Roshidere — Volume 3 - Capítulo 6 - Anime Center BR

Roshidere — Volume 3 – Capítulo 6

CAPÍTULO 6

QUENTE POR MAIS DE UMA RAZÃO

Tradução: Misael Farias | Revisão: Kild / Saki

Não foi nada muito dramático, como se minha mãe tivesse abusado de mim ou traído meu pai. Na verdade, olhando para trás, minha mãe sempre foi uma pessoa gentil e de fala mansa. As coisas não eram perfeitas entre ela e meu pai, mas ela era gentil comigo e com Yuki. Ela me elogiava sempre que eu me saía bem em qualquer coisa que estivesse aprendendo fora da escola, e até fazia doces para nós de vez em quando. Qualquer pessoa normal provavelmente pensaria que ela era uma boa mãe. Minha irmã e eu também a adorávamos.

Tudo começou por causa de algo tão pequeno – algo que faria qualquer pessoa comum dizer: “Espere. É só isso?”. Sinceramente, pensando bem, não foi nada demais. Mas um dia… minha mãe de repente parou de me olhar nos olhos. Ela sempre olhava nos meus olhos, dava tapinhas na minha cabeça e me elogiava quando eu era criança. “Bom trabalho. Você deve ter se esforçado muito para fazer isso” e “Uau, isso é incrível”, ela dizia… até que um dia ela começou a evitar o contato visual. Seu sorriso, que antes era doce, tornou-se estranho, e foi então que percebi que ela estava se forçando a agir dessa forma. Pensei que talvez eu não estivesse fazendo o suficiente. Eu tinha que me esforçar mais. Se eu me saísse melhor, certamente ela ficaria genuinamente feliz por mim, do fundo do coração.

“Ei, mamãe. Veja. Meu professor de arranjos florais disse que fiz um trabalho muito bom. Também ganhei minha faixa preta em caratê. Já estudei com esses livros que os alunos do ensino médio usam, e sei que você gosta de piano, então eu…”

“Pare! Apenas pare!”

Aquele olhar em seus olhos. Não era isso que eu queria ver. Tudo o que eu queria era para…

 

*****

 

“Mmm…”

Masachika gemeu, sentindo-se anormalmente quente por toda parte.

“Oh…”

Ele se remexeu na cama e, apenas, aquele leve movimento fez todo o seu corpo e cabeça doerem. Ele estava infeliz. Ele teve um mau pressentimento na noite passada e, afinal, seu instinto estava certo. Ele estava resfriado. Uma dor de garganta era o menor de seus problemas, porque ele se sentia como um saco de batatas. Definitivamente, ele estava com febre. Foi quando o despertador ao lado da cama começou a tocar, então ele o desligou, deixando cair o braço pesado sobre ele. Ele pegou o telefone, que também estava ali, e rolou para o lado direito. Uma dor aguda atravessou seu braço e ombro, mas ainda era muito melhor do que ter que levantar o braço.

“Isso não vai funcionar…”

Depois de ligar o celular, ele decidiu ligar para a escola para avisar que faltaria hoje, mas não sabia o número do telefone da escola. Ele achava que o havia anotado em algum lugar, mas não conseguia se lembrar onde.

‘Acho que vou procurá-lo na Internet’, pensou ele, mas até mesmo isso se tornou irritante demais para lidar naquele momento.

“Takeshi… Não, Hikaru.”

Ele pensou em qual de seus amigos poderia pedir para transmitir a mensagem ao professor da sala de aula e decidiu que, por algum motivo, poderia confiar mais em Hikaru. Ele imaginou Takeshi gritando: “Que diabos, cara?!” Mas ele não se importava. Ele não tinha energia suficiente para se importar.

“Alô? Masachika?”

“Oi… Desculpe pela ligação aleatória. Peguei um resfriado.”

“O quê? Você está bem?”

“Eu vou ficar bem, mas não vou poder ir à escola hoje. Você acha que poderia avisar nosso professor da sala de aula por mim?”

“Claro, sem problemas. Que tal eu passar na sua casa depois da escola? Você é o único que está em casa hoje em dia. Certo?”

“Não se preocupe com isso. Já tenho outra pessoa que pode passar aqui para me ver.”

“Se você diz isso. Cuide-se e descanse bem.”

“Obrigado.”

Depois de desligar, ele usou a pouca energia que lhe restava para enviar uma mensagem para Yuki.

> Desculpe. Peguei um resfriado. Acha que poderia pedir à Ayano para me dar um remédio? <

Logo depois de enviar a segunda mensagem, ele deixou cair o telefone com dificuldade antes de rolar para trás e suspirou. Ele se mataria por um copo de água, no mínimo, mas até mesmo sair da cama era muito trabalhoso. Felizmente, porém, ele ainda se sentia cansado, então decidiu voltar a dormir.

‘Parece que eu estava tendo um sonho terrível antes de acordar um segundo atrás.’

Talvez tivesse algo a ver com o fato de ter encontrado sua mãe no dia anterior pela primeira vez em uma eternidade. Ele se sentiu como se tivesse tido um sonho antigo e recorrente que decidiu reprimir.

‘Agora que penso nisso, tenho me lembrado de muitas coisas antigas ultimamente.’

As lembranças de quando ele era o Masachika Suou eram algo que ele queria selar e esquecer para sempre. Lembrar-se de todas as coisas ruins e da tristeza que ele sofreu dilacerou seu coração.

‘Talvez seja porque estou tentando não me lembrar de nada disso.’

Ele tentou nunca pensar nos detalhes do que aconteceu no passado. Na verdade, ele se detinha sempre que quase o fazia. Mas a verdade é que nem todas as lembranças eram ruins. Pelo menos, era nisso que ele acreditava. Mas se ele tentasse se lembrar das coisas boas, sua mente o lembraria de quando ele se despediu de sua mãe e do que aconteceu com aquela menina naquele dia. Era por isso que ele tinha que guardar todas as lembranças nos recônditos mais escuros de seu coração. Eventualmente, o passado = ruim em sua mente, e essa crença só se fortalecia cada vez que ele tentava desviar o olhar dele.

‘Dizem que a raiva e o ódio desaparecem lentamente com o tempo, mas não desaparecem completamente.’

Na verdade, ele ainda sentia uma profunda tristeza e dor do passado, apesar de suas memórias estarem se dissipando lentamente. No entanto, ele não sabia mais de onde vinham a dor e a tristeza. Mesmo agora, sempre que tentava se lembrar do passado, seu cérebro não o deixava. O medo de enfrentar o que quer que tenha acontecido com ele o impedia de colocar a mão na tampa que selava suas memórias.

‘Aaa… Tanto faz.’

Até mesmo o uso de seu cérebro se tornou cansativo, então ele se forçou a parar de pensar. Não havia motivo para fazer algo que o deixaria mais deprimido, especialmente quando já estava doente. Ele simplesmente encontrou sua mãe por acaso no dia anterior. Ele não planejava encontrá-la nem agora nem nunca. Não valia a pena relembrar o passado, pois as lembranças de Masachika Suou não tinham utilidade para Masachika Kuze. Foi isso que ele disse a si mesmo ao adormecer.

 

*****

 

Ding-dong.

“Mmm…”

Masachika acordou com o som da campainha da porta tocando. Embora sua mente estivesse confusa, ele imaginou que fosse Yuki ou Ayano na porta, mas então ele percebeu que Yuki tinha uma chave da casa. Ela e Ayano não precisariam tocar a campainha. Além disso, se ele não estava ouvindo coisas, talvez aquela não fosse a campainha de sua casa. Parecia mais a campainha da entrada do prédio de apartamentos. Mesmo que Yuki tivesse tocado a campainha para avisá-lo que estava aqui, por que ela estaria tentando fazer com que ele a chamasse na entrada?

“Eu pedi alguma coisa?”

Ele tentou rolar seu corpo preguiçoso para fora da cama, mas esgotou toda a energia que tinha no momento em que rolou para o lado. A ideia de fingir que não estava em casa passou por sua cabeça, mas a campainha imediatamente tocou mais uma vez.

“Sim, sim… estou indo…”

Masachika se animou e conseguiu deslizar para fora da cama, achando que deveria se levantar e caminhar pelo menos uma vez naquele dia. No entanto, cada passo era como uma pancada na cabeça, fazendo com que ele fizesse uma careta enquanto se dirigia ao interfone. Mas quando viu quem estava na tela, acreditou sinceramente que estava vendo coisas.

‘Hã?!’

Mas não havia como confundir aquele cabelo prateado, aqueles olhos azuis e aquela beleza de outro mundo. Alisa, vestida casualmente, estava parada na entrada do complexo de apartamentos.

‘Hã? Por que ela está aqui?’

Masachika não se lembrava de ter dito a ela seu endereço. É claro que ele também nunca a havia convidado para ir à sua casa. Perguntas passavam por sua mente, mas ele tinha apenas alguns segundos para chamá-la antes de ficar sem tempo, então apertou o botão de atendimento.

“Alya?”

“Ah, Kuze? Você está bem?”

“Huh? Espere… Yuki lhe contou o que aconteceu?”

“Ela me disse que você estava com febre e não conseguia sair da cama, então ela me perguntou se eu poderia lhe trazer algum remédio…”

“Ah, tudo bem… Deixe-me recebê-la.”

“Ok… Obrigada.”

Ele pressionou o botão de desbloqueio e observou até que Alisa entrou em segurança no complexo de apartamentos. Depois de voltar para o quarto, ele pegou o smartphone na cama, ligou-o e viu uma mensagem de Yuki aparecer na tela… Ele imediatamente jogou o telefone de volta na cama.

> Ei, qual é o problema? Uma donzela de cabelos prateados está prestes a  cuidar de sua saúde. De nada. <

A mensagem foi acompanhada por um emoji sorridente.

“Você poderia pelo menos ter me contado antes de ela chegar aqui… Gaaah!”, gritou Masachika debilmente, descarregando suas frustrações em Yuki enquanto se jogava de bruços na cama. Embora, honestamente, ele quisesse ficar assim pelo resto do dia, sentiu que precisava pelo menos lavar as mãos antes que Alisa entrasse, então reuniu todas as forças que tinha e foi para o banheiro. Depois de se aliviar, ele tinha acabado de começar a lavar as mãos quando a campainha tocou, então ele se agarrou à parede e arrastou os pés até a porta da frente. Ele estava de pijama e a cama estava tão bagunçada que não era uma surpresa que algum pássaro tivesse feito um ninho nela ainda, mas ele já não se importava mais com isso. É o que é, pensou ele.

“Estou indo…”

Ele enfiou os pés em seus chinelos e estava tentando alcançar a maçaneta da porta quando percebeu que provavelmente deveria usar uma máscara.

‘Espere… Onde eu coloquei minha máscara?’

No entanto, sua hesitação passou rapidamente porque ele não podia fazer Alisa esperar mais, então destrancou a porta antes de abri-la modestamente.

“Alya? Obrigado por tirar um tempo do seu dia para fazer isso por mim…”

Ele espiou pela fresta da porta, usando-a como escudo, mas até mesmo segurar a porta levemente aberta assim parecia um trabalho pesado para ele. No entanto, ele tinha que aguentar por causa dela. Os olhos de Alisa, no entanto, se arregalaram no que parecia ser surpresa, o que pode ter sido culpa de Masachika por ter mostrado seu rosto.

“Sem problemas, mas você parece pior do que eu esperava.”

“Aposto que você estava pensando: ‘Até um idiota pode pegar um resfriado, não é?”

“De jeito nenhum.”

Alisa suspirou levemente porque ele ainda estava fazendo piadas, mesmo em um momento como esse. Ela então fez um gesto para a bolsa em suas mãos.

“Posso entrar um pouco?”

“Ah, não precisa. Eu só vou tomar o remédio e…”

“Yuki me pediu para ficar com você por um tempo e cuidar de você.”, admitiu Alisa, quase relutante, enquanto fazia beicinho.

‘Minha querida, querida irmã… Não me importo que você tenha o cérebro de uma otaku, mas gostaria que você deixasse outras pessoas fora de seus esquemas…’

Masachika instintivamente começou a reclamar com Yuki em sua mente.

「Desculpe. Isso foi uma mentira.」

‘Oh. Desculpas, Yuki. Parece que você não é mais a incriminada.’

Alisa olhou para ele, mexendo com as mãos enquanto ele se desculpava interiormente com a irmã. Yuki foi usada como bode expiatório para que Alisa pudesse esconder seu constrangimento.

“Mas, na verdade, eu devo estar bem. Tudo o que preciso é tomar um remédio e dormir um pouco.”

“Você ainda precisa comer alguma coisa, certo? Está me dizendo que está se sentindo bem o suficiente para cozinhar para si mesmo?”

“Ah, claro… Mas não quero que você pegue meu resfriado.”

“Não se preocupe. Eu trouxe uma máscara.”

Ela tirou uma máscara da bolsa e a colocou, mas Masachika teve sentimentos contraditórios sobre o quão bem preparada ela estava. Ela era perfeita, mesmo em um momento como esse.

‘Quero dizer, ela está certa. Ela está fazendo a coisa certa, mas…’

Que sentimento de decepção era esse? Era como se seu corpo tivesse se tornado um patógeno imundo, e sua fantasia emocionante de ser mimado por uma enfermeira sexy tivesse se transformado em algo mais inocente e médico.

‘Eu era um tolo por acreditar que a garota mais bonita da classe irá me mimar!’

Masachika ficou olhando para o espaço, mais uma vez percebendo que as fantasias nascidas de mundos 2D não eram nada parecidas com a realidade.

“Além disso, eu trouxe muita coisa comigo e prefiro não ter que carregar tudo de volta.”, argumentou Alisa, levantando a sacola cheia de vários itens.

Parecia que ela havia trazido comida, além de remédios. Dizer a ela para ir para casa depois de carregar tudo isso aqui em um dia quente seria um pecado, independentemente de Masachika ter pedido ou não.

“Tudo bem… acho que preciso de uma ajudinha, se você não se importar…”

Ele desistiu e a recebeu dentro de casa, já que estava física e mentalmente em seu ponto de ruptura.

“Obrigado.”

Mas assim que Alisa entrou e a porta se fechou, Masachika de repente não conseguiu mais relaxar. O chilrear das cigarras do lado de fora diminuiu até que o interior de sua casa se afogou em um silêncio palpável. O fato de que ele estava sozinho em casa com uma garota estava realmente afundando, e até mesmo algo tão inocente como trancar a porta começou a parecer errado.

“Kuze.”

“S-sim?”

“Aqui, coloque uma máscara.”

“Oh… Certo…”

Apesar de estar um pouco nervoso, a expressão dele ficou muito séria no momento em que ela lhe entregou a máscara. Parecia que ela estava dizendo: “Coloque uma máscara, sua escória imunda”. É claro que Alisa nunca pensaria algo assim. De qualquer forma, ele ainda achava que as máscaras eram inimigas das cenas de comédia romântica.

‘Você não pode beijar se estiver usando uma máscara… Agora que penso nisso, ter metade do rosto coberto basicamente mata qualquer chance de um jogo ou filme ser uma comédia romântica… Espere. Ultimamente, tem havido algumas heroínas que têm seus rostos inteiros escondidos atrás de máscaras. Mas, mesmo assim, essas heroínas são bonitas porque os animes e os quadrinhos podem usar efeitos e outras coisas para torná-las expressivas, mesmo quando não se pode ver seus rostos, mas seria aterrorizante ver uma máscara expressiva na vida real. De qualquer forma, se você for cobrir seu rosto, eu definitivamente prefiro uma venda sobre os olhos do que uma máscara sobre a boca. Se Alisa estivesse realmente vendada, eu pareceria e me sentiria como um criminoso, e nem quero falar sobre as fanfics que seriam escritas sobre ela, e no que estou pensando?’

A imaginação nerd de Masachika correu solta enquanto ele colocava a máscara, ficando um pouco atordoado e balançando levemente.

“Kuze? Você está bem?”, ela perguntou com uma expressão preocupada.

“Agora eu entendo… Você tem uma sensação de prazer proibido porque parece ruim. É a emoção de fazer algo errado. Acho que isso é outra coisa que torna as heroínas vendadas melhores.”

“Você definitivamente não está bem.”

“Eu concordo…”

Sentindo-se constrangido com o olhar de piedade dela, Masachika decidiu que era melhor levar Alisa para a sala de estar antes que ele dissesse algo pior.

“Esta é a pia e este é o banheiro. E isso… não entre aí. Aquele cômodo ali é o meu quarto… E esta é a sala de estar. Coloque suas coisas onde quiser. Ah, e há água e chá de cevada na geladeira, se estiver com sede. Pegue uma xícara e sirva-se. Alguma pergunta?”

“Eu o avisarei se tiver alguma. De qualquer forma, você realmente deveria se deitar e descansar um pouco.”

“Sim, acho que vou aceitar sua oferta…”

Ele concordou rapidamente, pois ficar de pé já era difícil o suficiente para ele, e voltou para o quarto. Depois de cair na cama, ele tentou tirar o smartphone do caminho e de repente ele começou a vibrar. Outra mensagem de texto de Yuki apareceu na tela.

> Pare de imaginar Alya com uma venda nos olhos. <

“Mas que diabos? Ela é vidente?”, murmurou Masachika, perguntando-se como o timing dela poderia ter sido tão perfeito, a menos que ela realmente conseguisse ler mentes. De repente, seu telefone vibrou mais uma vez.

> Isso não é leitura de mente. É apenas amor. <

“Como você diz uma coisa dessas sem morrer de vergonha?”

> Como reclamar de uma mensagem como essa sem morrer de vergonha? <

“Sua pequena… Não é possível que não esteja lendo minha mente! Maldita esper!”, gritou Masachika, forçando a garganta e imediatamente tossindo.

> Sua garganta deve estar doendo. Não grite muito, ok?<

“…”

> A propósito, somente um nerd usaria a palavra esper[1]. A maioria das pessoas provavelmente nem sabe o que é isso.<

Masachika jogou o celular de forma um tanto grosseira na cabeceira da cama, sem vontade de discutir com um objeto inanimado, e fingiu não ver uma mensagem que apareceu de repente dizendo: Ai! Ela era boa demais em saber o que o irmão mais velho estava pensando, e eles nem eram gêmeos.

‘Preciso verificar se há câmeras escondidas e escutas no meu quarto mais tarde…’

Ele se virou de costas com essa decisão em mente.

“Kuze? Posso entrar?”

“Hm… Claro”, respondeu ele depois de dar uma olhada geral em seu quarto e verificar se havia algo embaraçoso por ali.

‘Eu devo estar bem. Não guardo revistas sujas debaixo da cama, como fazem nos quadrinhos para meninos, e não tenho nenhum porta-retratos sugestivamente virado para baixo, como fazem nos quadrinhos para meninas.’

Se alguém vasculhasse seu armário, talvez encontrasse algo que sugerisse que ele fazia parte da família Suou, mas não havia nada disso à vista de todos, já que o próprio Masachika obviamente não queria ser lembrado disso.

“Ok. Estou entrando.”

Alisa estava segurando uma garrafa de água desconhecida quando entrou hesitantemente na sala, e a estendeu para ele depois de ter dificuldade em encontrar um lugar para colocá-la.

“Aqui está. Trouxe um chá com mel, se você quiser.”

“Ah, obrigado. Desculpe, mas você acha que poderia puxar aquela coisa com uma maçaneta na minha mesa? Parece uma prateleira. Ela se transforma em uma mesa de apoio…”

Ela retirou a prateleira com rodinhas da escrivaninha e, em seguida, rolou a mesa lateral ao lado da cama antes de colocar a garrafa de água sobre ela.

“Então, uh… Você quer comer alguma coisa? Se estiver se sentindo bem o suficiente para comer, é claro.”

“Sim, claro. A propósito, não precisa ficar tão nervosa.”

“Não estou nervosa… Só estou me sentindo um pouco inquieta.”, disse ela, com os olhos marejados.

「E tem cheiro de adolescente aqui também…」, acrescentou ela em um sussurro.

‘Isso não é algo que você deva sussurrar! E também não fique com vergonha depois de dizer isso!’

Alisa começou a brincar ansiosamente com o cabelo enquanto olhava para Masachika, fazendo com que ele se sentisse desconfortável enquanto a interação deles se transformava em uma comédia romântica.

“Então, uh… O que você prefere? Mingau ou borscht?”, ela perguntou timidamente.

“Ninguém nunca me perguntou isso antes.”, brincou Masachika com uma cara séria

Masachika brincou com uma cara séria, surpreso com as opções bizarras e aparentemente incompatíveis. Alisa fez um pouco de beicinho e divagou:

“Borscht é muito bom para você, sabia? Você ferve os legumes até ficarem bem macios, então é muito fácil de comer, mesmo se você estiver doente. Além disso, tem alho e cebola, que podem estimular seu sistema imunológico. E a beterraba é ótima para o sistema digestivo, então…”

“Tudo bem, tudo bem. Já entendi. Você está começando a soar como uma velhinha do interior.”

“…”

Embora isso fosse uma coisa muito rude para se dizer a uma jovem da idade dela, Alisa ficou em silêncio como se estivesse sem palavras. Talvez ela realmente tenha aprendido tudo isso com sua avó na Rússia.

“Então? Qual vai ser?”

“Bem, não é sempre que me oferecem borscht, então vamos escolher esse…”

“Ok. Deve ficar pronto em quatro horas, então…”

“Você está me pedindo para esperar quatro horas? Quatro horas inteiras?”, exclamou ele depois de ouvir o que ele pensou ser uma piada, mas ela franziu a testa como se estivesse falando sério.

“Quero dizer, são necessários muitos ingredientes para fazer o borscht… Eu poderia fazê-lo mais rápido se usasse uma panela de pressão, mas isso é um sacrilégio.”

“Sim, eu nem saberia a diferença. De qualquer forma, se for esse o caso, estou bem com o mingau normal. Ah, desculpe. Quero dizer, desde que você não se importe em prepará-lo, porque me sinto muito culpado por pedir que você cozinhe para mim…”

Até mesmo falar começou a doer, sua voz enfraqueceu gradualmente antes que ele caísse letárgicamente de volta na cama.

“Tudo bem. Vou usar a sua cozinha para fazer um mingau para você, está bem?”

“Obrigado…”, murmurou ele sem vida, vendo Alisa abrir a porta do quarto, pegar o celular e digitar alguma coisa. Ele acompanhou o movimento dos dedos dela e estreitou os olhos, puxando os lábios para trás.

“Ela está legalmente procurando como fazer sopa…”, disse Masachika, sem entusiasmo, depois que Alisa saiu.

‘Tudo o que você faz é cozinhar o arroz em água ou caldo de sopa e depois adicionar um pouco de sal, certo? Com certeza não há como fazer besteira.’

Pelo menos, foi o que Masachika pensou.

“Ohhh… Você tempera com sal, não com açúcar? Acho que isso faz sentido. Afinal, isso não é kasha[2].”, pensou Alisa consigo mesma.

Ok, ela definitivamente poderia estragar tudo. E muito. Kasha é uma das versões russas de mingau, em que se usa farinha de aveia ou trigo sarraceno em vez de arroz, leite em vez de caldo de sopa e açúcar em vez de sal. Portanto, Alisa fez a escolha certa ao pesquisar como fazer o mingau japonês. Um erro poderia ter levado a uma conversa realmente bizarra.

“Blech! Você usou açúcar em vez de sal!”

“Sim. É claro que usei. E daí?”

“E daí?”

“Hã?”

“Hmm… Então, se eu usar um desses pacotes de arroz para micro-ondas… posso simplesmente jogá-lo na panela? …Espere. Provavelmente eu deveria colocá-lo no micro-ondas primeiro.”

Com um smartphone em uma das mãos, Alisa colocou um dos pacotes de arroz que comprou no micro-ondas.

“‘Com bastante água’? Quantos litros são ‘bastante’?”, ela murmurou irritada com as instruções vagas, consultando algumas receitas diferentes e enchendo a panela com água.

“Ah, o arroz está pronto… Ai, ai, ai! Isso está quente! Ai, ai, ai!”

Ela não só se assustou com o quão quente estava o pacote de arroz, mas no instante em que retirou a tampa, foi atingida por uma rajada de vapor quente, assustando-a mais uma vez. Ela conseguiu trazer o pacote de arroz para a panela segurando pelas bordas, mas estava tão agitada para se livrar da comida quente que o inclinou demais para o lado, fazendo com que o pacote inteiro de arroz caísse na panela como se fosse uma bola de arroz gigante, espirrando água no ar. E como ela segurou o pacote bem na sua frente, um pouco de água espirrou em seu estômago também.

“…”

Gotas de água se espalharam pela cozinha, e suas roupas estavam molhadas o suficiente para que ela tivesse dificuldade em afastar qualquer suspeita se Masachika perguntasse o que havia acontecido. Ela olhou para si mesma, congelada no lugar… até que finalmente levantou a cabeça devagar e enxugou as roupas e a cozinha com um lenço.

“Eu estou bem. Só preciso colocar um avental e o problema estará resolvido.”

Alisa tirou um avental da bolsa, vestiu-o rapidamente e começou a cozinhar mais uma vez como se nada tivesse acontecido. “Como isso resolveu alguma coisa?”, alguém poderia se perguntar, mas talvez ela estivesse se referindo a salvar sua dignidade, porque Masachika não seria capaz de dizer que ela havia derramado água em si mesma agora.

“Quanta água eu perdi com isso?”

Mais uma vez, ela se viu preocupada com a quantidade de água na panela. Somente depois de adicionar o que parecia ser uma quantidade adequada de volta, ela ligou o fogão.

“…”

Ela colocou a tampa na panela, esperando que cozinhasse. Esperando. Esperando.

“…Isso é realmente tudo o que eu tinha que fazer? Sinto que estou esquecendo alguma coisa…”

Alisa começou a ficar um pouco ansiosa por não ter nada a fazer a não ser esperar, então decidiu tirar a tampa e mexer a panela novamente sem nenhum motivo específico, depois começou a repassar a receita mais uma vez para ter certeza de que não havia esquecido nada.

“‘Até engrossar’? Engrossar quanto? Eles poderiam pelo menos ter sido mais específicos, como: ‘Até que não reste nenhum líquido’.”

Ela continuou a murmurar para si mesma até terminar de cozinhar o mingau.

“Parece que está bom… eu acho?”

Depois de despejar o mingau em uma tigela, ela o cobriu com cebolas longas (que levaram cinco minutos para serem cortadas em cubos), depois pegou uma colher e o saleiro para que Masachika pudesse deixá-lo tão salgado quanto quisesse.

‘Por que há um amassado aqui?’

Mas quando chegou em frente ao quarto dele, ela se perguntou por que havia um pequeno amassado embaixo da maçaneta da porta antes de entrar.

“Kuze, eu lhe trouxe um pouco de mingau.”

“Oh… Obrigado.”

Masachika estava deitado sobre a cama, com a voz um pouco rouca e os olhos um pouco turvos. Ele estava mostrando a Alisa seu lado mais fraco de forma incomum. E por causa disso…

‘Quero esfregar sua cabeça até ele dormir…’

Seus instintos maternais entraram em ação, mas ela imediatamente destruiu essa ideia, esmagando-a em um milhão de pedaços antes que eles se dispersassem nas profundezas escuras de sua mente. Durante esse tempo, Masachika levantou lentamente a mão direita e fez um sinal de positivo para ela.

“Um avental, não é? Legal.”

“Parece que você já está se sentindo melhor.”, gritou Alisa com nojo, agradecida por sua máscara estar cobrindo seus lábios e bochechas enquanto caminhava até a cabeceira da cama dele… Mal sabia ela que suas orelhas, que não estavam escondidas atrás de uma máscara, também estavam completamente vermelhas. Masachika obviamente notou.

“Você está bem o suficiente para comer?”

“Sim… acho que sim.”

Ele embaralhou o corpo até conseguir se sentar e pendurar as pernas na lateral da cama. Depois de tirar cansativamente a máscara do rosto, ele pegou a colher ao lado do mingau.

“Você não vai soprar no meu mingau para esfria-lo para mim?”

“Você quer que eu faça isso?”

“Eu estava brincando.”, disse Masachika sem jeito antes de agradecer mais uma vez e dar uma mordida em sua refeição.

“Está bom.”, ele murmurou baixinho para Alisa, que estava sentada em sua cadeira, observando-o.

Ela realmente não sabia o que tornava o mingau de arroz bom ou ruim, ou se existia algo como um bom mingau. No entanto, ficou feliz por ele não ter dito que o gosto era horrível. Ela continuou a observá-lo comer nos minutos seguintes, até que percebeu como deve ser desconfortável ser encarada enquanto come. Ela desviou o olhar e o foco para o quarto dele.

“…”

A primeira coisa que ela notou foi como o quarto dele estava (surpreendentemente) limpo. Ele não tinha muitas coisas, para ser mais preciso. Apesar de sempre afirmar ser um nerd, ele não tinha uma estante enorme cheia de quadrinhos e romances leves , nem tinha action figures de anime em sua mesa. Na verdade, não havia quase nada disso à vista, exceto por alguns quadrinhos empilhados em sua mesa de estudo.

“Todas as minhas coisas nerds estão em outro quarto.”, interveio Masachika, como se soubesse exatamente o que ela estava pensando.

“O-oh.”

Alisa olhou desajeitadamente para frente e prontamente tentou mudar de assunto.

“Então… Onde estão seus pais?”

Essa era uma pergunta que estava em sua mente há algum tempo.

“Meu pai está no trabalho e eu não tenho mãe.”

“Hã?”

“Oh, não é como se fosse um segredo ou algo assim, mas somos apenas eu e meu pai aqui.”, ele acrescentou casualmente.

“Oh… eu não fazia ideia…”

Ela parecia estar um pouco abalada, mas Masachika continuou a falar lentamente, como se não fosse nada demais.

“Não é que ela tenha morrido. Meus pais são divorciados, assim como muitas pessoas hoje em dia.”

“Sim…”

Apesar de provavelmente estar se sentindo péssimo por causa da febre, ele ainda falava da mãe como se ela fosse um pé no saco, e isso deixou Alisa um pouco triste. Só agora ela havia percebido por que o avô dele tinha ido à reunião de pais e mestres no dia anterior, e ficou desapontada consigo mesma porque acreditava que era mais esperta do que isso. E, ao mesmo tempo, ficou chocada porque, de repente, percebeu que não conhecia Masachika tão bem, afinal de contas.

‘Eu não sabia quando era o aniversário dele até o outro dia, agora que penso nisso…’

Ela não sabia a data do aniversário dele, mesmo depois de estar sentada ao lado dele por mais de um ano, e nunca havia pensado na situação da família dele até que ele falou sobre isso. Chegar a essa dura realidade só fez com que Alisa ficasse mais decepcionada consigo mesma. E como não era segredo, seria seguro presumir que suas amigas de infância Yuki e Ayano já sabiam. Só a ideia de elas comemorarem o aniversário dele naquela casa solitária enquanto ela ficava no escuro a enchia de frustração, mas talvez ela nunca tivesse sabido da situação familiar de Masachika se Yuki não tivesse pedido a ela para ver como ele estava. Então, talvez ela devesse ser grata a Yuki por mais que não quisesse.

‘Quando Kuze melhorar, vou começar a conversar mais com ele para conhecê-lo melhor.’

No momento em que ela secretamente tomou essa decisão, Masachika terminou seu mingau.

“A propósito, a Masha fez aquele chá, por isso vou transmitir sua gratidão.”

“Obrigado.”

“Agora vamos ao seu remédio. Ah, espere. Talvez você deva se trocar primeiro?”, ela sugeriu depois de notar como o pijama dele estava suado e bagunçado.

“Vamos lá, Alya. Que tipo de fan-service seria esse se não fosse você quem estivesse me despindo e limpando o suor do meu corpo?”, brincou Masachika.

“Pare de brincar e vá se trocar. Vou pegar um copo de água e seu remédio.”

“Sim, senhora.”

“Você precisa de uma toalha e um pouco de água quente?”

“Não, vou usar este pijama para limpar o suor.”

“Ok… Ah, a propósito, onde você guarda o termômetro?”

“É…”

Depois de saber onde eles guardavam o termômetro, Alisa levou a tigela e a colher vazias para a pia da cozinha, onde as lavou, mas quando ia colocá-las na prateleira para secar…

“Ah…”

Ela encontrou a caneca que lhe deu de aniversário.

‘Ele está realmente usando…’

Isso aqueceu seu coração. Sua mão naturalmente agarrou a caneca enquanto ela sorria timidamente de orelha a orelha. Dez segundos inteiros se passaram até que, de repente, ela voltou a si e colocou a xícara de volta no lugar rapidamente. Seus olhos se voltaram para a esquerda e depois para a direita, confirmando que ninguém a tinha visto. Depois de limpar a garganta sem motivo aparente e se acalmar, ela encheu um copo de água e pegou o remédio junto com alguns outros itens antes de voltar para o quarto dele.

“Posso entrar?”

“Entre.”

Quando ela entrou no quarto, Masachika já havia trocado de pijama e estava esperando por ela, sentado na beira da cama. O pijama recém-tirado que ele estava usando não estava à vista, mas talvez ele o tenha escondido com medo de que ela visse uma monstruosidade tão embaraçosa.

“Aqui, este é o seu remédio, e este é um daqueles adesivos refrescantes que você coloca na testa… E aqui está o seu termômetro.”

“Obrigado.”

Masachika colocou o termômetro sob a axila e, em seguida, tomou o remédio com um copo de água. Depois de alguns segundos, o termômetro emitiu um bipe, então ele estendeu a mão para tirá-lo… e um sorriso malicioso de repente curvou seus lábios.

“Quer tentar adivinhar minha temperatura?”

“Apenas me mostre o termômetro.”

“Mmm… Tudo bem. Vou tentar adivinhar! Vamos tentar… 38,4 graus Celsius!”

“…”

“Ugh! Eu estava tão perto! Parece que estou com 38,6 graus de febre. Cof Cof!”

“Pare de brincar e durma um pouco.”

“Cof! Ngh… Tudo bem.”

Depois que Alisa penteou a franja dele para trás, ela colocou uma folha de gel refrescante na testa dele e ele caiu na cama com um baque. Ele se contorceu um pouco para ficar confortável, colocou a máscara de volta no nariz e relaxou todos os músculos do corpo.

“Agradeço muito por tudo o que está fazendo por mim hoje. É sério. Eu lhe pagarei de volta quando melhorar. Apenas deixe os recibos em minha mesa.”

“Não se preocupe com isso.”

“Não, eu preciso lhe pagar. Por favor.”

“Está bem, está bem. O que você quiser.”

“Obrigado. Agora… eu deveria dormir um pouco. Você pode ir para casa agora. A chave deve estar…”

“Não precisa se preocupar comigo. Estarei na sala de estar estudando.”

“O quê? Você não precisa mais ficar aqui. Você…”

“Você está doente. Pare de se preocupar comigo e durma um pouco.”

“Ok…”

Ela apagou as luzes e Masachika fechou os olhos em sinal de resignação, mas depois de alguns instantes, ele ouviu o que pareciam ser os passos de Alisa voltando para seu quarto.

‘Ela provavelmente voltou para pegar a xícara e o termômetro…’

Ou pelo menos foi o que ele pensou, até o momento em que ouviu o rangido de uma cadeira nas proximidades, contrariando suas expectativas, e foi seguido por uma mão batendo suavemente em seu peito de forma rítmica, como uma mãe tentando acalmar seu filho para dormir.

“Alya?”

“O quê?”

“Isso é meio constrangedor”, era o que ele queria dizer depois de abrir os olhos instintivamente, mas segurou a língua no momento em que viu o olhar penetrante dela.

“Obrigado… por tanta coisa. Isso é tudo.”

“É o mínimo que posso fazer… Afinal, você está sempre me ajudando…”

“Não tanto quanto você me ajuda.”

Ele fechou os olhos mais uma vez depois de acrescentar: “Como quando eu esqueço meus livros didáticos”, e instantaneamente sentiu a terra dos sonhos puxando-o rapidamente para outro mundo, talvez graças à mão de Alisa batendo gentilmente em seu peito.

[1] é um indivíduo capaz de realizar telepatia e outras habilidades paranormais. O termo foi aplicado por Alfred Bester em seu conto de 1950, “Oddy and Id”, e é derivado da abreviação de ESP de Extrasensory Perception, percepção extrassensorial.

[2] é um prato de cereais cozidos, muito popular na Rússia e países vizinhos. Os cereais, que podem ser simples, como arroz ou painço, ou preparados como semolina ou flocos de aveia, são fervidos em leite, por vezes misturado com água; a quantidade de líquido determina, em parte, a consistência da kasha.

Aqui não seria melhor trocar por light novels?

“Isso não é nada comparado ao quanto você me ajudou com a eleição… E essa não foi a única vez que você me apoiou. Você…”

“Você não precisa me agradecer… Eu só faço essas coisas… porque eu quero.”, ele sussurrou, quase completamente fora de si. Esse foi o fim da conversa. Era hora de dormir, acreditava Masachika, mas Alisa ainda estava falando alguma coisa, para sua surpresa.

“Porque você quer? O que isso quer dizer?”

“Hmm? O que?”

“Por que você sempre me ajuda?”

“Isso é porque… eu…”

“Kuze?”

Alisa estava lhe fazendo uma pergunta que ele sabia que tinha de responder, mas não conseguia superar o homem de areia que o arrastava para baixo, então ele soltou sua consciência. Mas quando estava prestes a desmaiar, ele ouviu essas palavras:

“Boa noite… Kuze.”

 

*****

 

“Nngh…”

Quando Masachika finalmente acordou, estava escuro como breu lá fora.

“Ah…”

Ele já se sentia muito melhor, talvez graças ao medicamento. Embora seus sentidos ainda estivessem um pouco embotados e sua mente nebulosa, talvez tenha sido porque ele dormiu demais. Quando ele olhou para o relógio, já passava das oito, o que significava que ele estava na terra dos sonhos há mais de cinco horas. Ficou claro para ele que havia dormido demais depois de somar as horas que já havia dormido naquela manhã.

‘Alya já deve ter ido para casa… certo?’

Mas antes de sair do quarto para verificar, ele pegou o celular por hábito e, curioso, levantou uma sobrancelha. Havia duas mensagens de Yuki exibidas em sua tela de bloqueio: Você pediu uma empregada? e Enviei uma bomba-relógio para você. BOOM! ☆

Masachika começou a se preocupar imediatamente. Seu estômago se revirou quando ele abriu a porta do quarto… e ele imediatamente se imaginou em um mundo diferente na tentativa de escapar da realidade… porque duas belas jovens estavam olhando uma para a outra na sala de estar, silenciosamente… muito silenciosamente.

‘Entendo… Então é assim que é uma guerra fria. Eu não fazia ideia de que a Rússia e o Japão estavam prestes a se enfrentar novamente.’

Apenas sua imaginação absurda o estava impedindo de ir à falência, mas ele falou alto demais quando abriu a porta. As duas garotas na sala de estar olharam em sua direção e o cumprimentaram, trazendo-o de volta à realidade, quer ele gostasse ou não.

“Kuze, você tem certeza de que descansou o suficiente?”

“Como está se sentindo, Sir Masachika?”

Uma delas era Alisa, e a outra era uma jovem que geralmente tinha o cabelo solto, cobrindo desleixadamente o rosto na escola, mas agora o tinha bem preso, expondo o rosto, e estava totalmente equipada com um uniforme de empregada: Ayano. A propósito, seu uniforme de empregada era cheio de babados, como um daqueles chamados uniformes de empregada que se vê em Akihabara, mas não era o uniforme oficial da equipe da família Suou. Era algo que ela usava porque Yuki queria que ela usasse. O uniforme oficial da equipe da família Suou era muito mais simples. Eles nem sequer usavam aquelas faixas de cabeça com babados. Ayano só acabou com essa roupa porque Yuki foi direto ao avô e exigiu: “As moças deveriam usar roupas mais bonitas!” Seu avô concordou com relutância, mas somente se Yuki prometesse que Ayano não se vestiria assim quando recebesse visitas. Portanto, o uniforme de empregada de Ayano era algo pelo qual Yuki lutava. Isso era o que significava para ela.

‘É um uniforme bonito, mas há hora e lugar para ele… e esse lugar não é aqui e nem agora.’

Os olhos de Masachika se desfocaram, olhando para longe depois de ver Ayano vestida de empregada doméstica pela primeira vez em muito tempo. Enquanto isso, Ayano, que estava sentada em frente a Alisa, levantou-se rápida e silenciosamente da cadeira e passou por baixo do braço dele como uma espécie de feiticeiro teletransportado.

“Permita-me emprestar meu ombro”.

Ela estava sob sua axila direita antes que ele percebesse, com o braço esquerdo envolvendo sua cintura e a mão direita em seu peito.

“Vamos lá, agora. Eu consigo andar sozinho.”

“Não quero que você exagere.”

Ele tentou se afastar, mas Ayano imediatamente apertou o braço em torno dele, pressionando-se rigidamente contra seu lado direito.

“Você precisa relaxar, Ayano. Você está me fazendo sentir como um chefe de um sindicato clandestino que assedia sexualmente seus escravos.”

“É você quem precisa relaxar, Kuze… Ahem. Solte-o logo.”

“Não vou largar. É meu dever como empregada cuidar dele.”

“Você é a empregada de Yuki, não a dele.”

Ayano congelou imediatamente… permitindo que Masachika se afastasse suavemente.

No entanto…

“Lady Yuki me deu ordens para cuidar de Sir Masachika, então é meu dever cuidar dele.”

Ayano o apertou nos braços mais uma vez, como se dissesse: “Não vou deixar você escapar!” A sobrancelha de Alisa se contraiu de repente.

“Portanto, eu estarei assumindo o controle a partir daqui. Você pode ir agora. Já é tarde, então vou pedir para o motorista da família Suou levá-la para casa.”

‘Que droga! Eu sei que ela provavelmente tem boas intenções, mas a maneira como ela disse isso parece que está tentando começar uma briga!’

“Já está ficando tarde, então é melhor você ir para casa e dormir um pouco. Eu posso cuidar do resto”, foi o que Ayano provavelmente quis dizer, mas graças ao seu tom distante e ao fato de que ela estava segurando Masachika firmemente em seus braços, você também poderia interpretar suas palavras como: “Você não tem utilidade agora que estou aqui. O motorista já está esperando por você lá fora, então se apresse e saia daqui.”

Alisa levantou as sobrancelhas bruscamente antes de fixar Ayano com um olhar feroz, mas Ayano a encarou sem piscar.

‘Espere… Ayano tinha boas intenções quando disse isso… certo?’

Ela não pareceria mais confusa se tivesse boas intenções? Você não olharia de volta para alguém assim, certo? Espere um pouco… Vai haver um banho de sangue? Será que entrei em uma zona de batalha?

No momento em que as suspeitas começaram a surgir na mente de Masachika, ele se lembrou subitamente da segunda mensagem que Yuki havia lhe enviado: “Enviei a você uma bomba-relógio. BOOM! ☆” Os calafrios que lhe percorriam a espinha eram causados pelo frio… ou era outra coisa?

“Além disso, você não deveria estar se preparando para amanhã?”, acrescentou Ayano.

“…”

A sobrancelha de Alisa se contraiu novamente… mas Masachika não fazia ideia do que Ayano estava falando.

“Amanhã? O que vai acontecer amanhã?”

“Nada. É um dia de aula. É só isso.”, respondeu Alisa rapidamente, falando por cima dele, mas a resposta dela não o deixou menos preocupado. No entanto…

“Kuze, quem você quer que fique aqui para cuidar de você?”

Uma pequena pergunta veio instantaneamente à mente.

‘Que tipo de pergunta é essa?!’

Era uma pergunta que não levava a nada de bom, e fez Masachika gritar por dentro.

‘Estou mais acostumada com Ayano cuidando de mim e me sinto culpado por ter mantido Alya por tanto tempo, então minha resposta é Ayano… mas não é esse o tipo de pergunta, é?’

Não se tratava de lógica ou raciocínio. As mulheres querem saber o que você realmente sente por elas quando fazem perguntas como essa, e Masachika sabia disso.

‘Como eu realmente me sinto? O que eu quero?’

Ele se distanciou um pouco, como se a febre estivesse voltando lentamente, e perguntou ao seu coração o que ele queria – o que ele desejava. Quem ele queria que ficasse com ele? Essa resposta foi simples e saiu naturalmente de sua língua.

“Eu quero um harém.”

‘Droga! Esqueci que eu era lixo humano!’, lembrou Masachika de repente, quando a luz nos olhos de Alisa desapareceu.

“Ah, uh. Não. O que eu quis dizer foi…”

“…”

“Muito bem. Devo chamar a senhorita Yuki?”

“Não!”

“Lady Alisa, você poderia apoiar o lado esquerdo de Masachika para mim?”

“Eu não preciso que ninguém apoie nada.”

“Não precisa ficar constrangido. Entendemos que todos os homens desejam engravidar o maior número possível de mulheres.”

Os olhos de Ayano estavam claros como cristal, uma completa inversão dos de Alisa.

“Eu sei que seu coração está no lugar certo, mas você acha que poderia parar de me fazer parecer ainda pior do que já pareço?”

Seu grito doloroso foi recebido com o suspiro profundo de Alisa, que fez cócegas em seu ouvido e o fez pular.

“Acho que não há nada com que se preocupar se você está se sentindo bem o suficiente para gritar tanto.”

“Alya?”

“Estou indo para casa. Fiz um pouco de borscht para você, então fique à vontade para se servir quando sentir fome.”

“B-borscht? Ah, é isso que está cheirando?”

Masachika olhou ao redor da sala de estar enquanto um aroma enchia o ar. Alisa assentiu em silêncio, depois pegou seus pertences e começou a sair.

“A-Ayano? Estou tendo dificuldade para andar com você me segurando assim, então você acha que pode me soltar?”

“Muito bem.”

Depois de finalmente conseguir se libertar de Ayano, ele seguiu Alisa antes de parar na porta da frente e se desculpar.

“Eu realmente sinto muito, especialmente porque você veio até aqui para me ajudar… De qualquer forma, eu realmente aprecio o que você fez por mim hoje. Obrigado”.

Sua expressão se suavizou.

“Tudo bem… Eu o ajudei… porque eu também queria.”

“Hmm? ‘Também’?”

“Não se preocupe com isso.”

Ela desviou o olhar da expressão curiosa dele e fixou os olhos em Ayano, que estava em pé na diagonal atrás dele.

“Cuide bem de Kuze por mim”.

“Eu cuidarei.”

Ela fez uma leve reverência para Ayano antes de olhar para Masachika novamente.

Os olhos de Alisa. Seus olhos abrigavam uma forte vontade, como se ela estivesse determinada a fazer algo – algo desconhecido para ele.

“Alya?”

“Boa noite, Kuze.”

“Sim… Boa noite.”

Mas ela se virou suavemente, empurrou a porta da frente e saiu sem responder ao seu chamado. Ele observou, sentindo que algo estava errado, mas suas preocupações foram deixadas de lado no momento em que Ayano fechou a porta da frente depois de passar silenciosamente por ele.

“Você está bem? Precisa que eu lhe empreste meu ombro?”

“Não, estou bem. De verdade.”

Ayano deu um passo para perto dele, mas ele recuou.

“Espere um pouco. Alguma coisa está me esfaqueando na perna. Você tem alguma coisa no bolso?”, reclamou ele, esfregando dolorosamente a parte externa da coxa. Ela congelou por um momento e inclinou a cabeça antes de piscar com força, como se tivesse acabado de perceber algo.

“Ah, isso é…”

Do nada, ela agarrou a saia e a levantou com confiança em um movimento rápido.

“Mas o que?!”

As meias brancas até o joelho de Ayano foram reveladas em toda a sua glória diante do olhar maravilhado de Masachika, incluindo suas… coxas armadas?

“Ayano… O que é isso?”

Algo dentro dele morreu quando ele viu o que estava enrolado nas coxas dela: duas faixas pretas em cada perna segurando o que pareciam ser canetas prateadas.

“São minhas armas.”

“São o quê?!”, gritou Masachika em uma voz quase estridente. De repente, Ayano balançou o braço direito, dando um tapa na saia e fazendo-a esvoaçar, mal cobrindo os segredos do universo. Nenhum homem conseguia resistir ao olhar de expectativa, inclusive Masachika. Ela então empurrou a palma da mão para frente, mas parou diante dos olhos dele.

“Armas.”

“O que você está fazendo!?”

Entre seus dedos estavam três canetas de metal extremamente pontiagudas. Com força suficiente, um golpe na garganta com uma delas poderia facilmente matar alguém, mas… por que ela estava escondendo algo assim debaixo da saia?

“Senhorita Yuki me disse que ‘não estaria certo’ sem isso.”

“Sim… Já imaginava.”

“Ela me disse que um vestido de empregada era um tipo de uniforme de combate, então eu tinha que estar preparada para a batalha o tempo todo.”

“Huh, eu me pergunto com quem ela planeja lutar.”

Masachika voltou para a sala de estar, nem mesmo com vontade de comentar mais sobre isso.

“Você está com fome? Há borscht na cozinha, como você sabe.”

“Ah, claro. Você acha que poderia me trazer uma tigela?”

“Muito bem. Voltarei em breve.”

Muito tempo depois de se sentar em uma cadeira e verificar sua temperatura, um aroma maravilhoso passou por ele.

“Desculpe por tê-lo feito esperar. Qual era sua temperatura?”

“De acordo com este termômetro, está em 37,4 graus Celsius, portanto, já está bem melhor.”

“Fico feliz em ouvir isso. Aqui, eu o re-aqueci para você.”

“Obrigado.”

Quando ele pegou a colher e deu uma olhada na tigela, encontrou exatamente o que se esperava ver no borscht: uma sopa de cor carmesim escura. Aparentemente, Alisa não colocou carne e só usou legumes bem cozidos, provavelmente porque ele estava doente.

“Então… Vamos ver o gosto.”

Ele colocou uma colherada na boca, quase estremecendo com a acidez da sopa, mas a doçura dos legumes o acompanhou quase que imediatamente. Masachika pôde sentir seus sentidos entorpecidos despertarem rapidamente.

“Isso é delicioso…”

Seu apetite voltou em um piscar de olhos, e ele pegou uma grande porção de legumes em seguida, cada um perfeitamente cozido, derretendo em sua boca sem que ele sequer precisasse mastigar. O repolho e as cebolas estavam doces, e as beterrabas também não tinham muito sabor de terra.

‘Eu realmente não era fã das beterrabas terrosas do borscht do vovô naquela época… Ele sempre ria e dizia que não seriam beterrabas sem o sabor, mas eu prefiro muito mais essas beterrabas.’

Ele continuou comendo fervorosamente, atordoado, até perceber que sua tigela estava completamente vazia.

“Ainda há um pouco de borscht na panela, se você quiser comer mais.”

“Sim, eu poderia comer um pouco mais.”

Ele acabou terminando o pote depois disso. Até o Masachika ficou surpreso por ele conseguir comer tanto.

“Estava delicioso… Eu realmente devo uma à Alya”.

Ela havia dito algo como “leva umas quatro horas para fazer borscht”, e Masachika não sentiu nada além de gratidão por alguém que passou tanto tempo fazendo algo para ele.

“Ufa…”

Sua cabeça começou a ficar um pouco confusa novamente depois de comer. Podia ser porque ele estava entupido, mas talvez a febre também estivesse voltando.

“Trouxe seu remédio.”

“Oh, obrigado.”

Ele tomou o remédio mais uma vez, depois se levantou para poder se deitar. Depois de impedir Ayano de ajudar, ele arrastou as pernas lentamente de volta para o quarto e caiu na cama.

“Hff…”

“Gostaria que eu preparasse um banho para você?”

“Hmm… Acho que estou bem por hoje.”

“Então, pelo menos permita que eu limpe seu corpo para você.”

“Acho que vou entrar no chuveiro.”

Ele imediatamente reverteu sua primeira decisão quando viu a determinação brilhante nos olhos de Ayano e seus punhos cerrados. Seu instinto lhe dizia que algo muito ruim aconteceria se ele permitisse que ela ajudasse quando ele estava em um estado tão debilitado.

“Então permita que eu lave suas costas.”

“Não. Estou bem.”

“Não precisa se preocupar. Vou colocar uma venda em seus olhos.”

“Hã, eu estava me perguntando quando a configuração da venda iria aparecer. De qualquer forma, lavar o corpo com os olhos vendados? Parece perigoso.”

“Então não vou colocar a venda.”

“Parece sujo.”

“Você pode se sentir confortável comigo. Como sua empregada, prometo não olhar para seu corpo nu de forma sexual.”

“Que tipo de declaração é essa? Por exemplo, quem declara algo assim?”

“E se eu quebrar essa promessa, você pode fazer o que quiser comigo…”

“Está bem, está bem, está bem. Já ouvi o suficiente.”

Depois do banho, Masachika continuou a fazer o que podia para impedir que Ayano tentasse ajudá-lo a fazer cada pequena coisa e, quando estava pronto para ir para a cama, estava totalmente exausto, tanto física quanto mentalmente.

“Durma bem.”

“Sim… Boa noite.” Ele acenou, fingindo não notar o quanto ela estava agitada.

“Talvez eu deva dormir ao seu lado e…”

“Não. Não quero que você pegue meu resfriado.”

“Então, que tal uma canção de ninar?”

“Não, obrigado.”

Era como se ela estivesse dizendo: “Sério? Tem certeza?”, enquanto ela se recusava a fechar completamente a porta do quarto dele, espiando pela fresta.

“Ayano.” Masachika suspirou baixinho e estreitou os olhos.

“Sim? O que posso fazer por você? Você precisa de mim, não precisa? Quer que eu cante uma canção de ninar para você, não é?”, disse ela com os olhos brilhantes ao abrir a porta.

“Esta é uma ordem. Vá para o quarto da Yuki e vá para a cama.”, ele exigiu severamente.

“Muito bem. Boa noite.”

No instante em que ele pronunciou a palavra ordem, ela saltou no ar e prontamente fez uma reverência antes de se retirar do quarto.

“Eu deveria ter dito isso há uma hora…”, disse Masachika com um sorriso exasperado, e pegou o celular para verificar antes de dormir, descobrindo mais uma mensagem de Yuki exibida na tela: Ayano VS Alya – Partida 1: Ayano vence.

“Você faz parecer que haverá uma segunda partida”, brincou ele em um sussurro, colocando o telefone no chão antes de rolar para o lado. Embora imaginasse que levaria horas até conseguir dormir, depois de ter dormido tanto naquele dia, a vontade de dormir veio rapidamente, então ele se entregou à força e, lentamente, adormeceu.

Sim, ele adormeceu sem sequer rever o que o estava incomodando sobre a atitude de Alisa quando ela foi embora… e sem pensar profundamente sobre o que Yuki disse em seus textos. Mas quando ele percebeu isso, já havia acabado. Era tarde demais.

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