mais forte.

Sem demora, ele pisou na grama, em seguida desembainhou a espada e encarou o oponente.

“Comecem!” O chamado do Grão-Mestre Solin soou um momento depois, mas sua voz não tinha nenhum entusiasmo. Estava claro que ele não esperava muito da batalha.

Ao chamado do Grão-Mestre, Arran e seu oponente começaram a se aproximar um do outro com cautela. Nenhum dos dois atacou de forma tão intensa quanto os lutadores anteriores, ambos tinham a intenção de avaliar o rival antes de se envolverem em ataques sérios.

Eles circularam entre si várias vezes, trocando vários golpes.

Apenas isso foi o suficiente para Arran saber que ele era totalmente inferior. O homem à sua frente era muito mais habilidoso que o adversário da Snow Cloud e não mostrava as fraquezas do novato.

Ele não desperdiçava sua energia em apresentações espetaculares, tampouco variava entre estilos desnecessariamente. Em vez disso, ele lutou com uma eficiência implacável, atacando apenas quando viu aberturas na defesa de Arran.

O fato de Arran ter mais força do que o especialista era apenas uma pequena vantagem. Ao contrário do novato que o precedeu, esse homem era claramente mais experiente em enfrentar oponentes mais fortes e, em vez de enfrentar os golpes fortes de Arran de frente, ele os desviava suavemente.

Se Arran usasse sua força total, ele poderia ter dominado o homem, mas essa não é uma opção – quando a Lâmina Brilhante lhe disse para não exagerar, ele sabia que ela estava dizendo para não mostrar toda a sua força.

Ao tentar chegar numa solução, ele sofreu vários cortes em seus braços. Nenhum deles era profundo, mas estava evidente que o especialista se tornava mais agressivo conforme aumentava sua compreensão das habilidades de Arran.

 

Arran cerrou a mandíbula e tomou uma decisão. Ele tinha que terminar a luta rapidamente, ou não teria como vencê-la – pelo menos não iria expor sua força.

Ele lançou um ataque repentino, abrindo o ombro esquerdo e lançando sua espada contra o rival. Como esperado, o especialista se aproveitou da abertura e Arran recuou ao sentir a lâmina do homem cortar profundamente sua carne.

No entanto, foi exatamente isso que ele esperava. O golpe do especialista não foi capaz de dar a Arran uma abertura real, mas foi o suficiente para que ele contra-atacasse e obrigasse os dois lutadores a se enroscarem, diminuindo a distância entre eles.

Isso era tudo o que Arran precisava.

Enquanto suas espadas foram pressionadas uma contra a outra, ele bateu com seu punho esquerdo na barriga do outro homem, acertando o especialista logo abaixo das costelas.

Para seu crédito, o especialista não caiu instantaneamente. Em vez disso, ele tossiu alto ao tentar recuar, ainda mantendo a espada erguida apesar da dor óbvia.

Mas Arran já tinha previsto isso e, bem antes que o homem pudesse recuar, sua mão esquerda atacou novamente.

Dessa vez, ele segurou a mão esquerda do oponente com a mão esquerda e a retirou do caminho, depois usou a abertura para acertar o punho da espada contra o rosto do oponente.

Os olhos do especialista ficaram vazios por um instante e, quando ele recuperou a visão, a lâmina de Arran já havia chegado à sua garganta.

Sem dizer uma palavra, Arran retirou a espada e a embainhou.

 

“Boa luta”, disse o especialista, com um largo sorriso no rosto ensanguentado. Apesar de toda a sua habilidade, ele parecia não ser um mau perdedor.

“Da mesma forma”, respondeu Arran, acenando amigavelmente para o homem.

Ao se virar e voltar ao lado da Lâmina Brilhante, ele notou um silêncio total na multidão. Ele não sabia ao certo se estavam surpresos com sua vitória ou chocados com sua tática, mas isso não importava – ele havia vencido.

O Grão-Mestre Solin o encarou pensativo. “Notável”, disse ele. “Muito notável. Você se machucou gravemente apenas para garantir a vitória.”

“Ele é o melhor espadachim”, disse Arran com um encolher de ombros. “Mas eu sou o melhor lutador.” Ele não disse que o ferimento foi curado nos poucos momentos que levou para voltar.

Lâmina Brilhante raspou sua garganta. “Você já viu a força da Snow Cloud e a crueldade de Lâmina Fantasma”, disse ela. “Agora, vou demonstrar minha habilidade.”

O Grão-Mestre Solin franziu a testa. “Duvido que o Adepto Doran possa se envolver em outra rodada”, disse ele. “Eu poderia chamar outro adepto, mas nenhum é tão bom quanto ele.”

Lâmina Brilhante balançou a cabeça, com um sorriso nos lábios. “Seus adeptos não são páreo para mim”, disse ela. “Mas talvez você seja?”

Capítulo 213: Demonstração de poder

O Grão-Mestre Solin ergueu uma sobrancelha ao ouvir o desafio da Lâmina Brilhante. “Você quer lutar contra mim?” Um momento depois, surgiu um sorriso em seu rosto. “Muito bem! Vendo a habilidade de seus alunos, quero ver as realizações do professor deles.”

Lâmina Brilhante assentiu com a cabeça e, sem mais palavras, os dois entraram no campo de treinamento. Eles ficaram de frente um para o outro e desembainharam suas espadas.

O Grão-Mestre Solin foi o primeiro a atacar.

Com uma corrida repentina, ele avançou, se movendo tão rápido que Arran não conseguiu ver seus movimentos. Sua espada golpeou doze vezes em uma sucessão rápida, cada golpe acertando com uma velocidade e precisão que deixou Arran sem fôlego. A demonstração de habilidade na espada foi além de tudo o que ele já havia visto.

Ele sabia que o Grão-Mestre da Casa das Espadas seria habilidoso, mas isso estava muito além de suas expectativas.

A habilidade e a velocidade do Grão-Mestre Solin foram totalmente sobre-humanas – muito acima de Arran, assim como o próprio Arran estava acima de um plebeu sem treinamento. O simples ato de presenciar isso fez com que ele percebesse o quanto ele ainda tinha que avançar e ele se perguntava se algum dia poderia alcançar esse nível de domínio absoluto.

A Lâmina Brilhante só levou cinco segundos para derrotar o homem.

Ela não demonstrou a velocidade e a força do Grão-Mestre, nem seus movimentos demonstraram um grande nível de habilidade. Para um observador comum, ela não seria mais habilidosa do que uma novata, e também não se destacava muito.

 

No entanto, ainda que seus movimentos sejam lentos e simples, a espada esteve perfeitamente posicionada onde deveria estar. Cada um dos ataques do Grão-Mestre Solin foi desviado casualmente e, um momento depois, a espada da Lâmina Brilhante atingiu a garganta do homem.

O público ouviu suspiros de choque e um olhar de espanto surgiu no rosto do Grão-Mestre quando ele percebeu o que havia acontecido. No entanto, a Lâmina Brilhante apenas sorriu, puxou a espada e fez sinal para que ele atacasse novamente.

Uma carranca cruzou o rosto do Grão-Mestre Solin e ele lançou um novo ataque um momento depois.

Arran achava que a demonstração anterior do homem estava perto do auge da habilidade com a espada, mas, dessa vez, ele ultrapassou com facilidade seu esforço anterior. Com o que só podia ser chamado de demonstração divina de habilidade e poder, ele atacou a Lâmina Brilhante mais uma vez.

Dessa vez, ele foi derrotado em quatro segundos.

Mais uma vez, a Lâmina Brilhante fez sinal para que ele atacasse e, novamente, ele foi derrotado em segundos. Repetidamente, o Grão-Mestre tentou se equiparar a ela, mas, a cada vez, ele não conseguiu sequer ameaçá-la.

Em um período de meia hora, a Lâmina Brilhante derrotou o Grão-Mestre Solin mais de cem vezes, sendo que o Grão-Mestre não durou mais do que alguns segundos. Ele tentou várias táticas e estilos diferentes, mas todos foram rebatidos com facilidade pelo oponente. Nenhum de seus ataques chegou nem perto de atingi-la.

Finalmente, depois de outra derrota rápida, o Grão-Mestre Solin recuou e embainhou sua espada. “Já vi o suficiente”, disse ele calmamente. “Sigam-me.”

Ele ignorou a plateia chocada e se dirigiu ao prédio onde eles se encontravam pela primeira vez, com a Lâmina Brilhante ao seu lado, enquanto Arran e Nuvem de Neve se apressavam em seguir atrás dos dois.

Ele não disse uma só palavra até que entrassem em seus aposentos mais uma vez, embora Arran não pudesse saber se isso se devia à falta de palavras do homem em choque ou ao fato de o que ele tinha a dizer exigir sigilo.

 

Dentro dos aposentos do Grão-Mestre Solin, o homem se acomodou em sua escrivaninha e deu uma longa olhada para a Lâmina Brilhante, com uma expressão complexa no rosto.

Finalmente, ele suspirou profundamente.

“No passado, nossa Casa de Espadas teve dois Anciões”, disse ele. “Ambos caíram antes da trégua ser formada, mas, antes de caírem, tive a honra de treinar com ambos. Só a lembrança da habilidade deles me enche de admiração até hoje.”

Ele fez uma breve pausa, com os olhos focados em Lâmina Brilhante. Então, com uma voz suave, ele disse: “Comparados a você, eles são como estudantes”.

A Lâmina Brilhante não respondeu. Ela simplesmente olhou para o Grão-Mestre Solin, com uma expressão calma como nunca.

“Não sei se você é um gênio excepcional ou um dos antigos monstros da Sociedade”, continuou o Grão-Mestre. “Mas isso não importa. Os recursos de nossa Casa são seus para uso. Seus alunos vão ser aceitos como membros principais da Casa das Espadas e, se desejar, você será admitido em nosso conselho de líderes.”

“Obrigado, Grão-Mestre”, respondeu Lâmina Brilhante. “Aceitarei sua oferta.” Ela sorriu e acrescentou: “E pretendo cumprir minha promessa de ensinar seus membros”.

Um olhar de alegria apareceu no rosto do Grão-Mestre. “Ter você nos ensinando… isso transformará nossa Casa”. Ele soltou uma risada repentina. “E nenhuma das outras Casas vai entender o que aconteceu.”

Lâmina Brilhante sorriu e, dando uma olhada para Arran e Nuvem de Neve, ela disse: “Para a maioria dos magos, um espadachim excepcionalmente hábil é pouco menos interessante do que um confeiteiro excepcionalmente hábil – menos, talvez, já que não se pode comer espadas.”

Ela estremeceu um pouco e adicionou em um tom casual: “Os caçadores são mais temidos por sua resistência à magia do que pela sua habilidade em combate. Um novato desviando de um simples Golpe Flamejante atrairia muito mais atenção que a demonstração que fiz hoje.”

 

Arran sabia que se tratava de um aviso, e um aviso claro. Ele e a Nuvem de Neve poderiam mostrar sua força e habilidade sem atrair muita atenção, mas se eles mostrassem sua resistência à magia, haveria problemas.

“Com toda razão”, disse o Grão-Mestre Solin. “Essa visão é um dos pontos fracos do Nono Vale. Se tivéssemos reconhecido a habilidade dos Caçadores e não apenas sua resistência, acredito que teríamos conseguido derrotá-los sem a necessidade de uma trégua.”

Lâmina Brilhante acenou em concordância. “Mas temos que discutir alguns assuntos”, disse ela. “Talvez você pudesse providenciar alojamentos para meus alunos, para que possamos conversar em paz?”

“É claro”, respondeu o homem. “Há uma mansão vazia que pertencia a um de nossos Grão-Mestres. Farei que seus alunos sejam escoltados até lá. Também posso providenciar serviçais, para que você e seus alunos possam…”

“Nada de criados”, interrompeu Lâmina Brilhante. “Não pretendo deixar meus alunos à vontade”. Ela deu uma risadinha e acrescentou: “Nem eu mesma, por falar nisso”.

O Grão-Mestre Solin assentiu com a cabeça em sinal de aprovação. “Muito conforto acaba enfraquecendo o espírito. Muito bem. Vou mandar seus alunos para os aposentos deles. Mas primeiro…”

Ele tirou dois pequenos distintivos de sua bolsa vazia e os entregou a Arran e a Nuvem de Neve. Eles eram feitos de um tipo de pedra preta, brilhantes e suaves ao toque, com uma gravação simples de duas espadas cruzadas.

“Esses emblemas os identificam como membros centrais da nossa Casa. Vá em frente e amarre-os.”

Arran fez o que o homem disse e, quando prendeu o emblema, descobriu que se formou uma pequena conexão entre ele e o item. Ele não pareceu ter nenhuma função além dessa, mas se um mago o examinasse de perto, seria visível que o emblema era dele.

“Membros do núcleo?”, ele perguntou. “O que isso significa exatamente?”

 

“Significa que vocês possuem o mesmo status que os adeptos da nossa Casa”, explicou o homem. “Com isso, vocês podem entrar e sair do Vale interno sem obstáculos. Se alguém o ameaçar ou insultar, isso é considerado uma ofensa contra todos nós.” Ele suspirou e acrescentou: “Embora eu sugira evitar fazer inimigos dentro das Casas maiores. Nossa influência não é mais o que era antes”.

Arran assentiu com a cabeça. Ele não pretendia fazer inimigos se pudesse evitar – ele veio para o Nono Vale para treinar, não para entrar em conflito.

Depois disso, o Grão-Mestre convocou um novato para levá-los aos seus novos aposentos. Apenas meia hora depois, Arran e Nuvem de Neve já estavam sentados nos jardins de uma mansão nos limites da fortaleza.

A mansão era maior do que se esperava, construída em madeira em um estilo simples, mas elegante, com muros que cercavam o prédio e os jardins. Ela continha mais de uma dúzia de cômodos e, ainda que não fosse usada há alguns anos, o interior ainda estava impecável.

Mas, embora a mansão em si fosse ampla e confortável, sua melhor característica era o jardim. Grandes e bem cuidados, eles incluíam um campo de treinamento, um pequeno pomar e vários canteiros de ervas que faziam a Nuvem de Neve exclamar de prazer.

Em meio aos jardins, existia um pátio tranquilo com diversas cadeiras e mesas e, depois de um dia exaustivo, Arran e Nuvem de Neve agarraram ansiosamente a oportunidade de sentar e relaxar.

“Naquela luta, o quanto de sua força você usou?” Nuvem de Neve perguntou, mastigando um doce que ela tirou de seu anel do vazio.

“Cerca de um quarto”, disse Arran. “Mas aquele especialista… sua habilidade era incrível. Se eu não tivesse sido mais forte do que ele, ele me derrotaria em segundos. E quanto a você?”

Nuvem de Neve franziu a testa. “Usei cerca de metade da minha força. Aquela novata – Ilena, acho que era? – ela era incrível. Não tinha força nem experiência, mas no futuro, ela será assustadora.”

Arran acenou com a cabeça. Assistindo à luta, ele teve o mesmo pensamento. Os magos da Casa das Espadas não tinham poder e prática de batalha real, mas sua habilidade era indiscutível. Embora, obviamente, eles não se comparassem a Lâmina Brilhante.

 

“Você sabia que a Lâmina Brilhante era tão forte assim?”, perguntou ele, franzindo a testa em pensamento ao se lembrar da exibição dela.

“Não”, disse Nuvem de Neve. “Quero dizer, ela é… bem, com seu status, eu sabia que ela é forte. Mas isso?” Ela balançou a cabeça com admiração.”

Eles ficaram várias horas no jardim, conversando e aproveitando a chance sem fazer nada. Eles sabiam muito bem que o descanso deles seria de curta duração – a Lâmina Brilhante não os teria trazido aqui para ficarem preguiçosos.

Assim que a Lâmina Brilhante chegou à mansão, a noite já havia caído e, pela sua expressão satisfeita, parecia que suas conversas com o Grão-Mestre Solin haviam corrido bem.

Ao se sentar ao lado deles, ela disse: “Seu treinamento vai começar amanhã. O Grão-Mestre Solin vai levar alguns dias para fazer os acertos com as outras Casas, portanto, até lá, vocês terão a tarde e a noite só para vocês. As manhãs, vocês vão passar a ensinar e praticar”.

“Ensinar?” Os olhos de Arran se arregalaram com a surpresa. “Nós é que vamos ensinar?”

Lâmina Brilhante acenou com a cabeça. “Nuvem de Neve vai ensinar os aprendizes, e você vai ensinar os novatos.” Ela riu e continuou: “Considere isso como parte do seu treinamento. Quando ensina os outros, você também aperfeiçoa suas próprias habilidades.”

Arran franziu a testa, mas concordou com a cabeça. Embora ele não soubesse ao certo o que sentia em relação a se tornar um instrutor, a exibição anterior da Lâmina Brilhante tinha tirado as últimas dúvidas que ele tinha sobre a habilidade dela. Se ela acreditava que isso poderia beneficiá-los, então ele confiaria nela.

“Além disso”, continuou a Lâmina Brilhante, “Vamos passar os próximos anos utilizando os recursos da Casa. Não vai fazer mal nenhum retribuir a gentileza deles”.

“Então por que você insultou o Mestre Kallias antes?” perguntou Arran. “Pela expressão dele, achei que ele só estava a uma palavra de tentar estrangulá-lo.”

 

Lâmina Brilhante riu. “Ser amigável demais daria a impressão de que eu estivesse escondendo algo. Mas agora, a maioria vai supor que sou a filha de algum Ancião – que se tornou forte graças ao apoio de seus pais e tem a arrogância correspondente à sua força.”

Arran franziu a testa. “As pessoas vão aceitar essa história? Mesmo depois de tudo o que você mostrou hoje?”

Embora a Lâmina Brilhante pareça confiante, ele continuou cauteloso. Depois de sua exibição anterior, ele achou difícil imaginar que ela não atrairia a atenção das outras Casas.

“Eles vão chamar”, respondeu a Lâmina Brilhante. “A maioria dos magos considera o manejo da espada como uma ferramenta útil, porém grosseira. É por isso que a Casa das Espadas está entre as Casas menores – em termos de status, o domínio da espada não pode ser comparado com o domínio dos feitiços.”

Antes que Arran possa se opor, ela continuou: “Mas vocês dois deveriam ir para a cama. O treinamento se inicia ao amanhecer e vocês não querem decepcionar seus alunos.”

Ela sorriu alegremente enquanto a expressão de Arran caía. Entre batalhar e ensinar novatos, a segunda opção lhe preocupava muito mais do que a primeira.

Capítulo 214: Professor ruim

Arran correu pelos campos de treinamento, entrando em pânico ao tentar encontrar o grupo de novatos que deveria treinar. O sol já havia nascido e grupos de alunos se reuniam nos campos ao redor dele, mas ele não encontrou seus próprios novatos.

Ao acaso, ele se aproximou de uma das professoras do grupo, uma jovem que ele imaginou ser uma especialista.

Ela olhou para ele enquanto ele se aproximava, mas seus olhos se arregalaram. “Foi você quem derrotou Doran!”

“Eu sou”, confirmou Arran apressadamente. “Mas, no momento, eu estou procurando por…” Ele fez uma pausa, tentado lembrar o nome. “A Garra do Dragão, eu acho que era?”

“O Punho do Dragão”, ela o corrigiu. “Esse é o grupo do Doran. Acredito que eles o deixariam treinar os novatos avançados da Casa. Você vai encontrá-los a cerca de um quilômetro daqui, perto do portão oeste.”

Arran agradeceu rapidamente e partiu em uma corrida.

Agora que ele sabia para onde ir, conseguiu encontrar o grupo em minutos. Havia por volta de 33 novatos, divididos em pares e lutando um contra o outro. Caminhando entre eles para oferecer instruções havia um rosto familiar – o mago que Arran tinha enfrentado no dia anterior.

O especialista continuava com vários hematomas no rosto por causa do confronto, mas quando viu Arran se aproximando, ele cumprimentou o recém-chegado com um aceno amigável.

 

“Desculpe-me pelo atraso”, disse Arran. “Tive alguma dificuldade para encontrar o grupo certo.”

“Não tem problema”, respondeu Doran. “Alguns minutos não farão muita diferença. Você está pronto para começar?”

“Acho que sim”, disse Arran. Na verdade, ele não se sentia nem um pouco pronto, mas sabia que não tinha como fugir desse destino.

“Todos, se reúnam!”, disse o especialista em voz alta. Ele esperou que os novatos começassem a se reunir e depois disse: “Este é o Iniciado Lâmina Fantasma. A partir de hoje, ele vai se juntar a mim para orientá-los”.

Os novatos examinaram Arran com curiosidade, mas depois um deles falou. “Isto é uma brincadeira? Temos que ser treinados por um iniciado?”

O novato que falou era um jovem rapaz com cabelo curto e escuro e cara barbeada. Os seus olhos continham uma pitada de arrogância que fez com que Arran sentisse uma aversão imediata por ele.

“Está a ver isto, Levo?” Doran apontou para os hematomas que cobriam o seu rosto. “Foi ele que fez isso. Iniciado ou não, a habilidade dele está muito acima do seu. Seria bom aprender com ele.”

As palavras de Doran surpreenderam a maioria dos novatos. Aparentemente, a notícia dos eventos do dia anterior ainda não havia se espalhado para todos.

No entanto, embora o novato chamado Levo tenha calado a boca, a sua expressão permaneceu incrédula – algumas feridas claramente não foram suficientes para o convencer da habilidade de Arran.

Ignorando o olhar duvidoso do novato, Doran virou-se para Arran. “Já que é a primeira vez que treinar os novatos, sugiro que os ensine com um estilo à sua escolha. Eles se beneficiaram de ver a visão de outro Vale sobre os estilos que conhecem”.

 

Embora Doran tivesse boas intenções, Arran empalideceu perante a sugestão.

Ele já tinha treinado espadachim por vários anos, mas nunca havia estudado seriamente um único estilo, muito menos dominado um. Em vez disso, utilizava apenas as técnicas espalhadas que tinha aprendido ao longo dos anos, dependendo dos seus instintos ao combiná-las.

Com um suspiro, ele decidiu que não havia nada a fazer a não ser dizer a verdade.

“Não conheço nenhum estilo completo”, admitiu. “Nunca me dediquei a aprender um único estilo – sempre procurei combinar as técnicas que conhecia, usando as mais adequadas à situação.”

Doran franziu o rosto, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, Levo falou mais uma vez. Desta vez, havia uma ponta de zombaria na voz dele.

“O iniciado nem conhece nenhum estilo? E é suposto ensinar-nos?” O jovem virou-se para Doran. “Ele pode até ter dado sorte contra vocês, mas isso não significa que esteja qualificado para nos ensinar.”

“É mesmo?” Doran disse as palavras com calma, mas havia uma frieza subtil na sua voz enquanto falava. “Qualquer um que acredite que Lâmina-Fantasma não é capaz de ensinar esse grupo, dê um passo à frente.”

Naturalmente, Levo não perdeu tempo e fez o mesmo. Mas um momento depois, outro novato seguiu, e depois outro. Em pouco tempo, a maioria dos novatos tinha-se juntado a ele.

Levo tinha um ar satisfeito no rosto quando olhava para os outros à sua volta. “Claramente, a maioria de nós está de acordo que este iniciado não é digno”, disse ele, com uma expressão presunçosa no rosto.

“De facto – respondeu Doran. “Todos vocês que se apresentaram, desembainham as espadas. Agora!”

 

Olhares confusos cruzaram os rostos dos novatos, mas eles obedeceram ao comando do especialista. O tom de sua voz não permitia discussões.

Quando todos os novatos tinham desembainhado as suas espadas, ele continuou, “Todos vocês vão enfrentar o Lâmina Fantasma juntos. Qualquer um que se recusar ou se opuser deve sair e não voltar”.

Virou-se para Arran e disse em voz baixa: “Não os machucam muito”. Depois de um rápido olhar para os novatos, acrescentou, “Mas também não os deixem escapar facilmente”.

Arran fez um pequeno aceno a Doran e depois virou se para os novatos. Um pequeno sorriso apareceu no seu rosto ao aproximar-se deles. Ensinar era algo que não lhe dava confiança, mas lutar? Por esta altura, isso já era tão natural como respirar.

Havia alguma confusão no olhar dos novatos quando Arran se aproximou deles, mas a sua confiança nunca vacilou. E rapidamente se prepararam para a batalha, fazendo um meio-círculo à volta do seu adversário.

Arran esperou que eles terminassem e depois atacou.

O grupo de novatos tinha sido uma ameaça mortal para ele há um ano atrás, mas agora não apresentava nenhum desafio. Em menos de dois minutos ele derrotou todos eles, deixando os novatos machucados, maltratados e ensanguentados.

Nenhum dos ferimentos era grave, mas Arran não tinha dúvidas de que eles iriam ficar doloridos pelos próximos dias.

Os novatos que não haviam dado um passo à frente assistiram à luta com os olhos cheios de admiração e, quando Arran finalmente voltou para o lado de Doran, suas expressões demonstravam alívio – junto com uma satisfação inconfundível pelo infortúnio dos colegas.

Doran esperou que o último dos novatos derrotados se pusesse de pé e depois gritou: “Vocês, seus idiotas, acreditam mesmo que um iniciado pode me derrotar por sorte?”

 

Ele fez uma pausa para dar efeito, então continuou, “Lâmina Fantasma é um mago do Quarto Vale. Ao contrário de vocês, idiotas inúteis, ele tem experiência numa batalha real – do tipo em que só um lutador sai ileso”.

Uma das novatas falou, com a voz trémula. “Mas Especialistas Doran, nós não sabíamos que-“

“Vocês não sabiam?!” Doran fervia de raiva. “Eu avisei, sua vaca estúpida.” Ele balançou a cabeça em desgosto. “Se algum de vocês pisar num campo de batalha de verdade, avaliar mal um inimigo desta maneira vai matá-los de forma tão certeira quanto cortar a própria garganta.”

Com isso, uma estranha sensação de choque surgiu nos olhos dos novatos. Ter perdido miseravelmente uma luta era uma coisa, mas agora eles compreendiam a verdadeira razão da raiva de Doran – no seu orgulho, eles não conseguiram identificar um adversário perigoso. E isso aconteceu mesmo depois de repetidos avisos do professor.

Havia vergonha nos rostos dos novatos ao reconhecerem a verdadeira gravidade do seu fracasso, e Doran olhou para eles com um último olhar de desprezo. “A lição de hoje acabou – disse ele. “Amanhã, venham com a vossa inteligência, ou não venham mais”.

Sem mais palavras, ele se virou e saiu, Arran partindo ao lado dele.

No entanto, no momento em que saíram da vista dos novatos, Doran soltou uma sonora gargalhada. “Perfeito! Correu melhor do que eu esperava!”

Arran olhou para ele confuso, com uma expressão profunda na testa. “Querias que isto acontecesse?

Tanto quanto Arran conseguia perceber, tudo aquilo tinha corrido um completo desastre – ele não só não tinha ensinado nada aos novatos, como até tinha acabado com eles. Ele mal conseguia imaginar como é que as coisas poderiam ter corrido pior.

“Eles acabaram de aprender uma lição que eu tentei – e falhei – em ensinar- a eles”, Doran respondeu alegremente. Vendo a expressão intrigada de Arran, ele explicou: “Eles estão entre os novatos mais habilidosos da nossa Casa, mas isso acabou deixando-os confiantes demais”.

 

“Então eles precisavam de ser derrotados?”

Doran balançou a cabeça. “Eles são derrotados sempre que lutam contra os especialistas, mas não há vergonha em ser derrotado por um mago mais forte. O que eles precisam é falhar, e hoje, eles falharam de tal forma que não vão esquecer tão cedo. Se eles aprenderem a lição, talvez eles evitem cometer esse erro quando for importante”.

Arran acenou com a cabeça, pensativo. Na verdade, era um lembrete importante para si próprio também – à medida que sua força crescia, também crescia sua confiança. E isso, ele sabia, podia ser uma força e uma fraqueza.

“É claro que Levo tinha razão”, disse o adepto. “Se vai treinar os novatos, devia dominar pelo menos alguns dos nossos estilos”. Ele franziu o rosto brevemente, depois continuou: “Temos mais algumas horas até o nosso treinamento começar. Posso te mostrar alguns dos nossos estilos de espada?

“Parece-me bem”, respondeu Arran, ainda que secretamente se questionasse se a aprendizagem destes estilos poderia trazer-lhe algum benefício real – as suas próprias técnicas eram bem eficazes e, com a sua força, poucos magos abaixo do nível de Mestre representavam uma ameaça para ele.

Mas então, os novatos que ele derrotou provavelmente tiveram um pensamento semelhante.

“Sigam-me”, disse Doran. “Há um lugar isolado aqui perto onde podemos praticar em paz”.

Capítulo 215: Os Mil Cortes

Arran e Doran permaneceram em um pequeno pedaço de grama perto das paredes da fortaleza. Embora não fosse muito longe dos campos de treinamento, o local ficava escondido por um grupo de árvores que bloqueavam os olhos de qualquer espectador curioso.

“Então você não conhece nenhum estilo de espada?” A pergunta de Doran foi direta, mas a voz dele não tinha desprezo ou zombaria. Em vez disso, ele pareceu estar curioso.

Arran balançou a cabeça. “Na verdade, não. Tive vários professores nos quais me ensinaram seus próprios estilos, mas a habilidade deles era muito superior à minha. Aprendi técnicas e práticas, mas não cheguei nem perto de dominar um estilo.”

“Parece que isso o serviu bem, até agora”, disse Doran. “Mas, a longo prazo, seguir esse caminho o limitará. Quando lutamos, percebi que sua habilidade já ultrapassa seu conhecimento.”

“Você está certo”, admitiu Arran. Não havia por que negar – até agora, ele havia sobrevivido com força e experiência, mas sabia que a falta de conhecimento estava prejudicando seu progresso.

“Meu problema é o oposto”, continuou Doran. “Minha base é sólida, mas não tenho a experiência necessária para usá-la plenamente. Também não adianta lutar com os estudantes e professores daqui – poucos deles têm experiência, e mesmo os que têm não veem uma batalha há décadas.”

Arran acenou com a cabeça. Obviamente, ele notou as limitações de Doran em sua luta. Se o especialista tivesse mais experiência, seria muito mais difícil derrotá-lo.

“Dada a situação, eu sugiro que treinemos juntos”, disse Doran. ” Eu posso ajudá-lo a adquirir uma base adequada nos estilos da nossa Casa e você deve retribuir o favor compartilhando sua experiência quando treinarmos.”

 

“Estou interessado, é claro, mas…” Arran hesitou antes de continuar: “Tem certeza? Me parece que você sairia perdendo com esse acordo”.

E isso era dizer o mínimo. O que Doran propôs foi um acordo completamente desigual, que custaria ao especialista inúmeras horas, ao mesmo tempo em que não tomaria quase nenhum esforço de Arran.

Doran deu de ombros. “Há muitas pessoas que podem ensinar estilos de espada aqui, mas poucas têm experiência de batalha. Ter você para treinar seria um tesouro a qualquer especialista da Casa, assim como a boa parte dos Mestres.”

“Tudo bem.” Arran sorriu. “Então, aceitarei sua oferta.”

“Perfeito!” disse Doran, com um sorriso largo no rosto. “Então vamos começar imediatamente. Não vou desperdiçar seu tempo com os estilos básicos – com sua habilidade, eles não farão muito efeito. Em vez disso, vou lhe mostrar alguns estilos avançados. Eles serão bem mais difíceis de aprender, mas ainda serão úteis mesmo que sua habilidade progrida.”

“Parece bom”, respondeu Arran, ansioso para aprender mais. “O que você tem em mente?

“Vou começar com um estilo chamado Lâmina Inabalável”, disse Doran. “É melhor eu demonstrar. Olhe com atenção – você provavelmente vai reconhecer mais do que algumas das técnicas envolvidas.”

O especialista se colocou em posição de combate e passou a executar uma série de movimentos, cada técnica se encaixando perfeitamente na próxima numa sequência precisa de golpes de espada.

Arran entendeu rapidamente que se tratava de um estilo defensivo, com foco em bloquear e aparar os ataques do oponente. Os poucos movimentos ofensivos incluídos eram, em sua maioria, contra-ataques, claramente planejados para tirar vantagem dos oponentes que tinham acabado de ser bloqueados.

Como Doran havia previsto, Arran reconheceu muitas das técnicas do estilo, mas ficou surpreso com a tranquilidade com que o especialista se movia entre elas. Parecia até que cada golpe de espada dava início ao próximo, criando um fluxo constante de movimentos.

 

Ao longo de vários minutos, Doran realizou bem mais de cem movimentos diferentes, cada um deles distinto de todos os outros.

Quando finalmente terminou, ele guardou a espada e perguntou: “Você já passou pela têmpera, certo?

“Certo”, confirmou Arran.

“Então você deve conseguir repetir o que eu lhe mostrei, mais ou menos”, disse o adepto. O fato de Arran já ter experimentado a têmpera, apesar de ser um iniciado, não pareceu incomodá-lo. “Tente”. “Tente.”

Arran fez o que Doran disse, copiando a série de movimentos que ele observou momentos antes. Ele errou alguns dos movimentos e suas transições não foram tão suaves quanto as de Doran, mas, no geral, ele achou que tinha se saído muito bem – especialmente considerando que aquela era sua primeira vez.

Quando ele terminou, Doran levantou uma sobrancelha. “Impressionante. Eu sabia que você era talentoso, mas não imaginava que fosse aprender tão rápido. Há algumas pequenas falhas que você cometeu. Deixe-me mostrar a você…”

Ele passou a próxima hora detalhando mais o estilo e fazendo mais demonstrações, até que, por fim, Arran conseguiu compreender o básico do estilo Lâmina Inabalável.

Isso estava longe de ser um domínio de fato, é claro. O que ele aprendeu foram só os movimentos básicos, e para dominar o estilo seria necessário aprendê-los a combiná-los tão suavemente como Doran os combinou.

O verdadeiro desafio, Arran sabia, era o número infinito de combinações que podiam ser formadas com essas técnicas e as incontáveis combinações que seriam necessárias para fazê-lo de forma eficaz.

“Parece que você já pegou o jeito”, disse Doran finalmente. “Vamos seguir em frente. O próximo estilo que vou lhe mostrar é chamado de Folha Flutuante. Como o Lâmina Inabalável, é um estilo defensivo, mas se concentra em evitar e desviar ataques.”

 

Novamente, o especialista mostrou as principais técnicas do estilo, com Arran estudando atentamente cada movimento dele.

Eles passaram mais uma hora treinando até que Arran mal conseguiu compreender os vários elementos do estilo Folha Flutuante e, quando conseguiu, Doran abriu um sorriso de satisfação.

“Com a Lâmina Inabalável e a Folha Flutuante, você tem as ferramentas para criar uma defesa sólida, embora seja necessário um pouco de prática para aprender a combinar as técnicas.”

Arran acenou com a cabeça em sinal de compreensão. Ficou claro o quanto seria necessário praticar ao máximo para dominar os dois estilos – juntos, eles englobavam centenas de técnicas, e aprender a uni-las seria, sem dúvida, uma tarefa monumental.

“Agora, vamos passar para o ataque”, disse Doran. “Há vários estilos que podem funcionar para você, mas, com sua experiência, acho que os estilos básicos são uma perda de tempo. Em vez disso…”

Ele hesitou antes de continuar, embora houvesse um brilho ansioso em seus olhos. “Há algo – não um estilo normal, exatamente – que pode lhe servir. Mas será difícil.”

O interesse de Arran foi imediatamente despertado. “O que é isso?”, ele perguntou ansiosamente.

“O estilo dos Mil Cortes”, respondeu Doran. “É a maior conquista da Casa – uma coleção de numerosos ataques, todos aperfeiçoados para combinar com os demais e unidos no que poderia ser chamado de estilo dos estilos. Eu mesmo ainda estou longe de dominá-lo, mas, se quiser, posso mostrar-lhe os movimentos básicos.”

Com as sobrancelhas franzidas, Arran acenou lentamente com a cabeça para Doran. Embora a ideia soasse tentadora, ele tinha dificuldade em imaginar como ela seria na prática.

Mais uma vez, o especialista começou uma demonstração, formando técnica após técnica em um fluxo constante de movimentos. No entanto, se as duas demonstrações anteriores tinham terminado em minutos, dessa vez parecia que a sequência de movimentos não tinha fim.

 

Embora Arran não tenha contado, era evidente que o número de técnicas ultrapassava mil, cada uma delas diferente das outras. E, no entanto, todas elas pertenciam a um conjunto maior, como se cada golpe tivesse sido criado a partir da mesma filosofia.

Finalmente, depois de quase meia hora, Doran terminou. Sua testa ficou coberta de suor, mas havia uma expressão de entusiasmo em seu rosto.

“Isso foi mais de mil”, apontou Arran.

“O estilo dos Mil Cortes foi criado há muito tempo”, explicou Doran, com a respiração pesada pelo esforço. “Com o passar dos anos, a Casa das Espadas acrescentou continuamente novas técnicas a ele. Até agora, já existem quase três mil, embora já se tenha passado quase um século desde que alguém o expandiu.”

“É surpreendente”, disse Arran com sinceridade. “Comparado a esse, os outros dois estilos em que você me mostrou parecem jogos de criança. Mas… como alguém pode aprender algo tão complexo como isso?”

A exibição de Doran foi impressionante, mas Arran notou que o especialista não dominava o estilo dos Mil Cortes. Embora ele tivesse obviamente as técnicas básicas – um feito impressionante por si só – a maneira como as combinava era visivelmente menos suave do que nos dois estilos anteriores.

“A maioria das pessoas não sabe”, respondeu Doran. “De fato, atualmente não existe ninguém na Casa que tenha feito isso. Mas mesmo sem dominar completamente o estilo, ele é incomparável. O grande número de ataques oferece infinitas maneiras de lidar com todos os inimigos. E qualquer um que o domine…”.

Ele não terminou a frase, mas o brilho em seus olhos sugeria que era algo com que ele sonhava com frequência.

“E você quer que eu aprenda?” Arran perguntou, sentindo uma leve sensação de ansiedade ao pensar na possibilidade de assumir uma tarefa tão monstruosa.

“Correto”, respondeu o especialista alegremente. “Então é melhor começarmos logo.”

 

Nas horas que se seguiram, ele pacientemente guiou Arran através das etapas do estilo dos Mil Cortes. Era muita coisa para absorver de uma só vez, então, em vez disso, ele dividiu as técnicas básicas em partes, e as ensinou a Arran cem de cada vez.

As horas passavam rapidamente durante os treinos e, absortos na luta de espadas, o meio-dia chegou e passou sem que eles percebessem.

Arran havia memorizado metade das técnicas quando o sol começou a se pôr e, enquanto isso, ele olhou para o céu em choque.

“Treino… Eu devia ter praticado com os outros adeptos hoje de manhã”, ele deixou escapar, ao perceber que havia perdido o primeiro dia de treinamento.

Doran encolheu os ombros com desprezo. “Vamos passar na casa do Mestre Kallias e explicar. Depois que eu contar a ele como passamos o dia, duvido que se importe de faltarmos ao treino. Vamos lá.”

Acontece que o Mestre Kallias tinha uma casa a apenas dez minutos do campo de treinamento, e não demorou muito para eles estarem à sua porta, Arran sentiu uma leve sensação de pânico quando Doran bateu.

A porta se abriu um momento depois, revelando a figura do Mestre Kallias, de túnica. Ele ergueu uma sobrancelha ao vê-los e depois falou: “Parece que meus alunos perdidos finalmente apareceram. Algum motivo pelo qual vocês dois não vieram hoje?”

“Estávamos ocupados treinando e nos esquecemos da hora”, disse Doran. Ele explicou brevemente o que ele ensinou a Arran mais cedo naquele dia e, quando o fez, os olhos do Mestre Kallias se arregalaram de surpresa.

“Você estava ensinando a ele o estilo dos Mil Cortes? Em seu primeiro dia aqui?”

“Não é só isso”, disse Doran, com um sorriso no rosto. “Ele já aprendeu metade das técnicas básicas.”

 

Os olhos do Mestre Kallias se dirigiram a Arran. “Mostre-me”, disse ele, sua expressão séria.

Arran fez o que o homem disse, demonstrando os movimentos e as técnicas que ele havia aprendido até então. Foi um esforço desajeitado, ele pensou – mas, depois de apenas um dia, não era de se esperar mais do que isso.

No entanto, quando ele terminou sua demonstração, havia um olhar de espanto nos olhos do Mestre. “Notável”, disse ele. “Absolutamente notável. Isso tudo, em menos de um dia… o progresso dele foi ainda mais rápido do que o seu, Doran. E não é só isso… você notou?”

“Foi difícil não notar”, disse Doran, sorrindo amplamente. Vendo o olhar confuso de Arran, ele explicou: “O estilo dos Mil Cortes surgiu para o campo de batalha, não para os campos de treinamento. E com sua experiência, você está conseguindo acertar algumas partes que me deram mais do que um pequeno problema.”

“Não apenas você”, disse o Mestre Kallias com uma risada alta. “O simples fato de observá-lo já me deu algumas informações que eu procurava há muito tempo.” Ele se virou para Arran e continuou: “Mas vamos verificar como você se sai com as outras partes”.

Antes que Arran percebesse, eles já estavam praticando mais uma vez, desta vez com o Mestre Kallias participando. O tempo passou e o conhecimento de Arran sobre o estilo Mil Cortes aumentou constantemente, até que, por fim, ele tinha um entendimento claro de todas as técnicas básicas contidas nele.

Àquela altura, já passava da meia-noite e o Mestre Kallias disse: “Continuaremos com isso amanhã. Por enquanto, vocês dois deveriam dormir um pouco”. Havia uma ponta de resistência em sua voz, como se ele preferisse ficar mais algumas horas treinando.

Arran se despediu dos outros rapidamente e depois voltou para a mansão. Mesmo com o corpo fortalecido, o dia o deixou cansado e ele estava ansioso por comer alguma coisa e ir para a cama.

Quando chegou à mansão, encontrou a Lâmina Brilhante sentada no jardim. Ela estava sozinha e, quando ele se aproximou, ela lhe lançou um olhar curioso.

“Você está atrasado.”

Capítulo 216: Dias de treinamento

“Sinto muito”, disse Arran. “Fiquei preso ao treinamento. Mas achei que você tinha dito que as tardes e noites eram só nossas?”

“Com nosso primeiro dia na Casa das Espadas, pensei…” Ela suspirou. “Não importa. Há comida se você estiver com fome.”

Ela apontou para as mesas ao seu lado, onde Arran podia ver os restos de uma pequena festa. Mais da metade da comida ainda não havia sido tocada, e ele entendeu que ela pretendia celebrar a chegada deles com ele e a Snow Cloud.

Ele sentiu um pouco de culpa por estragar a comemoração, mas não o suficiente para impedir que ele rapidamente empilhasse um monte de comida sobre um dos grandes pratos – ele não comia desde a manhã e o dia de treinamento o havia deixado faminto.

Quando ele começou a comer, Lâmina Brilhante perguntou: “Então, o que você aprendeu hoje? Se você não foi capaz de voltar antes da meia-noite, imagino que deve ser algo muito interessante”.

Arran explicou os eventos do dia para ela enquanto comia, e ela ouviu atentamente. Quando lhe contou que Doran havia começado a lhe ensinar o estilo dos Mil Cortes, um olhar de leve surpresa surgiu em seu rosto, o que aumentou ainda mais ao ouvir que o Mestre Kallias também se juntou a eles.

“Em seu primeiro dia, você já conseguiu um professor disposto a lhe ensinar o Mil Cortes?” Ela assentiu lentamente com a cabeça, parecendo bastante satisfeita. “Não é de se admirar que tenha demorado tanto para voltar. Eu esperava que levasse meses até encontrar pessoas que quisessem investir tanto tempo em você.”

“Então você sabe sobre o estilo dos Mil Cortes?” perguntou Arran.

 

“É claro”, respondeu ela. “Eu o dominei séculos atrás, ainda que eu presuma que eles tenham adicionado algumas técnicas novas desde então.”

Arran franziu a testa. “Você a dominou? Mas então, você não pode me ensinar?”

“Posso e vou ensinar. Mas ainda não.” Ela sorriu amplamente. “Se quiser receber minhas instruções, vai ter que merecê-las dando os primeiros passos você mesmo.”

Ele lhe lançou um olhar intrigado. “Pensei que o Patriarca havia nos enviado aqui para nos fortalecermos. De que adianta perder tempo com especialistas e Mestres se você pode nos ensinar?”

“Para ajudar vocês a ficarem mais fortes, é claro”, disse a Lâmina Brilhante. Ao ver a expressão perturbada de Arran, ela soltou uma risada alta. “A verdade é que ainda falta uma base sólida e, se eu oferecesse instruções adequadas agora, isso o prejudicaria.”

“Isso não faz sentido”, disse Arran. “Você é o melhor lutador de espada deste Vale. Como poderia me prejudicar tendo você me ensinando? E você já não passou meio ano ensinando a mim e a Snow Cloud?”

“O que eu lhe ensinei até agora não chega a ser uma orientação”, respondeu a Lâmina Brilhante. “E minha habilidade é exatamente a razão pela qual ela o prejudicaria – com sua base fraca, minha influência sobre seu progresso seria muito grande. Você iria aprender a executar técnicas como eu faço, ao invés de encontrar seu próprio caminho.”

“Isso não seria uma coisa boa?” perguntou Arran. Com a habilidade da Lâmina Brilhante, ele não entendia como aprender os métodos dela poderia ser algo benéfico.

“Não seria”, ela respondeu. “O manejo da espada não é como a magia. Ela depende tanto do seu corpo como da sua habilidade e conhecimento, e seu corpo é diferente do meu.” Ela lhe deu um olhar de avaliação. “Muito diferente.”

Arran franziu a testa. “Então, eu devo me adaptar aos estilos que eu aprender para o meu corpo?”

 

“Exatamente”, respondeu a Lâmina Brilhante. “E para poder fazer isso, você deve criar sua própria base. Quando tiver isso, eu posso ensiná-lo sem o risco de ter uma influência muito forte sobre você.”

Arran soltou um suspiro profundo. “Creio que não posso mudar seu pensamento?”

Embora ele entendesse a explicação dela, ele ainda não se convenceu totalmente. E mesmo que ela tivesse razão, isso significava que ele precisaria passar meses ou até anos treinando antes que ela o ensinasse adequadamente.

“Correto”, disse ela. “Embora eu ainda possa lhe oferecer orientação regularmente – o suficiente para que os especialistas daqui fiquem verdes de inveja.” Ela lhe deu um sorriso largo e depois disse: “Mas você deveria descansar um pouco. Você tem novatos para ensinar em algumas horas”.

Arran gemeu, mas aceitou o conselho dela, indo se deitar rapidamente. Algumas horas de sono seriam melhores do que nenhuma.

Na manhã seguinte, ele encontrou os novatos um pouco mais abertos aos seus ensinamentos do que no primeiro dia. Ele não tinha certeza se isso era devido ao medo ou ao respeito, mas, de qualquer forma, a aula foi tranquila.

Como ele ainda não conseguia instruí-los em nenhum estilo, em vez disso, ele treinou com eles, dando lições valiosas – embora dolorosas – sobre como os estilos e técnicas deles se sairiam em lutas reais.

Apesar dos métodos de ensino severos de Arran, os novatos ficaram ansiosos para enfrentá-lo. Eles viram suas limitações, mas não se importaram. Tendo sido mostradas suas limitações, eles estavam agora claramente ansiosos para consertá-las.

Depois que Arran e Doran terminaram de treinar os novatos, eles comeram uma refeição rápida e depois foram para suas próprias sessões de treinamento.

Os outros alunos acabaram sendo mais de doze dos mais habilidosos especialistas da Casa e, além do Mestre Kallias, havia outros dois mestres instruindo-os. Era óbvio que a Casa das Espadas considerou cada um desses especialistas um tesouro a ser nutrido e cultivado.

 

Não foi surpresa para Arran o fato de os outros especialistas estarem ansiosos para lutar com ele. Depois de sua derrota para Doran, era natural que sua curiosidade tivesse sido despertada.

Ele passou duas horas enfrentando um a um, derrotando cada um deles. Alguns foram fáceis, outros foram sofridos, mas, no final, a combinação da sua força e experiência foi demais para qualquer um deles.

Na hora restante de prática, ele passou estudando os estilos Lâmina Inabalável e Folha Flutuante. Doran o ajudou com isso, mas vários dos outros membros se juntaram a ele também, mostrando suas próprias leituras dos estilos.

Isso foi ainda mais útil que as demonstrações de Doran. Ver as diferentes interpretações dos mesmos estilos permitiu que Arran compreendesse melhor os princípios por trás deles e, em apenas uma hora de prática, ele fez um progresso significativo.

Quando a aula terminou, Arran já começou a se sentir cansado – mentalmente, se não fisicamente – mas seu treinamento para o dia ainda estava longe de terminar.

No momento que a aula chegou ao fim, ele foi abordado por Doran e Mestre Kallias, ambos interessados em continuar o trabalho do dia anterior no estilo dos Mil Cortes.

Arran os atendeu com alegria. Por mais cansado que estivesse, a atração pelo estilo dos Mil Cortes foi grande demais para resistir.

Mais horas se passaram rapidamente entre os três, absortos no treinamento, e já era fim de tarde quando eles concluíram o treino do dia.

Arran voltou para a mansão cansado, mas satisfeito, já ansioso por uma noite de merecido descanso.

No entanto, quando chegou, encontrou a Snow Cloud nos jardins, praticando furiosamente um estilo que ele não reconhecia. Ele parecia ser mais simples do que os que Doran havia lhe ensinado, mas ela se mostrava claramente determinada e, por baixo da testa coberta de suor, seus olhos tinham uma expressão de frustração.

 

“Você está bem?”, perguntou ele.

Ela parou a espada no meio do golpe, e se virou para ele enquanto a embainhava.

“Não consigo acompanhá-los”, disse ela, com uma mistura de decepção e irritação na voz.

“Com quem?”

“Os especialistas do meu grupo”. Ela suspirou. “Sou forte o suficiente para enfrentá-los em uma luta, mas a habilidade deles… está muito além de qualquer coisa que eu consiga fazer.”

“Isso é natural”, disse Arran. “Acabamos de chegar há dois dias. Você não pode esperar…”

“Não é isso que quero dizer”, ela o interrompeu. “É claro que a habilidade deles é superior à minha, mas eles aprendem muito mais rápido também. É a têmpera – ela permite que eles aprendam novas técnicas muito mais rapidamente do que eu.”

Arran franziu a testa, agora entendendo o problema dela. Como ela ainda não tinha passado pela têmpera, seria muito mais difícil para ela aprender novos movimentos.

“Talvez eu devesse pedir a eles para me colocar com os novatos”, disse ela desanimada. “Eles não serão um desafio muito grande no treinamento, mas pelo menos eu vou poder aprender no mesmo ritmo.”

“Que tal treinarmos juntos?” disse Arran. “Temos tempo à noite e, com a minha ajuda, você deve progredir mais rápido.”

 

Por um momento, parecia que a Snow Cloud rejeitaria a oferta, mas então ela assentiu. “Obrigada. Não sei se será o bastante, mas com a sua ajuda, terei uma chance.”

“Vou comer alguma coisa primeiro, e depois poderemos começar”, disse Arran.

Depois de uma rápida refeição de carne de dragão e sobras, ele levantou e esticou os músculos. Em seguida, iniciou sua quarta sessão de treinamento do dia.

Os estilos que a Snow Cloud usava eram muito mais simples do que aqueles que Arran havia aprendido com Doran e, em pouco tempo, ele já havia aprendido o básico. Isso fez com que Snow Cloud o olhasse com inveja, mas ela logo desapareceu quando ele começou a trabalhar para ajudá-la.

O treinamento se estendeu até bem depois do pôr do sol e, no final, Arran já estava completamente exausto. Embora seu corpo não tivesse dificuldade para suportar o dia, sua mente era outro problema – o esforço contínuo de aprender e melhorar as técnicas da espada o deixava praticamente exausto até para pensar.

Quando chegou aos seus aposentos, ele adormeceu em um instante.

Os dias que seguiram foram praticamente os mesmos, com Arran gastando cada momento do dia treinando até sua mente ser consumida por técnicas e estilos.

O progresso que isso lhe proporcionou foi bem além de suas expectativas: em uma semana, ele dominou os estilos que a Snow Cloud tinha dificuldade de aprender e, depois de mais uma semana, ele aprendeu a Lâmina Inabalável e as técnicas da Folha Flutuante muito bem para ensiná-las a seus alunos.

O estilo dos Mil Cortes, entretanto, era outra questão. Embora seu entendimento sobre ele tenha avançado aos trancos e barrancos, tentar dominá-lo era como subir uma montanha sem fim. A cada passo, só ficava mais claro o quão longa a jornada à sua frente seria.

Quase um mês se passou assim, mas depois da primeira semana, Arran mal podia distinguir os dias. Cada um era igual ao anterior, e cada um era preenchido apenas com treinamento de espada.

 

Mas então, em uma tarde, ele encontrou a Lâmina Brilhante nos jardins da mansão quando retornou dos campos de treinamento, com uma expressão alegre no rosto a Snow  Cloud ao seu lado.

“O Grão-Mestre Solin encontrou finalmente uma propriedade adequada para nós”, disse ela, com a voz animada. “Estamos partindo agora mesmo, e acho que vamos passar as próximas semanas lá.”

Capítulo 217: O caminho à Frente

Antes de partirem, Brightblade informou a eles que deviam informar aos professores que estariam ausentes por várias semanas. Embora ela já quisesse partir, essa era uma cortesia comum que não poderia ser ignorada.

Arran foi imediatamente ao encontro de Doran – embora o especialista ainda não fosse seu professor, estritamente falando, ele era a pessoa na Casa das Espadas que mais perceberia a ausência de Arran.

Ele encontrou Doran nos jardins dos aposentos dos especialistas, que praticavam casualmente algum estilo que ele não reconhecia.

Quando Doran o notou, ele imediatamente interrompeu sua prática e acenou para Arran com entusiasmo. “Quer treinar um pouco mais esta noite?”

Arran balançou a cabeça. “Minha professora me informou que vou ficar fora por um tempo. Ela pretende treinar a mim e a Nuvem de Neve em particular.”

Houve um certo ciúme na expressão de Doran quando Arran explicou o motivo de sua ausência. “Eu gostaria ter uma professora como essa.” Ele suspirou pesarosamente e depois perguntou: “Quando você voltará?”

“Não faço ideia”, respondeu Arran. “Pelo que ela disse, será pelo menos por algumas semanas.”

Doran fez uma careta. “Tanto tempo assim?” Uma ideia pareceu surgir em sua cabeça, no entanto, e ele ergueu uma sobrancelha questionadora. “Se ela te ensinar algo bom, você vai compartilhar, certo?”

 

“Claro”, disse Arran com uma risada. “Mas não fique esperançoso. Acredito que ela vai nos ensinar sobre magia, não sobre luta de espadas.”

“Magia?” Doran fez uma cara feia. “Você pode aprender em qualquer lugar. Com uma professora assim, por que desperdiçar seu tempo com magia?”

Arran deu de ombros. “A decisão não é minha. Ela é a professora.”

“Eu ainda acho que é um desperdício.” Doran suspirou. “Mas acho um pouco difícil de fazer. Vou avisar ao Mestre Kallias sobre sua ausência.”

Depois de se despedirem, Arran se apressou para voltar à mansão, aonde ele encontrou Lâmina Brilhante e Nuvem de Neve esperando nos jardins.

“Tudo pronto?” perguntou Lâmina Brilhante, evidentemente ansiosa para ir embora.

Arran acenou com a cabeça em resposta. “Então, onde fica a propriedade?”

“A algumas horas daqui”, respondeu a Lâmina Brilhante. “Se nos apressarmos, podemos chegar lá por volta do anoitecer – e espero que consigamos, porque não estou confiante em encontrar a propriedade depois do anoitecer.”

Eles partiram em uma corrida, indo para o sul em direção às montanhas.

Na primeira hora, eles se depararam com várias outras fortalezas, além de várias propriedades visíveis da estrada. No entanto, quanto mais avançavam, mais escassas se tornavam as habitações.

 

Quando eles haviam passado quinze minutos sem encontrar nenhum viajante ou ver qualquer edifício, o ritmo da Brightblade começou a aumentar repentinamente e ficou muito além das capacidades dos especialistas normais.

Arran e Nuvem de Neve alcançaram rapidamente a velocidade dela e, embora Nuvem de Neve se esforçasse para acompanhar o ritmo, ela não ficou para trás – depois de meio ano desenvolvendo sua força, a diferença entre ela e Arran não era mais um abismo tão grande como antes.

Mais algumas horas passaram em silêncio, a Lâmina Brilhante guiando o caminho conforme seus alunos se concentravam em segui-la. A essa altura, eles já tinham alcançado a borda das montanhas, e o terreno em volta deles era repleto de colinas altas e rochosas.

De repente, a Lâmina Brilhante parou em seu caminho.

Quando Arran parou ao lado dela um momento depois, ele viu que sua testa ficou franzida em pensamento.

“Devemos estar perto”, disse ela. “Mas não o vejo em lugar algum…”

“Estamos perdidos?” Nuvem de Neve perguntou, com uma carranca no rosto sugerindo que ela não tinha ficado nada impressionada com as habilidades da Lâmina Brilhante para encontrar caminhos.

“Não estamos perdidos”, respondeu Lâmina Brilhante com firmeza. “Eu sei exatamente onde estamos indo.” Ela deu uma olhada frustrada para as montanhas à frente deles. “Eu só não encontrei ainda.”

Eles partiram alguns minutos depois, indo mais devagar do que antes, já que a Lâmina Brilhante procurava identificar o destino. E, apesar de suas palavras, Arran tinha certeza de que eles estavam, de fato, perdidos.

Mais uma hora passou sem sucesso e, a essa altura, o sol já havia desaparecido entre as montanhas a oeste.

 

Quando escureceu, a Lâmina Brilhante finalmente parou. “Acho que estamos perdidos”, disse ela com relutância. “Deveria ser aqui, mas…” Ela balançou a cabeça. “No escuro, não será possível encontrá-la. Precisamos acampar aqui durante a noite.”

Eles rapidamente prepararam um pequeno acampamento e, pouco tempo depois, os três já estavam sentados em volta de uma fogueira sobre a qual vários pedaços de carne de dragão estavam assando.

“Já que esta noite foi um desperdício”, começou Lâmina Brilhante, ” posso começar a explicar meus planos para as próximas semanas”.

Arran e Nuvem de Neve se levantaram imediatamente, ansiosos para ouvir como passariam as próximas semanas – e se haveria algum benefício inesperado pela frente.

“Vocês dois trabalharam duro nas últimas semanas”, continuou ela, “Mas Nuvem de Neve, o seu progresso não tem sido rápido o suficiente”.

“Eu tentei”, respondeu Nuvem de Neve, com uma expressão de desânimo no rosto. “Mas sem a têmpera… Eu não consigo manter o ritmo dos especialistas”.

A Lâmina Brilhante acenou com a cabeça. “Correto. Portanto, a primeira coisa a ser feita quando – se – encontramos a propriedade é fazer com que você passe pela têmpera. Eu preferiria esperar que você estivesse pronto o suficiente para se tornar um especialista, mas isso está muito longe, e isso está prejudicando seu treinamento.”

De imediato, os olhos da Nuvem de Neve se iluminaram de alegria. “Você vai me fazer passar pela têmpera?!”

“Vou”, confirmou a Lâmina Brilhante. “Ou, bem, uma têmpera. Vocês – os dois – ainda vão precisar se submeter ao Temperamento ao se tornarem adeptos, é claro.”

Arran franziu a testa. “Quando eu me tornar um especialista, vou ter que passar pela têmpera novamente?”

 

Lâmina Brilhante acenou com a cabeça. “Correto. E já que você passou por ela uma vez, você vai enfrentar uma têmpera bem mais forte do que a maioria – embora ela também possa lhe trazer benefícios maiores.”

Arran franziu a testa, incerto se isso era bom ou ruim. A primeira vez já tinha sido ruim o suficiente, e se a segunda vez fosse pior ainda, ele não conseguia nem imaginar o quanto seria doloroso. No entanto, ele sentiu imediatamente a atração do poder.

“Enquanto eu levo a Nuvem de Neve para a têmpera”, continuou Lâmina Brilhante, “você pode trabalhar para libertar o seu Reino da Destruição. Você já lutou o suficiente contra ele – espero que você consiga abri-lo dentro de um ano. Quando conseguir, vou permitir que você se torne um novato”.

Um choque percorreu Arran quando ouviu as palavras. Ele que ainda estava longe de abrir o Reino, e fazer isso dentro de um ano pareceu uma tarefa impossível. Mesmo que o Mestre Zhao tivesse lhe dito que levaria vários anos para abri-lo, ele começou a suspeitar que levaria décadas.

No entanto, antes que ele pudesse se opor, a Lâmina Brilhante já estava olhando para a Nuvem de Neve. “Quanto a você”, disse ela. “Quando sua têmpera terminar, vou passar alguns dias lhe ensinando o básico sobre os Selos das Sombras. O aprendizado adequado levará muito mais tempo – bem mais de um ano. Mas só quando conseguir fazer isso que você vai poder se tornar um noviço.”

Os olhos da Nuvem de Neve se arregalaram de choque. “Eu tenho que esperar por mais um ano até poder me tornar um novato novamente?

“A menos que você domine os Selos das Sombras mais rápido do que isso, sim”, confirmou a Lâmina Brilhante. “Agora, há outros assuntos a ser discutidos. Para começar, assim que voltamos da propriedade, você vai começar o seu treinamento com as outras Casas.”

Embora os pensamentos de Arran ainda estivessem preocupados em abrir seu Reino da Destruição, isso imediatamente chamou sua atenção. Depois de várias semanas treinando com a Casa das Espadas, ele já tinha imaginado como seria o treinamento nas outras Casas.

“Antes de voltarmos, eu vou lhe dar instruções sobre em como evitar chamar muita atenção”, continuou LâminaBrilhante. “Mas o mais importante é que o próximo ano será bem mais difícil do que qualquer outra coisa que você já enfrentou até agora. Deverá haver pouco perigo, mas você vai passar cada momento do dia treinando, até que os seus sonhos sejam preenchidos apenas com magia e espadas.”

Então, um pequeno sorriso apareceu em seu rosto. “E até o final deste ano, eu espero que vocês dois possam enfrentar os Mestres em igualdade de condições.”

Capítulo 218: Propriedade Oculta

“Mestres?!” A voz da Snow Cloud era cheia de descrença. “Você quer nos tornar mais fortes que os Mestres? Antes mesmo de sermos novatos?”

“Você já é um novato”, apontou a Lâmina Brilhante. “E sim, eu quero muito que vocês dois tenham a força de Mestres antes mesmo de assumir o título.”

“Em um ano?” Arran olhou para a Lâmina Brilhante com espanto.

Ele não se esqueceu de como enfrentou dois Mestres em Uvar. E embora ele tivesse vencido aquela batalha graças aos truques, a lembrança da mulher que explodiu 800 metros de árvores com um simples gesto ainda o enchia de admiração.

A ideia de que ele pudesse rivalizar com tal poder em um ano parecia não apenas impossível, mas também ridícula.

Ao ver a expressão perplexa de Arran, Lâmina Brilhante riu. “Não é tão impossível como você imagina”, disse ela. “Na verdade, você está mais perto do que imagina. Embora os Mestres possam vencê-lo em habilidade mágica…”.

“E reservas de Essência”, interveio Snow Cloud.

“E conhecimento também”, acrescentou Arran.

 

Lâmina Brilhante os olhou irritado e suspirou profundamente.

“Sim, as vantagens são muitas”, ela admitiu. “Mas vocês têm suas próprias forças. Sua resistência à magia é superior à deles, bem como sua força física. Desenvolva seus pontos fortes e enfrente seus pontos fracos, e seu potencial é maior do que você imagina.”

“Mas por que não podemos nos tornar novatos?” perguntou Snow Cloud.

Estava claro que ela não estava satisfeita em ter perdido seu status, embora Arran não pudesse ver o motivo – no que lhe dizia respeito, os títulos pouco importavam.

“Segurança”, respondeu Lâmina Brilhante. “Quando vocês se tornarem novatos, terão que entrar nas fronteiras, e eu não acredito muito nessa suposta paz. Com a força dos Mestres, será possível se defender adequadamente.”

“Já ficamos mais de um ano na fronteira”, rebateu Snow Cloud. “Sem ninguém nos protegendo.”

“E quantas vezes vocês chegaram perto de morrer?”

Nem Snow Cloud nem Arran tinham uma resposta para isso.

“Vocês permanecerão neste Vale até que tenham forças para se proteger”, disse Lâmina Brilhante. “Não vou permitir que desperdicem suas vidas – nem meus esforços em treiná-los.”

O tom de sua voz deixava claro que isso não era uma questão de debate e, com isso, a discussão chegou ao fim.

 

Eles passaram o resto da noite discutindo assuntos mais leves – Lâmina Brilhante estava bastante entusiasmada com a comida do Nono Vale – mas a mente de Arran não parava de pensar na jornada à frente.

Não importava o quanto ele olhasse para isso, igualar os Mestres em menos de um ano parecia impossível. No entanto, era o que a Lâmina Brilhante esperava deles.

Na manhã seguinte, eles se levantaram pouco depois do amanhecer. O fato de terem que continuar a busca deixou a Lâmina Brilhante de mau humor – ela parecia encarar o fato de a propriedade não ter aparecido na frente dela como uma afronta pessoal – e eles andaram silenciosamente ao longo da borda das montanhas.

Eles gastaram a maior parte da manhã procurando, e era quase meio-dia quando, de repente, os olhos da Lâmina Brilhante se arregalaram de surpresa.

“Você só pode estar brincando comigo…” Ela olhou uma curva normal na pedra diante dela com uma mistura de choque e irritação.

Era um local por onde haviam passado pelo menos três vezes, mas nenhum deles notou algo fora do comum. E mesmo agora, Arran não tinha certeza absoluta do que a Lâmina Brilhante havia notado.

“Siga-me”, disse ela, avançando e sem esperar por suas respostas.

Arran logo descobriu que a curva comum na rocha escondia, de fato, um caminho estreito para as montanhas. Com suas curvas e sinuosas subidas, o caminho mal podia ser considerado uma trilha, mas essa era a intenção daqueles que o construíram originalmente – claramente não tinha a intenção de ser encontrado facilmente.

Eles percorreram o caminho durante quase uma hora, escalando cada vez mais alto. Mas, de repente, ao fazer outra curva acentuada, eles emergiram em um pequeno vale.

Com apenas 800 metros de comprimento e cerca de duzentos passos de largura, um pequeno riacho passava pelo meio dele, e as margens de ambos os lados tinham muitos arbustos e árvores.

 

No entanto, a parte mais chamativa do vale ficava em seu centro, onde se encontrava uma grande mansão de pedra. Construída de forma simples, mas robusta, ela se parecia muito com um forte, com paredes grossas capazes de resistir a uma grande quantidade de punições.

Lâmina Brilhante olhou para a mansão e ficou satisfeita. “O Grão-Mestre se saiu bem”, disse ela. “Muito bem mesmo. Venha, vamos dar uma olhada”.

Eles entraram na mansão rapidamente e descobriram que era ainda maior do que parecia. Em um palpite, Arran imaginou que poderia abrigar várias centenas de pessoas confortavelmente, embora seu estado empoeirado indicasse que ninguém havia entrado nela há décadas, se não há mais tempo.

“Isso vai precisar de limpeza”, disse a Lâmina Brilhante. “Vocês dois, comecem a cuidar disso.” Com um largo sorriso, ela acrescentou: “E enquanto vocês limpam a mansão, eu vou inspecionar o vale para ver se há perigos ocultos”.

Arran olhou fixamente para as costas dela enquanto ela desaparecia pela porta, depois se virou para Snow Cloud. “Como você sugere que façamos isso?”

“Essência do Vento”, respondeu ela. “Não deve levar mais do que uma hora.”

Aliviado, Arran lhe deu um aceno de cabeça. Ele suspeitava que teriam que varrer todo o edifício gigante à mão, a ideia de usar a Essência do Vento nem passou pela cabeça dele – outro lembrete de que havia negligenciado sua magia por tempo demais.

Com o uso da magia, eles não levaram mais do que uma hora ao remover as décadas de poeira que se acumulavam na mansão e, mesmo que não a tenham deixado exatamente impecável, Arran considerou o resultado bom o suficiente.

Logo depois, a Lâmina Brilhante entrou no prédio novamente, e Arran se perguntou já que ela não tinha ficado fora por tempo o suficiente para perder a limpeza.

No entanto, ela olhou com seriedade quando se aproximou deles.

 

“Na parte de trás do vale”, ela começou, “Há um caminho em direção às montanhas. Em hipótese alguma vocês poderão ir até lá.”

Naturalmente, esse fato despertou a curiosidade de Arran e ele perguntou: “Para onde ele leva?”

“Para você? À morte.” Ela respirou fundo e continuou: “O caminho vai mais além nas montanhas, além das formações responsáveis pela proteção do Nono Vale. Há perigos que nem mesmo eu consigo enfrentar levianamente. Se algum de vocês passar por lá sem minha proteção, é quase certo que morrerão.”

“Que tipo de perigos?” Snow Cloud perguntou, com a testa franzida. Embora tivesse nascido em um dos Vales, ela não sabia mais do que Arran sobre os perigos das montanhas.

Lâmina Brilhante balançou a cabeça. “Isso não é problema seu. Ainda não. Por enquanto, tudo o que você tem que saber é que deve ficar longe. Entendido?”

Ela deu a Arran e a Snow Cloud um olhar questionador, e somente quando os dois acenaram com a cabeça em sinal de confirmação que a tensão em seu rosto diminuiu um pouco.

“Em seguida”, ela continuou, “Eu encontrei algumas formações inativas antigas ao redor da mansão. Coisas desagradáveis – o suficiente até para causar problemas a magos fortes. Naturalmente, eu as reativei”.

Ela pegou sua bolsa vazia e, um momento depois, mostrou duas moedas de prata. Não pareciam ter nada de especial, exceto pelo grande formato de X que havia sido queimado de forma grosseira em cada uma das moedas.

Ela entregou uma moeda a Arran e uma a Snow Cloud, depois disse: ” Fique com elas ao se aproximar da mansão. Elas têm uma parte da minha Essência e vocês poderão passar ilesos pelas formações. Se tentar fazer isso sem elas, os resultados serão… desagradáveis”.

Arran concordou rapidamente com a cabeça em resposta. Embora ele não sentisse nenhum sinal de formações quando eles entraram na mansão, qualquer coisa que a Lâmina Brilhante considerou perigosa era algo que ele não pretendia testar.

 

“Agora, com isso resolvido, acho o momento de a Snow Cloud passar pela têmpera que ela tanto precisa.”

Os olhos da Snow Cloud se arregalaram de surpresa. “Agora mesmo?”

“Agora mesmo”, confirmou a Lâmina Brilhante.

Ela se virou para Arran e disse: “Você pode passar essas semanas trabalhando no seu Reino da Destruição. Você não vai ter esse tempo livre de novo tão cedo”. Com uma leve careta, ela acrescentou: “Se alguma coisa perigosa surgir neste pequeno vale, volte logo para a mansão. A menos que precise enfrentar um exército de Arquimagos, você estará seguro aqui”.

“Tudo bem”, disse Arran. Embora ele tenha muitas perguntas, era óbvio que elas teriam que esperar até que a Lâmina Brilhante concluísse a têmpera da Snow Cloud.

“Ah, antes que eu me esqueça…” A Lâmina Brilhante já havia começado a se dirigir ao salão, mas de repente se voltou para Arran. “Duvido que você deixe de praticar os estilos em que está aprendendo. Se o fizer, tente não utilizar a mesma série de técnicas por mais de uma vez.”

Arran lhe deu um olhar intrigado. Até agora, isso era exatamente o que ele vinha praticando. “Por que não?

“Você não está aprendendo uma dança, com uma ordem de movimentos definida”, respondeu ela. “Aprender corretamente um estilo de espada significa saber combinar suas técnicas em qualquer ordem. Esse é o seu treinamento – e parece que aqueles idiotas da Casa das Espadas se esqueceram disso.”

Antes que Arran conseguisse responder, ela se virou e saiu da sala, Snow Cloud a seguiu, e Arran só conseguiu dizer rapidamente “Boa sorte!” antes que ela também saísse.

Arran suspirou, compreendendo que passaria suas próximas semanas sozinho na mansão enquanto a Snow Cloud realizava sua têmpera no porão.

 

Então, ele saiu e entrou no vale, procurando um lugar tranquilo debaixo de uma árvore próxima ao riacho. Era hora de começar a estudar o selo em seu Reino da Destruição.

Capítulo 219: Uma Nova Abordagem

Arran mostrou um olhar de concentração no rosto ao se concentrar no selo que Mestre Zhao havia criado anos antes.

O selo continuava o mesmo de sempre – um tecido incrivelmente complexo de Essência das Sombras, que era tão impenetrável quanto complexo.

No entanto, a complexidade do selo não era o que o frustrava.

Com o passar dos anos, ele começou a conhecê-lo tão bem como ao seu próprio corpo – melhor, talvez. Por mais complexo que fosse, ele sabia perfeitamente a que ponto cada fio de Essência pertencia, e exatamente como todos eles estavam entrelaçados.

O que o deixava frustrado era que, mesmo sabendo disso, o selo conseguia resistir facilmente a todos os seus esforços para removê-lo.

Ele já tentou todos os métodos que o Patriarca do Sexto Vale lhe mostrou para removê-lo, mas nenhum deles conseguiu fazer nada. Não importava que ele fizesse, o selo regenerava-se logo quando ele o danificava.

Era como se o selo possuísse uma mente própria. Ou não uma mente, exatamente – era mais como se ele tivesse uma vontade única, que aparentava ser algo enraizado na própria trama da Essência.

Essa vontade, se é que se pode chamar assim, rejeitou qualquer tentativa de Arran de mudar ou destruir o selo. Seja o que for que ele tenha feito para o atacar, o selo limitava-se a ignorar os danos e voltava ao seu estado original sem o mínimo atraso.

 

Era enlouquecedor – era como tentar fazer uma estátua de água.

Ainda assim, não restava outra solução senão continuar a procurar uma solução. E sem qualquer ideia de por onde começar, só lhe restava estudar o selo. Pode ser que, eventualmente, ele encontre alguma fraqueza que lhe passou despercebida.

Passou três horas à beira do riacho que corria pelo pequeno vale, com a árvore ao seu lado a oferecer sombra à medida que ia examinando os muitos e complexos pormenores do selo mais uma vez.

Embora o ambiente fosse agradável e pacífico, o humor de Arran foi ficando cada vez mais amargo conforme passava as três horas de estudo sem nenhum progresso.

O Patriarca disse que o selo possuía um pouco dos conhecimentos do Mestre Zhao e, nos meses que se passaram desde então, ele percebeu o que pensava ser um sinal disso.

Era com se o selo refletia uma lei fundamental da realidade – tal que sua própria existência era uma caraterística indelével do mundo.

No entanto, por mais que ele tentasse, a visão que o selo trazia permanecia inescrutável. Ele mal podia entender sua existência, mas além disso, ele se negava a revelar nem o menor fragmento de seus segredos.

No início, ele acreditava que era só uma falha do seu próprio conhecimento – algo que ele podia resolver com mais estudos, se houvesse tempo suficiente.

Mas com o passar dos meses, ele passou a suspeitar de que havia outro problema. De alguma forma, a visão dentro do selo parecia incompleta, como se existisse outra parte dele. E pior, ele começou a pensar que romper o selo sem essa parte faltante poderia ser impossível.

Talvez ele conseguisse encontrar uma forma de contornar a situação se atingisse o nível de habilidade e conhecimento do Patriarca, mas isso era um pequeno consolo. Fazer isso levaria séculos, se não mais.

 

Ele sabia muito bem que lhe faltava alguma coisa, mas não sabia o que era…

Frustrado pela completa falta de progresso, decidiu fazer um intervalo para desanuviar a cabeça.

Depois de um momento de reflexão, ele se levantou e iniciou a prática do estilo Mil Cortes. Por mais difícil que fosse – especialmente se seguisse o conselho da Lâmina Brilhante para não repetir a mesmo série de movimentos mais de uma vez – pelo menos aqui, ele sentiu que fez algum pequeno processo.

E se a prática era difícil, pelo menos sua espada não resistia aos seus esforços.

Passou meia hora a praticar os Mil Cortes, ao ponto que a frustração de trabalhar no selo se desvaneceu. Então, ele tomou uma rápida refeição, e começou a trabalhar no selo mais uma vez.

Frustrante ou não, essa era uma tarefa na qual ele teria que se dedicar mais cedo ou mais tarde.

No entanto, com toda a sua determinação, esta tentativa em encontrar um ponto fraco no selo não foi melhor do que a anterior. Várias horas se passaram lentamente e sem resultados, e Arran logo se sentiu como uma pessoa que tentava carregar água numa cesta.

Fez outra pausa e depois recomeçou o seu trabalho.

Quando o sol se pôs, a sua mente já estava cansada do esforço e não conseguiu deixar de se sentir desapontado por não ter conseguido nada. Não tinha obtido nenhum conhecimento, nenhuma habilidade, nenhum discernimento – só tinha perdido tempo.

Naquela noite dirigiu-se para a cama com o coração pesado, o seu objetivo estava ainda mais distante do que de manhã.

 

Quatro dias se passaram assim, com Arran passando cada dia totalmente dedicado ao selo. No entanto, mesmo com todos os seus esforços, ele não conseguiu fazer nenhum progresso.

Era como se o selo tivesse uma fechadura que precisasse de uma chave para ser aberta – algum conhecimento especial ou perceção do que lhe permitiria derrotá-lo. E sem essa chave, os seus esforços estariam condenados ao fracasso.

No entanto, a única pessoa com conhecimento da verdade era o próprio Mestre Zhao, e anos se passaram depois da separação. Pelo que Arran sabia, talvez ele nunca o encontrasse novamente.

Há muito tempo ele examinou as coisas que Mestre Zhao tinha dado a ele quando partiu, mas nada disso foi útil. Entre os pergaminhos, amuletos e outros recursos que ele havia recebido, não havia nenhuma informação que o ajudasse nessa tarefa.

O treinamento do Mestre Zhao também não servia para nada. O homem mal havia explicado como os selos funcionam quando eles estavam juntos. Em vez disso, ele apenas colocou vários no Domínio que Arran possuía e disse para ele descobrir sozinho.

Arran tinha descoberto os selos mais fracos rapidamente. Mesmo que eles fossem quebrados com a ajuda de Pílulas de Abertura de Reinos, ele aprendeu a recriá-los quase perfeitamente.

No entanto, o conhecimento que ele adquiriu ao fazer isso foi de pouca ajuda. O selo em seu Reino da Destruição era completamente diferente e era necessário algo muito além de alguma habilidade em selos das sombras para abrir.

A ideia era suficiente para o deixar sem esperança.

No quinto dia, ele se sentiu exausto assim que acordou, a possibilidade de passar mais um dia sem conseguir nada pesou muito em sua mente.

Como de costume, foi até à árvore junto ao ribeiro e, como de costume, passou várias horas a estudar o selo sem obter nada de útil.

 

Quando sentiu que não podia continuar, soltou um suspiro, depois se levantou e se esticou, preparando-se para fazer uma pequena pausa praticando os Mil Cortes.

No entanto, mesmo quando desembainhou a espada, os seus olhos abriram-se de repente.

“Mas ele me ensinou uma coisa…”

Arran disse as palavras em voz alta, a perceção atingindo-o como um raio de trovão.

Quando se encontraram pela primeira vez, o Mestre Zhao tinha passado meses ensinando a ele nada além de esgrima. Na altura, ele acreditou que o único objetivo do homem era aprender a controlar, para o preparar para aprender magia.

Mas agora, ele se deu conta de que havia algo estranho nisso. Pelo que tinha aprendido desde então, o controlo era algo com que os magos se familiarizavam quando praticavam magia, não antes de começarem. E mesmo assim, a arte da espada não era a maneira mais fácil de melhorar o controlo mágico de alguém.

Além disso, considerando a situação, o estilo de espada que Mestre Zhao usou era estranho. Na época, por mais inexperiente que fosse, ele pensou que os movimentos do Mestre Zhao condensavam cada golpe de espada até a sua essência.

Mas agora, ele conseguia ver que isso não é bem verdade. Embora as técnicas do homem estivessem livres de todo o excesso de movimento, tinham um estranho sentido de objetivo.

Ele percebeu com um choque que aquilo que ele se lembrava do estilo de espada do Mestre Zhao de alguma forma se parecia com a lasca de perceção dentro do selo.

Um arrepio de excitação percorreu seu corpo quando ele enxergou um novo caminho à frente. Talvez ele tenha se enganado em ver algo onde nada existia, mas mesmo assim, só a possibilidade era o suficiente ao ponto de enchê-lo de expetativa.

 

Rapidamente levantou a espada. Então, ele começou a praticar os movimentos que o Mestre Zhao o havia instruído todos aqueles anos atrás.

Capítulo 220: Visão

Ao seguir as técnicas que o Mestre Zhao lhe ensinara, ele provou ser muito mais difícil do que Arran esperava. Ele pensou que seria simples retornar a essa base, mas, ao invés disso, parecia praticamente impossível.

Ao longo dos anos, todas as suas técnicas haviam passado por inúmeras mudanças, mudando continuamente conforme ele as utilizava tanto na prática quanto em combate.

As suas técnicas pareciam um reflexo da sua evolução ao longo dos anos, carregando as marcas de amigos e inimigos, cada uma das experiências moldando a sua habilidade e estilo.

Mas agora, o que ele necessitava era que essas influências fossem expurgadas das técnicas.

Respirou fundo, apercebendo-se do que tinha de fazer.

Primeiro, ele classificou as técnicas que ele tinha adquirido com o Mestre Zhao. Havia apenas algumas dúzias, cada uma delas originalmente simples, mas eficazes. Juntas, elas mal poderiam ser consideradas o esqueleto de um estilo.

Assim que terminou em determinar qual de suas técnicas era originária do Mestre Zhao, ele passou a eliminar as influências externas que as moldaram ao longo dos anos.

A primeira influência que retirou de suas técnicas foi a de Doran. Ele aprendeu muito com o especialista em apenas um mês de treinamento e, à medida em que removia meticulosamente as influências do especialista de suas técnicas, ele podia perceber que elas se tornavam mais simples – e também mais fracas.

 

O próximo era a Lâmina Brilhante. Para a surpresa de Arran, mesmo depois de meio ano de treinamento com ela, ela mal deixou uma marca em suas técnicas, ao invés disso, apenas aprimorou o que já existia. Ele sabia que não era por acaso – ela claramente havia tido o cuidado de limitar sua influência.

Ainda assim, ele retirou o pouco do que ela havia mudado, e então partiu para o próximo alvo.

Ele trabalhou sem parar nas horas seguintes, executando técnicas sem pausas enquanto removia cada camada de influência.

A batalha insana contra o exército de Refinadores de Corpo, os combates alegres contra o Fogo Negro, o treino com a Nuvem de Neve – cada um deles moldou suas habilidades, e cada uma dessas influências foi removida sem piedade.

Se alguém o tivesse observado, ele seria como um espadachim especializado em perder as suas habilidades, se tornando menos competente a cada hora que passava.

Mergulhado no trabalho de purificação das suas técnicas, não se deu conta do cair da noite e continuou o seu trabalho sem parar, mesmo quando o céu escurecia por cima dele.

Sob o céu negro da montanha, ele purificou mais influências, suas técnicas foram perdendo força e complexidade a cada passo.

Os meses que ele passou treinando com Jiang Fei na propriedade do Lorde Jiang, o tempo que ele tinha passado treinando no mosteiro Windsong – pedaço por pedaço, ele retirou o que ele tinha aprendido.

Finalmente, assim que o sol nasceu novamente, tudo se foi. Suas técnicas pareciam mais uma vez com movimentos lentos e desajeitados que ele tinha usado há tanto tempo atrás, anos de crescimento e aperfeiçoamento foram retirados para revelar a base que o Mestre Zhao tinha dado a ele.

No entanto, quando Arran brandiu a espada timidamente, não descobriu nada. Havia apenas fraqueza e inexperiência – as técnicas de um principiante, sem qualquer tipo de discernimento.

 

Com a testa franzida, ele parou.

Tinha a certeza de que iria encontrar algo de útil, mas em vez disso, só descobriu golpes básicos de espada, desajeitados na sua formação e execução.

Não se deixou desiludir. Em vez disso, ele começou a trabalhar na prática daquele estilo de espada aparentemente inútil, realizando meticulosamente cada movimento na esperança de que alguma grande verdade ainda fosse revelada.

Mas durante uma hora de prática, a única verdade que ele encontrou foi que o estilo é exatamente tão inútil quanto parece.

Ele considerou isso durante alguns momentos, e logo reconheceu seu erro. Ele reduziu as técnicas ao que aprendeu – mas isso não era a mesma coisa que o Mestre Zhao havia lhe ensinado.

A sua base original não foi formada durante o treino com o Mestre Zhao, mas muito antes disso, quando o seu pai o obrigou a pegar na espada pela primeira vez. Como guarda, o pai de Arran contava com o filho para seguir os seus passos, e grande parte de sua juventude foi passada praticando esgrima.

Embora valorizasse as recordações, podia agora ver que os ensinamentos imperfeitos do seu pai continuavam a impregnar as suas técnicas, modelando os seus movimentos e dificultando a sua capacidade.

Essa constatação causou-lhe alguma dor. Alguns dos momentos de maior felicidade da sua juventude foram quando o seu pai o ensinou pacientemente a manejar a espada, mas agora, a sua única maneira de seguir em frente seria apagar todos aqueles vestígios do que tinha aprendido na altura.

No entanto, para isso, ele teria que selar um dos seus outros Reinos, e a questão do que escolher lhe causava alguma dificuldade. Se ele tivesse sucesso em copiar o selo, qualquer Reino que ele selasse ficaria isolado até que ele conseguisse quebrá-lo. E embora ele achasse que poderia fazer isso, o risco era óbvio.

Depois de alguns momentos de reflexão, ele optou por seu Reino do Vento. O seu Reino das Sombras não era uma opção, e dos três que restavam, o Vento era o que menos importava.

 

Ele baniu qualquer preocupação que sentia e então recriou o selo que o havia incomodado por tanto tempo.

Quase imediatamente, ele descobriu que não precisaria se preocupar em fechar seu Domínio do Vento. O selo que ele criou não durou nem um segundo até que ele espontaneamente caiu.

Ele tentou novamente, e o resultado foi o mesmo. No entanto, ele não parou e, após várias dezenas de tentativas, conseguiu criar um selo que durou o suficiente para que ele o quebrasse.

Depois, repetiu a façanha.

Dezenas de tentativas rapidamente se transformaram em centenas, depois em milhares, e a cada nova tentativa ele melhorava. No entanto, ainda não tinha atingido o seu objetivo – até agora, a criação e a destruição dos selos não tinham nenhum dos conhecimentos que ele tinha adquirido.

Mas ele não cedeu e, gradualmente, sua habilidade em criar e destruir os selos melhorou. E depois de incontáveis milhares de tentativas, ele foi capaz de encher um escudo com um mínimo de conhecimento.

Era muito pouco no sentido de dar força ao selo, mas para sua surpresa, o conhecimento que ele havia adquirido anteriormente parecia ter se fortalecido em resposta. E logo depois, o mesmo aconteceu ao quebrar um selo com um ataque imbuído de perceção.

Se antes ele era ansioso para progredir, agora, ele se tornou mais cuidadoso. Uma e outra vez ergueu escudos só para os destruir momentos depois, cada tentativa sendo ligeiramente melhor que a anterior.

A sua noção de tempo e lugar desapareceu à medida que se concentrava totalmente nessa faísca de conhecimento em constante expansão. A sua mente continuou levantando e quebrando milhares de escudos sem fim no limite da sua consciência, e tudo o que ele conseguia fazer era se maravilhar com aquele pequeno pedaço de realidade que ele começou a compreender gradualmente.

Ele não soube quanto tempo passou, nem se preocupou – tudo o que importava era o brilho do cristal da consciência que o permitiu ver uma pequena parte do mundo como ela realmente era.

 

Ligar e cortar – dentro destes simples oponentes havia um oceano de conhecimento cuja existência Arran jamais sonhou ser possível, criando um único fio de ligação que permeava a realidade. E à medida que sua compreensão crescia, ele percebeu também que um puxão nesse fio podia abalar toda a existência.

No entanto, à medida que a faísca se tornava mais brilhante, ele conseguia sentir que este fio era apenas um entre muitos. No entanto, ele não conseguia distinguir quais eram os outros, nem o que faziam, pois a sua existência continuava escondida para além dos limites da sua mente.

Esta conclusão deixou-o frustrado e tentou procurar o que havia para além desse horizonte. Mas não adiantava – o que quer que existisse, estava fora do seu alcance.

Quando a sua atenção voltou para o brilho do conhecimento que existia agora na sua mente, percebeu que este já não estava a ser expandido. Instintivamente, ele sabia que tinha aprendido tudo o que podia.

Ele voltou sua atenção para seu Reino do Vento, e descobriu que ele foi coberto por uma cópia perfeita do selo em seu Reino da Destruição. Ele não se lembrava de ter criado o selo, mas isso não importava. Com um único pensamento, ele o quebrou.

Então, com um segundo pensamento, ele abriu seu Reino da Destruição.

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