Interlúdio: Nina
Como sacerdotisa, eu estava envolvida no apoio aos refugiados.
O número de pessoas expulsas de suas casas pela invasão do exército do Rei Demônio aumentava dia após dia, e alguém precisava ajudá-las.
No início de nossas atividades, conseguíamos receber apoio de diversos países. No entanto, à medida que a situação da guerra piorava, cada país começou a se preocupar com seus próprios problemas, e as mãos que nos ajudavam foram diminuindo. Agora, nenhum país aceitava refugiados, tínhamos alimentos insuficientes, e estávamos à beira de não saber se veríamos o amanhã.
Foi então que um homem e uma mulher apareceram diante de mim.
O homem olhava com severidade para os refugiados, enquanto a mulher se aproximou de mim, aparentemente confusa com a quantidade de pessoas. Eu não reconhecia o homem, mas de algum modo a mulher me parecia familiar.
— Você é Nina? — o homem, de cabelos loiros cortados descuidadamente, me perguntou. Ele não era alto, mas tinha um corpo bem treinado e um olhar penetrante.
— Sim, sou eu. E você, quem é?
— Sou Leonard.
— Eu sou Sophia.
A mulher usava óculos e tinha longos e belos cabelos negros com um tom púrpura. Claramente, estava chamando a atenção dos homens refugiados.
— O que vocês querem comigo?
— Ah, só queríamos conversar — disse Leonard com um sorriso despreocupado.
Eu já tinha algumas ideias sobre o que poderia ser essa conversa. Um pedido para me juntar ao exército do país deles devido à falta de sacerdotes na guerra. Ou um convite para me juntar a um grupo de aventureiros como sacerdotisa, aceitando pedidos mercenários para ganhar dinheiro no campo de batalha. Eles pareciam exemplos típicos deste último.
— Se isso for um convite para me tornar aventureira, terei de recusar. Estou totalmente ocupada ajudando essas pessoas aqui e não posso me dar ao luxo de fazer outra coisa.
Olhei para as pessoas sentadas próximas a nós.
Elas são chamadas de refugiadas pela sociedade e desprezadas. Não têm onde viver, mal têm o que comer, e foram abandonadas por todos.
— Você é burra? — Leonard franziu a testa profundamente. — Esteja com elas ou não, essas pessoas chegaram a um beco sem saída. Não há nada que possa ser feito. Se isso continuar, vocês vão afundar juntos. Qual é o sentido disso?
— Isso é o que eu quero fazer. Não estou buscando nenhum sentido nisso.
— Satisfação pessoal, é? — Leonard deu de ombros, um gesto que zombava das pessoas. Mais tarde, eu aprenderia que isso era um hábito dele. — No fim, você não está realmente tentando salvá-los, está? Só está estendendo a mão para o que está na sua frente, se sentindo bem de alguma forma? Isso é uma besteira.
Seu jeito de falar era direto e sem filtros. Era a verdade, e atingiu um ponto sensível para mim. Nunca havia conhecido alguém que dissesse coisas tão horríveis de forma tão direta.
— Poderia, por favor, ir embora? Isso é desagradável.
Dizendo isso, virei as costas para Leonard.
— Espere um momento! Por favor, me escute por um instante! — Sophia, a mulher, falou apressadamente.
— Você não se lembra de mim? Não conversamos diretamente, mas lutamos juntas em Malica há dez anos…
Enquanto ela falava, minha memória foi voltando aos poucos. Lembrei-me de que havia uma jovem maga da minha idade no exército voluntário em que me alistei na Batalha de Malica.
De fato, aquela garota também usava óculos e tinha longos cabelos negros e bonitos. Porém, como nossas posições eram diferentes, eu não sabia o que tinha acontecido com ela durante a batalha.
— Eu me lembro. Então você sobreviveu…
Lágrimas escorreram involuntariamente pelo meu rosto. Era a primeira vez que eu encontrava alguém que havia sobrevivido àquela batalha. O exército voluntário foi dito como completamente dizimado, e eu pensava que era a única sobrevivente.
— Não precisa chorar. Eu só sobrevivi vergonhosamente, fingindo estar morta. — Sophia falou como se fosse uma piada, mas seus olhos também estavam marejados.
— Vou me desculpar pelo que esse idiota disse. — Ela deu um tapa na parte de trás da cabeça de Leonard, que esfregou o local com uma expressão de desagrado. A cena foi um pouco engraçada, e pensei que talvez ele não fosse tão ruim quanto parecia.
— Que tal falarmos sobre os velhos tempos? Preferencialmente em algum lugar mais privado — sugeriu Sophia, consciente dos olhares ao nosso redor. De fato, agora éramos o centro das atenções entre os refugiados.
— …Tudo bem. Por favor, por aqui. — Convidei-os para a minha tenda desgastada.
— Para simplificar, viemos recrutá-la — disse Sophia assim que entramos na tenda.
— Como já disse antes, isso é impossível. Estive com essas pessoas todo esse tempo. Não posso simplesmente ir para outro lugar sozinha agora.
— Você vai ficar com elas mesmo sabendo que não há nada que possa ser feito? Isso não é uma fuga? — A atitude de Leonard era tão dura quanto antes, nada parecido com alguém que estivesse tentando me recrutar.
— Você, fique quieto — Sophia tentou acertar sua cabeça novamente, mas desta vez Leonard se esquivou. Era como assistir a um casal de longa data, de certo modo reconfortante. Após errar o golpe, Sophia estalou a língua e me dirigiu a palavra novamente.
— Bem, eu entendo sua posição. Mas vamos conversar de qualquer forma. Sobre nós.
Dizendo isso, Sophia começou a contar sua história. Ela me falou sobre como nasceu nobre, como odiava isso e se tornou uma aventureira, como foi salva por uma maga chamada Lei na Batalha de Malica, e como estava gerenciando uma farmácia quando Leonard apareceu e a tirou de lá.
— Acho que desde a Batalha de Malica eu estava congelada no tempo, incapaz de seguir em frente. Esse cara pode ser desagradável, mas ele me deu o empurrão necessário para dar um passo à frente novamente. Ele não é tão ruim quanto parece, provavelmente — Sophia sorriu maliciosamente.
— Entendo. Então, deixe-me contar minha história. Também posso falar um pouco sobre o que aconteceu com Luke depois.
Ao mencionar o nome de Luke, a expressão de Leonard ficou séria.
— Eu nasci filha de comerciantes. Nossa família era relativamente abastada, e meus pais eram pessoas devotas e gentis. Influenciada por eles, eu também acreditei em Deus desde jovem e passei meus dias em oração. Quando atingi certa idade e comecei a aprender os métodos formais de oração, descobri que uma luz surgia em minhas mãos quando eu as juntava em prece. Era uma luz modesta, mas era um milagre de Deus. Eu tinha talento como sacerdotisa.
— Todo mundo parece ser abençoado com talento — disse Leonard, aparentemente exasperado, e Sophia o fuzilou com o olhar.
— Isso mesmo. Eu fui abençoada com o talento de sacerdotisa. Até fui indicada como candidata à Santa em um momento. É meu pequeno orgulho.
A atual Santa é uma garota chamada Maria. Embora eu nunca tenha a conhecido, tenho certeza de que deve ser uma pessoa maravilhosa, pura e cheia de compaixão.
Kkk
— Por que uma candidata a santa foi para a Batalha de Malica? — Sophia inclinou a cabeça.
Ela foi para a batalha porque era aventureira, mas eu não.
— Porque achei que era o certo a fazer. Acreditei que lutar contra o exército do Rei Demônio e salvar pessoas era a vontade de Deus.
— Vontade de Deus, hein… — Leonard exibia uma expressão distante.
— Então, como você sobreviveu à Batalha de Malica? — Sophia perguntou, e eu respirei fundo antes de responder.
— Bem, como você disse antes, foi uma batalha terrível. Até eu, que era responsável pela cura, tive que brandir meu cajado e lutar quando os monstros se aproximaram. No meio disso, vi Luke. Sua figura, cortando inimigos como um relâmpago, era impressionante. Sempre que ele balançava sua espada, os monstros certamente caíam. Até os demônios pareciam se encolher diante de Luke. No entanto… — Olhei cautelosamente para Sophia.
— Lei, que deveria estar por perto, já havia desaparecido, e ele estava lutando sozinho.
Ouvi Sophia engolir em seco. Provavelmente era essa a história sobre Luke que ela queria ouvir.
— Com a maioria dos outros aventureiros caídos, Luke lutando sozinho era verdadeiramente heroico. Mas era impossível sair ileso sem ajuda alguma. Ele estava tingido de vermelho escuro, tanto com o sangue dos inimigos quanto com o seu próprio, parecendo exausto e machucado. Eu pensei: “É nesse momento que meu poder é necessário. Eu devo trazer o milagre de Deus para ele—”
— …Então, o que você fez? — Sophia me incentivou a continuar quando pausei.
— Eu não fiz nada.
— O quê? — Sophia ficou surpresa, e o rosto de Leonard se contorceu.
— Minhas pernas congelaram, e eu não consegui me mover. Antes que percebesse, fui tomada pelo terror do campo de batalha, assustada pelos temíveis demônios. Não consegui mais avançar. Como resultado, deixei Luke morrer.
É por isso que nunca mais vou a campos de batalha. A verdadeira eu é uma covarde, que não conseguiu fazer nada quando realmente importava.
— Não tem como evitar. Nós éramos jovens na época. — As palavras de conforto de Sophia tocaram meu coração. Ela provavelmente entende porque já sentiu algo parecido.
— Então… o que aconteceu com Luke? — Leonard perguntou com uma voz tensa. Como camarada de Luke, ele devia estar curioso sobre o que aconteceu em seguida. É compreensível que Leonard tenha perdido Luke de vista naquela batalha caótica.
— Ele avançou sozinho contra as linhas inimigas. Luke provavelmente tinha como alvo os demônios que comandavam os monstros. Naquela situação claramente desvantajosa, era a única maneira de vencer. Eu só o observei partir.
— Entendo… — Surpreendentemente, Leonard não me culpou. Em vez disso, abaixou a cabeça, como se estivesse se culpando por não ter lutado ao lado de Luke.
— O que aconteceu com você, Nina? — Sophia perguntou, parecendo preocupada.
— Fui implacavelmente atacada por um demônio. Do ombro até o peito. — Eu tracei a cicatriz, passando minha mão do ombro até o peito.
— Como você sobreviveu a isso!? — Sophia arregalou os olhos.
— Eu tinha talento como sacerdotisa, pelo menos. Depois de ser abatida e deixada para morrer, inconscientemente realizei o milagre de Deus e curei meus próprios ferimentos. Quando fui resgatada pelo exército real que chegou mais tarde, minhas feridas já estavam curadas. O sacerdote que acompanhava o exército real me elogiou, dizendo: “Como esperado de alguém que foi a Malica por vontade própria.”
Eu balancei a cabeça.
— Foi um terrível mal-entendido. Sou apenas uma mulher suja que abandonou Luke e salvou apenas a própria vida. É por isso que agora tento viver pelos outros, ajudando refugiados. Não posso ser camarada de ninguém e lutar novamente. — Fechei os olhos, indicando que a história tinha acabado.
— Não seja ridícula. Se suas pernas congelaram daquela vez, você só precisa movê-las da próxima. — Leonard se aproximou de mim. — Acabou depois de um único erro? Sem segundas chances? Que vida perfeita você levou?
As palavras de Leonard eram muito diretas, transmitindo sua raiva e tristeza.
— Por que está tão triste?
— Eu não estou triste. Só estou bravo com pessoas como você, que continuam fugindo. Lute de novo, Nina. Você realmente está bem em terminar assim?
…Claro que não. Eu sabia disso também. Meus sentimentos de querer lutar pelos outros naquela época não eram uma mentira. E se eu abandonar o sofrimento do mundo agora, não poderei encarar aqueles que morreram, incluindo Luke.
Saí da tenda e olhei para os refugiados que chegaram até ali comigo. Todos nos observavam com ansiedade.
— …Ainda assim, não posso abandonar essas pessoas. — Esse também era meu sentimento honesto.
— Mesmo com você aqui, tudo o que eles podem fazer é fugir juntos. É inútil. Se quiser salvar todos eles, seria mais construtivo ganhar com o seu corpo.
Arregalei os olhos de surpresa. O que essa pessoa está tentando me fazer fazer? Sophia também olhava para Leonard com uma expressão de raiva.
— Não, não foi isso que eu quis dizer. — Leonard negou apressadamente. — Estou dizendo que você também precisa de dinheiro para salvar pessoas. Até vidas podem ser compradas com dinheiro. É por isso que você deveria voltar a ser aventureira.
— Não importa o quão alta seja a recompensa de um aventureiro, não acho que seria suficiente para salvar tantas pessoas.
Há um limite para o valor de uma recompensa, por mais generosa que seja. É impossível sustentar tantas pessoas.
— Dez vezes. — Leonard sorriu maliciosamente. — Eu vou te mostrar como ganhar dez vezes mais do que aventureiros comuns ganham. E isso não é tudo. Com essa recompensa, vou salvar todas essas pessoas.
Parecia uma tentação do diabo.