Quem Matou o Herói? – Volume 2 – Capítulo 5 - Anime Center BR

Quem Matou o Herói? – Volume 2 – Capítulo 5

Capítulo 5

Gastan

Gastan era uma terra famosa por seus celeiros. Os grãos colhidos eram exportados para outras regiões, tornando-a uma grande fornecedora para os países vizinhos. Eram esses grãos de Gastan que estavam sendo alvos do exército do Rei Demônio.

Assim que cheguei, fui negociar com o chefe da vila, que havia solicitado nossa ajuda. A casa do chefe era apenas um pouco mais impressionante que as das outras pessoas, com um telhado de palha modesto. A cadeira e a mesa onde me sentei mostravam sinais de bastante idade, indicando que a vida ali não era fácil.

— Cavaleiros ou aventureiros, ninguém consegue enfrentá-los. Com essa quantia de recompensa, ninguém aceitará o pedido, certo? Se aumentarem dez vezes, derrotaremos os monstros para vocês. Que tal?

A invasão do Rei Demônio ainda não tinha chegado a Gastan. Mas, considerando-a uma fonte importante de alimentos, eles provavelmente estavam atacando as rotas de transporte de Gastan.

Como esperado dos demônios. Eles fazem exatamente o que os humanos mais odeiam.

— Porém, esta vila não tem tanto dinheiro agora. Os grãos colhidos são comprados a preços baixos e usados como alimento para os campos de batalha. Não temos margem para negociar.

O chefe da vila… não era diferente de qualquer outro velho. Suas mãos e rosto tinham as profundas rugas características de alguém que trabalhou duro por muitos anos. Suas palavras provavelmente não continham mentiras.

Se eles dissessem “Estamos lutando pela humanidade!”, essa vila não teria escolha a não ser vender seus grãos a um preço baixo. É uma história comum. Com uma causa grandiosa, essas coisas são permitidas.

Mas, na realidade, se o lado humano perder a guerra e o exército do Rei Demônio avançar até aqui, os campos dessa vila provavelmente seriam queimados até o chão.

— Vou aceitar a recompensa em grãos, então não há problema. Tenho conexões com comerciantes. Eles vão comprar a um preço muito mais alto do que o país pagaria.

— Mas então talvez não consigamos fornecer o suficiente para o país.

Ele é um velho honesto. Provavelmente o agricultor ideal aos olhos dos nobres.

— É simples. Basta dizer que os monstros atacaram durante o transporte. Vou levar essa parte. Isso não seria aceitável?

— Está nos dizendo para desviar as mercadorias!?

O simples chefe da vila olhou para o céu com uma expressão de incredulidade.

— De qualquer forma, se eu não escoltar, elas acabarão nas mãos dos monstros. Escolha se quer continuar sendo atacado ou fechar os olhos para um desvio.

O chefe da vila segurou a cabeça com as mãos. Isso faz parecer que sou eu quem está fazendo algo errado. Machuca meu coração.

— Escute, chefe da vila. Pense bem. Se você recusar minha oferta, os grãos daqui continuarão sendo atacados durante o transporte. Ninguém ficará feliz. Exceto os monstros que comem os grãos roubados. Além disso, os monstros podem acabar se cansando de esperar por carroças que chegam em horários imprevisíveis.

— …O que quer dizer?

Os olhos do chefe da vila escureceram.

— Estou dizendo que os monstros podem começar a atacar Gastan diretamente. Os soldados que combatem os monstros ficarão com fome e lentos se as provisões forem interrompidas. Se isso acontecer, o exército do Rei Demônio terá caminho livre. Em vez de atacar carroças uma por uma, eles podem decidir queimar os campos. Isso é o que eu faria. E você também, não faria?

— Isso…

O chefe da vila não encontrou palavras para negar minha sombria previsão. Depois de um momento de silêncio, o velho, exausto, aceitou minha proposta.

Naquela noite, o Profeta apareceu novamente no quarto onde eu estava hospedado. Não importa quantas vezes eu o afaste, aquela coisa sempre volta. Uma persistência incrível.

— Por que você exige uma compensação injusta?

O Profeta geralmente não coloca muita emoção nas palavras, mas o tom parecia irritado.

— Não é injusto. É uma compensação justa. Se tem algum problema com isso, por que não faz você mesmo? De graça. O chefe da vila ficaria feliz. As pessoas deste país também. Os únicos infelizes seriam você e os monstros. Os humanos se beneficiariam dos não-humanos lutando entre si.

— …Eu não tenho esse poder.

— O quê? Está nos dizendo para fazer algo que você mesmo não consegue, e por um pagamento barato? Seu trabalho principal é ser um sacerdote que oferece sermões baratos e gratificantes, por acaso?

— Não posso me tornar um sacerdote. Não tenho as qualificações.

Essas palavras vieram com um leve tremor.

— Só desculpas. Não se trata de poder ou não fazer algo, mas de tentar fazer você mesmo primeiro. Fale essas coisas grandiosas só depois disso. Quem confiaria em alguém que só fala?

— A função de um Profeta é guiar o herói. Eles não podem fazer mais nada.

A voz do Profeta foi ficando mais baixa.

— Não tome decisões tão rápido. Não negue as suas próprias possibilidades. Você parece um fantasma, mas se se esforçar o suficiente, pode até se tornar humano, sabia?

Dei de ombros. Eu queria encerrar logo essa conversa inútil e ir dormir.

— Depois disso, se você se tornar um aventureiro e reunir companheiros, pode até ir derrotar o Rei Demônio. É uma vida curta que eu não recomendaria, mas não é esse o seu ideal?

— Eu não sou um fantasma. Sou humano, como você. Já é tarde demais para eu me tornar um aventureiro agora. Não posso fazer nada.

O Profeta parecia estar levando minhas provocações a sério e começava a se exaltar.

Humano? O Profeta era humano? Fiquei um pouco intrigado.

— Do que está falando? Se consegue projetar ilusões em lugares assim, não é algum tipo de mago incrível ou algo do tipo? Certamente há outras coisas que você pode fazer, não?

— Não posso fazer mais nada. Isso é tudo o que posso fazer.

— Está falando sério!? O trabalho de um Profeta é só mostrar ilusões para as pessoas e transformá-las em heróis? Deixe-me dizer, eu não vou me tornar um herói. Escolheu completamente a pessoa errada. Isso significa que a humanidade está condenada? Você deveria levar seu trabalho mais a sério. Você também é humano, não é?

Parece que esse Profeta é real. Se fosse alguém de quem eu deveria desconfiar, essa pessoa não diria essas coisas.

De qualquer forma, eu não tenho poder para derrotar o Rei Demônio. Tenho mais de trinta anos e sei que minha força não vai aumentar mais. Nunca tive as qualificações para ser um herói.

— Eu estou levando a sério! Venho repetindo várias e várias vezes!

Gritando, o Profeta desapareceu.

Por ora, parece que poderei dormir. Mas o que significa esse “repetindo várias e várias vezes”?

No dia seguinte, estávamos escondidos em uma das carroças que partiram de Gastan. Parecia que estávamos sendo transportados como gado. Embora nosso destino não fosse um matadouro, mas sim um inferno onde os monstros esperavam, o que não é muito diferente.

— Era necessário nos escondermos?

Ephsei, que geralmente não fala muito, se manifestou com uma voz exasperada. É uma carroça simples, usada para transportar grãos. Entendo o sentimento de não querer ficar aqui por muito tempo.

— É só por precaução. Até monstros preferem atacar carroças que parecem fáceis de pegar. Se combatentes habilidosos como nós estivessem obviamente protegendo a carroça, poderiam se assustar e não atacar, certo?

— Leonard, você leva coisas estranhas a sério. Você realmente faz qualquer coisa por dinheiro.

Parece que Sophia também não gostava muito do trajeto na carroça.

— Eu faço qualquer coisa por dinheiro. Sem dinheiro, não se faz nada. O mundo funciona com dinheiro. Sophia, se fosse se casar, não preferiria um parceiro rico? Não me diga que escolheria baseado em bondade? Você não está mais nessa fase de sonhos.

— Mesmo que alguém tenha dinheiro, não adianta nada se for desperdiçador.

Sophia me provocou. Esse é meu ponto fraco. Realmente, meus hábitos de consumo não são louváveis.

— Eu escolheria pela bondade da pessoa.

Nina raramente participava da conversa. Ela geralmente é quieta, mas talvez tenha preferências específicas para um parceiro de casamento.

— Então eu seria perfeito para você. Provavelmente tenho o coração mais puro entre nós.

— Em que parte de você há pureza? — Ephsei riu com um sorriso torto.

— Se seu coração fosse puro, não haveria impureza neste mundo. — Sophia bufou.

— Bem… — Só Nina tinha uma expressão séria. — Acho que o Leonard provavelmente é uma pessoa pura. Infelizmente, ele não será meu parceiro de casamento.

O sorriso de Nina ao dizer isso era tão inocente e fofo quanto o de uma jovem. Apesar de sua idade real ser mais de trinta anos.

Peguei-me desprevenido, sem saber o que responder, mas então a carroça parou de repente.

— Tem alguém chegando? — Ephsei pegou a lança que havia deixado no chão da carroça.

— Vamos.

Afastei a carga que usávamos como disfarce e saí.

A carroça havia parado em uma estrada no meio de uma floresta. Bem, a maioria dos lugares onde não há habitação humana são florestas ou terrenos áridos. Cerca de dez carroças carregadas com mercadorias semelhantes estavam alinhadas nas proximidades. Parece que não fomos atacados por monstros.

Olhando para a carroça da frente, vi que o caminho estava bloqueado por árvores caídas. Provavelmente obra do exército do Rei Demônio. É uma tática comum, mas eficaz.

Os cocheiros estavam em pânico.

— Monstros assustadores estão chegando! Eles querem a carga nas carroças. É melhor vocês correrem rápido! Não temos intenção de proteger vocês.

Não havia mentira nessas palavras. Lutar enquanto protegemos as pessoas é ineficiente e torna mais difícil assegurar a vitória. Nosso objetivo é derrotar os monstros, não proteger a carga ou os cocheiros.

Ao ouvir minha voz, os cocheiros desceram das carroças um por um e fugiram em pânico.

— Sophia, preciso que você faça um reconhecimento da área.

Chamei a maga de óculos que finalmente havia descido da carroceria.

— Já estou fazendo!

Parece que Sophia já estava usando magia de detecção. Isso é útil quando as coisas precisam acontecer rápido.

— Estou detectando reações na floresta à frente. Aproximadamente vinte a trinta deles. Parece que planejam nos atacar pelos lados, pela esquerda e direita.

Sophia rapidamente relatou depois de concluir a detecção.

— Eu fico com o lado direito. Ephsei, você cuida da esquerda.

Assim que começamos a correr, monstros familiares surgiram da floresta. Principalmente goblins, mas com alguns ogros misturados.

Cortei um goblin que ingenuamente tentava atacar uma carroça. A atenção dos monstros rapidamente se voltou para mim, e eles começaram a me cercar.

Foi então que a magia de raio de Sophia foi lançada.

Os monstros gritavam e se contorciam enquanto a eletricidade atravessava seus corpos. Continuei cortando um após o outro sem pausa. Ephsei devia estar fazendo o mesmo na esquerda.

Após um tempo de luta, lidamos com a maioria dos inimigos que nos atacaram, mas claro, isso não era o fim. A quantidade de inimigos enfrentada até agora poderia ser controlada pelos soldados e aventureiros de escolta que estavam conosco.

Ouvimos o relinchar de cavalos vindo de trás. Parecia que a força principal estava vindo daquela direção.

— Cura, por favor.

Nina acenou em silêncio e lançou feitiços de cura em mim e em Ephsei. Não tínhamos sofrido muitos ferimentos, mas o cansaço havia se acumulado. Ter magia de cura fazia uma grande diferença para a batalha que se aproximava.

Enquanto nos movíamos para a retaguarda do comboio de carroças, vimos uma horda de monstros se aproximando.

— A batalha começou… — O profeta, conectado à sombra, observava Leonard e seus companheiros lutando contra os monstros.

Tendo guiado dezenas de heróis antes, o profeta sabia que Leonard não possuía uma força extraordinária.

Em termos de habilidades com a espada, ele não se comparava a Leon, o Santo da Espada. No entanto, a força do grupo como um todo era impressionante. A coordenação deles era excelente.

Pelos diálogos habituais, eles não pareciam especialmente próximos, mas em combate demonstravam uma bela sinergia. Mesmo assim, o profeta duvidava que o grupo de Leonard pudesse derrotar o Rei Demônio.

— Eu já não entendo mais…

O profeta estava cansado. Ao guiar Leon pela primeira vez, o profeta havia conectado sua consciência à ilusão o máximo possível, buscando maneiras de ajudar.

Mas havia pouco que podiam fazer.

O profeta apenas conseguia transmitir eventos futuros para ganhar a confiança dos heróis.

Além disso, conforme as situações mudavam, o futuro também se alterava, tornando as previsões imperfeitas. A cada vez, o profeta sentia sua impotência, percebendo que era apenas uma sombra.

Muitos dos heróis guiados acabaram por ressentir o profeta.

— Porque acreditei nas suas palavras…

Alguns amaldiçoaram antes de morrer.

Não havia desculpa.

Eles acreditaram que eram os heróis guiados pelo profeta, destinados a derrotar o Rei Demônio.

Dado o histórico, era compreensível que pensassem assim.

Mas a realidade era outra. Após inúmeras tentativas e erros, o profeta aprendeu que apenas aqueles que realmente derrotassem o Rei Demônio poderiam ser chamados de heróis. Nem mesmo o profeta sabia quem seria o verdadeiro herói.

Reiniciar o tempo e recomeçar o mundo [Recompilação do Mundo]. Por volta da décima vez, o profeta começou a passar menos tempo conectando sua consciência à ilusão.

Apenas dez vezes. No entanto, cada [Recompilação do Mundo] levava até dez anos. Repeti-la dez vezes significava que mais de um século havia se passado.

A força mental do profeta era realmente admirável.

Mas não havia ninguém para elogiá-lo. Todos esqueciam de tudo, deixando apenas o profeta para lembrar.

Embora seu corpo físico não se deteriorasse com os reinícios, sua mente se desgastava. Era natural que o tempo que o profeta passava guiando heróis através de ilusões diminuísse gradualmente.

Leonard estava brandindo sua espada, lutando contra um demônio. Parecia ser a estratégia básica do grupo deixar que Leonard enfrentasse demônios em combates um contra um.

— Deixe-me adivinhar as cores dos seus pais! Seu pai é vermelho e sua mãe azul! Por isso você é roxo, certo? Ou talvez seu pai seja azul e sua mãe vermelha. Estou errado?

O demônio, entendendo a fala humana, ficou furioso.

— Não fique tão bravo! Será que seu pai era amarelo ou algo assim? Desculpa por expor a infidelidade da sua mãe!

Leonard lutava enquanto lançava provocações terríveis ao demônio, parecendo se divertir.

Ele estava longe de ser heroico—um homem vulgar e grosseiro. E foi exatamente por isso que o profeta havia escolhido testá-lo.

Houveram muitos indivíduos nobres e poderosos. No entanto, passar tempo com tais pessoas revelava suas falhas. Como Leonard se sairia em comparação?

Sua personalidade parecia terrível. Ainda assim, havia uma força única nele.

Ele usaria qualquer meio para vencer. Não hesitava em fazer sacrifícios e até mesmo em usar seus aliados.

Era uma força nascida do fato de ele não se enxergar como alguém inerentemente bom.

Seu estilo de luta era sujo. Ao enfrentar inimigos fortes, ao invés de mirar em pontos vitais, como o pescoço ou o torso, ele começava atacando áreas relativamente desprotegidas, como dedos e pés. Ele enfraquecia seus oponentes aos poucos, encurralando-os gradualmente.

Na verdade, o demônio que Leonard estava enfrentando já havia perdido vários dedos, e suas canelas estavam cobertas de ferimentos. Era difícil de assistir.

Os companheiros de Leonard estavam segurando os outros monstros.

O trabalho com a lança do guerreiro Ephsei era impressionante.

Enquanto lanças são boas para atacar inimigos à distância, são fracas em combates próximos. No entanto, Ephsei conseguia lançar sua lança com tanta velocidade que parecia ter várias lanças. Graças a sua habilidade excepcional, ele derrotava os monstros sem deixá-los se aproximar. Essa técnica era eficaz contra inimigos mais fracos, e com Leonard lidando com o demônio mais forte, funcionava bem.

A maga Sophia lançava feitiços com eficiência.

Ela parecia considerar cuidadosamente quando e onde usar cada magia para obter o melhor efeito. Usava feitiços explosivos para inimigos aglomerados, feitiços de fogo para queimar árvores e grama quando os inimigos entravam na floresta, e magia de vento para cortar e repelir os inimigos.

Além disso, ela era extremamente cautelosa. Apenas lançava o mínimo necessário de feitiços, tomando cuidado para não gastar demais seu poder mágico. Provavelmente estava se preparando para a possibilidade de uma batalha prolongada.

A sacerdotisa Nina estava diligentemente lançando magias de cura.

Ela orava a Deus, considerando não apenas os ferimentos, mas também os níveis de fadiga. Era graças ao seu apoio que Leonard e Ephsei conseguiam se mover incansavelmente.

Surpreendentemente, ela também conseguia lutar usando seu cajado, derrubando monstros como goblins com um único golpe quando se aproximavam. Talvez por isso, ela avançava destemidamente. Enquanto sacerdotes geralmente ficam na retaguarda, Nina sempre tentava se manter próxima de Leonard e dos outros.

O estilo de luta deles era estável e impecável. Entre os grupos de heróis que vi, eles estariam entre os melhores. No entanto, por volta dos 30 anos, talvez não tivessem muito espaço para crescimento. Isso provavelmente não seria suficiente para alcançar o Rei Demônio.

Percebi que estava decepcionada comigo mesma por me sentir desanimada diante do esforço desesperado deles.

Eventualmente, o demônio soltou um rugido. Parecia incapaz de suportar a morte iminente e inevitável.

Leonard, impassível, pressionou seu ataque. Até mesmo a fúria do inimigo era uma oportunidade para ele.

A espada de Leonard perfurou a armadura do demônio, atravessando seu peito e coração.

A força vital de um demônio é significativamente superior à de um ser humano. Mesmo assim, não há muitos guerreiros que possam atacar tão impiedosamente. Por um breve momento, o rosto de Leonard se transformou em uma máscara distorcida de ódio. Entre os heróis que guiei, ele provavelmente é quem mais odeia os demônios. Não sei a origem desse ódio.

Leonard rapidamente voltou à sua expressão habitual e se dirigiu aos companheiros para ajudar a derrotar os monstros restantes.

Depois que terminaram de eliminar todos os monstros, uma figura inesperada apareceu diante de Leonard e seu grupo.

Era o comerciante Elderiano que eles haviam resgatado do território do Rei Demônio.

— Conforme o planejado — disse Leonard ao comerciante.

— Vocês certamente fizeram uma cena e tanto — o comerciante respondeu, olhando com nojo para os corpos dos monstros.

— Essa é a carga que você levará para Arkand. As carroças estão incluídas. Deve ser o suficiente, certo? Tem cocheiros suficientes?

— Trouxe o número que você pediu.

Homens começaram a descer da carroça do comerciante e assumiram os assentos de cocheiro das carroças de Leonard.

— Está tudo acertado. O chefe da vila de Gastan aprovou a transferência da carga. O lorde de Arkand já sabe que a carga está chegando. Tudo o que resta é você entregá-la. São 300 moedas de ouro pelo trabalho. Conto com você.

Leonard deu um tapinha no ombro do comerciante.

— Leonard, o que exatamente você é…?

Emoções complexas passaram pelo rosto do comerciante.

— Não faça perguntas desnecessárias. Sou um homem que faz qualquer coisa por dinheiro. Vamos deixar por isso mesmo. É a verdade, afinal. O dinheiro é o que manda no mundo. É por isso que você está levando essa carga para Arkand, certo?

Leonard sorriu sarcasticamente. O rosto arredondado do comerciante também se abriu em um sorriso.

— Sim, sou um comerciante, afinal de contas. Com certeza trabalharei pelo que me pagam. Vou garantir que a carga chegue a Arkand sem falhas.

— Estou contando com você.

Os comerciantes reorganizaram o comboio de carroças e partiram em direção a Arkand.

O que foi tudo aquilo?

Leonard e seus companheiros ficaram com a carroça em que os comerciantes haviam chegado e começaram a se dirigir para uma cidade próxima. No entanto, não conseguiram chegar naquela noite e agora estavam acampados.

 

*

 

O profeta apareceu diante de Leonard, que estava de vigia. Ephsei e os outros, exaustos, pareciam dormir profundamente na carroça.

— O que você quer?

Leonard falou baixinho, com os olhos fixos na fogueira. Talvez estivesse sendo cuidadoso, tentando não acordar seus companheiros.

— Por que aquele comerciante apareceu? E por que levou a carga para Arkand?

— Não é importante. Não tem nada a ver com o destino do mundo com o qual você está preocupado.

O rosto de Leonard, iluminado pela fogueira, parecia estranhamente sereno.

— É importante. Diga-me.

— Não vejo benefício em lhe contar isso, mas…

Leonard jogou um pequeno graveto na fogueira. Ele fez um estalo enquanto pegava fogo lentamente.

— Tudo bem, que tal trocarmos segredos?

— Segredos?

— Você me disse há pouco tempo que estava “repetindo”, certo? O que quis dizer com isso?

O profeta considerou o futuro deste mundo. Provavelmente falharia desta vez também. Se fosse o caso, talvez não houvesse necessidade de esconder isso de Leonard.

— Tenho reiniciado o mundo muitas vezes.

O profeta decidiu revelar seu segredo. Era o quanto ele queria entender o homem à sua frente.

— O que isso quer dizer? Não entendo.

Leonard riu baixinho de novo. Não estava zombando do profeta, mas parecia mais uma risada autodepreciativa, como se estivesse rindo da própria ignorância.

— Eu disse que não tinha poder, mas isso foi uma mentira. Tenho um poder. Tenho o poder de refazer o mundo.

— Então, o que significa refazer o mundo?

Leonard franziu a testa.

— …Quando morro, o mundo retrocede no tempo. No momento, seria cerca de seis anos atrás. Então, eu procuro de novo. Por um herói que possa derrotar o Rei Demônio.

— Quando você morre? Então o mundo vai ficar se repetindo para sempre, não vai?

— A morte por causas naturais é aceitável. No entanto, qualquer outra morte leva ao reinício do mundo. E enquanto o Rei Demônio não for derrotado, estou destinado a morrer. Nada mais importa. Não há como parar de refazer o mundo, exceto derrotando o Rei Demônio.

— Então, você realmente não conhece um herói que possa derrotar o Rei Demônio?

— Não conheço o herói. Apenas continuo repetindo até que o Rei Demônio seja derrotado. Uma jornada de cerca de dez anos, uma e outra vez. Já fiz isso dezenas de vezes.

— Isso é verdade? Isso parece um segredo bem importante. Tem certeza de que está tudo bem em trocá-lo pelo meu segredo insignificante?

No momento em que disse isso, Leonard percebeu e torceu o canto da boca.

— …Entendo. Você achou que o candidato a herói desta vez não poderia derrotar o Rei Demônio. Em outras palavras, nós não conseguimos.

— Não, o candidato a herói desta vez era outra pessoa, não você. E ele já está morto. O jovem que você enterrou há pouco tempo. Lembra-se?

Leonard colocou a mão no queixo e pensou por um momento.

— Ah, o cara que foi morto pelo demônio. Desculpe, se tivéssemos chegado um pouco antes, talvez pudéssemos tê-lo salvado…

— Não, provavelmente ele não conseguiria derrotar o Rei Demônio de qualquer forma. Mas foi, de fato, uma morte precoce. Achei que era cedo demais para reiniciar o mundo. Então, eu…

— Entendo, você tinha algum tempo extra, então decidiu me testar. Finalmente entendo por que tentou escolher alguém como eu para ser um herói.

Leonard deu de ombros.

— Vocês eram famosos como aventureiros habilidosos. Então, eu queria ver seu poder. Leonard, você é de fato um aventureiro poderoso. No entanto, o poder do Rei Demônio é imenso. O Santo da Espada Leon e a Santa Maria morreram antes mesmo de chegar ao Rei Demônio. O Grande Sábio Solon lutou contra o Rei Demônio e morreu em profundo desespero. Você não tem tanto poder quanto eles, e também não é jovem. Provavelmente, não pode esperar muito mais crescimento… Me desculpe.

— Está tudo bem.

Leonard pegou um novo galho próximo e o jogou na fogueira.

— Eu já te disse muitas vezes, não disse? Eu não sou um herói. Eu conheço um herói de verdade.

— Quem?

A voz do profeta endureceu. Ele provavelmente queria saber sobre um novo candidato a herói, agarrando-se a qualquer esperança.

— Um guerreiro chamado Luke, que costumava estar na mesma equipe que eu. Ele morreu há quinze anos. Você só consegue voltar seis anos? Não consegue voltar quinze?

— Não consigo. Há quinze anos, eu ainda não tinha o dever de profeta. O retrocesso começa depois que me tornei profeta. …Há quinze anos, foi na Batalha de Malica?

— Sim, Luke, meu herói, morreu lá.

Leonard pegou um galho um pouco maior e o jogou na fogueira de forma brusca, como se mostrasse sua decepção pelo profeta não poder voltar quinze anos.

— Sabe, eu não participei dessa batalha.

— O quê?

— É uma história vergonhosa. Diante do exército do Rei Demônio, fiquei com medo e fugi.

— Mas você sobreviveu à Batalha de Malica…

— É verdade que sobrevivi, certo? Afinal, fui ao campo de batalha. Só fui e voltei sem lutar. Não menti.

Leonard deu de ombros novamente.

— Mas meus companheiros realmente lutaram. E sobreviveram. Eu sou um impostor, mas eles são os verdadeiros. É por isso que os convenci a serem meus companheiros. Implorei a eles. Bem, pode ter soado como uma ameaça para eles.

— Você é bastante forte por si só.

Havia simpatia nas palavras do profeta.

— Obrigado. Mas sabe, força não é sobre habilidade com a espada. É sobre como você vive, acho? A pessoa que eu reconheci como herói era forte, mas também vivia de forma admirável. Tornei-me aventureiro querendo ser assim, mas quando chegou a hora, tive muito medo de morrer e fugi. E inventei um monte de desculpas. É algo além de ridículo.

Com essas palavras, Leonard jogou um galho na fogueira com toda a força.

— Deixe-me ser claro, eu não acho que estava errado. É natural fugir quando se está com medo. É assim que os humanos são. Valorizamos nossas vidas, queremos beber, comer boa comida… é assim que é. E a maioria das coisas, seja a vida ou qualquer outra coisa, pode ser comprada com dinheiro. Então, o dinheiro é a coisa mais correta no mundo. Não é?

— …………

O profeta queria negar, mas não conseguiu encontrar palavras.

Após viajar por mais de cem anos, o profeta não sabia mais o que era certo para os humanos. Um herói que arrisca a vida pelas pessoas é algo belo. Porque tal ato é raro. Porque está fora do comum, torna-se uma aspiração das pessoas, e é ali que elas encontram beleza. Ele entendia isso até certo ponto.

— É problemático quando você fica em silêncio.

Leonard deu um sorriso amargo.

— Então, coloquei isso em prática. Depois de fugir para salvar minha vida, havia menos aventureiros que podiam lutar, e pessoas como eu se tornaram valiosas, então fiz uma fortuna. Fugir foi a decisão certa. Comi boa comida, bebi álcool até me satisfazer, vivi no luxo, e continuei dizendo a mim mesmo: “Esta é a melhor vida!” Mas, as coisas que você pode comprar com dinheiro geralmente se tornam entediantes rapidamente. Seja comida ou álcool, no dia seguinte a memória desaparece, e logo some. Mesmo coisas que permanecem em forma, você se acostuma rapidamente com elas por perto. E então a alegria vai embora. Esse é o limite disso. O que resta é a lembrança daquele tempo. A lembrança de abandonar Luke e fugir.

Leonard desviou os olhos da fogueira para o céu.

— Eu deixei Luke para morrer. Eu matei o herói.

— Isso não é…

O profeta quis dizer algo para aquele homem.

— Eu sei. O resultado seria o mesmo, quer eu estivesse lá ou não. Mas aquele arrependimento de antes continua queimando em meu peito. A menos que eu faça algo a respeito, não consigo seguir em frente. Claro, eu não posso me tornar um herói.

Leonard voltou os olhos para o profeta.

— Falei demais. Você queria saber sobre o comerciante? Bem, dos 400 moedas de ouro de recompensa, cancelei 300 em troca de um trabalho. O trabalho de transportar grãos de Gastan para Arkand. E não é só isso. Há um acordo para transportar mais grãos diretamente de Gastan. Diremos que foi roubado por monstros.

— Por que transportar grãos para Arkand?

— É simples. Em Arkand também, fiz um pedido ao senhor em vez de uma recompensa. “Aceite os refugiados”, eu disse.

— Refugiados?

O profeta se lembrou da visão dos refugiados que viu em Arkand. Naquele momento, Leonard havia tratado os refugiados de forma rude. Ao ver aquilo, o profeta havia desprezado Leonard.

— São pessoas que perderam suas casas na guerra. Pobres coitados, sem dinheiro e sem para onde ir. São vidas baratas que podem ser salvas facilmente com dinheiro. Mas, nestes tempos, ninguém salva nem mesmo essas vidas baratas. Bom, salvá-las também é uma promessa que fiz à Nina.

O Profeta também estava ciente da existência dos refugiados. No início da [Recompilação do Mundo], eram vidas que ele havia jurado “salvar algum dia”. Ele pensava que tudo se resolveria se o Rei Demônio fosse derrotado. Mas ignorou os sentimentos que essas pessoas poderiam ter até que o mundo fosse salvo.

— Arkand não tem o luxo de aceitar refugiados ilimitadamente. Estão no meio de uma guerra, e os preços dos alimentos estão disparando. O senhor exigiu a obtenção de alimentos em troca de aceitá-los. Isso é inevitável. Mesmo que se tenha dinheiro, se não há comida de verdade, não se pode fazer nada. Na verdade, as carroças de Gastan estavam sendo atacadas por monstros. Então, precisávamos de um meio para transportar grãos de Gastan e garantir o próprio grão. As vendas de grãos eram controladas por funcionários, então tivemos que desviar esse fornecimento, o que significava que precisávamos de transportadores confiáveis. Nesse aspecto, comerciantes de confiança entendem essas coisas se você pagar o suficiente. Afinal, eles foram gentis o bastante para até tentar trazer crianças junto com eles.

— Você foi até Gastan para salvar os refugiados? Estava exigindo altas recompensas por eles?

— Não. De forma alguma.

Leonard deu um risinho de desdém.

— Só usei o dinheiro como bem entendi. O dinheiro é precioso. Pode até salvar vidas. Vidas que reis e nobres pomposos não conseguiram salvar. Abandonadas até por Deus. Se você tem dinheiro, até alguém como eu pode salvar essas vidas. Além disso, a vida continua. Não é algo que desaparece amanhã ou depois. Se eu puder pensar “salvei as vidas deles”, isso me faz sentir muito bem. Até o álcool fica melhor. É como um aperitivo para o álcool. Além disso, não estou usando toda a recompensa para eles. Das 400 moedas de ouro prometidas pelo comerciante, estamos usando 100 para nós mesmos. Isso é o suficiente para nos divertirmos. Estamos apenas usando o dinheiro que sobra.

Com 100 moedas de ouro, uma pessoa poderia viver bem por vários anos. Não há mentira nas palavras de Leonard.

— Além disso, havia um motivo separado para ir até Gastan. A obtenção de alimentos era apenas uma tarefa secundária. Temos nosso próprio propósito.

— Qual é?

— Você saberá em breve. Bem em breve.

Leonard se recusou a dizer mais e logo trocou de lugar com Ephsei para dormir na carroça.

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